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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Anúncio Antigo 22: Invista na Amazônia




Ganhe dinheiro com a Amazônia!!! Invista na região e deduza do Imposto de Renda!!! Era o que ofereciam os incentivos fiscais criados a partir de 1966 com a Operação Amazônia do Governo Castelo Branco em plena Ditadura Militar (1964-1985). As empresas que já tivessem empreendimentos instalados em 31.10.1966 teriam 100% de isenção do Imposto de Renda e as outras empresas (ou pessoas jurídicas) das demais regiões do país seriam contempladas com 50% de isenção, caso destinassem tais recursos para projetos da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Contudo, o que de fato veio a atrair o grande capital proveniente do Sul e Sudeste para aquela região foi a possibilidade de adquirir terras a preços baixos e o uso das mesmas para a obtenção dos créditos captados pelos incentivos fiscais. Era uma forma de proteger o capital da inflação que existia na época. A inserção da terra dentro de uma economia de mercado afetou aqueles que a utilizavam de forma livre na agricultura de subsistência e no extrativismo vegetal (principalmente na borracha e castanha-do-pará). 


Populações ribeirinhas (como os moradores do bairro Cabelo Seco na cidade de Marabá, que aparece na foto acima), extrativistas, caboclos e índios viviam há séculos na Amazônia.  Ao contrário do que propagandeava o Governo Militar, a Amazônia não era um espaço vazio. Os conflitos de terra envolvendo posseiros e fazendeiros recém-chegados à região mostraram exatamente isso. 
As políticas públicas implantadas na Amazônia não deram importância ao aperfeiçoamento da produção local ou da indústria regional que já estava instalada em centros como Manaus e Belém. A modernização foi imposta de cima para baixo. A selva foi rasgada por estradas (como a conhecida Transamazônica), projetos de exploração mineral foram implantados (como o Projeto Ferro Carajás e da bauxita no rio Trombetas) e hidrelétricas foram construídas (como Tucuruí e Balbina) para sustentar os chamados "Grandes Projetos" voltados para a extração mineral e também para a agropecuária que poucos benefícios trouxeram para a região. Foi o ponto de partida para o desmatamento, uma vez que para colocar o gado era preciso derrubar a mata nativa e criar pastagens. Tal procedimento era também uma forma de estabelecer benfeitorias que valorizassem a terra, que antes era em grande parte de livre acesso ou sob a forma de concessão do poder público. A Amazônia foi privatizada sob a política de incentivos fiscais. 
A justificativa dos militares era a de promover a integração da região para evitar que a mesma fosse objeto da cobiça internacional. O lema era "integrar para não entregar". Claro que havia o temor da presença de grupos guerrilheiros de esquerda que pudessem utilizar a Amazônia como foco de um futuro movimento armado, como se descobriu depois com o episódio da Guerrilha do Araguaia (1972-1974).
Dois estados foram as maiores vítimas dessa política de ocupação desenfreada e mercantil: Pará e Rondônia. Coube ao Governo Militar facilitar ainda mais o acesso do grande capital por meio da abertura de estradas. A já citada Transamazônica (1972), o asfaltamento da Belém-Brasília (1973), as estradas estaduais PA-70 que ligava o município de Marabá com a Belém-Brasília (1967), a PA-150 (1975) que ligava Belém ao Sul do Pará e no caso de Rondônia a rodovia Cuiabá-Porto Velho. Colonos do Nordeste chegaram a ser levados para a Amazônia para iniciar a ocupação em terras cedidas pelo poder público. Mas o caminho estava aberto mesmo era para o latifúndio. Volkswagen, Banco Bamerindus, Bradesco, Grupo Liquifarm e até o apresentador-empresário Silvio Santos, entre outros,  investiram em projetos agropecuários. 


O primeiro resultado disso foram as queimadas para a derrubada da floresta e preparo do pasto, tudo isso feito sem nenhum critério técnico ou estudos preliminares que pudessem indicar algum outro tipo de aproveitamento mais adequado dos recursos naturais. As árvores derrubadas eram vendidas a preços baixíssimos para satisfazer a procura pelas madeiras nobres (na imagem acima, caminhão transporta toras provenientes da derrubada da floresta no município de Marabá em 1988). 
O exemplo mais claro, no caso do Sudeste do Pará, foi o da castanheira (Bertholletia excelsaárvore que produz o fruto do qual é extraída a conhecida castanha-do-pará (ou castanha-do-Brasil). O município de Marabá foi o maior produtor de castanhas de toda a Amazônia por décadas. As queimadas e a derrubada das castanheiras naquela área foram fatores determinantes para que o Brasil perdesse a condição de maior produtor mundial de castanha para a Bolívia no decorrer da década de 1990. A castanha deu lugar à produção de carne bovina no citado município. 


Contudo, mesmo antes das intervenções promovidas pelo Governo Militar naquela região a exploração de alguns recursos naturais levou ao desaparecimento de muitas espécies importantes da flora e da fauna da Amazônia. Foi o caso do caucho (castilloa ulei), uma variedade da seringueira que existia também no Sudeste do Pará. Desde o final do século XIX essa espécie vinha sendo derrubada para a extração da borracha (como na raríssima foto que aparece acima, de 1912). A retirada do látex exigia o abate dessa espécie de seringueira, ao contrário das outras. As tartarugas, os jacarés, o peixe-boi e as onças desapareceram de várias áreas da Amazônia antes da década de 1960. A imagem muito veiculada por ambientalistas e defensores da natureza de que as populações tradicionais preservam o meio ambiente e praticam algo semelhante a uma exploração sustentável da natureza não deve ser levada ao pé da letra, embora saibamos que os índios em sua cultura original não praticassem uma economia mercantil.
O estudo da história da Amazônia pode ajudar a direcionar a exploração daquela região em bases mais científicas e racionais, que não seja a simples depredação feita nas últimas décadas para atender as demandas do mercado internacional. E que tudo isso possa trazer algum proveito efetivo para as populações da região, que permaneceram marginalizadas nesse avanço da fronteira econômica estimulado, sobretudo, pelos governos militares a partir da década de 1960. O conhecimento pode ser uma arma poderosa para o uso da floresta, não apenas extraindo os seus recursos de forma predatória mas agregando valor aos mesmos.
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado na antiga revista "Realidade" n.25, de abril de 1969, pag. 8. 
Crédito das demais imagens: acervo do autor e do livro Amazônia Urgente de Berta G. Ribeiro, ed. Itatiaia, 1990, páginas. 230 e 138. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Da literatura para a TV: a novela Gabriela versão 2012



A terceira transposição para a televisão do romance de Jorge Amado, "Gabriela, Cravo e Canela", escrito em 1958, parece refletir aspectos que não apareciam nas versões anteriores ou mesmo na obra literária do grande escritor. Claro, estamos em 2012 e o formato atual da telenovela exige cenários mais sofisticados, ambientes mais luxuosos, mesmo impróprios para o contexto da época, como no caso da boate Bataclan, que mais se assemelha aos cabarés da velha Chicago dos tempos de Al Capone do que a Ilhéus da década de 1920. Belas mulheres muito bem vestidas, loiras, olhos azuis, brancas e poucas mulatas ou negras, como seria o mais natural. Afinal estamos na Bahia. A personagem Gabriela da obra de Jorge Amado era mulata, como também a Glória do coronel Coriolano. No que se refere ao Bataclan, poucas referências são feitas ao mesmo no livro, como também no que diz respeito a Maria Machadão e às moças que ficavam sob o seu comando. As cenas mais sensuais e tórridas, além de algumas ousadias impensáveis para a época entre os personagens amantes são recursos de imagens para atrair a audiência do horário das onze horas. O livro transmite uma sensualidade mais suave, uma vez que não conta com o recurso da imagem. Daí a importância da literatura, fazer o leitor imaginar ou "viajar" no ambiente descrito pelo autor. Ainda faço uma outra observação com relação ao Bataclan descrito no livro, não era a única boate de Ilhéus. Existiam outras casas inclusive para os mais desafortunados, como os jagunços ou os tripulantes dos barcos que passavam pela cidade. As garotas desses outros cabarés não eram tão belas ou bem vestidas como as do Bataclan.





E aos amores? Bem, a novela atual dá um grande destaque. O Dr. Osmundo e Sinhazinha, Malvina e o professor Josué e depois com o engenheiro Rômulo, o mesmo professor Josué e Glória, o Dr. Mundinho e Jerusa e claro, Nacib e Gabriela. Ainda era pouco. Walcyr Carrasco acrescentou a personagem Lindinalva, desconhecida no universo literário de Jorge Amado e a qual, da condição de "boa moça", acabou se prostituindo. Trata-se de um declínio social muito improvável de ocorrer nas circunstâncias da sociedade de Ilhéus. 
A personagem Malvina às vezes parece perder um pouco a sua rebeldia e o seu amor pelos livros, tão claro na obra  original. Ah, o engenheiro Rômulo Vieira também não se revela à altura dos sonhos progressistas de Malvina, como ocorrera também com o professor Josué. Rômulo era apenas um galanteador e que já tivera problemas no Rio de Janeiro envolvendo-se com outras mulheres. Malvina pensa na fuga desse universo fechado, hipocritamente recatado e conservador da sociedade de Ilhéus. Foi ela que pensou em se atirar ao mar e não a improvisada personagem Lindinalva. Será que Malvina irá concretizar a ideia de morar em uma grande cidade, trabalhar, estudar e ser independente como ocorre no romance de Jorge Amado? 
Não seria possível hoje iniciar a trama logo com o crime do coronel Jesuíno Mendonça perpetrado contra Osmundo e dona Sinhazinha. Foi preciso um fio condutor até o desfecho, com os encontros às escondidas do casal adúltero e a inclusão da empregada bisbilhoteira e aproveitadora. A propósito, bem no final do livro, a justiça irá prevalecer e Jesuíno será condenado no tribunal. 
Em tempos como os de hoje, em que a política anda tão desprestigiada e o público parece fugir desse assunto, nada mais lógico do que a versão de 2012 obedecer a esse procedimento. A luta entre o poder estabelecido e a oposição parece ter perdido um pouco da força que tinha no formato literário e mesmo na versão televisiva de 1975. A novela "Gabriela" de 2012 já não necessita ser um simulacro da luta da oposição contra os poderosos que estaria existindo na vida real, uma vez que nesta os opositores e os poderosos são tão parecidos entre si. Não era assim em 1975 quando foi produzida a versão anterior de "Gabriela", por exemplo. Onde está o personagem Capitão, o grande rival do coronel Ramiro Bastos até a chegada de Mundinho e que irá auxilia-lo no confronto com os coronéis? 
O doutor Mundinho Falcão, vindo do Rio de Janeiro, mas com raízes econômicas e familiares em São Paulo, inclusive com negócios vinculados ao café, representava no universo de Jorge Amado um estilo mais renovador, moderno e progressista. Mundinho trazia a ideia de substituir a força pela lei, o casamento por obrigação pelo casamento por amor, a imprensa submissa por uma imprensa mais livre (na verdade, não tão livre assim), o provincianismo pelo cosmopolitismo, o assassinato em nome da honra pela justiça com base na lei. Em resumo, a política oligárquica pela democracia liberal burguesa. Mundinho tinha interesse em outras mulheres, como por exemplo, Anabela. O romance discreto com Jerusa era apenas um pano de fundo da luta política. Na versão atual de "Gabriela", a política é que é o pano de fundo. 



Jorge Amado, como um bom integrante do velho Partido Comunista Brasileiro (PCB) acreditava na superação da etapa "feudal" da vida brasileira pelos novos ares trazidos pela Revolução de 1930. Um estilo de vida mais burguês começava a chegar em Ilhéus. O hábito de tomar banho de mar era apenas um desses aspectos trazidos pelos de fora, Mundinho, Osmundo e Rômulo. Esse enfoque era temperado na obra com a sensualidade tropical da Bahia daquele final de década de 1920. O romance do "turco" Nacib com Gabriela é, no livro de Jorge Amado, o exemplo mais destacado dessa sensualidade. A mulata que não gosta de luxos, de cerimonias, de usar sapatos de damas, de conferências literárias (sim, Nacib a obrigou a assistir palestras de literatos), das damas carolas e hipócritas da alta sociedade de Ilhéus, que gostava de brincar no meio da rua com as crianças e com o negrinho Tuísca, de empinar papagaios. A Gabriela que também não se importava se Nacib desse as suas escapadas eventuais para os braços de alguma "quenga" (palavra muito pouco utilizada no livro, uma ou duas vezes no máximo) e que talvez imaginasse que Nacib não se importasse tanto se ela própria se sentisse atraida por algum outro "moço bonito", como no caso de Tonico Bastos. E foi o que aconteceu.



Como consolar o pobre Nacib da "traição" de Gabriela? Jorge Amado conseguiu resolver na sua obra a desonra sofrida por Nacib e ao mesmo tempo, transformá-lo em uma figura simpática. Não precisou dar tiros para solucionar a questão. Um outro personagem mais presente no livro, os sr. João Fulgêncio, o dono da livraria, que têm uma certa ascendência sobre Malvina, a quem via como uma moça intelectualmente brilhante, apoiou o nosso herói turco. Completamente apagado na versão televisiva atual, será João Fulgêncio, o bom e leal amigo de Nacib, que irá consolá-lo e lhe dar apoio durante a desilusão com Gabriela e Tonico. Mas como Nacib irá resolver novamente o problema da falta de uma cozinheira, logo agora que ele irá abrir o seu restaurante em sociedade com o dr. Mundinho Falcão? Que falta faz Gabriela! Não a Gabriela que Nacib queria mudar e transformar em dama, mas a autêntica Gabriela, a do "cravo e da canela", aquela do universo de Jorge Amado. 
Crédito das imagens: os desenhos de Di Cavalcanti foram retirados do livro "Gabriela Cravo e Canela" de Jorge Amado, Editora Record (edição sem data) e a foto de Juliana Paes da TV Globo. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Anúncio Antigo 21: o filme King Kong versão 1933



"Não foram os aviões. Foi a bela que matou a fera." Com esta frase terminava um dos filmes mais marcantes da história do cinema hollywoodiano:"King Kong". Sim, estamos nos referindo à versão de 1933 dos estúdios RKO e produzida por David Selznick, que seis anos depois foi o responsável por outro clássico do cinema: "E o Vento Levou...". 
Os Estados Unidos viviam naquele distante ano de 1933 o pior momento da crise econômica iniciada em 1929 e que repercutiu por praticamente toda a década de 1930. O novo presidente dos Estados Unidos na época, Franklin D. Roosevelt, apenas anunciava o conjunto de medidas contidas no chamado "New Deal" para restaurar a economia por meio de uma série de investimentos públicos e levantar o moral da sociedade norte-americana abalada pela Grande Depressão. 
Recessão, desemprego e falências foram os aspectos mais graves da crise, exceto em um setor: o cinema. Parecia que os filmes representavam uma válvula de escape para as multidões atormentadas pelo fantasma do desemprego. A indústria cinematográfica prosperava com o advento do som e já vislumbrava o Technicolor que marcou a era de ouro dos grandes estúdios de Hollywood até o início da década de 1950. 


Para o grande público que se dirigiu aos cinemas para assistir "King Kong" (na imagem acima o cartaz americano do filme) o gorila gigante parecia representar a própria Grande Depressão, um pesadelo que precisava ser eliminado. Mais tarde foi visto até como um símbolo de transgressão sexual e do amor proibido, um gorila que desejava uma mocinha e por ela perdeu a vida. Mas isto era uma leitura bem subliminar, uma vez que a censura do famoso Código Hays (uma série de normas voltadas para preservar os bons costumes adotada na época nos Estados Unidos) não permitia algo mais explícito. Por exemplo, uma das cenas previstas no roteiro e que acabou não sendo filmada, mostrava o gorila tirando a roupa da mocinha. 
Por outro lado, "King Kong" também marcou o cinema do ponto de vista dos efeitos especiais. Numa época onde não existia computação gráfica, as cenas que envolvem o gigantesco gorila tiveram que ser feitas de forma artesanal e até hoje impressionam. O responsável pela parte visual foi Willis O'Brien, um escultor e desenhista de origem irlandesa, apaixonado por paleontologia (estudo dos fósseis e animais pré-históricos) e que já tinha desenvolvido maquetes para museus de História Natural. Sua contribuição foi fundamental para o filme. Sob a sua orientação foi construido um gorila de pelúcia, com menos de meio metro, feito em estrutura de metal e coberto com pele de coelho. Este "bonequinho" foi utilizado nas cenas em que Kong aparecia por inteiro. 


Separadamente, foram construidas outras partes do animal para os "closes" (cenas próximas), como a cabeça e as mãos do gorila. Estas últimas que deveriam segurar a atriz Fay Wray eram articuladas e mediam cerca de dois metros e meio de comprimento, podendo elevar-se a até três metros do chão. Muitas das cenas em que a atriz aparecia junto ao gorila gigante foram filmadas separadamente e depois acrescentadas no plano geral (como na imagem acima). 
Os movimentos do gorila foram feitos quadro a quadro (no sistema "stop-motion animation") e uma vez juntos davam a impressão de movimento. Apenas a cena da luta entre Kong e um pássaro pré-histórico na ilha da Caveira (onde King Kong foi encontrado) demandou sete semanas de filmagens. A ideia inicial dos produtores era que as locações fossem feitas na África, mas como estávamos em tempos de crise, tudo foi feito em estúdio, aproveitando cenários de outras produções.


Como todos sabem, na história "King Kong" foi levado para Nova Iorque para ser exibido na Broadway, mas acabou escapando e levando com ele uma atriz loira por quem se apaixonara (interpretada por Fay Wray) e resolveu subir no edifício Empire State carregando junto a sua "amada" (imagem acima). Aviões acabaram abatendo mortalmente a criatura que caiu do alto do arranha-céu. 
Algumas outras curiosidades a respeito do filme podem ser lembradas. A história teve duas refilmagens, em 1976 (quando uma réplica do gorila foi exibida no já extinto Play Center em São Paulo) e 2005. Em 1991, o "King Kong" de 1933 foi considerado como um produto cultural significante e selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Em abril de 2004, a revista Empire, uma das mais importantes publicações britânicas sobre cinema, o considerou o "maior filme de monstros" de todos os tempos. A atriz canadense Fay Wray ficou lembrada para sempre como a namorada de Kong, apesar de sua longa carreira nas telas de cinema. Por ocasião de sua morte, em 2004, aos 97 anos, as luzes do Empire State em Nova Iorque foram apagadas por quinze minutos. 
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado no jornal "O Estado de São Paulo" de 26.05.1933. O filme já estava sendo exibido por aqui dois meses depois de ter sido lançado nos Estados Unidos. Uma última curiosidade, o cine Rosário ficava embaixo do conhecido edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo. Era o nosso "Empire State".
Crédito das imagens: Os Clássicos do Cinema, Editora Altaya, 1997, vol. II e Diccionario del Cine de Aventuras de Javier Coma, P&J Editores, 1994. 


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O quadro de Rembrandt no MASP



A questão da autenticidade do trabalho de Rembrandt (imagem acima) que se encontra no acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) talvez seja um problema menor. Não significa, em absoluto, má fé por parte do museu ou de quem adquiriu a obra, no caso o conhecido jornalista Assis Chateaubriand, fundador do MASP e que arrematou o trabalho durante um leilão em Nova Iorque em 1948 por apenas 25 mil dólares. Muito menos do curador do museu  por muitos anos, o crítico e historiador de arte Pietro Maria Bardi. Muitas vezes uma obra de um artista importante que se encontra em uma coleção ou acervo de museu pode ser atribuída a um discípulo que frequentou o atelier do artista famoso ou até mesmo a ambos. O que dizer dos diversos trabalhos de Leonardo da Vinci que tiveram a mão do pintor e também de seus alunos? Ou mesmo, da fase de aprendizado de Leonardo no atelier de Andrea del Verrochio, em Florença na Itália, quando mestre e discípulo teriam dado pinceladas em um mesmo trabalho? Nem por isso, deixamos de considerar os traços essenciais de um determinado gênio artístico em tais obras e que se tornariam marcantes em outros trabalhos. 
É o caso do quadro atribuido a Rembrandt (1606-1669)  intitulado "Jovem com Barba Nascente" ou "Retrato de Jovem com Corrente de Ouro" de tamanho relativamente pequeno (57 x 44 cm) pintado sobre madeira, que teria sido executado em 1635 e pertencente ao acervo do Museu de Arte de São Paulo. 



O trabalho sempre foi destacado como uma obra representativa do famoso mestre holandês, com as suas pinceladas típicas e as camadas de óleo as quais acredita-se, eram aplicadas com espátula. Podemos também perceber o característico tom monocromático que tende do amarelo escuro para o marrom, o efeito do claro-escuro no mesmo estilo dos demais retratos feitos por esse grande artista holandês do século XVII (na imagem acima, um detalhe da obra). A assinatura do mestre pode ser verificada no seu ombro direito por meio de luz infravermelha. Desde o século XVII a obra é tida como um autêntico Rembrandt por vários documentos, cópias feitas por outros pintores e que também consideravam a mesma um autorretrato.
Rembrandt viveu em uma época importante na história da moderna Holanda ou Províncias Unidas como era mais conhecida. O crescimento comercial típico do capitalismo mercantil da primeira metade do século XVII tornou a sociedade holandesa próspera e receptiva para o trabalho dos bons artistas e pintores, sobretudo os retratistas. É nesse momento que Rembrandt entrou na cena cultural de Amsterdam, tendo o seu trabalho reconhecido e procurado por colecionadores pertencentes à então burguesia emergente. Seus retratos de figuras individuais e de grupos ganharam notoriedade. Obras como "Lição de Anatomia" e "Ronda Noturna" são bons exemplos de como esse artista conseguiu dar forma a esse tipo de trabalho, que eram muito requisitados na época. 
Com o sucesso da venda de seus quadros, Rembrandt acaba, ele próprio, se inserindo naquela sociedade próspera e rica. Ele se viu em meio a uma vida opulenta e abastada. Adquiriu uma bela mansão, ricamente decorada com antiguidades e obras de arte. Ele mesmo tornara-se um colecionador.
Contudo, as demandas do mercado requeriam sempre o mesmo tipo de trabalho e não permitiam novas experiências no campo da pintura. Ao deixar fluir a sua vertente de artista que sempre procurava inovar, Rembrandt foi perdendo a sua clientela. Ninguém estava disposto a admirar figuras nas quais o sentimento do retratado saltava à vista do espectador ou ainda a figura de um touro dissecado no matadouro. E o que dizer dos seus mais de 60 autorretratos, nos quais pode-se perceber os bons e principalmente, os maus momentos vividos pelo grande artista. Foi aí que emergiu o Rembrandt inovador da arte do século XVII e do Barroco. Para a posteridade, estava sedimentada a imagem do grande gênio da história da arte, mas não mais para os seus contemporâneos. As tragédias em sua vida pessoal acompanharam a perda de sua clientela. Primeiro a morte da esposa Saskia (presente em vários de seus trabalhos) e depois de três dos seus filhos. Sua enorme residência teve de ser vendida, suas peças de decoração leiloadas e muitos de seus quadros foram arrematados em lotes para obter um preço razoável a fim de saldar as dívidas. 



Mas, voltando ao quadro do MASP, a partir da década de 1960, muitos historiadores começaram a colocar em dúvida a autoria do trabalho. Em 1989, a Comissão Rembrandt (criada na Holanda para analisar e classificar os trabalhos do mestre espalhados pelo mundo) discordou do fato do quadro ser um autorretrato e mesmo da própria autoria da pintura. Pietro Maria Bardi não aceitou o parecer, amparado por fontes documentais, por antigas gravuras, desenhos feitos a partir  do quadro por outros artistas que o atribuiam a Rembrandt e pela existência da própria assinatura do artista na obra (na imagem acima, Bardi examina um Raio X do quadro em 1969). Bardi também lembrou que muitos outros museus do mundo não aceitaram os pareceres da Comissão Rembrandt, como a famosa Coleção Frick de Nova Iorque (conhecida também pela grande quantidade de trabalhos do artista, que aliás pude ver pessoalmente). 
A própria Comissão Rembrandt chegou a rever alguns de seus pareceres, como ocorreu em 2005 com quatro trabalhos do mestre que tiveram a atribuição revista e confirmada. O professor de História da Arte da Unicamp, Luiz Marques, criticou também a Comissão por desconsiderar o prestígio que a obra teve como sendo um autêntico Rembrandt desde o século XVII e a falta de uma analise mais científica da obra, como por exemplo, a verificação da assinatura atribuida ao pintor. 
Enfim, para nós apreciadores da boa arte, não será suficiente sabermos da enorme proximidade que o quadro têm com o trabalho do mestre e nos colocarmos como alguém do século XVII e ver o quadro como sendo um autêntico Rembrandt? O mesmo foi até copiado por artistas como Ferdinand Bol, discípulo do pintor. Bol frequentou o ateliê do mestre holandês entre os anos de 1635 e 1637, época em que o quadro pertencente ao MASP foi pintado. Portanto, quando formos ao museu, talvez devamos nos preocupar mais com isso do que com os pequenos detalhes de autenticidade. Olhar e apreciar o trabalho como sendo um típico Rembrandt e nada mais.
Crédito das imagens: MASP e Revista Veja, edição de 30.04.1969, paginas 11 e 61.