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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O quadro de Rembrandt no MASP



A questão da autenticidade do trabalho de Rembrandt (imagem acima) que se encontra no acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) talvez seja um problema menor. Não significa, em absoluto, má fé por parte do museu ou de quem adquiriu a obra, no caso o conhecido jornalista Assis Chateaubriand, fundador do MASP e que arrematou o trabalho durante um leilão em Nova Iorque em 1948 por apenas 25 mil dólares. Muito menos do curador do museu  por muitos anos, o crítico e historiador de arte Pietro Maria Bardi. Muitas vezes uma obra de um artista importante que se encontra em uma coleção ou acervo de museu pode ser atribuída a um discípulo que frequentou o atelier do artista famoso ou até mesmo a ambos. O que dizer dos diversos trabalhos de Leonardo da Vinci que tiveram a mão do pintor e também de seus alunos? Ou mesmo, da fase de aprendizado de Leonardo no atelier de Andrea del Verrochio, em Florença na Itália, quando mestre e discípulo teriam dado pinceladas em um mesmo trabalho? Nem por isso, deixamos de considerar os traços essenciais de um determinado gênio artístico em tais obras e que se tornariam marcantes em outros trabalhos. 
É o caso do quadro atribuido a Rembrandt (1606-1669)  intitulado "Jovem com Barba Nascente" ou "Retrato de Jovem com Corrente de Ouro" de tamanho relativamente pequeno (57 x 44 cm) pintado sobre madeira, que teria sido executado em 1635 e pertencente ao acervo do Museu de Arte de São Paulo. 



O trabalho sempre foi destacado como uma obra representativa do famoso mestre holandês, com as suas pinceladas típicas e as camadas de óleo as quais acredita-se, eram aplicadas com espátula. Podemos também perceber o característico tom monocromático que tende do amarelo escuro para o marrom, o efeito do claro-escuro no mesmo estilo dos demais retratos feitos por esse grande artista holandês do século XVII (na imagem acima, um detalhe da obra). A assinatura do mestre pode ser verificada no seu ombro direito por meio de luz infravermelha. Desde o século XVII a obra é tida como um autêntico Rembrandt por vários documentos, cópias feitas por outros pintores e que também consideravam a mesma um autorretrato.
Rembrandt viveu em uma época importante na história da moderna Holanda ou Províncias Unidas como era mais conhecida. O crescimento comercial típico do capitalismo mercantil da primeira metade do século XVII tornou a sociedade holandesa próspera e receptiva para o trabalho dos bons artistas e pintores, sobretudo os retratistas. É nesse momento que Rembrandt entrou na cena cultural de Amsterdam, tendo o seu trabalho reconhecido e procurado por colecionadores pertencentes à então burguesia emergente. Seus retratos de figuras individuais e de grupos ganharam notoriedade. Obras como "Lição de Anatomia" e "Ronda Noturna" são bons exemplos de como esse artista conseguiu dar forma a esse tipo de trabalho, que eram muito requisitados na época. 
Com o sucesso da venda de seus quadros, Rembrandt acaba, ele próprio, se inserindo naquela sociedade próspera e rica. Ele se viu em meio a uma vida opulenta e abastada. Adquiriu uma bela mansão, ricamente decorada com antiguidades e obras de arte. Ele mesmo tornara-se um colecionador.
Contudo, as demandas do mercado requeriam sempre o mesmo tipo de trabalho e não permitiam novas experiências no campo da pintura. Ao deixar fluir a sua vertente de artista que sempre procurava inovar, Rembrandt foi perdendo a sua clientela. Ninguém estava disposto a admirar figuras nas quais o sentimento do retratado saltava à vista do espectador ou ainda a figura de um touro dissecado no matadouro. E o que dizer dos seus mais de 60 autorretratos, nos quais pode-se perceber os bons e principalmente, os maus momentos vividos pelo grande artista. Foi aí que emergiu o Rembrandt inovador da arte do século XVII e do Barroco. Para a posteridade, estava sedimentada a imagem do grande gênio da história da arte, mas não mais para os seus contemporâneos. As tragédias em sua vida pessoal acompanharam a perda de sua clientela. Primeiro a morte da esposa Saskia (presente em vários de seus trabalhos) e depois de três dos seus filhos. Sua enorme residência teve de ser vendida, suas peças de decoração leiloadas e muitos de seus quadros foram arrematados em lotes para obter um preço razoável a fim de saldar as dívidas. 



Mas, voltando ao quadro do MASP, a partir da década de 1960, muitos historiadores começaram a colocar em dúvida a autoria do trabalho. Em 1989, a Comissão Rembrandt (criada na Holanda para analisar e classificar os trabalhos do mestre espalhados pelo mundo) discordou do fato do quadro ser um autorretrato e mesmo da própria autoria da pintura. Pietro Maria Bardi não aceitou o parecer, amparado por fontes documentais, por antigas gravuras, desenhos feitos a partir  do quadro por outros artistas que o atribuiam a Rembrandt e pela existência da própria assinatura do artista na obra (na imagem acima, Bardi examina um Raio X do quadro em 1969). Bardi também lembrou que muitos outros museus do mundo não aceitaram os pareceres da Comissão Rembrandt, como a famosa Coleção Frick de Nova Iorque (conhecida também pela grande quantidade de trabalhos do artista, que aliás pude ver pessoalmente). 
A própria Comissão Rembrandt chegou a rever alguns de seus pareceres, como ocorreu em 2005 com quatro trabalhos do mestre que tiveram a atribuição revista e confirmada. O professor de História da Arte da Unicamp, Luiz Marques, criticou também a Comissão por desconsiderar o prestígio que a obra teve como sendo um autêntico Rembrandt desde o século XVII e a falta de uma analise mais científica da obra, como por exemplo, a verificação da assinatura atribuida ao pintor. 
Enfim, para nós apreciadores da boa arte, não será suficiente sabermos da enorme proximidade que o quadro têm com o trabalho do mestre e nos colocarmos como alguém do século XVII e ver o quadro como sendo um autêntico Rembrandt? O mesmo foi até copiado por artistas como Ferdinand Bol, discípulo do pintor. Bol frequentou o ateliê do mestre holandês entre os anos de 1635 e 1637, época em que o quadro pertencente ao MASP foi pintado. Portanto, quando formos ao museu, talvez devamos nos preocupar mais com isso do que com os pequenos detalhes de autenticidade. Olhar e apreciar o trabalho como sendo um típico Rembrandt e nada mais.
Crédito das imagens: MASP e Revista Veja, edição de 30.04.1969, paginas 11 e 61.

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