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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Imagens Históricas 21: Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes



A política democrática liberal costuma pregar armadilhas a todos os que participam da mesma. Alianças, confabulações, coligações e acordos podem ser feitos, mesmo entre aqueles que, em tese, seriam de diferentes linhas políticas e ideológicas. O inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã! Que o digam os personagens da foto acima tirada em 1947: o ex-presidente Getúlio Vargas (primeiro à esquerda) e o líder comunista Luís Carlos Prestes (segundo, da direita para a esquerda). Desde 1930 os rumos da política brasileira colocaram esses dois personagens em papéis de destaque.
Com a queda da Primeira República no movimento revolucionário de 1930, o gaúcho Getúlio Vargas ascendeu como principal liderança do país numa aliança que se opôs ao poder das antigas oligarquias (elites estaduais) lideradas pelos cafeicultores paulistas e por uma parte dos pecuaristas mineiros: a tradicional política do café com leite. Ao mesmo tempo, outro gaúcho, o ex-capitão do Exército Luis Carlos Prestes surgiu como a grande liderança do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e de um grupo revolucionário conhecido como Aliança Nacional Libertadora (ANL) que reunia grupos mais à esquerda, além do próprio PCB. O objetivo era derrubar Vargas e implantar um governo popular revolucionário. Contudo, o levante realizado em novembro de 1935 não teve êxito. Após o fracasso do movimento, chamado pelos anticomunistas de Intentona (plano insensato) Comunista, muitos antigos integrantes da ANL foram presos por ordem de Vargas, inclusive Luís Carlos Prestes, conhecido como "O Cavaleiro da Esperança" desde os tempos da Revolta Tenentista contra os coronéis da Primeira República na década de 1920. 



Prestes foi preso em 1936 junto com sua esposa e agente da Internacional Comunista, Olga Benario (imagem acima, Olga em um quadro de Cândido Portinari de 1945), que havia sido enviada ao Brasil para dar apoio ao levante comunista e ao próprio Prestes. Os dois entraram no país com documentos falsos e disfarçados como um casal em lua de mel. Contudo, o que era para ser apenas um disfarce virou realidade. Prestes e Olga se apaixonaram! No ato da prisão, Olga teria se colocado na frente do marido e impedido a morte do mesmo pelos policiais comandados pelo delegado Filinto Muller. 
Olga era alemã, de origem judia e comunista. O governo alemão, na época já controlado pelo Partido Nazista de Hitler, enviou um pedido de extradição ao governo brasileiro. Após uma luta nos tribunais, a decisão final coube ao Supremo Tribunal Federal (STF): Olga foi enviada para a Alemanha. O leitor já pode estar imaginando o que aconteceu com a jovem revolucionária. Olga Benario Prestes foi mandada a um campo de concentração. E o pior, grávida de uma filha de Prestes! Décadas depois, o STF veio a reconhecer o equívoco da decisão. Por outro lado, o presidente Getúlio Vargas nada fez na época para impedir a extradição, até porque o seu governo mantinha uma política amigável com a Itália fascista e a Alemanha nazista, inclusive para obter vantagens econômicas diante do então cenário internacional. Além disso, o seu governo abrigava muitos simpatizantes do totalitarismo fascista. 



Com Olga presa pelos nazistas, Maria Leocádia, mãe de Luis Carlos Prestes, iniciou uma campanha internacional para resgatar a neta. Anita Leocádia Prestes (na foto acima, ainda criança) foi salva, mas Olga Benario Prestes morreu em um campo de extermínio nazista em 1942. Só após o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, Prestes teve confirmada a morte da esposa.
Bem, apesar disso, o PCB por meio de Prestes manifestou apoio a Getúlio ainda no fim da ditadura do Estado Novo em 1945, enaltecendo a anistia aos presos políticos (inclusive ao próprio Prestes) e ao estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética. Ao mesmo tempo, o PCB flertava com o movimento Queremista (Queremos Getúlio), articulado pelos aliados do ex-ditador. A influência norte-americana se fazia presente na América Latina junto com o anticomunismo que marcou os primeiros tempos da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. Prestes alegava que o combate ao imperialismo americano e os interesses do povo brasileiro estavam acima de seus ressentimentos pessoais. As consequências do alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, após a queda de Vargas se confirmaram. O PCB foi cassado em 1947 durante o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e todos os parlamentares do partido perderam os seus mandatos, inclusive Prestes, que era senador, e os deputados Jorge Amado, Carlos Marighela e João Amazonas, entre outros parlamentares do partido. 
Mas voltemos à imagem mais acima. Na noite de 4 de novembro de 1947, em um comício que reuniu aproximadamente 10 mil pessoas no vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes estiveram lado a lado para prestar apoio ao deputado Cirilo Júnior, que era candidato ao cargo de vice-governador do estado. Ao caro leitor se faz necessário um esclarecimento. Pela Constituição de 1946, a eleição para o cargo de vice era independente, isto é, o eleitor poderia votar em um candidato a vice-presidente ou vice-governador de uma chapa diferente do candidato titular ao cargo. Algo que poderia gerar problemas, pois poderia ser eleito um candidato de um partido oposto ao do vice. Para Getúlio Vargas era importante derrotar o outro candidato a vice-governador de São Paulo, Novelli Júnior que era aliado do então presidente Dutra, contra o qual se opunha e também impedir o domínio político de Ademar de Barros, o mais importante líder paulista. 



Para Luís Carlos Prestes era fundamental impor uma derrota ao governo federal, responsável pela cassação do registro do PCB, que foi colocado na ilegalidade. Ao mesmo tempo, o apoio a Cirilo significava punir Ademar, que se elegera governador com o apoio dos comunistas que levaram pelo menos 120.000 votos (na foto acima, Prestes à esquerda, dá apoio a Ademar na sua eleição para governador de São Paulo em janeiro de 1947). Ademar não prestou retribuição política (nos cargos) ao PCB e nem se solidarizou com o mesmo quando este foi cassado.
As justificativas políticas para esse encontro inusitado no palanque do Anhangabaú não foram suficientes para alterar o espanto de muitos simpatizantes e até ex-integrantes do PCB, como o escritor modernista Oswald de Andrade. Conforme nos relata o biógrafo de Getúlio Vargas, Lira Neto, Oswald em sua coluna no jornal Correio da Manhã, imaginou a perplexidade de um indivíduo que tivesse perdido a memória e anos depois a recobrasse no mesmo dia do comício do Anhangabaú! 
Bem, críticas a parte, o encontro entre os dois líderes foi absolutamente formal. Aplausos entusiásticos foram ouvidos quando os dois foram apresentados. Contudo, os mesmos nem se cumprimentaram! Getúlio fez o seu discurso e logo depois se retirou, sem ouvir o de Prestes. Aliás, o comício acabou em desordem quando o estampido de duas bombas de pequeno impacto foram ouvidos. A multidão se dispersou com o avanço da cavalaria da polícia. Por sua vez, a foto dos dois no palanque dá a impressão falsa de que Prestes estaria segurando o microfone para Getúlio falar. A foto serviu de arma tanto para os inimigos de Getúlio Vargas, que temiam a sua volta à política, quanto para os de Luís Carlos Prestes, que criticavam as suas teses revolucionárias. 
Como dissemos na introdução desta postagem, a política liberal dá muitas voltas. Em 1950, foi Ademar de Barros (conhecido também por estar associado ao lema "rouba, mas faz") que se uniu a Vargas para lançá-lo como candidato a presidente! Pelo que vemos hoje, essas situações continuam presentes na política e ainda geram controvérsias. A imagem histórica mais acima está no excelente livro de Lira Neto, "Getúlio 1945-1954: Da volta pela consagração popular ao suicídio", editado pela Companhia das Letras. 
Crédito das demais imagens: 
Retrato de Olga por Cândido Portinari: 
http://www.jcabrasil.org/2012/02/olga-benario-prestes-um-exemplo-para-os.html
Foto de Prestes no palanque com Ademar de Barros: Nosso Século 1945-1960. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 24. 
Foto de Anita Leocádia Prestes criança: https://www.unila.edu.br/es/node/2920?page=4