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sábado, 26 de janeiro de 2019

Tragédia em Brumadinho (MG): apenas uma frase



No Brasil não há terremotos, furacões ou vulcões. Mas têm uma empresa que VALE tudo isso junto...
Crédito da imagem: 
https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/vale-rompimento-de-barragem-faz-outra-transbordar-em-brumadinho-26012019

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

VIII Seminário de História Ambiental na Unifesp-Osasco



Caro leitor (a) que acompanha o nosso blog História Mundi. Entre os dias 22 e 23 de maio de 2019 será realizado no campus da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) de Osasco o VIII Seminário de História Ambiental - Diálogos Interdisciplinares sobre Meio Ambiente: Saberes e Interlocuções. Como é de pleno conhecimento, o meio-ambiente é um assunto que se encontra na ordem do dia em todo o mundo. E por ser algo que afeta a todos, é tema de pesquisa, discussão e debate em dezenas de disciplinas, sejam elas vinculadas às ciências exatas, biológicas ou na área de humanidades, incluindo a história, disciplina que privilegiamos neste espaço. Daí o caráter interdisciplinar desse evento e que busca reunir pesquisadores, estudiosos e interessados em ouvir ou apresentar trabalhos referentes à temática ambiental. Este que vos escreve é um dos coordenadores do encontro, ao lado de Fábio Alexandre dos Santos (Unifesp), Flávio Tayra (Unifesp), Herick Vazquez Soares (USP), Iagê Zendron Miola (Unifesp), Janes Jorge (Unifesp) e Maristela Bencici Feldman (USP). 
Abaixo segue um resumo da proposta do Seminário, como podem ser feitas as inscrições e os prazos. Claro, a participação será acompanhada da emissão de certificados. 


VIII Seminário de História Ambiental - Diálogos Interdisciplinares sobre 
Meio Ambiente: Saberes e Interlocuções acontece na Unifesp-Osasco, em 
maio de 2019

Com o objetivo de reunir historiadores, economistas, internacionalistas, 
cientistas sociais, juristas, geógrafos etc. com multivariadas 
perspectivas de pesquisa sobre meio ambiente, acontece nos dias 22 e 23 
maio de 2019, na Unifesp-Osasco, o VIII Seminário de História Ambiental 
- Diálogos Interdisciplinares sobre Meio Ambiente: Saberes e 
Interlocuções.

Por meio de apresentações de trabalhos de pesquisadores de diferentes 
áreas de conhecimento e sob as mais variadas abordagens, inter-relações 
e orientações teóricas e metodológicas, pretende-se dimensionar as 
questões postas por cada área de conhecimento propondo diálogos e 
interlocuções de modo a compreender os problemas, desafios e 
convergências ligados ao tema meio ambiente.

Os interessados em apresentar seus trabalhos deverão submetê-los no 
período de 25 de fevereiro a 18 de março de 2019, através do e-mail 
disponível no site -https://sabereseinterlocucoes.webnode.com/ , que 
apresenta ainda as ementas das mesas. As inscrições para ouvintes 
poderão ser realizadas de 24 de abril a 22 de maio de 2019, também 
através do site.

O VIII Seminário de História Ambiental é uma realização do Grupo de 
Trabalho (GT) - História Ambiental - da Associação Nacional de História 
(Anpuh-SP) em parceira com a Sociedade Brasileira de Economia Ecológica 
(EcoEco), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Escola 
Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN), o Departamento de 
Economia e o Programa de Pós-graduação em Economia e Desenvolvimento - 
Linhas de pesquisa: "Desenvolvimento: Teoria e História" e "Políticas 
Públicas, Inovação e Desenvolvimento", e o Laboratório de Estudos 
Interdisciplinares e Análises Sociais (Leia).

Serviço:

VIII Seminário de História Ambiental - Diálogos Interdisciplinares sobre 
Meio Ambiente: Saberes e Interlocuções

Quando: 22 e 23 de maio de 2019

Onde: Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) – campus 
Osasco – Auditório Prof. Dr. Antonio Roberto Espinosa

Submissão de trabalhos, programação, inscrições e outras informações 
estão disponíveis em:  https://sabereseinterlocucoes.webnode.com/

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Dica de viagem: Santuário do Caraça (MG)




Um lugar mágico e especial! Situado dentro de uma enorme reserva natural e cercado pelas formações rochosas da Serra do Espinhaço, uma das quais acabou possivelmente por dar nome ao Santuário. Local escolhido para abrigar um colégio e depois seminário de grande prestígio nos séculos XIX e XX, por onde passaram futuros presidentes da República, governadores e homens de Estado. Também um centro de meditação e que inspira a fé das pessoas, constituindo-se numa união perfeita entre natureza e história. Este é o Santuário do Caraça (imagens acima), no sudeste do Estado de Minas Gerais, distante 120 quilômetros da capital Belo Horizonte, no município de Catas Altas. Local propício para aqueles que praticam uma boa caminhada, trilhas ou simplesmente a tranquilidade. Para os mais bem preparados há a opção de atingir o cume dos vários picos que existem nas elevações montanhosas, desde que acompanhados por um guia habilitado. Como aqui privilegiamos o lado histórico, vamos descrever como tudo começou. 
Na segunda metade do século XVIII chegou à Minas Gerais um tal Lourenço, o qual afirmava ter origem portuguesa. Este personagem ficou envolto em muitas lendas, um das quais afirmava que o Irmão Lourenço, como ficou conhecido, seria na verdade Carlos de Mendonça Távora, integrante da família Távora, que em 1758 tramou um atentado contra o rei D. José I de Portugal. A família, acusada de tentativa de regicídio (matar o rei), foi punida com rigor pelo todo poderoso ministro Marquês de Pombal. Muitos foram executados e alguns teriam conseguido fugir (ver a nossa postagem "Sebastião José de Carvalho e Melo: o Marquês de Pombal" neste blog). 




Um deles seria o Irmão Lourenço, que se escondeu em uma pipa de vinho, por meio da qual entrou no navio que o trouxe para o Brasil. Conta-se também que teria estado em Diamantina (norte de Minas Gerais) e aí cometido alguns delitos, tendo em função dos mesmos, ido cumprir uma penitência nas montanhas do Caraça (nas duas fotos acima, detalhes das montanhas da região). Outra lenda, ainda mais fantástica, narra que o Irmão Lourenço seria o personagem embuçado, que foi bater à porta dos inconfidentes (integrantes da revolta contra Portugal da qual participou Tiradentes) e pedir que os mesmos fugissem, pois haviam sido delatados às autoridades portuguesas! Mas, em seu testamento de 1806, Lourenço se declara filho legítimo de Antônio Pereira e de sua esposa, Ana de Figueiredo. 



O que existe também de certo (e documentado) é que o Irmão Lourenço (acima, em uma pintura do Mestre Ataíde) encontrava-se mesmo em Diamantina (antigo Arraial do Tejuco) no ano de 1763, onde conviveu com muitos indivíduos ligados à exploração dos diamantes, entre eles João Fernandes de Oliveira, marido da famosa escrava Xica da Silva. Ainda em Diamantina recebeu o hábito da Ordem Terceira de São Francisco e prestou juramento, prometendo defender a Imaculada Conceição da Virgem Maria. No dia 4 de outubro daquele mesmo ano, tomou o nome pelo qual ficou conhecido até a sua morte: Irmão Lourenço de Nossa Senhora. 


A condição de Irmão o colocava na posição de leigo, capacitando-o a prestar serviços à Igreja (na imagem acima, o alvará que o autorizava a receber doações e esmolas). Em 1770, após doar os seus bens à Ordem Terceira (inclusive escravos) partiu em direção à Serra do Caraça (prolongamento da Serra do Espinhaço). Lá teria encontrado alguns homens garimpando ouro e em local próximo, onde hoje está o Santuário, ergueu um rancho coberto de capim e o transformou num centro de peregrinação, mandando rezar missas e trazendo padres para o local. No mesmo ano teria adquirido a sesmaria (um lote de terra) que veio a constituir o embrião do Santuário do Caraça. Lembramos o leitor (a) que a época correspondeu ao auge do ciclo do ouro e toda essa área, que hoje compreende basicamente o Estado de Minas Gerais, estava sendo devassada por garimpeiros e exploradores. Porém, as últimas décadas do século XVIII já anunciavam o esgotamento dos veios auríferos e o declínio da atividade. 
Portugal proibiu a presença de ordens religiosas na região das minas, em função da suspeita (fundamentada) de que muitos sacerdotes se dedicassem ao contrabando e estimulassem o não pagamento dos tributos devidos à Coroa Portuguesa. Como observou o viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, que esteve na região no início do século XIX: "Não existe um só convento em toda a Província de Minas. O Governo proibira às Ordens Religiosas estabelecer-se ali, e neste particular, suas ordens foram, sempre rigorosamente respeitadas". Daí a importância que tiveram as Irmandades constituídas nas cidades mineiras, algumas inclusive formadas por escravos. A obra missionária do Irmão Lourenço insere-se exatamente nesse tipo de iniciativa. 



Entre os anos de 1774 e 1779, o Irmão Lourenço dedicou-se à construção de uma pequena igreja ou ermida (na imagem acima, autorização dada pelo bispado para a construção do templo). 



A ideia do religioso era formar uma comunidade, que chegou a abrigar 12 Irmãos da Ordem Terceira Franciscana, os quais deveriam se estabelecer como missionários e propagar a fé cristã (no documento acima, assinatura do Irmão Lourenço na primeira linha). 


Ao pé da serra, ergueu a igreja barroca e nos lados da mesma, dois casarões (mais tarde ampliados) de dois andares, com seis janelas, a fim de hospedar religiosos e romeiros (no desenho acima, as construções em 1805). 



Dentro da Igreja, nas laterais direita e esquerda, duas pequenas capelas, que foram preservadas após a construção da igreja nova, com os altares pintados pelo Mestre Ataíde, o qual anos depois, pintou o retrato já citado do Irmão Lourenço e uma Santa Ceia (na imagem acima, as duas capelas). 



A antiga ermida em estilo barroco pode ser observada em alguns poucos documentos, como na gravura do viajante alemão Carl Friedrich von Martius de 1818 (imagem acima). Toda a construção foi realizada aproveitando-se os recursos da região, inclusive a pedra sabão (muito utilizada pelo escultor barroco Aleijadinho) e outra conhecida como itacolomi. Já as madeiras, como o cedro, o jacarandá e a candeia vieram também das matas próximas. A inauguração da ermida foi em 2 de março de 1779. Posteriormente, o patrimônio da Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens foi acrescido de mais terras, além de imagens, relíquias e pinturas. 



A destacar a imagem de Nossa Senhora que compõe o altar (foto acima), que veio de Portugal em 1784. A mesma foi talhada na madeira, com detalhes nas roupas pintados em ouro e a nuvem que a sustenta pintada em prata. 



O Irmão Lourenço ainda obteve uma façanha, ao conseguir trazer da Itália a relíquia de uma figura santificada, detalhe que pouco chama a atenção para os que hoje visitam o Caraça. Trata-se dos restos mortais completos de um soldado romano, martirizado no tempo dos imperadores por professar a fé cristã, que encontrava-se numa catacumba da cidade de Roma e que agora está em um relicário de madeira (foto acima) dentro da igreja do Caraça. Toda a ossada desse mártir foi revestida de cera e em razão de se desconhecer o nome do soldado, o mesmo passou a ser chamado de Pio, em referência ao papa que na época governava a Santa Sé, Pio VI (o mesmo que comandou a Igreja Católica ao tempo da Revolução Francesa). 




A preciosa relíquia está acompanhada de um cálice com areia misturada a sangue, retirados da catacumba romana (nas fotos acima, a cabeça do soldado e o cálice, respectivamente). Para lembrar que o mesmo foi um soldado, seu corpo foi vestido como um legionário dos tempos da Antiga Roma, com uma couraça sobre o peito, manto de guerreiro e aos pés, um capacete. 




Outra preciosidade do Santuário do Caraça é o quadro da Santa Ceia de autoria de Manuel da Costa Ataíde ou simplesmente Mestre Ataíde, um dos grandes nomes do Barroco brasileiro. O trabalho também ficou conhecido como "Ceia de Ataíde". Em 1808, o pintor já havia estado no Caraça a convite do próprio Irmão Lourenço dourando os altares e os púlpitos, como já mencionamos. A Ceia foi comprada em 1828, após a morte do irmão Lourenço, por 350$000 (trezentos e cinquenta mil réis) e há documentos comprovando a transação. Existem dúvidas se o trabalho foi feito no próprio Caraça ou no atelier do artista. 



Durante muito tempo o quadro permaneceu no refeitório dos alunos e seminaristas (como pode ser observado na foto acima, ao fundo). Por pouco, a obra não foi parar em outras mãos.  No início de 1970, a Ceia foi emprestada ao Governo de Minas Gerais para uma solenidade inaugural e acabou perambulando durante três anos por vários outros locais, até ser devolvida em definitivo ao verdadeiro dono, o Santuário do Caraça. 
No final de sua vida, com 95 anos (idade extremamente avançada para a época), o Irmão Lourenço, cego e doente, tinha a companhia de um escravo que lhe trazia comida e dos poucos padres que o visitavam. Muitos dos 12 Irmãos da Ordem Terceira Franciscana, que iniciaram o trabalho junto a Lourenço, já haviam morrido ou se retirado. No dia 27 de outubro de 1819, o Irmão Lourenço veio a falecer, sendo sepultado dentro da Igreja que erguera e que temia permanecesse abandonada após a sua morte.



Contudo, o fundador do Caraça deixou em testamento todo o patrimônio do Santuário para o rei de Portugal, Dom João VI, o qual, na época, encontrava-se no Brasil por força da transferência da Corte Portuguesa no tempo das Guerras Napoleônicas (1808). O rei, preocupado em dar continuidade à atividade missionária do Caraça, entregou o Santuário a dois missionários recém-chegados, por meio de uma Carta Régia (na ilustração acima, o complexo do Caraça por volta de 1870, já com os prédios laterais ampliados).



Os mesmos eram os padres Leandro Rebelo Peixoto e Castro e Antônio Ferreira Viçoso (os dois, respectivamente, nas imagens acima). Este último veio a se tornar bispo de Mariana e tem o seu nome associado a duas cidades mineiras: Dom Viçoso e Viçosa. Ambos eram integrantes da Congregação da Missão, uma ordem religiosa fundada na França em 1625 por São Vicente de Paulo. Os integrantes da ordem ficaram conhecidos como "vicentinos" ou "lazaristas", esta ultima designação dada em função da primeira Casa da Congregação, situada em Paris, chamar-se Casa de São Lázaro. Os dois sacerdotes iniciaram as atividades missionárias e a organização do colégio em 1820. No ano seguinte, o Caraça recebeu do rei D. João VI a condição de "Real Casa da Missão" e em 1824 D. Pedro I concedeu ao Santuário o título de "Imperial Casa", facilitando ao Caraça ajuda financeira, como também isenção de impostos. Para melhorar as acomodações dos alunos, o prédio em estilo colonial (situado à direita da igreja) foi ampliado em 1830, sendo acrescentadas mais cinco janelas. 
Os anos seguintes foram conturbados para o Santuário do Caraça, muito em função do processo de independência do Brasil em relação a Portugal, como também da consolidação do Estado Nacional durante o Primeiro Reinado (governo de D. Pedro I). Nessa época, os padres lazaristas compraram mais terras, ampliando o espaço territorial do Santuário. Pelo Caraça passou a comitiva do imperador D. Pedro I em 1831, às vésperas do episódio de sua abdicação (renúncia) ao trono brasileiro, fato que o levou de volta a Portugal.


Em 1842, em função da Revolta Liberal contra o Império, o padre Viçoso se retirou com os seus alunos para o Triângulo Mineiro. Como a instituição carregava o nome de Imperial Casa, os sacerdotes temeram o ataque dos rebeldes contrários ao governo imperial. A notícia da derrota dos liberais liderados por Teófilo Otoni não tinha chegado até os padres, o que poderia ter impedido uma jornada de quase 700 quilômetros de fuga! O Caraça (foto acima, de 1870) ficou quase vazio até 1854, quando uma epidemia de varíola atingiu a cidade de Mariana (distante 90 quilômetros do Caraça), fato que levou à transferência do Seminário Maior para o Santuário, onde permaneceu até 1882.



Com a chegada dos missionários vicentinos franceses, tivemos entre os anos de 1854 a 1903, o período do chamado "Caraça francês", quando o Colégio foi reaberto. A figura de maior destaque nessa etapa foi o padre Júlio Clavelin (imagem acima), cuja gestão ficou conhecida como a "fase de ouro", pois além do Colégio e do Seminário Maior de Mariana, o Caraça passou a abrigar também uma Escola Apostólica para formação do clero lazarista (transferida depois para Petrópolis). O número de alunos cresceu, oscilando entre trezentos a quatrocentos jovens, que vieram estudar ou seguir a carreira sacerdotal.
Em 1858, os padres adquiriram a Fazenda do Engenho, que mais tarde veio a se tornar casa de férias dos seminaristas. Ampliada há alguns anos, atualmente é uma hospedaria, como o próprio Santuário do Caraça. Uma opção a mais para os que visitam a região. Por não integrar a reserva, é utilizada para uma pequena criação de gado, produção de laticínios e hortaliças.



Com o padre Clavelin foi construída a nova igreja, que pode ser vista atualmente no Santuário do Caraça e também a primeira parte do prédio (atrás da igreja), para abrigar os alunos que estudavam e os que estavam chegando. Este último, cuja construção teve início em 1871, teve o andar térreo feito de pedras e as paredes da parte superior de tijolos (na ilustração acima, o projeto do Caraça na concepção do padre Clavelin). Consta que a nova igreja do Caraça foi a primeira construção em estilo neogótico feita no Brasil (embora existam controvérsias). No século XIX, o neogótico (inspirado nas catedrais medievais) era um estilo em voga e muito divulgado pelos arquitetos franceses. Tornou-se a opção do padre Clavelin para o novo templo e inspirou várias outras construções em nosso país, entre os finais do século XIX e o início do XX. 



Diferente do barroco, que apela às emoções do indivíduo, o neogótico é mais racional e pretende que o fiel procure Deus por meio de sua própria inteligência e reflexão. Daí as igrejas apontarem para o céu, serem mais altas, com as janelas e portas em forma ogival, bem como a presença de colunas (acima, a igreja neogótica do Caraça). A luz vem da parte superior por meio das janelas com vitrais, os quais ilustram passagens relevantes do cristianismo. 



Aquilo que poderia causar um choque de estilos, acabou, com o tempo, por constituir um conjunto harmônico, como observam aqueles que visitam atualmente o Santuário (acima, lateral da Igreja neogótica). Isso talvez tenha ocorrido, em parte, em função das várias adaptações feitas durante a construção, como por exemplo, a substituição do mármore tradicional (o conhecido mármore de Carrara) por uma variação do calcáreo tirado no entorno de Mariana, além da já mencionada pedra sabão e do quartzito. 



Outro ponto de atração é a torre (foto acima), que pode ser observada à distância, por todos aqueles que chegam ao Santuário  do Caraça, como um prenúncio auspicioso para o que está por vir. A construção da nova Igreja era tida como necessária, em função do crescente número de alunos e para abrigar os mesmos nas cerimônias religiosas. 



Os recursos financeiros da obra vieram do próprio Colégio, de doações, das rifas vendidas para os alunos e a ajuda dos visitantes (acima, a entrada principal da igreja e na parte superior o órgão concebido pelo Padre Luiz Gonzaga Boavida). Ao contrário do que se possa imaginar, na construção foram utilizados somente trabalhadores livres e remunerados, aproximadamente 40 operários, muitos dos quais de origem portuguesa e espanhola. Não existiam mais escravos no Caraça, apesar da escravidão persistir no Brasil até 1888. A construção da nova igreja durou de 1876 até 1883. 



Os vitrais (fotos acima) foram encomendados pelo próprio padre Clavelin, em sua viagem à França em 1884 e chegaram ao Caraça dois anos depois, quando o padre Luiz Gonzaga Boavida era o seu superior. Os mesmos resistiram à ação do incêndio de 1968 e estão lá para a admiração dos atuais visitantes.



Em 1870. o lado esquerdo do prédio lateral à Igreja foi ampliado (possuía seis janelas desde o tempo do Irmão Lourenço), sendo acrescido de cinco janelas, igualando-se ao prédio da direita, com onze janelas desde 1830. A partir dessa fase, o Santuário do Caraça passou a ter, praticamente, a configuração que mantém nos dias de hoje (imagem acima).


Em 1881, ocorreu a visita do imperador D. Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina (acima, o casal imperial dentro da Mina de Morro Velho, nessa mesma viagem de 1881). 





O imperador permaneceu dois dias no Caraça, participando das atividades religiosas e até conversou com os alunos sobre filosofia e teologia, apesar de algumas controvérsias referentes à supremacia do imperador sobre as decisões vindas da Santa Sé (o chamado Beneplácito), que originou a Questão Religiosa no final do Império (acima, as camas do imperador e da imperatriz, respectivamente de cima para baixo). D. Pedro II afirmou: "Estou satisfeitíssimo com o Caraça. Só o Caraça paga toda a viagem a Minas". 



Ainda hoje pode ser vista uma pedra, na qual reza a tradição, o imperador teria sofrido um escorregão (foto acima).


A mesma está no caminho que leva à Casa das Sampaias (foto acima), antiga habitação das empregadas do Caraça, muitas das quais pertenciam à família Sampaio, benfeitora e colaboradora do Colégio.


A biblioteca do Santuário (acima, em foto sem data) foi uma das atrações que mais chamaram a atenção de D. Pedro II. A mesma se encontra em bom estado, com aproximadamente 30 mil volumes (afirma-se que eram 50 mil antes do incêndio) e pode ser consultada mediante agendamento. 





A coleção possui exemplares raros trazidos da Europa, primeiras edições, como o clássico "Os Sertões" de Euclides da Cunha e um livro cheio de anotações escritas pelo imperador D. Pedro II (acima, o livro do imperador e uma edição de D. Quixote do século XVII).




O período francês marcou também o auge do Colégio e do Seminário, conhecidos pela formação humanística dada aos alunos, algo que pode ser observado nos vários objetos expostos em seu museu (imagens acima), o qual deve ser visitado. Grande destaque era dado ao estudo de latim, às letras e às ciências. Além dessas disciplinas também eram ministradas aulas de história, retórica (a arte de falar bem), matemática e literatura. O estudo no Colégio era complementado com filosofia e ciências naturais. Pelas salas de aula do Caraça passaram os futuros presidentes Afonso Pena e Arthur Bernardes, entre outros nomes de destaque em nossa política.


Os alunos ficavam internos em média, por sete anos (na foto acima, do final do século XIX, os alunos do Caraça). Normalmente, eram duas aulas pela manhã e duas à tarde. Havia também um estudo noturno seguido pelo cumprimento das tarefas passadas pelos professores. Exames orais, exercícios de leitura, campeonatos de literatura e torneios temáticos, faziam parte do sistema de aferição do conteúdo dado. A indisciplina, as "colas", as brigas e a preguiça não eram aceitas dentro do Caraça. As notas dos alunos eram lidas em público e saudados os que tiravam entre 9 e 10. Com o tempo houve uma flexibilização nos métodos de aprendizagem, uma redução na quantidade de matérias e no tempo de permanência na instituição. 


Em 1895 terminou a gestão do padre superior Luís Gonzaga Boavida, ao qual coube concluir a segunda parte do prédio que mais tarde foi atingido pelo incêndio de 1968; represar as águas do Tanque Grande (foto acima), a fim de mover os dínamos para a geração de eletricidade (a segunda usina hidrelétrica de Minas Gerais) e também trazer luz elétrica para o Caraça. Após a administração do padre Boavida, o Caraça conheceu um período de lento declínio. A instituição chegou a ser equiparada ao Ginásio Nacional (Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro), tido como modelo de ensino em 1900. Contudo, onze anos depois, a equiparação foi extinta. Em 1929, diante da queda no número de alunos, o Colégio fechou em definitivo, sendo mantido apenas o Seminário (até 1968). 



O incêndio de 1968 pôs um ponto final no Caraça como instituição de ensino. O mesmo teve início no setor de encadernação, quando um dos seminaristas esqueceu-se de desligar um fogareiro (foto acima) utilizado para aquecer a água em que se dissolvia um "bastão" de cola, que seria utilizado na encadernação dos livros. 


Exatamente em função do sinistro ter começado ali, uma parte da biblioteca foi perdida (na foto acima, bombeiros de Belo Horizonte combatendo o incêndio). 




Quando os bombeiros de Belo Horizonte chegaram, não havia muito o que ser feito com relação às perdas materiais. Felizmente, não houve vítimas entre os alunos e os funcionários (de cima para baixo, a ala antes, durante e depois do incêndio). A parte do edifício que se manteve abriga atualmente o Museu. 
O Santuário do Caraça tornou-se uma referência para a história e mais recentemente, para o meio ambiente. O Santuário é tombado como Patrimônio Cultural do Brasil. Com os seus 12.471 hectares é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, passando a ser um centro de educação ambiental voltado para o conhecimento científico e colaborando com inúmeros estudos. 


Muitos pesquisadores acorrem ao Santuário a fim de estudar in loco a sua fauna e flora exuberantes, um belo exemplo de área de transição entre a mata atlântica e o cerrado (como indica a placa acima). A biodiversidade é um dos aspectos mais notáveis do Caraça. 



E para os visitantes em geral, que desejam, além da parte histórica, desfrutar de alguns dias em convívio com a natureza, é um local perfeito. Primeiramente pela variedade das trilhas que podem ser percorridas, todas elas muito bem sinalizadas. Talvez a mais popular seja a trilha que leva à Cascatinha (foto acima, em seu trecho inicial). 






Não se impressione pelo nome, pois em períodos de chuva a mesma ganha em volume e permite um belo banho em suas duas piscinas naturais. Essa trilha requer um pouco de cuidado apenas em seu trecho final, em função da presença das pedras. Caso o visitante resolva entrar na água, é recomendável saber nadar em função da profundidade. Pela mesma trilha e antes de chegar à Cascatinha, é possível alcançar também o Campo de Futebol e a Prainha. 




Outra trilha atraente é a que leva ao Banho do Belchior, embora um pouco mais longa (aproximadamente 2,5 quilômetros). O caminho revela vistas maravilhosas do Santuário e ao final, um belo local para desfrutar de momentos mais do que agradáveis (imagens acima). De acordo com o Padre Lauro Palú, atual diretor do Caraça, a cor peculiar da água se deve à presença de material orgânico em suspensão (como folhas e raízes). Essa mesma água, examinada pela COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) é potável, como as águas de profundidade, que são claras. 



É exatamente nessa trilha que vamos encontrar a formação rochosa, da qual, segundo consta, surgiu a expressão "Caraça". Observando com atenção, o leitor (a) irá perceber a razão do nome (foto acima). Mas existe também outra explicação para a origem do termo. Caraça teria vindo do tupi-guarani e significa desfiladeiro ou bocaina. 


Há outras trilhas que também merecem um passeio, como a do Tanque Grande, da Cascatona (foto acima), Gruta de Lourdes, Tabuões e Bocaina. 


Tudo irá depender da disposição do visitante em realizar caminhadas, recomendando-se nas mesmas o uso de calças compridas e botinas, a fim de prevenir em relação à presença de algum réptil inesperado (acima a vista da Ponte do Bode). 



A fauna existente na Reserva do Caraça é exuberante e merece também uma atenção detalhada (acima, os canários da terra e um réptil). Inúmeras espécies ameaçadas de extinção exibem a sua beleza, não só dentro das matas, mas também nas dependências do Santuário. 




Entre elas temos a onça (difícil de ser observada), a jaguatirica, o cachorro do mato, o jacu, o tamanduá e o cangambá (estes dois, respectivamente nas fotos acima). Em relação a este último, devem ser observadas precauções, pois ele pode se aproximar do Santuário (no adro ou pátio em frente à Igreja) em busca de alimentos. Mas, cuidado! Jamais entre em contato direto com esse bicho, pois o mesmo pode expelir uma secreção amarela, de um odor terrível (exatamente como vemos nos desenhos animados). 





Mas, a grande atração é a presença, quase que diária, do lobo-guará, a grande estrela do Caraça. Desde o início da década de 1980 a sua visita tem se tornado constante, geralmente no começo da noite, no adro em frente à Igreja, onde os padres se habituaram a deixar alguns alimentos para o ilustre morador das matas locais degustar e que também atraem o cangambá e o cachorro do mato (inimigo natural do lobo-guará). Animal de hábitos solitários, o lobo-guará é, na verdade, absolutamente inofensivo para o homem, muito assustado e desconfiado, mas que revela uma graça e beleza em seus movimentos, que apenas aqueles que o vêem de perto podem ter uma ideia clara. A destacar ainda a cor de seus pelos (cor de fogo, como nas imagens acima), além das longas e elegantes patas. A espécie ainda sofre ameaça de extinção, porém nas dependências do Caraça gozam de total proteção. 




A hospedagem no Caraça é completa, com almoço e jantar, incluindo ainda um excelente café da manhã (no refeitório antigo) onde o próprio visitante pode utilizar uma chapa para preparar um pão quente com queijo derretido (nas fotos acima, o refeitório e o local de preparo do desejum matinal). Ah, o Caraça dispõe de uma panificadora própria. Toda a alimentação é preparada sob a supervisão de nutricionistas, o que garante a qualidade da mesma. Apenas as bebidas são cobradas à parte. Após o jantar, o hóspede ainda têm disponível chá e uma porção generosa de pipocas. A lembrar que no Caraça, a noite pode ser fria mesmo no verão, sendo aconselhável ter um agasalho leve disponível.
Para os interessados em passeios mais audaciosos em direção aos picos, grutas e outras cachoeiras, é obrigatório a contratação de um guia cadastrado pelo próprio Caraça, uma vez que as trilhas são mais longas e difíceis. 



O núcleo histórico do Santuário é formado pela Igreja neogótica de Nossa Senhora Mãe dos Homens, pelo Museu (que é aberto mediante solicitação dos visitantes), pela Biblioteca, pelas Catacumbas (onde estão enterrados os padres que dirigiram o Caraça, como na foto acima), pela Pinacoteca (com obras do Mestre Ataíde) e pelo jardim, todos dentro da própria sede do Santuário.



Um passeio absolutamente enriquecedor sob todos os aspectos, além de ser recomendável para a saúde física e mental de qualquer indivíduo, independente de suas crenças. Um belo exemplo de como fé e conhecimento podem caminhar juntos. Mais um recanto que o Estado de Minas Gerais oferece àqueles preocupados em desfrutar da história e da natureza...
Para visitar:
Santuário do Caraça 
Central de Reservas: (31) 9 8978-3179
                                       (31) 9 8978-3180
E-mail: centraldereservas@santuariodocaraca.com.br 
Site: www.santuariodocaraca.com.br 
Observação: cabe ao visitante ficar atento com relação à exigência do certificado de vacinação contra febre amarela para visitar e se hospedar no Santuário do Caraça.
Crédito das imagens:
Pintura retratando o Irmão Lourenço, dos padres Leandro Rebello e Dom Viçoso, dos vitrais, da formação rochosa com a "Caraça", do tamanduá, do cangambá e da foto maior do lobo-guará: Santuário do Caraça 240 anos: Álbum Comemorativo. Anglogold Ashanti, 2014, páginas 6, 12, 56, 57, contracapa, 81, 92 e 90, respectivamente. Todas as fotos desse álbum foram tiradas pelo Padre Lauro Palú e por ex-alunos da instituição. 
Foto do Alvará autorizando a recolher esmolas, desenho do Caraça em 1805, foto do Caraça em 1870, alunos no refeitório, alunos do Caraça no final do século XIX e dos bombeiros apagando o incêndio de 1968: Guia do Arquivo Histórico do Caraça. Leandro Araújo Nunes (coordenador). Belo Horizonte (MG): Lastro, 2008, páginas 18, 62, 24, 56, 53 e 57 respectivamente. 
Documento com a licença de 1774, imagem do padre Clavelin, desenho do Colégio de 1876, projeto do padre Clavelin, Ceia de Mestre Ataíde, duas fotos do prédio antes do incêndio: Caraça, sua igreja e outras construções de José Tobias Zico. Belo Horizonte, FUMARC/UCMG, 1983, páginas 33, 11, 48, 111 e 135 respectivamente. 
Ilustração da visita de D. Pedro II à mina de Morro Velho: 
https://sumidoiro.wordpress.com/2014/08/15/nos-passos-do-imperador-ii/
Gravura de Saint-Hilaire: Pinterest
Documento com assinatura do Irmão Lourenço e foto da Cascatona: www.santuariodocaraca.com.br 
Todas as demais fotos pertencem ao acervo do autor e de sua esposa Luciane.