O resultado do plebiscito sobre a divisão do Pará tirou de Marabá a possibilidade de vir a se tornar capital de uma nova unidade da federação. Contudo, mais de 90% dos eleitores daquele município votaram a favor da divisão. Tal fato demonstra a existência de uma série de demandas e expectativas por uma presença maior do poder público junto aquela população, tanto a nível federal quanto estadual. Por sua vez, essa atuação não deveria ficar restrita a projetos econômicos que buscaram apenas extrair as imensas riquezas naturais do município, com poucos benefícios para a região em termos de melhoria na qualidade de vida dos moradores. Para entender isso melhor, vamos voltar um pouco no tempo, afinal é para isso que estamos aqui...
Em 1970, pela importância estratégica de Marabá (abrigava em seu território a mina de ferro de Carajás) o Governo Militar (1964-1985) declarou o município Área de Segurança Nacional. Tal medida significou uma verdadeira intervenção, pois a cidade passou a ter prefeitos nomeados diretamente pelo Presidente da República. Era a época das grandes obras, que tinham por finalidade ocupar a Amazônia, como a abertura da rodovia Transamazônica, que passava pelo município. A região era vista como "espaço vazio" que precisava ser povoado.
Para adequar Marabá aos "novos tempos" de um suposto progresso e desenvolvimento, em função das perspectivas de extração do minério de ferro da Serra dos Carajás, o antigo Ministério do Interior planejou a mudança da cidade, usando como pretexto o problema das enchentes provocadas pelos rios Tocantins e seu afluente o Itacaiúnas. O local da nova cidade ficava em uma área segura em relação aos alagamentos. A chamada Nova Marabá deveria se tornar um pólo de desenvolvimento e de geração de empregos, impulsionados pelo Projeto Ferro.
Por outro lado, a comunidade da antiga cidade, que depois passou a ser chamada de Velha Marabá, não viu a proposta com simpatia. Em primeiro lugar, a nova cidade ficaria distante dos rios, que propiciavam acesso fácil à floresta onde era extraido o principal produto do município: a castanha-do-pará. Em segundo lugar, havia uma estreita convivência desses mesmos moradores com os dois rios, tanto para a utilização da água para os afazeres domésticos, para o banho e para o lazer, o que a nova cidade não propiciaria mais. E em terceiro, pela vida comunitária que os moradores dos bairros mais antigos, como Cabelo Seco, o Marabazinho (às margens do rio Tocantins) e Santa Rosa estabeleceram ao longo de um convívio quase secular. A Velha Marabá era uma típica comunidade ribeirinha da Amazônia Oriental.
Diante disso, em que pesem as enchentes, que os moradores não consideram um problema intransponível (isso será assunto para um outro post) e das imposições do Governo Militar, a Velha Marabá permaneceu. O seu aspecto visual peculiar pode ser observado nas fotos. Os moradores, de todos os segmentos sociais, impuseram uma série de obstáculos para deixar a cidade antiga. E a Nova Marabá? Depois de idas e vindas, acabou sendo implantada e atraiu, em grande parte, a população migrante que chegou às portas da Amazônia atraida pelas promessas de distribuição de terras, empregos, a exploração do ferro e outros apelos do Governo Militar no sentido de ocupar o imenso território.
Atualmente, na cidade de Marabá, existem três nucleos: a Velha Marabá (que resistiu), a Nova Marabá (cidade planejada, aliás mal planejada) e a Cidade Nova (um núcleo que surgiu às margens da rodovia Transamazônica e se expandiu). Hoje a castanha-do-pará (agora chamada de castanha do Brasil) não têm mais importância econômica para o município, uma vez que a devastação das florestas pôs fim aos castanhais.
Ah, estavamos nos esquecendo de Serra Pelada, o "furacão" que passou pelo município no início da década de 1980 e atraiu pessoas de todo o território nacional na ilusão do enriquecimento rápido. Quantas histórias foram contadas em função dessa mina de ouro (que ficava também na área do município) envolvendo personagens como o temido major Curió (da guerrilha do Araguaia), o presidente João Figueiredo, o jornalista Ricardo Kotscho, a cantora Rita Cadilac entre outros. Até colegas meus professores se aventuraram nos buracos da mina buscando o enriquecimento. Mas essa é também uma outra história...
Para saber mais:
ALMEIDA, J. J. Políticas públicas e comunidades da Amazônia: o caso de Marabá (1970-2000). Revista História & Perspectivas da UFU, Uberlândia, n. 44, p. 233-266, jan/jun 2011.
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