quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os Ossos do Imperador: A Exumação de D. Pedro I




O que irá mudar na nossa história a partir da exumação (tirar da sepultura ou desenterrar) dos restos mortais de nosso primeiro imperador D. Pedro I e das imperatrizes Dona Leopoldina (na imagem acima, os crânios de Dona Leopoldina e Pedro I, à esquerda e à direita, respectivamente) e Dona Amélia? Muitas questões podem ser esclarecidas, dirão alguns, mas nada que altere em profundidade os rumos históricos da independência do Brasil e do Primeiro Reinado, dirão outros, entre os quais se inclui este historiador blogueiro. 
Período absolutamente conturbado de nossa história, o quase decênio que vai de 1822 a 1831 foi marcado pela formação do Estado Nacional Brasileiro e de suas mais importantes instituições, entre as quais o nosso Parlamento. As ameaças de desagregação territorial, que tiveram o seu pior momento no Período Regencial (que se seguiu à renúncia do imperador em 1831), mostraram as dificuldades que a jovem nação enfrentava nos seus primeiros anos após a independência. Isto sem lembrarmos que, mesmo após o rompimento com Portugal, celebrado em 07.09.1822, o Brasil continuava sendo governado por um português, tendo herdado da terra lusitana o regime monárquico e se transformando na única monarquia das Américas no século XIX (após curtas experiências no México e no Haiti). 




Por outro lado, a permanência de D. Pedro (na imagem acima, em uma gravura de 1831 feita em Portugal) no Brasil, aliando-se aos líderes políticos locais, garantiu um processo de independência menos traumático do que em outras regiões da América Hispânica. A manutenção da escravidão foi assegurada, algo que não contrariava a elite da época e que preservava os privilégios sociais e econômicos herdados da fase colonial. 



Contudo, sob o aspecto da vida privada dos personagens envolvidos existem alguns pontos que podem ser melhor esclarecidos a partir da analise detalhada de seus restos mortais. Primeiramente, vamos a alguns detalhes do processo de exumação. O trabalho surgiu como proposta de tese de mestrado da historiadora e arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel (na imagem acima, com o crânio de D. Pedro), que desde a sua infância no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, tem mostrado um profundo interesse pelo estudo da família imperial. A sua dissertação foi defendida no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. A pesquisadora obteve as devidas autorizações para o trabalho, inclusive dos herdeiros da família real brasileira e o apoio de toda a estrutura do Hospital das Clínicas de São Paulo (também pertencente à USP). Para entender melhor o objetivo da pesquisadora ao realizar esse estudo só mesmo lendo a sua dissertação, que deverá estar disponível na internet ou no banco de teses da USP (é só entrar no site da USP em nosso link e digitar o nome da historiadora).


O trabalho foi absolutamente sigiloso e realizado no decorrer do ano passado, entre os meses de março e agosto, em três oportunidades. Em cada ocasião foram examinados respectivamente, os restos do imperador D. Pedro I (na foto acima, a ossada do imperador), das imperatrizes Leopoldina e Amélia (segunda esposa de D. Pedro). Os três ilustres personagens foram fichados como pacientes do Hospital das Clínicas (pelo menos a posteridade poderá afirmar que nosso imperador chegou a ser tratado em um hospital público). D. Pedro I foi, com certeza, o paciente mais idoso a dar entrada naquele hospital: 215 anos. Os restos mortais dos três foram submetidos a uma tomografia computadorizada de altíssima resolução. Uma verdadeira "autópsia virtual" foi realizada, o que poderá depois ser feito com outros personagens históricos, abrindo a possibilidade de reconstituição do rosto e até mesmo das vozes que os personagens tinham na vida real. 
Algumas descobertas já foram reveladas. O nosso imperador era relativamente baixo para os padrões atuais, tendo entre 1,66 a 1,73 m de altura. Foram encontradas fraturas em quatro costelas resultante de duas quedas de cavalo, o que confirma o gosto do imperador por cavalgadas, fato já descrito em várias biografias. No seu caixão há poucas referências de que tenha sido imperador do Brasil, pois, como sabemos, ele morreu em 1834, com quase 36 anos, após ter garantido o trono português à sua filha, Dona Maria da Glória, sendo enterrado com roupas de general português. Uma boa notícia para os herdeiros da família imperial, a de que os ossos da imperatriz Leopoldina não apresentam sinais de fratura, o que desmente o fato da mesma ter quebrado o fêmur após uma discussão caseira com o esposo. Contudo, isso é absolutamente insuficiente para reverter a fama de  D. Pedro de péssimo marido e que maltratava a esposa, comprovada em farta documentação. As fraturas do imperador em suas costelas talvez tenham afetado o seu pulmão, agravando a tuberculose que o levou à morte. Essa constatação contribui para desmentir também as especulações de que D. Pedro I teria sido vitima de sífilis (uma doença sexualmente transmissível e que na época não tinha cura). Tais informações agradaram o representante da família imperial brasileira e tetraneto de D. Pedro I, príncipe Bertrand Maria José Pio Januário Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança e Wittelsbach, que afirmou que a imagem de nosso imperador estava sendo difamada por "historiadores malévolos".



A exumação revelou uma pequena surpresa no que diz respeito aos restos da imperatriz Dona Amélia de Leuchtenberg, a de que seu corpo ficou mumificado (imagem acima), conservando a pele, cabelos, cílios, unhas e  orgãos intactos. Talvez o cuidado com a preparação de seu corpo para o funeral tenha sido um tanto quanto excessivo.


Dona Amélia (na foto acima, a imperatriz em trajes de luto semelhantes aos encontrados em seu caixão, que aparece na imagem abaixo) guardou luto por 42 anos pela morte do imperador, vindo a falecer em 1876. Seus restos mortais foram trazidos ao mausoléu do Ipiranga em 1982. O interesse histórico por Dona Amélia é menor, uma vez que ela chegou ao Brasil com 17 anos, quando desposou o viúvo D. Pedro e partiu aos 20 com o marido para a Europa. A documentação da época atestava a sua beleza, que teria encantado o imperador. 


A professora Isabel Lustosa, autora de uma biografia de D. Pedro I, em um artigo publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" no dia 24.02.2013 esclarece algumas questões levantadas pela exumação. Não há grandes revelações. Por exemplo, no que diz respeito ao fato do imperador ter agredido a imperatriz e provocado o surgimento de uma fratura no fêmur, nenhuma documentação havia atestado isso anteriormente. Da mesma forma, o aborto sofrido dias depois pela imperatriz não teve relação com essa suposta agressão. Contudo, na época da abdicação (renúncia) de Pedro I no início de 1831, os boatos de que este teria agredido a imperatriz em estado de gravidez ganharam força. Tal fato era associado à presença da amante do imperador, Dona Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos (ver Imagens Históricas 4, neste blog), em cerimônias públicas na Corte Imperial. Essas histórias circularam na Europa e criaram embaraços para que D. Pedro I encontrasse uma pretendente para casamento nas cortes do Velho Mundo, após a morte de Leopoldina. Nada menos do que 16 mulheres recusaram o pedido enviado por representantes do Brasil. 


Os exames realizados também não podem desmentir os dissabores sofridos por Dona Leopoldina (imagem acima) na condição de esposa do imperador. Com uma educação absolutamente refinada, adquirida na Corte dos Habsburgos da Aústria, tendo como tia a rainha Maria Antonieta (que foi executada na Revolução Francesa) e como irmã mais velha Maria Luisa (segunda esposa de Napoleão Bonaparte), Leopoldina aceitou o casamento com D. Pedro sem conhecê-lo. O matrimônio envolvia interesses de Estado, algo comum nas monarquias da época. Segundo nos informa Laurentino Gomes, em seu best-seller "1822", Leopoldina engravidou nove vezes, uma média de uma gravidez por ano, sofreu dois abortos e conseguiu dar a luz a sete filhos, entre os quais, Pedro de Alcântara, futuro imperador do Brasil, e Maria da Glória, futura rainha de Portugal. Além de suportar um marido mulherengo e adúltero, sofreu com as explosões de fúria do imperador. Sempre solidária com os pobres, sua lembrança foi perpetuada na memória popular. Nos momentos que antecederam à independência do Brasil, em setembro de 1822, apoiou o futuro imperador no rompimento com Portugal e mostrou-se interessada nos destinos do país. Mas logo vieram as desilusões conjugais, a saúde abalada (afinal, nove gestações seguidas...) e a depressão. Morreu pouco antes de completar 30 anos, em dezembro de 1826. 
Na opinião de Isabel Lustosa, embora a exumação não traga tantas novidades colabora com a abertura de novas possibilidades de pesquisa para o historiador, uma vez que esses corpos são verdadeiros documentos e que podem ser importantes para novos enfoques a respeito do cotidiano da Corte. 



A presença dos despojos de D. Pedro I no Brasil foi produto do acordo de duas ditaduras: a Militar do Brasil e a Fascista de Portugal. Em 1972 o Brasil celebrou o sesquicentenário (150 anos) da independência e a vinda dos restos de D. Pedro foi o auge das comemorações, que ainda incluíram uma Mini-Copa do Mundo de Futebol (com uma final entre Brasil e Portugal), um filme (na imagem acima, Tarcísio Meira como D. Pedro em "Independência ou Morte") e várias publicações alusivas ao evento. A Ditadura Militar no Brasil vivia o seu "melhor" momento (na visão dos militares, pois a oposição armada estava destruída). Já a Ditadura Fascista de Portugal entrava em seu crepúsculo, sendo derrubada menos de dois anos depois, em 1974, durante a Revolução dos Cravos. 
Crédito das Imagens e Informações:
Fotos e informações sobre a exumação da família imperial: jornal "O Estado de S. Paulo", edição de 19.02.2013, páginas C1, C3, C4 e C5. 
Foto de Dona Amélia em trajes de luto: imperiobrasileiro-rs.blogspot.com.br/2010/06/imperatriz-dona-amelia-do-brasil-e.html
Filme "Independência ou Morte": Coleção Nosso Século. Editora Abril, 1980, pag. 254.
Gravura de D. Pedro I de 1831 e retrato de Dona Leopoldina, de autoria de Josef Kreutzinger: "1822" de Laurentino Gomes, editora Nova Fronteira, 2010.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Anúncio Antigo 27: o papa recomenda a marca FIAT




É muito difícil ver um papa renunciar, como ocorre agora com Bento XVI. Mais difícil ainda é ver uma declaração do papa em um anúncio publicitário. Bem, tratando-se de automóveis da marca FIAT é até compreensível, pois ambos têm uma relação muito forte com a Itália. A maior parte dos papas que comandaram a Igreja Católica, desde o tempo de Pedro (o primeiro papa) no século I d.C., tiveram origem na península italiana. Já a "Fabbrica Italiana Automobili Torino" ou simplesmente FIAT (que em latim também significa "faça-se") é um verdadeiro símbolo da indústria daquele país e uma das maiores fábricas de automóveis do mundo. 
A indústria foi fundada por Giovanni Agnelli em 1899. Seu neto, Gianni Agnelli comandou a empresa de 1966 até a sua morte em 2003. Seu irmão, Umberto, assumiu o controle da empresa por mais um ano até a ascensão de Luca de Montezemolo. Aliás, este também responde por um outro símbolo da indústria italiana, a Ferrari, que pertence ao grupo FIAT, da mesma forma que a Alfa Romeo, a Maserati e a Lancia. 



A fábrica, em seus primeiros tempos, dedicou-se a produção de automóveis, veículos industriais e agrícolas. Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) chegou a fabricar ambulâncias, metralhadoras e motores para submarinos. Mais tarde, produziu motores para aviões (como o modelo acima, conservado no Museu Aeroespacial de Washington). Foi pioneira na fabricação de automóveis na antiga União Soviética, utilizando a marca Lada, cujos modelos chegaram a ser vendidos no Brasil no início da década de 1990. 
Por meio de suas subsidiárias, o grupo FIAT atua em 61 países, entre eles o Brasil, onde ganhou prestígio com seus automóveis populares e médios. 



Bem, e o papa Pio XI (imagem acima)? Ambrogio Damiano Achille Ratti, seu verdadeiro nome, nasceu em 1857 na localidade de Decio, na antiga província de Milão. Seu pontificado durou de 1922 até a sua morte, em 1939. O fato mais importante de seu pontificado, sem dúvida, foi o Tratado de Latrão (1929). Por meio deste, a Igreja renunciou aos seus antigos territórios (os chamados Estados Papais) que haviam sido incorporados à Itália após a unificação política e territorial concluída em 1870 e reconheceu oficialmente o Reino Italiano (na época do Tratado, a Itália era uma monarquia parlamentar, tendo Mussolini como primeiro-ministro). 



Por sua vez, o governo italiano, comandado pelo ditador fascista Benito Mussolini (imagem acima, da década de 1930), reconheceu a soberania do papa sobre a área do Vaticano, situada dentro de Roma. Portanto, o papa tornava-se um chefe de Estado, comandando um pequeno território soberano na capital italiana. Estava resolvida a chamada "Questão Romana". 
O acordo foi útil ao regime fascista, pois depois de estabelecer o controle sobre as instituições italianas, faltava apenas o reconhecimento da Igreja Católica. O Tratado de Latrão permitiu isso, tanto que, em 1929, um plebiscito deu ao regime de Mussolini mais de 90% dos votos e o clero católico teve um papel importante nesse resultado. O retrato de Mussolini sempre aparecia ao lado do papa e do rei da Itália nas repartições públicas. Ao mesmo tempo, o acordo eliminava o caráter laico das instituições nacionais, estabelecendo o catolicismo como a única religião do Estado italiano e tornando obrigatório o ensino religioso nas escolas. 
Contudo, em várias encíclicas (documentos papais) publicadas nos anos seguintes, o papa condenou o fascismo e o nazismo, embora na fase final de seu pontificado. 
Pio XI também reforçou o conteúdo da encíclica "Rerum Novarum" (1891) do papa Leão XIII, condenando o comunismo, o socialismo e a luta de classes, reafirmando a necessidade de uma maior justiça social e o controle do Estado para evitar os excessos da economia de livre mercado e do capitalismo. Portanto, deste ponto de vista, era estranho que a Santa Sé permitisse a palavra do papa em uma propaganda de automóveis. De qualquer forma, foi desta maneira que a frase papal apareceu no anúncio mais acima, publicado no jornal "O Estado de São Paulo" de 22.06.1929, poucos meses antes da quebra da Bolsa de Nova Iorque. 

Crédito das imagens:
papa Pio XI:
http://summorumpontificumslz.blogspot.com.br/2012/10/quas-primas-enciclica-do-papa-xi-sobre.html
Mussolini: The Pictorial History of World War II. Charles Messenger. JG Press.
Avião italiano da II Guerra: acervo do autor.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A nossa castanha: Brazil Nut




Um produto que leva o nome do nosso país e que é consumido no mercado norte-americano e europeu. Trata-se  da castanha-do-pará (na foto acima, pacotes de castanhas no mercado Ver-o-Peso, na capital paraense) e que já teve (ou têm) outros nomes como castanha-do-Brasil (nome oficial), castanha-da-Amazônia, castanha-do-Maranhão, castanha-da-terra ou noz do Brasil. Mas no exterior seu nome mais conhecido é "Brazil nut" (tradução literal: noz do Brasil). É assim que é designada nos lugares da moda e principalmente nas confeitarias que vendem produtos a base de chocolate. A castanha também é muito utilizada como complemento para doces, bolos e sorvetes.
Aqui no Brasil o seu consumo é limitado.  O preço elevado não ajuda a disseminar o seu uso junto à nossa população, exceto nas festas de final de ano. Rica em nutrientes e proteínas, a castanha-do-pará, como ainda é mais conhecida por aqui, já foi chamada de "carne vegetal" em função dessas suas qualidades como alimento, embora um tanto quanto calórica. Sabe-se de sua riqueza em selênio, elemento considerado como preventivo à vários tipos de câncer. A castanha-do-pará é encontrada em praticamente toda a floresta Amazônica, do Brasil e dos países limítrofes, como Bolívia, Peru, Venezuela, Colômbia e nas Guianas. 
Há muito tempo conhecida dos índios, destes passou para os europeus com o início da colonização. Muitos estudiosos afirmam que a sua introdução na Europa teria se dado por intermédio dos holandeses, ainda no início do século XVII quando estiveram no baixo rio Amazonas. Nessa mesma época já eram conhecidos os castanhais (locais de grande concentração da árvore que produz a castanha) do rio Tocantins, no Sudeste do Pará. A presença maior da árvore em algumas áreas levou vários botânicos a acreditarem que os próprios nativos teriam contribuído para espalhar as sementes pela floresta, algo muito difícil de ser comprovado. A disseminação das sementes e a sua germinação é um processo extremamente complexo e demorado, uma vez que as mesmas estão sujeitas aos predadores naturais, como as cotias e os macacos.




Em termos científicos, a árvore da castanheira da Amazônia (na imagem acima, ao centro, uma castanheira nativa em Itacoatiara, no Estado do Amazonas) foi descrita pela primeira vez pelo geólogo e naturalista alemão Alexander von Humboldt, após uma viagem de estudos pela América do Sul, entre 1799 e 1804. O tamanho, altura e exuberância (excelsa) da castanheira despertou a atenção de Humboldt e de seu companheiro de viagem, Aimé Bonpland, um botânico francês. A classificação foi feita com a ajuda de outro botânico, o alemão Carl Sigmund Kunth. Desses pesquisadores viria o nome científico da castanheira:  gênero Berthollethia e espécie excelsa, acrescentando-se os sobrenomes do três pesquisadores Humboldt, Bonpland e Kunth abreviados. Portanto: Berthollethia excelsa HBK.



O fruto da castanheira da Amazônia adquire a forma de um "coco" ou ouriço (imagem acima) e dentro do mesmo se encontram as castanhas. Cada ouriço contém de 10 a 25 sementes, que é a castanha ou noz propriamente dita. O fruto não pode ser retirado diretamente da árvore em função da altura da mesma (uma castanheira da Amazônia pode alcançar até 50 metros de altura). É necessário aguardar o amadurecimento e a queda do ouriço, que é coletado no solo. A época para a coleta corresponde ao inverno amazônico ou estação das chuvas, entre os meses de janeiro e maio de cada ano. 



Para o coletador ou castanheiro (na foto acima um castanheiro da região do vale do rio Jari, no sul do  Amapá) é uma atividade que requer cuidados, pois a queda do ouriço pode ser fatal quando atinge a cabeça de um indivíduo (existem casos registrados de acidentes desse tipo). 



Em seguida o ouriço é quebrado e retiradas as castanhas (na foto acima, os ouriços e as castanhas já retiradas de dentro dos mesmos). Estas sofrem uma limpeza superficial na própria floresta (ou colocação, onde os castanheiros trabalham), quando é realizada uma primeira seleção, separando-se as castanhas já apodrecidas. Em seguida, as mesmas são recolhidas e transportadas até uma cidade próxima onde está situado um barracão ou armazém. Em seguida são conduzidas, geralmente por barcos, para um grande centro (no caso do Brasil, Manaus ou Belém) onde as mesmas são beneficiadas, com a retirada da casca que envolve a amêndoa e depois desidratadas, para evitar a umidade que provoca a deterioração do produto. 
A partir da década de 1990, o trabalho de beneficiamento e desidratação da castanha começou a ser feito por cooperativas de extratores, na própria região produtora, como no caso do Acre e do Amapá. A maior parte da produção vai para a exportação. Os grandes consumidores da castanha-do-pará são os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental. 
Muito embora diversos estudos tenham sido feitos desde o século XIX para diversificar o seu uso e aproveitamento, como na produção de farinha, no leite que pode ser extraído da amêndoa, no seu óleo que pode substituir com vantagens o azeite importado e até na obtenção de um lubrificante para motores de aviões, pouco se fez em termos concretos para melhorar a sua exploração. Pelo contrário, o desmatamento sofrido nas bordas da floresta amazônica a partir da década de 1970 levou à derrubada dos castanhais no Sudeste do Pará, que durante muitas décadas liderou a produção da amêndoa. As enormes castanheiras deram lugar aos pastos para a criação de gado. O município de Marabá teve a sua história vinculada ao produto, inclusive com o surgimento de uma verdadeira oligarquia dos castanhais, como já descreveu a pesquisadora Marília Emmi Ferreira da Universidade Federal do Pará, em seu livro "A Oligarquia do Tocantins e o Domínio dos Castanhais".
Na década de 1990, a Bolívia surgiu como concorrente do Brasil no mercado de castanha. Atualmente,  este país ostenta o primeiro lugar como produtor mundial. Como se sabe, o norte boliviano compreende parte da floresta amazônica (próxima à fronteira com o Estado do Acre, que aliás, já pertenceu à Bolívia). Os produtores bolivianos insistem na mudança do nome do produto para castanha ou "almendras" da Amazônia.
Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária pertencente ao governo brasileiro) obtiveram exito na domesticação da castanheira, reduzindo o tempo de frutificação, por meio do enxerto de uma "gema" (parte de uma outra castanheira) em uma castanheira em fase de crescimento. O domínio dessa tecnologia permitiu o plantio racional da árvore, melhorando a produtividade e as condições de extração do fruto. Como a coleta é feita na estação chuvosa (úmida), é maior o risco de contaminação por um fungo, conhecido como Aspergillus flavus, o qual absorvido pelo organismo em grande quantidade, é tido como cancerígeno. A União Européia impõe sérias restrições aos produtos com suspeita desse tipo de contaminação.



Contudo, a produção por meio do cultivo racional é ainda  pequena (na imagem acima, castanhal de cultivo na fazenda Aruanã, em Itacoatiara, no Amazonas). A maior parte das castanhas vêm do processo extrativo, que é feito por milhares de trabalhadores dentro da Amazônia. É uma atividade que ainda garante o sustento de muitas famílias de caboclos e ribeirinhos da floresta tropical.
Estudos e pesquisas desenvolvidos por mim, mostraram que a atividade de exploração da castanha com finalidades mercantis é bem mais antiga do que se imaginava, embora não deva ser associada às conhecidas drogas do sertão, exploradas na bacia amazônica no período colonial, como o cacau, o cravo ou a pimenta. A atividade antecedeu ao ciclo da borracha amazônica da segunda metade do século XIX.
Houve época no Brasil em que grandes campanhas foram promovidas a fim de disseminar o consumo da castanha-do-pará no mercado interno, notadamente por suas propriedades nutritivas. Bem, hoje a palavra de ordem é evitar produtos com alto teor de calorias e recomenda-se o consumo diário de apenas duas amêndoas, suficientes para a absorção do selênio pelo organismo. De qualquer forma, a fama do produto nos países de clima mais frio permaneceu inabalável. Trata-se de um produto com mercado garantido, apesar de não ser insubstituível. Outras nozes lhe fazem concorrência, como a castanha européia e as avelãs.



Como já dissemos, várias possibilidades de aproveitamento da castanha têm sido estudadas, como a produção de um óleo  (imagem acima), que poderia substituir o azeite de oliva. 



Até mesmo na fabricação de instrumentos musicais artesanais o ouriço da castanha pode ser aproveitado (imagem acima). Mais recentemente, a castanha-do-pará têm sido muito utilizada pela indústria de cosméticos, para a produção de sabonetes e shampoos. Trata-se de uma publicidade interessante, de colocar produtos no mercado que propiciam a manutenção da floresta amazônica e o uso sustentável da mesma. 



O cultivo racional apresenta-se como uma outra possibilidade de ampliar a oferta no mercado mundial. Na fazenda Aruanã, próxima ao município de  Itacoatiara no Amazonas, a castanheira é cultivada a partir da tecnologia desenvolvida pela Embrapa. A castanha beneficiada nessa fazenda é praticamente livre do risco de contaminação e certificado como produto orgânico, sendo vendido em latas (imagem acima) que contém 60 castanhas. Para muitos especialistas, o futuro para a manutenção do produto no mercado é o cultivo, embora a extração natural ainda seja predominante, tanto no Brasil, como na Bolívia e no Peru. O extrativismo, embora tenha as suas limitações, ainda é o sustento de muitos amazônidas. 
Pois bem, e aqui, como devemos designar o produto? Sim, oficialmente castanha-do-Brasil. Mas no mercado interno permanece o nome castanha-do-pará. Se forem ao Amazonas, prefiram a primeira designação. "Mas como, a castanha não é só do Pará, é de toda a Amazônia", dirão os amazonenses. Bem, enquanto não resolvemos a questão, lamentemos a perda da liderança no mercado mundial para os bolivianos...
Para saber mais:
Castanha-do-Brasil: da floresta tropical ao consumidor. Ariane Mendonça Pacheco e Vildes Maria Scussel. Florianópolis, SC: Editograf, 2006. 
Crédito das imagens: acervo do autor.