O ano: 1502. Pode-se dizer com certeza que foi a partir daí que o Brasil "apareceu no mapa", mais precisamente no conhecido mapa ou planisfério de Alberto Cantino. Calma, não foi este personagem que fez o mapa, mas aquele que mandou fazer e o comprou em nome de Hércules d'Este, o duque de Ferrara, na Itália. Tratava-se de uma informação sigilosa naquela época e Cantino conseguiu por meio de um bom pagamento (12 ducados de ouro), convencer um cartógrafo das oficinas reais de Portugal a desenhar o mapa (ou copia-lo de outro) para enviar a encomenda à Itália. Isso mostrava uma certa preocupação dos italianos em verificar as possibilidades comerciais dos portugueses no Oriente. O mapa media 218 x 102 cm e revelava partes da Ásia (como a península da Índia, ainda não muito bem conhecida), a África, parte do que seria o atual Nordeste do Brasil, as ilhas da América Central já conhecidas de Colombo e até mesmo uma parte da atual Flórida (11 anos antes do navegador espanhol Ponce de León passar por lá).
Muitos estudiosos discutem a possibilidade dessa área do Brasil já ser conhecida antes da viagem de Pedro Alvares Cabral, muito embora em 1501 o português Gaspar de Lemos tenha percorrido o litoral brasileiro nomeando pontos importantes e acidentes geográficos de nosso litoral.
Outro detalhe importante incluido no mapa de Cantino é o da linha de Tordesilhas (ver foto acima com o detalhe da parte Ocidental que inclui o Brasil), a demarcação feita entre Portugal e Espanha em 1494 para dividir as terras descobertas ou a serem descobertas pelos dois reinos. Talvez Portugal já estivesse explorando a área delimitada pelo acordo, quando foi enviada para cá a expedição de Duarte Pacheco Pereira, a primeira visita conhecida ao litoral do Brasil, em 1498. Em seu livro "Esmeraldo de Situ Orbis", ele descreve a existência da "grande terra firme" além do Mar Oceano (Atlântico), que muitos identificam como sendo o Brasil. Um dos indícios apontados de que o mapa de Cantino teria sido feito com base nas viagens anteriores a Cabral é o dos lugares que foram apontados no documento, como o golfo Fremosso, onde a linha de Tordesilhas passa no litoral norte do Brasil, onde nenhum navegador esteve entre 1500 e 1502.
Recentemente, o historiador inglês Gavin Menzies, em seu livro "1421: The year China discovered the world", levantou uma outra polêmica: a de que o mapa de Cantino teria sido confeccionado com informações de astrônomos e navegadores chineses. Os cartógrafos portugueses não dominavam ainda o cálculo das longitudes e no mapa de Cantino, a localização do cabo de São Roque (extremo oriental da costa brasileira) em relação à linha de Tordesilhas e à costa da Àfrica é quase exata, o que comprovaria a ajuda dos chineses. Além desse ponto, o citado historiador inglês parte do princípio de que os chineses teriam promovido uma "expansão marítima ao contrário", isto é, navegado do Oriente ao Ocidente. Na verdade existiu uma expedição enviada pelo Império Chinês, na época da Dinastia Ming (1368-1644) e comandada pelo almirante Zheng He, o qual contando com numerosos barcos, percorreu o sudeste asiático, o litoral da Índia até alcançar a costa oriental da África em 1421. Muitos afirmam que ele poderia ter estendido a viagem até o continente americano. Seria uma opção pouco provável, uma vez que a navegação chinesa era de cabotagem (costeira) e os seus barcos (juncos) não teriam autonomia para uma navegação transoceânica. De qualquer forma, a tese está sendo discutida por alguns estudiosos.
A descoberta (ou melhor, redescoberta) do mapa de Cantino, ocorreu de forma acidental e envolve o gosto pelas salsichas. O mapa pertencia à Biblioteca Estesense de Módena, na Itália, quando em 1859, por conta de um levante popular na cidade, a biblioteca foi saqueada e o mapa desapareceu. Posteriormente, no mesmo ano, o diretor da Biblioteca, Giuseppe Boni, ao sentar na mesa de uma salsicharia da cidade e aguardar o seu pedido, começou a olhar para as paredes do estabelecimento e percebeu o mapa, que estava sendo usado como forro. Ele deixou as salsichas de lado e comprou o papel do dono do estabelecimento, reintegrando o mapa ao acervo da Biblioteca. Se não fossem as salsichas, o Brasil teria demorado um pouco mais para "aparecer no mapa".
Para aqueles que queiram discutir melhor a participação chinesa na exploração marítima do século XV, deixarei aqui uma indicação de leitura, embora o autor não acredite que o mapa de Cantino tenha relação com as viagens chinesas para a América:
Brandão, Renato Pereira. "O Mapa de Cantino e o Descobrimento da América pelos chineses" in Revista Navigator. Rio de Janeiro, v.2 - n.3, p. 49-55, junho de 2006. O artigo pode ser acessado em:
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