"Terremoto" mobilizou o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil da capital paulista no ano de 1975. Fiquem tranquilos caros leitores, estamos nos referindo ao filme "Terremoto" (Earthquake, produção de 1974). Quando de sua exibição no cine Comodoro, o sistema de som desenvolvido pelos estúdios da Universal Pictures, em Hollywood, chamado de Sensurround, dava a impressão de um tremor de terra real. Nada que viesse a abalar a estrutura do cinema e nem a sensibilidade dos espectadores. Em relação aos vizinhos mais próximos do Comodoro, os moradores do edifício Lucerna A, houve uma maior preocupação e as autoridades municipais ficaram em alerta durante a realização dos primeiros testes para a exibição da película, em julho de 1975, há praticamente quarenta anos.
O cine Comodoro (acima, uma rara foto do interior da sala e reconstituição da fachada original, em 1959) viveu nas décadas de 1970 e 1980, o seu auge como sala de espetáculos. Contudo, o Cinerama original foi uma novidade que teve curta duração e a técnica se mostrou inadequada para produções que não fossem documentários.
O antigo sistema de três projetores, exibindo cada um deles uma terça parte do filme, deixou de ser novidade e as películas nesse formato não foram mais produzidas. A opção dos grandes estúdios se fixou no desenvolvimento de outras técnicas de projeção panorâmica, inicialmente o Cinemascope, depois o VistaVision, o Technirama 70 milímetros e, finalmente, o Panavision (o mais utilizado). Na verdade, a transformação da antiga película de bitola (largura) de 35 para 70 milímetros produzia um resultado semelhante ao do antigo Cinerama, no mesmo tamanho de tela com 146º de curvatura, como no caso do filme "Uma Batalha no Inferno" (The Battle of the Budge, 1966, cujo anúncio de exibição no Comodoro aparece na imagem acima). Para este último filme a propaganda avisava que a película seria exibida sem as emendas que caracterizavam a projeção no sistema do antigo Cinerama. Por sua vez, a marca registrada Cinerama continuou sendo utilizada nas salas de espetáculos, inclusive no cine Comodoro. Mesmo os filmes clássicos, como "...E o vento levou", "Os Dez Mandamentos", "Ben-Hur" e "Doutor Jivago" tiveram cópias novas feitas no formato 70 mm.
No início da década de 1960, tudo indicava que o mesmo problema gerado pela concorrência da televisão nos Estados Unidos estava ocorrendo também no Brasil. Uma pesquisa divulgada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", na edição do dia 18.07.1965, mostrou que a frequência aos cinemas estava deixando de acompanhar o crescimento populacional da capital paulista. Os dados abrangiam um período de 19 anos. Em 1956, o público dos cinemas atingiu o número recorde de 58.715.965 espectadores para uma população de 3.037.309 habitantes na cidade. Contudo, em 1963, sendo a população paulistana de 4.329.212 habitantes, o número de frequentadores caiu para 40.402.640. O preço dos ingressos foi descartado como fator responsável por essa queda de público, uma vez que os mesmos tiveram reajustes inferiores ao do salário mínimo. A televisão foi apontada como sendo a maior responsável.
A comodidade de ficar em casa, de ter simultaneamente várias opções de programas e a exibição de filmes dublados eram vantagens apontadas para a opção pela televisão. Devemos destacar que, até a década de 1960, parcela ainda considerável da população era mal alfabetizada e tinha dificuldades para a leitura das legendas dos filmes. Além disso, a maior facilidade que as pessoas tinham para viajar nos finais de semana (o uso mais frequente do automóvel) e o futebol, também eram apontados, em menor grau, como fatores que contribuíam para essa queda de público.
O cine Comodoro (acima, uma rara foto do interior da sala e reconstituição da fachada original, em 1959) viveu nas décadas de 1970 e 1980, o seu auge como sala de espetáculos. Contudo, o Cinerama original foi uma novidade que teve curta duração e a técnica se mostrou inadequada para produções que não fossem documentários.
O antigo sistema de três projetores, exibindo cada um deles uma terça parte do filme, deixou de ser novidade e as películas nesse formato não foram mais produzidas. A opção dos grandes estúdios se fixou no desenvolvimento de outras técnicas de projeção panorâmica, inicialmente o Cinemascope, depois o VistaVision, o Technirama 70 milímetros e, finalmente, o Panavision (o mais utilizado). Na verdade, a transformação da antiga película de bitola (largura) de 35 para 70 milímetros produzia um resultado semelhante ao do antigo Cinerama, no mesmo tamanho de tela com 146º de curvatura, como no caso do filme "Uma Batalha no Inferno" (The Battle of the Budge, 1966, cujo anúncio de exibição no Comodoro aparece na imagem acima). Para este último filme a propaganda avisava que a película seria exibida sem as emendas que caracterizavam a projeção no sistema do antigo Cinerama. Por sua vez, a marca registrada Cinerama continuou sendo utilizada nas salas de espetáculos, inclusive no cine Comodoro. Mesmo os filmes clássicos, como "...E o vento levou", "Os Dez Mandamentos", "Ben-Hur" e "Doutor Jivago" tiveram cópias novas feitas no formato 70 mm.
No início da década de 1960, tudo indicava que o mesmo problema gerado pela concorrência da televisão nos Estados Unidos estava ocorrendo também no Brasil. Uma pesquisa divulgada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", na edição do dia 18.07.1965, mostrou que a frequência aos cinemas estava deixando de acompanhar o crescimento populacional da capital paulista. Os dados abrangiam um período de 19 anos. Em 1956, o público dos cinemas atingiu o número recorde de 58.715.965 espectadores para uma população de 3.037.309 habitantes na cidade. Contudo, em 1963, sendo a população paulistana de 4.329.212 habitantes, o número de frequentadores caiu para 40.402.640. O preço dos ingressos foi descartado como fator responsável por essa queda de público, uma vez que os mesmos tiveram reajustes inferiores ao do salário mínimo. A televisão foi apontada como sendo a maior responsável.
A comodidade de ficar em casa, de ter simultaneamente várias opções de programas e a exibição de filmes dublados eram vantagens apontadas para a opção pela televisão. Devemos destacar que, até a década de 1960, parcela ainda considerável da população era mal alfabetizada e tinha dificuldades para a leitura das legendas dos filmes. Além disso, a maior facilidade que as pessoas tinham para viajar nos finais de semana (o uso mais frequente do automóvel) e o futebol, também eram apontados, em menor grau, como fatores que contribuíam para essa queda de público.
Por outro lado, isso parece não ter afetado algumas salas de exibição, entre elas o cine Comodoro. Além do atrativo da tela panorâmica, a sala era equipada com som estereofônico de excelente qualidade. Em função disso, o Comodoro foi escolhido para sediar a exibição quinzenal dos "Concertos Audiovisuais" promovidos pela Juventude Musical de São Paulo, entre os meses de setembro e outubro de 1968. A iniciativa buscava atrair o público jovem, formado por estudantes do ensino médio e universitários, para a musica erudita. Obras de Bach, Mozart, Brahms e Villa-Lobos, entre outras, poderiam ser ouvidas em gravações das grandes orquestras do mundo, com acompanhamento visual de imagens projetadas em slides no telão do Comodoro e que foram preparadas por uma equipe de jovens artistas plásticos, entre os quais, Fabio Magalhães, Carmela Gross e Marcelo Nitzche. Filas chegaram a se formar no quarteirão onde se localizava o cinema, na avenida São João, centro de São Paulo, para a exibição do evento, que teve início em 29.09.1968 (como mostra o anúncio acima). Além do espetáculo audiovisual, a Orquestra Sinfônica Jovem da Prefeitura realizou um ensaio aberto ao público no cinema.
Além desse evento, registramos que em abril de 1969, o cine Comodoro exibiu uma fita soviética, "Anna Karenina" (União Soviética, 1967), que contou com a participação de uma das estrelas do Balé Bolshoi: Maya Plissetskaya. No ano de 1972 outro filme soviético foi exibido na sala, o documentário "O Circo do Século". Os dois filmes vieram com cópias em 70 mm em plena época da Guerra Fria.
Além desse evento, registramos que em abril de 1969, o cine Comodoro exibiu uma fita soviética, "Anna Karenina" (União Soviética, 1967), que contou com a participação de uma das estrelas do Balé Bolshoi: Maya Plissetskaya. No ano de 1972 outro filme soviético foi exibido na sala, o documentário "O Circo do Século". Os dois filmes vieram com cópias em 70 mm em plena época da Guerra Fria.
O público da década de 1970, como este blogueiro, que assistiu a exibição de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (2001: A Space Odissey, 1968) do diretor Stanley Kubrick, no Comodoro, sabia da qualidade do som daquela sala para a exibição de filmes que tivessem como destaque a trilha sonora. Entre 1971 e 1972, a sala exibiu o filme "Elvis é Assim" (That's the Way It Is de 1970) que mostrava a abertura de uma temporada do conhecido astro do rock em Las Vegas. O anúncio, publicado nos jornais da época (imagem acima) utilizava uma expressão típica dos tempos da Jovem Guarda no Brasil: "Elvis mandando brasa como nunca". Em 1978, o Comodoro exibiu, com exclusividade, o filme "Grease, nos Tempos da Brilhantina" (Grease, 1978) com o então astro das discotecas John Travolta.
No início da década de 1970, o Comodoro viveu o seu grande momento de público e prestígio, com os antigos filmes de Hollywood com cópias novas em 70 mm, som estereofônico e a onda dos filmes de catástrofe, como as películas da série Aeroporto (o Comodoro exibiu Airport 1975 e Airport 1977), Pânico na Multidão (Two-Minute Warning de 1977), Vôo 502: em Perigo (Skyjacked, 1972) e o que mais tempo permaneceu em cartaz nessa época: "Terremoto" (nas imagens acima, podemos ver os anúncios de "Pânico na Multidão" e "Vôo 502: em Perigo").
Para a exibição do filme catástrofe "Terremoto"(na imagem acima, o anúncio divulgando a estréia da película no Comodoro), o estúdio Universal desenvolveu um novo sistema sonoro: o Sensurround. O termo é o resultado da junção de duas palavras: sense de sensibilidade e surround de envolvimento.
O Sensurround permitia ao espectador a sensação de estar em meio a um terremoto (pelo menos era o que o material de propaganda prometia), em função dos efeitos sonoros de baixa frequência e das vibrações no ar proporcionadas por 14 caixas acústicas e mais 4 amplificadores que eram controlados por uma espécie de "mini-computador" (na foto acima, os amplificadores do Sensurround).
O novo sistema de som (no fotograma acima, o aviso que antecedia a exibição de um filme que utilizasse o Sensurround) tornou-se a grande novidade surgida na década de 1970, para mais uma vez atrair as plateias pelo envolvimento com o espetáculo cinematográfico. Apesar das advertências com relação às "reações físicas ou emocionais" que o espectador poderia ter, em termos práticos, o Sensurround não chegava sequer a ameaçar a estabilidade de um saco de pipocas.
Contudo, quando o primeiro teste do Sensurround foi feito no cine Comodoro, com a aparelhagem ainda desregulada, numa madrugada de julho de 1975, muitos vizinhos do cinema saíram às ruas com as roupas de dormir, imaginando que o edifício estivesse caindo. Em função desse incidente, fiscais da Prefeitura Municipal de São Paulo ficaram por quase um mês, medindo os decibéis nos apartamentos do edifício Lucerna A, o mesmo do cine Comodoro. Em uma primeira avaliação chegou-se a cogitar da interdição do cinema para a exibição do filme "Terremoto" (no fotograma acima, uma cena do filme). Contudo, outras medições feitas por engenheiros da Prefeitura, munidos de decibelímetros (aparelho para a medição dos decibéis) acabaram dando um parecer favorável à exibição da fita. Uma matéria publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", em 31.07.1975, lembrava que a lei municipal 8.106, de agosto de 1974, determinava a proibição do uso de alto falantes e demais aparelhos sonoros que se fizessem ouvir fora do recinto onde os mesmos se encontravam, não importando a quantidade de decibéis. Para o fiscal da Prefeitura, Moacyr Pupo Ferreira e para o proprietário do cine Comodoro, Paulo Sá Pinto, os ruídos produzidos pelo filme estavam abaixo do esperado e não muito diferentes do que se ouvia no trânsito. Testes realizados dentro da sala durante a exibição experimental de "Terremoto", sem os ajustes no volume, registraram 105 decibéis, equivalente a um grande congestionamento, onde todas as buzinas estivessem tocando de forma simultânea.
Apesar das restrições da citada lei, a conclusão foi de que o filme podia ser exibido com 66 decibéis durante o dia e 54 à noite. Não haveria a sessão da meia noite e por isso o filme começava a ser exibido às 10h45 da manhã. A aparelhagem foi toda ajustada para obedecer a esses limites. Para se ter uma ideia da intensidade dos decibéis já ajustados do Sensurround, tratava-se de um barulho inferior ao da avenida São João (onde estava localizado o Comodoro) no horário do rush, o qual alcançava 85 decibéis.
Apesar disso, como medida preventiva, a Prefeitura de São Paulo pediu ajuda à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros, que ficariam a postos na manhã de estréia do filme, no dia 03.09.1975, uma vez que os espectadores poderiam ter a mesma sensação dos moradores do Lucerna, quando o teste foi realizado pela primeira vez (na foto acima, a fachada do cine Comodoro em 1975, durante a exibição de "Terremoto").
"Terremoto" foi um grande êxito de bilheteria, permanecendo por mais de sete meses em cartaz no Comodoro. Isso mesmo, mais de sete meses em cartaz na mesma sala, de forma ininterrupta (como mostra o anúncio acima)! Algo absolutamente impensável para os dias de hoje.
Além do filme "Terremoto", o sistema Sensurround foi utilizado em outras três produções dos estúdios Universal: a "Batalha de Midway" (Midway, 1976), Terror na Montanha Russa (Rollercoaster, 1977) e "Galactica: Astronave de Combate" (Battlestar Galactica, 1978). Desses, apenas "Terror na Montanha Russa" foi exibido no Comodoro, em 1978. Esses filmes, do ponto de vista da arte cinematográfica, eram pouco representativos, atraindo as plateias mais em função dos efeitos especiais. Por isso, nenhum deles ficou nos registros dos grandes clássicos do cinema.
Isso não significava que o Comodoro não tivesse exibido outras películas mais representativas da sétima arte, como por exemplo, "...E o vento levou" (Gone With the Wind, 1939, na imagem acima o anúncio do filme), Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1963), "Jesus Cristo Superstar" (idem, 1973), "A Filha de Ryan" (Ryan's Daughter, 1970) e o já citado "2001: Uma odisséia no Espaço".
Também tivemos bons lançamentos, como "A Ilha do Adeus" (Islands in the Stream, 1977), tida como a melhor adaptação de uma obra de Ernest Hemingway para o cinema (na imagem acima, anúncio do filme).
Em 1979, a sala passou por uma reforma e continuou a exibir películas no formato 70 mm. No início da década de 1980, o Comodoro viveu os seus últimos dias de glória em meio à deterioração do centro de São Paulo. O público do cinema, que já vinha diminuindo desde a década de 1960, caiu ainda mais com a expansão dos shoppings centers e da segurança que estes proporcionavam à classe média, que continuou a frequentar cinemas. Mas o Comodoro sobreviveu por mais de uma década até sucumbir diante do esvaziamento dos antigos cinemas de rua. É o que veremos na ultima parte desta postagem......
Crédito das imagens:
Logo do Comodoro: anúncio publicado no "Jornal da Tarde" no ano de 1977 (sem registro do dia). Acervo do autor.
Fachada original: Pinterest.
Foto do interior do cine Comodoro: blog Salas de Cinema de São Paulo.
Anúncio do filme "Uma Batalha no Inferno":
cinescopiotv.com/2014/06/24/cinerama-antigo-pouco-conhecido-formato-cinematografico.
Anúncios "Musica em som cinerama" e do filme "Elvis é Assim": jornal "O Estado de S. Paulo", edições de 21.09.1968 e 19.12.1971, respectivamente.
Anúncio do filme "Pânico na Multidão": "Jornal da Tarde", de uma edição de 1977, sem registro da data. Acervo do autor.
Anúncio do filme "Vôo 502: em Perigo". Jornal "O Estado de S. Paulo" sem registro de data. Acervo do autor.
Anúncio de estréia do filme "Terremoto": jornal "Diário Popular", edição de 02.09.1975. Acervo do autor.
Fotos do amplificador Sensurround, do logo do sistema e cena do filme "Terremoto": fotogramas do documentário "Sounds of Midway", produzido pela Universal Studios, 2001.
Fachada do cine Comodoro em 1975: blog Salas de Cinema de São Paulo.
Anúncio da 35ª semana do filme "Terremoto": "Jornal da Tarde", edição de 1975. Acervo do autor.
Anúncio do filme "E o Vento Levou": Jornal "O Estado de S. Paulo", sem data registrada. Acervo do autor.
Anuncio do filme "A Ilha do Adeus": Jornal "O Estado de S. Paulo", sem data registrada. Acervo do autor.
No início da década de 1970, o Comodoro viveu o seu grande momento de público e prestígio, com os antigos filmes de Hollywood com cópias novas em 70 mm, som estereofônico e a onda dos filmes de catástrofe, como as películas da série Aeroporto (o Comodoro exibiu Airport 1975 e Airport 1977), Pânico na Multidão (Two-Minute Warning de 1977), Vôo 502: em Perigo (Skyjacked, 1972) e o que mais tempo permaneceu em cartaz nessa época: "Terremoto" (nas imagens acima, podemos ver os anúncios de "Pânico na Multidão" e "Vôo 502: em Perigo").
Para a exibição do filme catástrofe "Terremoto"(na imagem acima, o anúncio divulgando a estréia da película no Comodoro), o estúdio Universal desenvolveu um novo sistema sonoro: o Sensurround. O termo é o resultado da junção de duas palavras: sense de sensibilidade e surround de envolvimento.
O Sensurround permitia ao espectador a sensação de estar em meio a um terremoto (pelo menos era o que o material de propaganda prometia), em função dos efeitos sonoros de baixa frequência e das vibrações no ar proporcionadas por 14 caixas acústicas e mais 4 amplificadores que eram controlados por uma espécie de "mini-computador" (na foto acima, os amplificadores do Sensurround).
O novo sistema de som (no fotograma acima, o aviso que antecedia a exibição de um filme que utilizasse o Sensurround) tornou-se a grande novidade surgida na década de 1970, para mais uma vez atrair as plateias pelo envolvimento com o espetáculo cinematográfico. Apesar das advertências com relação às "reações físicas ou emocionais" que o espectador poderia ter, em termos práticos, o Sensurround não chegava sequer a ameaçar a estabilidade de um saco de pipocas.
Contudo, quando o primeiro teste do Sensurround foi feito no cine Comodoro, com a aparelhagem ainda desregulada, numa madrugada de julho de 1975, muitos vizinhos do cinema saíram às ruas com as roupas de dormir, imaginando que o edifício estivesse caindo. Em função desse incidente, fiscais da Prefeitura Municipal de São Paulo ficaram por quase um mês, medindo os decibéis nos apartamentos do edifício Lucerna A, o mesmo do cine Comodoro. Em uma primeira avaliação chegou-se a cogitar da interdição do cinema para a exibição do filme "Terremoto" (no fotograma acima, uma cena do filme). Contudo, outras medições feitas por engenheiros da Prefeitura, munidos de decibelímetros (aparelho para a medição dos decibéis) acabaram dando um parecer favorável à exibição da fita. Uma matéria publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", em 31.07.1975, lembrava que a lei municipal 8.106, de agosto de 1974, determinava a proibição do uso de alto falantes e demais aparelhos sonoros que se fizessem ouvir fora do recinto onde os mesmos se encontravam, não importando a quantidade de decibéis. Para o fiscal da Prefeitura, Moacyr Pupo Ferreira e para o proprietário do cine Comodoro, Paulo Sá Pinto, os ruídos produzidos pelo filme estavam abaixo do esperado e não muito diferentes do que se ouvia no trânsito. Testes realizados dentro da sala durante a exibição experimental de "Terremoto", sem os ajustes no volume, registraram 105 decibéis, equivalente a um grande congestionamento, onde todas as buzinas estivessem tocando de forma simultânea.
Apesar das restrições da citada lei, a conclusão foi de que o filme podia ser exibido com 66 decibéis durante o dia e 54 à noite. Não haveria a sessão da meia noite e por isso o filme começava a ser exibido às 10h45 da manhã. A aparelhagem foi toda ajustada para obedecer a esses limites. Para se ter uma ideia da intensidade dos decibéis já ajustados do Sensurround, tratava-se de um barulho inferior ao da avenida São João (onde estava localizado o Comodoro) no horário do rush, o qual alcançava 85 decibéis.
Apesar disso, como medida preventiva, a Prefeitura de São Paulo pediu ajuda à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros, que ficariam a postos na manhã de estréia do filme, no dia 03.09.1975, uma vez que os espectadores poderiam ter a mesma sensação dos moradores do Lucerna, quando o teste foi realizado pela primeira vez (na foto acima, a fachada do cine Comodoro em 1975, durante a exibição de "Terremoto").
"Terremoto" foi um grande êxito de bilheteria, permanecendo por mais de sete meses em cartaz no Comodoro. Isso mesmo, mais de sete meses em cartaz na mesma sala, de forma ininterrupta (como mostra o anúncio acima)! Algo absolutamente impensável para os dias de hoje.
Além do filme "Terremoto", o sistema Sensurround foi utilizado em outras três produções dos estúdios Universal: a "Batalha de Midway" (Midway, 1976), Terror na Montanha Russa (Rollercoaster, 1977) e "Galactica: Astronave de Combate" (Battlestar Galactica, 1978). Desses, apenas "Terror na Montanha Russa" foi exibido no Comodoro, em 1978. Esses filmes, do ponto de vista da arte cinematográfica, eram pouco representativos, atraindo as plateias mais em função dos efeitos especiais. Por isso, nenhum deles ficou nos registros dos grandes clássicos do cinema.
Isso não significava que o Comodoro não tivesse exibido outras películas mais representativas da sétima arte, como por exemplo, "...E o vento levou" (Gone With the Wind, 1939, na imagem acima o anúncio do filme), Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1963), "Jesus Cristo Superstar" (idem, 1973), "A Filha de Ryan" (Ryan's Daughter, 1970) e o já citado "2001: Uma odisséia no Espaço".
Também tivemos bons lançamentos, como "A Ilha do Adeus" (Islands in the Stream, 1977), tida como a melhor adaptação de uma obra de Ernest Hemingway para o cinema (na imagem acima, anúncio do filme).
Em 1979, a sala passou por uma reforma e continuou a exibir películas no formato 70 mm. No início da década de 1980, o Comodoro viveu os seus últimos dias de glória em meio à deterioração do centro de São Paulo. O público do cinema, que já vinha diminuindo desde a década de 1960, caiu ainda mais com a expansão dos shoppings centers e da segurança que estes proporcionavam à classe média, que continuou a frequentar cinemas. Mas o Comodoro sobreviveu por mais de uma década até sucumbir diante do esvaziamento dos antigos cinemas de rua. É o que veremos na ultima parte desta postagem......
Crédito das imagens:
Logo do Comodoro: anúncio publicado no "Jornal da Tarde" no ano de 1977 (sem registro do dia). Acervo do autor.
Fachada original: Pinterest.
Foto do interior do cine Comodoro: blog Salas de Cinema de São Paulo.
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Anúncio do filme "Pânico na Multidão": "Jornal da Tarde", de uma edição de 1977, sem registro da data. Acervo do autor.
Anúncio do filme "Vôo 502: em Perigo". Jornal "O Estado de S. Paulo" sem registro de data. Acervo do autor.
Anúncio de estréia do filme "Terremoto": jornal "Diário Popular", edição de 02.09.1975. Acervo do autor.
Fotos do amplificador Sensurround, do logo do sistema e cena do filme "Terremoto": fotogramas do documentário "Sounds of Midway", produzido pela Universal Studios, 2001.
Fachada do cine Comodoro em 1975: blog Salas de Cinema de São Paulo.
Anúncio da 35ª semana do filme "Terremoto": "Jornal da Tarde", edição de 1975. Acervo do autor.
Anúncio do filme "E o Vento Levou": Jornal "O Estado de S. Paulo", sem data registrada. Acervo do autor.
Anuncio do filme "A Ilha do Adeus": Jornal "O Estado de S. Paulo", sem data registrada. Acervo do autor.
Excelente postagem.Me transporta ao passado e me deixa ir as lagrimas ao lembrar dos tempos do COMODORO.Pena que não podemos rebobinar o tempo, se não eu voltava só para assistir um filme no espetacular, maravilhoso e incomporável " CINE COMODORO "
ResponderExcluirtop. recordaçoes afloram a todo momento apenas por ler esta mega reportagem.
ResponderExcluirProcurei a matéria porque quando criança assisti no Comodoro um filme sobre a Austrália e como lá a educação era por rádio. Ideia exuberante para minha família à época. Discutimos em família a possibilidade de educação dos povos da Amazônia e os estados "longínquos " à época.
ResponderExcluirHoje, com a pandemia, volta a minha memória a história da Austrália. Meados de 1960 e havia solução para a educação das crianças. E com recursos escassos.
E nós, agora, não fazemos NADA!! Que tristeza
Assisti Os Dez Mandamentos no Cine Comodoro. Não me lembro o ano, mas foi no início da boa e velha década de 1970.
ResponderExcluirTambém assisti. Acho que foi em 1973. Obrigado pela leitura...
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