quinta-feira, 26 de outubro de 2017

História Mundi na TV Aparecida: Amazônia em Foco e a Renca



Caro leitor, neste dia 27 de outubro, às 15 horas, irá ao ar a entrevista que fizemos para o Programa Santa Receita da TV Aparecida (canal 695 da Net), apresentado por Claudete Troiano, tendo como assunto a Amazônia e a recente medida (na verdade, um decreto) tomada pelo presidente da república Michel Temer, de extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados, mais conhecida pela sigla Renca. A área estaria sendo destinada à mineração privada, o que poderia afetar parte da floresta amazônica e as populações que lá vivem, sobretudo indígenas. O decreto presidencial  gerou protestos dentro e fora do Brasil, o que fez com que o governo brasileiro desistisse da ideia, pelo menos por enquanto.


Para entendermos um pouco dessa questão (apresentada no programa com projeções de imagens da Amazônia, como na foto acima) é preciso lembrar que a Renca é uma área de aproximadamente 47 mil quilômetros quadrados, equivalente ao estado do Espírito Santo, localizada entre os estados do Amapá e do Pará. A mesma foi criada em 1984, na fase final da ditadura militar, delimitada a fim de que fossem explorados os recursos minerais lá disponíveis, cuja atividade seria feita pelo Estado. Contudo, a crise econômica de meados da década de 1980 (principalmente em função da inflação e dos encargos voltados para o pagamento dos juros da dívida externa), inviabilizaram os investimentos públicos para ampliar as pesquisas e iniciar a exploração. 
Com o decreto do presidente Michel Temer, publicado em 22 de agosto de 2017, foi aberta novamente a possibilidade da pesquisa e mineração, agora a cargo do setor privado. A justificativa é atrair investimentos e impulsionar a economia do país. Contudo, a repercussão ruim dessa medida junto aos setores que trabalham na defesa do meio ambiente, tanto no Brasil como no exterior, fez com que o governo editasse um outro decreto, esclarecendo (ou tentando esclarecer) como seriam feitas as prospecções e a exploração mineral, determinando que não seria permitida a atividade nas unidades de conservação existentes na área. Apenas para lembrarmos, existem nove unidades de conservação sobrepostas na Renca, sendo sete de proteção ambiental e duas constituídas por terras indígenas. Em três dessas unidades a mineração não é permitida, pois tratam-se de áreas de proteção integral. Nas terras indígenas também é proibida a atividade, embora conste que existam no Congresso vários projetos em tramitação, alterando essa condição. O temor dos ambientalistas, ecologistas e dos defensores da Amazônia é que o decreto que extingue a Renca, mesmo mantendo as normas nessas áreas de proteção, acabe afetando essas terras em função dos efeitos indiretos da exploração de minérios, como a poluição dos rios, igarapés e a entrada de garimpeiros para a lavra ilegal de ouro.


Como se sabe, a mineração é atualmente, a atividade mais importante, em termos econômicos, na Amazônia, sobretudo a vinculada à produção de ferro e bauxita (matéria-prima do alumínio), proporcionando saldos importantes em nossa balança comercial. Contudo, tais atividades não trazem grandes benefícios para as populações locais em termos de emprego e distribuição de renda. Na verdade, o minério sofre um beneficiamento primário, apenas para permitir a exportação para os grandes mercados da Ásia (China e Japão principalmente), onde terão um aproveitamento maior em escala industrial (na indústria automobilística, por exemplo). Trata-se de uma atividade que não agrega valor ao produto, uma vez que o mesmo é exportado quase em estado bruto. Muitos estudiosos classificam tais economias como enclaves, isto é, atividades concentradas em uma determinada área e que não geram efeitos positivos no entorno. O caso da produção de ferro na Serra dos Carajás é um exemplo disso. 


Na entrevista ao Programa Santa Receita (foto acima) pudemos discorrer sobre a importância da Amazônia e de sua floresta tropical, a maior do planeta; de sua bacia hidrográfica, também a maior do mundo; da sua enorme reserva de água doce (equivalente a 20% do total do planeta); de ter o maior rio do mundo em termos de volume de água (o rio Amazonas), ou seja, tudo na Amazônia é expresso em termos superlativos. E a sua biodiversidade! A maior variedade no planeta em termos de plantas, insetos, aves e peixes de água doce, muitos dos quais sequer foram avaliados ou mesmo identificados cientificamente. 


Desde a década de 1960, quando a ditadura militar iniciou a ocupação sistemática da Amazônia por meio da abertura de estradas (como a Transamazônica, na foto acima de 1972); construção de hidrelétricas; incentivos fiscais destinados à agropecuária (uma das maiores responsáveis pelo desmatamento) e a já citada exploração dos recursos minerais, aproximadamente 18% da floresta amazônica foi perdida, sem que se pudesse ter uma avaliação mais precisa das suas riquezas ou de se poder estabelecer um manejo não tão predatório. 



Embora no início da década de 1970 tenha sido criado o Projeto Radam (Radar da Amazônia), para um mapeamento aerofotográfico da floresta, a ocupação já estava sendo desencadeada sem que fossem melhor analisados os dados desse levantamento (na foto acima, de 1972, uma castanheira aparece no caminho de uma estrada).



As experiências com o extrativismo mineral e o garimpo mostram que os mesmos não se constituem em alternativa adequada para a região. Todos devem se lembrar do caso de Serra Pelada, uma lavra de ouro no sudeste do Pará descoberta em 1980 e que desencadeou uma verdadeira "corrida do ouro" para a região, chegando a reunir mais de 80 mil garimpeiros trabalhando em um imenso buraco aberto no meio da floresta, os quais tinham a esperança de "bamburrar" ou encontrar uma quantidade tal de ouro, que possibilitasse ao indivíduo ficar rico (na foto acima, de Sebastião Salgado, o garimpo de Serra Pelada). Muitas histórias são relatadas dos poucos garimpeiros que chegaram a coletar uma quantidade razoável do valioso metal, mas que desperdiçaram o que ganharam em aquisições impensadas e extravagantes, como chegar em uma concessionária e comprar todos os veículos novos disponíveis na loja ou ainda alugar um avião Boeing para fazer um "bate e volta" ao Rio de Janeiro. Histórias como essas foram relatadas em um livro do jornalista Ricardo Kotscho, intitulado "Serra Pelada: Uma Ferida Aberta na Selva" (Editora Brasiliense, 1984) reunindo matérias feitas pelo mesmo na área do garimpo, no início da década de 1980. Até hoje, antigos garimpeiros ainda aguardam a reabertura de Serra Pelada, cujos direitos estão em poder da Cia. Vale do Rio Doce. Contudo, a exploração do ouro que restou só pode ser feita por meio de lavra mecânica, isso se ainda for viável economicamente. Atualmente o "buraco" de Serra Pelada é um imenso lago. Eis o resultado de uma atividade que atraiu milhares de pessoas, que sem conseguir o sonhado enriquecimento, ou voltaram para os seus estados de origem ou permaneceram marginalizadas nas periferias das cidades da Amazônia.


O futuro da floresta amazônica, sobretudo para mantê-la "em pé" é o desenvolvimento de uma tecnologia que propicie a sua exploração sustentável (na foto acima, retirada predatória de madeira na região de Marabá, sudeste do Pará. em 1988). De acordo com a geógrafa Bertha Becker, infelizmente já falecida, o Brasil tem que realizar na Amazônia o mesmo que fez com a exploração do petróleo em águas profundas e com a técnica de plantio da soja na região do cerrado. Ou seja, aplicar o conhecimento científico em termos práticos. O futuro da floresta amazônica está na biotecnologia, na investigação de aplicação dos recursos provenientes da biodiversidade no setor farmacêutico (pesquisa de novos medicamentos), na indústria de cosméticos e na produção de alimentos.


O manejo adequado na exploração da madeira, identificando as espécies de valor comercial que podem ser abatidas de forma seletiva (mogno, cerejeira, castanheira, sumaúma, entre outras) e preservando as de maior vulnerabilidade (na foto acima, queimadas no estado de Rondônia, década de 1980). 
Enfim, tudo isso requer duas coisas que o Brasil está deixando de lado: a educação e o patrocínio às pesquisas científicas. Mas, não se incomodem, que as nações mais desenvolvidas já perceberam isso, enviando os seus jovens cientistas para estudarem a região e defenderem a preservação da floresta para aprimorar o conhecimento da mesma...
Crédito das Imagens: 
Fotos no Programa Santa Receita com a apresentadora Claudete Troiano: TV Aparecida e acervo do autor.
Fotos da Transamazônica e da castanheira no meio da estrada: Revista Manchete, 15 de abril de 1972, pags. 65 e 68.
Foto do Garimpo de Serra Pelada de Sebastião Salgado: 
http://brasilescola.uol.com.br/brasil/serra-pelada.htm
Fotos do caminhão com madeira e da queimada em Rondônia:Revista Ciência Hoje, edição especial sobre a Amazônia. Dezembro de 1991, pags. 77 e 87. 




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