terça-feira, 27 de março de 2018

Documentário sobre a morte de Leon Trotsky: "Asaltar los cielos"



No próximo sábado, dia 31 de março, a TV Brasil irá exibir um documentário sobre Ramón Mercader, responsável pela morte do revolucionário e ex-integrante do governo da União Soviética Leon Trotsky. Trata-se da produção espanhola "Asaltar los cielos". A mesma é de 1996, dirigida por José Luis López-Linares e Javier Rojo. Para aqueles que se interessam pelo assunto, o material apresentado é rico e amplo, trazendo tanto depoimentos de trotskistas (seguidores de Leon Trotsky) como daqueles que defendiam o governo de Stalin e em função disso, justificam o atentado. Entre os entrevistados estão Luis Mercader (irmão de Ramón), Esteban Volkov (neto de Trotsky e unica testemunha ainda viva do atentado), a filha adotiva de Ramón, antigos agentes da NKVD (orgão de segurança do Estado Soviético) e até mesmo a atriz espanhola Sarita Montiel, a qual afirmou ter estado com Ramón Mercader em visita feita a este na prisão. O documentário praticamente confirma a nossa postagem sobre o tema intitulada  "Imagens Históricas 31: o assassinato de Leon Trotsky".
Atenção, porque o filme deverá ser reapresentado todos os sábados, no mês de abril, na sessão Cine Ibermedia. O link para a programação da TV Brasil (canal 531 da Net HD) está abaixo: 
http://tvbrasil.ebc.com.br/programacao

quinta-feira, 22 de março de 2018

Tábua Peutinger: o mapa-múndi da Roma Antiga



Um mapa simplesmente incrível, cuja concepção remonta aos próprios romanos! A unica carta sobrevivente de um cursus publicus ou rota de estradas da Antiga Roma, copiada no século XIII. Para quem o vê é um exercício incomparável de geografia, pois leva o indivíduo a identificar as cidades, as ilhas, as penínsulas e os continentes como se fosse um viajante da Antiguidade (no detalhe acima, o sul da Itália e a ilha da Sicília, que inclusive aparece com esse mesmo nome). Aliás, era esse o objetivo desse mapa, dirigido aqueles que, por várias necessidades (militares, administrativas, comerciais) percorriam as províncias do Império Romano, da Europa até a Ásia, passando pelo norte da África, as dimensões atingidas por Roma em seu momento máximo de expansão no início da era cristã e indo até o mundo conhecido nessa época. O mapa apresentava aquilo que os romanos chamavam de itinerarium. Muitos estudiosos comparam esse documento a um moderno itinerário (vejam que o termo permanece) de metrô e linhas ferroviárias, representadas geralmente no plano horizontal e retilíneo. Daí o debate entre os especialistas a respeito de se denominar ou não a carta de mapa e por isso prevalece o termo Tábua. Alguns ainda designam esse documento como sendo um cartograma, uma espécie de quadro esquemático onde determinados locais estão assinalados por pontos ou figuras interligados por linhas retas. Na Tábua Peutinger a preocupação maior era a de orientar os viajantes, principalmente do Ocidente (Roma) para o Oriente. Ora, não é por outra razão que o verbo "orientar" teve a sua origem exatamente nesse aspecto, pois a referência para os antigos caminhos estava no Oriente (onde nasce o sol).
Na cartografia (arte ou técnica da feitura de mapas) notamos uma diferença entre os gregos e os romanos. Estes últimos estavam mais interessados nas necessidades práticas advindas das campanhas militares e da administração provincial, sem descartar a necessidade de viabilizar o deslocamento de produtos e mercadorias. Portanto, não era o interesse científico que orientava a elaboração dos documentos cartográficos. Já os gregos estavam preocupados com a geografia matemática, com as latitudes e longitudes ou ainda com as medidas astronômicas.





A Tábua Peutinger expressava também a grandeza e o poder do Império Romano. Em função disso, podemos reparar no modo como a Grécia foi representada na Tábua (na imagem acima a península grega), de forma bem simples, sem qualquer referência ao seu passado glorioso ou à sua cultura. No detalhe mais acima, Atenas é identificada apenas como uma pequena cidade entre as demais. 



Para os romanos, os mapas tinham que ter praticidade e serem fáceis de ler. A enfase é dada nas massas territoriais e não nos mares, uma vez que o deslocamento sugerido se dava pelas estradas e também passando pelas cidades, como a própria Roma, representada na imagem acima tendo o ícone da autoridade imperial (reparem do lado direito a Via Apia, a famosa estrada que ligava a cidade ao sul da Itália) e o antigo porto romano de Ostia. Os possíveis obstáculos aos viajantes foram assinalados, como rios, montanhas e florestas. As distâncias entre as cidades também são fornecidas. 



Como nos relata Maurício Waldman, doutor em Geografia pela USP, os romanos criaram uma malha viária incomparável no Mundo Antigo. Portanto, podemos dar razão à assertiva de que "todos os caminhos levam a Roma" (na foto acima, a Via Ápia). A técnica de construção de estradas pavimentadas foi herdada de outros povos já dominados (etruscos, gregos, cartagineses e até dos egípcios, no que se refere ao trabalho com pedras, que foi aproveitado nos calçamentos), mas elevada a uma escala sem precedentes pelos romanos, os quais chegaram a dividir as pistas em faixas e até mesmo estabeleceram um limite de peso para os veículos. Muitos dos traçados dessas estradas foram mantidos nas rodovias modernas da Europa. 
As distâncias estão estabelecidas na Tábua Peutinger e a malha viária estendia-se por 700 milhas romanas ou 104.000 quilômetros, segundo nos informa Maurício Waldman. Daí a necessidade de mapeá-la e ao fazer isso os romanos deixam transparecer a sua visão de mundo e os seus interesses, como a necessidade de estabelecer um controle sobre o espaço territorial. Não é por acaso que a cidade de Roma aparece na parte central do pergaminho, revelando a proeminência da mesma sobre o mundo daquela época. Os mapas não são documentos puramente técnicos, mas carregam também uma conotação ideológica.  
Como já destacamos, a Tábua Peutinger é uma cópia de um original antigo (e que se perdeu), feito no formato de pergaminho e confeccionado por um monge da cidade francesa de Colmar, no ano de 1265. 





O pergaminho é dividido em 11 seções, embora uma parte (que seria a 12ª seção) está em falta, exatamente a que mostraria a Península Ibérica e as ilhas Britânicas. O professor alemão Konrad Miller fez uma reconstituição dessa página em 1898, com base em outras informações documentais referentes a essas províncias europeias (nas imagens acima a Península Ibérica onde podemos ver o estreito de Gibraltar com a sua antiga designação de Colunas de Hércules e no detalhe superior a antiga Britânia, hoje Inglaterra). 


A hipótese mais aceita é de que a origem da Tábua Peutinger foi um documento cartográfico romano, possivelmente do século IV da nossa era, cuja concepção teve por base o mapa-múndi preparado por Marcus Vipsanius Agripa e que ficou conhecido pelo nome de Orbis Terrarum. Esse mapa foi feito no tempo em que o imperador Augusto (imagem acima) governou Roma, de 27 a.C. até 14 d.C..


O cônsul e general Agripa (na foto acima, o seu busto) foi o grande comandante da Batalha do Ácio (ano 31 a.C.), onde Augusto se impôs em definitivo sobre as forças de Marco Antônio (e sua consorte Cleópatra), o que lhe garantiu o controle político e militar de Roma, encerrando a guerra civil dos tempos de Júlio César. Também devemos a Agripa a abertura de muitas estradas, a transformação arquitetônica da cidade de Roma com belos edifícios feitos em mármore (como o famoso Panteão) e a redação de livros (infelizmente perdidos) que demonstram o grande conhecimento que o general tinha de geografia. Agripa foi sogro do segundo imperador romano, Tibério (que governou ao tempo em que Cristo foi crucificado), avô materno de Calígula e bisavô materno de Nero. 



O imperador Augusto determinou um levantamento detalhado das estradas romanas e no âmbito desse inventário é que surgiu o mapa-múndi de Agripa (na imagem acima, uma reconstituição do Orbis Terrarum). O mapa ultrapassou a delimitação dos territórios imperiais e buscou abranger a totalidade do mundo conhecido. Existem evidências de que o mapa de Agripa foi gravado em mármore no Porticus Vipsania (teto sustentado por colunas e do qual restam apenas vestígios), logo após a sua morte (ocorrida no ano 12 a.C.). Esse mapa serviu de base para os outros que foram confeccionados nos tempos do Império. 



Mas, voltemos à Tábua Peutinger. A mesma foi descoberta em uma biblioteca na cidade alemã de Worms por Konrad Celtes em 1494, que não divulgou o achado até a sua morte, deixando o pergaminho como herança para o antiquário e humanista Konrad Peutinger (no retrato acima, de autor desconhecido) em 1508, do qual deriva o nome Tábula ou Tábua Peutinger. O pergaminho ficou em poder da família Peutinger por mais de duzentos anos, passando por vários outros donos até ser entregue às instituições do Império Habsburgo (Austríaco) estando atualmente com a Biblioteca Nacional da Áustria. 





O pergaminho mede incríveis 6,80 metros de comprimento por 34 centímetros de largura, exatamente como aparece na imagem acima, que comprimimos para dar ao leitor uma visão geral do documento (o lado esquerdo é oeste e o direito leste, tendo aproximadamente ao centro a Itália).



Na foto acima, temos uma reconstituição do rolo do pergaminho, feita por um artesão contemporâneo. Tal formato seria o apropriado para o manuseio e guarda da Tábua Peutinger em tempos mais remotos.
A confirmação de que se trata de um mapeamento feito com base no século I de nossa era, em pleno período da chamada Paz Romana, nos é dada por uma série de detalhes.


A inclusão da cidade de Pompéia destruída pela famosa erupção vulcânica do Vesúvio no ano 79 d.C., a qual não foi reconstruída (portanto não poderia ser assinalada em mapas posteriores) e do farol de Alexandria em toda a sua grandiosidade, atestam que a referência da carta cartográfica remete ao tempo de Augusto (no detalhe acima, temos Pompéia assinalada, bem como a área montanhosa onde se localiza o vulcão Vesúvio). 



O mapa-múndi de Agripa sofreu revisões na Tábua original do século IV, pois podemos identificar a cidade de Constantinopla (atual Istambul e que aparece no detalhe acima), que passou a ser a nova capital do Império Romano e foi erguida nos tempos do imperador Constantino, que governou de 324 d.C. a 337 d.C.. É possível que o documento ainda tivesse sofrido outra correção no século V, já que a cidade de Ravena tem destaque, pois foi capital da parte ocidental do império nessa mesma época. As três cidades mais importantes do Império Romano, Roma, Constantinopla e Antióquia são representadas com ícones imperiais que identificam a reverência dada às mesmas. 
Por outro lado, no decorrer da Idade Média a Tábua Peutinger sofreu outras intervenções, como a localização de referências bíblicas descontextualizadas em relação à Roma Antiga, como o monte Sinai e uma inscrição com o nome de Moisés. As mesmas foram acrescentadas na parte do mapa que localiza o possível caminho do Êxodo pelos hebreus, através da península do Sinai. 


Além das províncias e territórios imperiais, a Tábua revela áreas do Oriente Médio, da Mesopotâmia (na imagem acima, a região que hoje corresponde ao Iraque atual, aparecendo com o próprio nome de Mesopotâmia), da Índia (inclusive a ilha do Ceilão ou atual Sri Lanka) e alcança as bordas da China.
No ano de 2007 a Tábua Peutinger foi colocada no registro da Memória do Mundo da Unesco e devido a esse fato, foi exibida ao público apenas por um único dia, em função da absoluta fragilidade desse incomparável documento cartográfico referente à Antiguidade Clássica.


Mas, temos uma boa notícia para o nosso caro leitor. É possível "navegar" pela Tábua Peutinger na Wikipédia (versão em inglês) e ver em todos os detalhes esse rico material que nos leva de volta ao passado de dois mil anos atrás (na imagem acima, temos o delta do rio Nilo no Egito e à esquerda o farol de Alexandria). Trata-se também de um excelente recurso para os professores de história e geografia usarem em sala de aula!
Para ver:
https://en.wikipedia.org/wiki/Tabula_Peutingeriana
Crédito das imagens:
Retrato de Konrad Peutinger:
http://www.livius.org/pictures/a/other-pictures/konrad-peutinger/
Foto da Via Ápia: Roma Imperial. Biblioteca de História Universal Life. Livraria José Olympio, 1969, pag. 17. 
Cabeça do imperador Augusto: Roma Imperial en el Museo Nacional de Belas Artes. Buenos Aires (Argentina), 1999, pag. 36.
Busto de Agrippa: Wikipédia
Reconstituição contemporânea do rolo do pergaminho:
https://imgur.com/gallery/ZK2Yu
Reconstituição do mapa-múndi de Agripa:file:///E:/Tabula%20Peutingeriana%20mapa%20de%20Agripa%20texto.html
Demais imagens: editadas pelo autor a partir da própria Tábua Peutinger exibida na Wikipédia

sexta-feira, 16 de março de 2018

Ultima Chamada: Revista Leituras da História (Edição de Março)





Caro leitor, ainda pode ser encontrada nas bancas e livrarias a edição de março da revista Leituras da História (Editora Escala) com duas matérias assinadas por nós. Uma delas "Peripécias Brasileiras" trata dos nossos artistas e profissionais que estiveram junto ao rei do rock'n roll Elvis Presley, fato pouco conhecido da maior parte do público e mesmo dos admiradores do cantor. A segunda matéria "Visão do Futuro?" (imagem acima) comenta o filme de ficção científica "No Mundo de 2020" de 1973, um dos primeiros a abordar os problemas ecológicos e ambientais em uma previsão sombria do futuro do planeta. O mesmo foi muito lembrado quando o atual prefeito da cidade de São Paulo propôs o fornecimento de uma ração na merenda escolar para os alunos da rede municipal de ensino da capital paulista. No filme, a população mais pobre recebia um biscoito chamado Soylent Green, fabricado a partir de uma matéria-prima que deixaria os consumidores estarrecidos se descobrissem. 
Ah, gostaríamos de lembrar também que, no dia de hoje, o blog História Mundi alcançou a marca de meio milhão de visualizações. É muito pouco em se tratando de internet, mas muito significativa para nós que criamos e administramos a página desde o ano de 2011. E estamos a caminho de nosso primeiro milhão...

quinta-feira, 15 de março de 2018

Editorial: Marielle Franco presente!!!!!!



Não existe projeto de nação, seja qual for, que estabeleça como premissa a ideia de exclusão da maioria da população dos direitos sociais e de participação na formação da riqueza. O capitalismo por si só já é excludente, mas sem que a sociedade estabeleça normas e parâmetros para a atuação das forças do mercado, o mesmo se torna bárbaro e selvagem. É exatamente isso que assistimos hoje em nosso país! Achar que a simples força militar dirigida exclusivamente contras os pobres, irá resolver os problemas da sociedade é algo que revela a completa ignorância ou mesmo a má fé daqueles que atualmente dirigem o Estado brasileiro em suas três esferas: federal, estadual e municipal. E as forças policiais? Muitas delas comprometidas com a própria criminalidade que dizem pretender combater, como denunciou a vereadora Marielle Franco (PSOL) assassinada no Rio de Janeiro na noite de ontem. Qualquer estudioso da questão da segurança pública em nossas grandes universidades (sociólogos, economistas, antropólogos, historiadores e demais cientistas sociais) conhece perfeitamente bem o processo de deterioração das instituições que cuidam dessa área. 
Este ano deveremos ter (sabe-se lá se vamos de fato ter) eleições presidenciais! Os candidatos precisam vir a público, se posicionar sobre isso que ocorreu ontem e vem ocorrendo constantemente em nosso país, ou seja, a eliminação de lideranças populares e dos jovens que moram em nossas periferias. Eliminação sumária! Não adianta ficarmos esbravejando para o que ocorre na Síria ou supostamente na Venezuela e fecharmos os olhos para o que se passa dentro de nossa casa. A que interesses perversos servem o fato do Brasil caminhar para a desagregação e para um processo de "mexicanização" da questão da segurança? A sociedade deve se posicionar e estabelecer de forma clara que país deseja para si mesma e para seus filhos, porque este que temos no momento é apenas e tão somente um rejeito de nação. Direitos inalienáveis dos cidadãos estão sendo sequestrados com o consentimento de assembleias e de um parlamento, os quais se mostram comprometidos unica e tão somente com os grandes interesses econômicos e financeiros. E não fazem questão nenhuma de esconder isso. 
Apenas a mobilização daqueles que ainda desejam um país melhor e justo será capaz de cobrar a apuração rigorosa desse crime, que já repercute em todo o mundo e destrói o pouco que resta da imagem deste país... 

segunda-feira, 12 de março de 2018

Em breve, a história de Ben-Hur...



Caro leitor, aguarde a nossa postagem comemorativa para o meio milhão de visualizações do blog História Mundi, Ben-Hur: Uma História dos Tempos de Cristo. A trajetória desse personagem levada inicialmente como peça teatral na Broadway em Nova Iorque, adaptada em três oportunidades para as telas de cinema e também para uma minissérie, cuja vida correu em paralelo com a de Jesus Cristo no século I de nossa era, na Terra Santa (Palestina). Mas, Judah Ben-Hur de fato existiu? Ele é um personagem bíblico? As corridas de quadrigas (veículos puxados por 4 cavalos) eram mesmo realizadas? Essas e outras perguntas serão respondidas, em breve, no blog História Mundi...
Crédito da imagem do filme Ben-Hur de 1959:
Diccionario Del Cine de Aventuras de Javier Coma. Barcelona, Plaza & janés Editores, 1994, página 28.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Imagens Históricas 34: Dia Internacional da Mulher



As mulheres da foto acima atuaram como franc0-atiradoras no Exército Soviético e foram responsáveis pela morte de 775 integrantes do Exército Alemão. O leitor pode considerar isso algo um tanto quanto bárbaro e cruel. Mas imagine que a guerra estava entrando dentro de casa. Não havia outra alternativa a não ser lutar e defender o país contra inimigos, os quais inclusive, se consideravam racialmente superiores e praticavam o extermínio puro e simples dos demais. 
Em 8 de março lembramos o Dia Internacional da Mulher. É comum e plenamente justificado fazer a analogia da mulher contemporânea como uma guerreira, uma vez que as mesmas enfrentam obstáculos no cotidiano e no mundo do trabalho comparáveis aos de um campo de batalha. Infelizmente, as mulheres já viveram situações de maior participação social, exercendo atividades tidas como exclusivas dos homens. Um exemplo disso foi durante a Segunda Guerra Mundial ou Grande Guerra Patriótica (como os russos a chamam até hoje) e no pior momento da mesma em termos de perdas humanas: a invasão alemã à União Soviética. Sem o gigantesco esforço coletivo da população, os soviéticos não teriam conseguido repelir o ataque nazista, uma vez que Hitler havia assinado um acordo de não-agressão com Stalin pouco antes da guerra iniciar em setembro de 1939. De qualquer forma, a invasão por parte do Terceiro Reich (Império Alemão) era esperada para ocorrer em algum momento do conflito.
A grande mortandade, lembrando que a União Soviética foi o país que mais vítimas teve na Segunda Guerra Mundial (superando a marca dos 20 milhões) gerou escassez de mão de obra para as fábricas ao lado da necessidade de recrutar tropas para as linhas de combate, a fim de garantir a sustentação da defesa. Aproximadamente 1 milhão de mulheres foram arregimentadas nas Forças Armadas e destas 2 mil exerceram a atividade de franco-atiradoras, sendo responsáveis por mais de 12 mil mortes confirmadas, na grande maioria de oficiais do Reichswehr (Exército Alemão). Os comandantes soviéticos acreditavam que as mulheres tendiam a ser mais pacientes e cuidadosas, condições ideais para tal tipo de atividade. Como afirmou um oficial do Exército Vermelho: "a mão de uma mulher é mais sensível do que a de um homem. Portanto, quando uma mulher está atirando, seu dedo indicador puxa o gatilho de forma  mais suave e propositalmente."
As oficiais do Exercito Vermelho também receberam treinamento para adquirir habilidades de infiltração, vigilância, reconhecimento, camuflagem e localização dos alvos. Por falar em alvos, estes eram preferencialmente os comandantes e os oficiais alemães experientes, pois eram mais difíceis de serem substituídos. Por outro lado, à medida em que essas atiradoras começaram a demonstrar exito em seus ataques, a resposta alemã também tornou-se mais violenta, inclusive com eventuais prisioneiras que eram capturadas. Para se ter uma ideia dessa reação, das 2 mil oficiais atiradoras recrutadas para esse serviço, apenas 500 sobreviveram ao final da guerra. 


Uma dessas franco-atiradoras foi a ucraniana Lyudmila Pavlichenko (foto acima), sendo considerada a mais bem sucedida. Na verdade, Lyudmila já tinha experiência anterior na atividade em um clube de tiro na cidade de Kiev e ainda trabalhou como operária em fábrica de armamentos. Em 1937 entrou na Universidade de Kiev para estudar história e estava no quarto ano quando teve início o ataque nazista, tendo em seguida se alistado como voluntária. Ao ser integrada ao 25º Exército Vermelho na divisão de infantaria, Lyudmila teve a opção de trabalhar como enfermeira, mas escolheu atuar diretamente nas frentes de combate. Em função de seus conhecimentos de tiro tornou-se uma das 2 mil atiradoras de elite do sexo feminino do Exército Vermelho. Atuou na região do Mar Negro, em Odessa (onde contabilizou 187 mortes) e na Península da Crimeia (porto de Sebastopol). Em maio de 1942 foi condecorada por ter eliminado 257 alemães, entre soldados e oficiais. Até ser ferida em combate em junho de 1942, Lyudmila Pavlichenko foi responsável pela eliminação de 309 alemães em território soviético. A atiradora costumava atuar adiante de sua unidade, acompanhada de um observador, chegando a permanecer imóvel por até 18 horas seguidas a fim de obter o momento preciso para o tiro! 


Após sofrer ferimentos, Lyudmila Pavlichenko (foto acima carregando uma arma) permaneceu em recuperação por mais de um mês e, em seguida, foi enviada para a América do Norte para realizar visitas em nome do governo soviético. Naquele momento, Estados Unidos e União Soviética somavam esforços para deter o avanço dos nazistas na Europa e dos japoneses na Ásia. Lyudmila tornou-se uma garota-propaganda do regime comunista em território ianque, sendo a primeira cidadã soviética a ser recebida pelo presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt e pela primeira-dama Eleanor Roosevelt. A conhecida atiradora ainda realizou viagens pelo interior da América relatando a sua experiência, ganhando de presente uma pistola da marca Colt semi-automática e um rifle Winchester, armas muito conhecidas nos tempos da conquista do Velho Oeste. De volta à União Soviética, Lyudmila foi promovida a major, passou a treinar outras atiradoras (e atiradores também) e nunca mais precisou entrar em combate. 


Em 1943 foi agraciada com a Estrela de Ouro de Heroína da União Soviética, tendo a sua imagem estampada em um selo comemorativo (imagem acima). Após o fim da guerra, Lyudmila Pavlichenko retomou os seus estudos na Universidade de Kiev, formando-se historiadora. Entre 1945 e 1953 ainda atuou como assistente de pesquisa da Marinha Soviética. Lyudmila faleceu em 1974, aos 58 anos de idade e está enterrada em Moscou. 


Conta-se que durante a visita aos Estados Unidos, Eleanor Roosevelt teria perguntado a Lyudmila Pavlichenko (na foto acima de 1942) quantos homens ela matou na guerra e esta respondeu:
- Não eram homens, eram fascistas!

Crédito das imagens:
Foto das franco-atiradoras juntas: Pinterest
Fotos de Lyudmila Pavlichenko:
http://darozhistoriamilitar.blogspot.com.br/2016/03/dia-internacional-da-mulher-historia-de.html
Foto do selo e da atiradora em 1942: Wikipédia. 

domingo, 4 de março de 2018

Leon Trotsky, Ramón Mercader e o amor aos cachorros...




Caro leitor, há pouco mais de um mês este blog fez uma postagem sobre a assassinato de Leon Trotsky, ex-integrante do governo soviético. Trata-se de um fato difícil para se indicar uma leitura específica, uma vez que a visão maniqueísta permeia de forma quase absoluta as considerações referentes a esse acontecimento. Como uma possível fonte sobre o episódio, me foi lembrada a obra do escritor cubano Leonardo Padura: "O Homem que Amava os Cachorros" (Editora Boitempo, 2013). Trata-se de um romance, algo que fica absolutamente claro já na própria capa do livro (na foto acima). Não fiz a apreciação da obra para compor a postagem, mas li o livro logo depois e acredito que pouco teria para ser acrescentado no que já está escrito e nas informações básicas a respeito desse triste episódio. Como dissemos, trata-se de um romance e no mesmo o autor pode se permitir certas liberdades ou alçar vôos, os quais seriam impróprios para quem exerce um trabalho de cunho eminentemente historiográfico.



Por outro lado, gostaria de fazer algumas observações sobre o livro de Leonardo Padura (foto acima), uma vez que na apresentação assinada por Frei Betto afirma-se que o mesmo "é e não é uma ficção". A respeito das qualidades literárias desse trabalho não há muito o que comentar, pois revela uma escrita bem construída e de grande qualidade, embora haja um certo exagero em qualifica-la como um thriller ou uma história policial (seria melhor como um romance de espionagem), até porque o seu desfecho já é bem conhecido, como também os personagens envolvidos. Por exemplo, para o leitor minimamente informado sobre o assunto é absolutamente previsível que o homem que levava os cachorros para passear na praia fosse Ramon Mercader, o assassino de Trotsky. Aqueles não familiarizados com o fato terão uma impressão absolutamente reveladora. Mas é exatamente aí que reside o problema. Esse público pode tomar a narrativa como sendo fiel aos acontecimentos. Muito dificilmente o leitor comum conseguirá ter o discernimento necessário para proceder a uma ponderação, a não ser que faça o confronto com outras leituras, outras falas, além de desenvolver uma pesquisa por seus próprios meios. 
Em geral, os grandes romances históricos, e aí penso em Marguerite Yourcenar, I. F. Stone ou Umberto Eco, preenchem determinadas lacunas que os historiadores, dependentes das fontes, ficam incapacitados em se aventurar, embora torne-se necessária a formatação do contexto, a fim de estabelecer o ambiente e o clima que permita inserir a narrativa. Nesse aspecto, Umberto Eco mostra-se um autor que domina totalmente o tema que trabalha e, mesmo tratando-se de uma ficção, a obra agrega uma contextualização histórica impecável. Algo como a micro-história também faz, embora com finalidades comprometidas com a pesquisa historiográfica, utilizando recursos e fontes muitas vezes desprezados pelos estudiosos da área. Como afirma Carlo Ginzburg, ficou para trás o tempo em que os historiadores trabalhavam apenas com documentos escritos. 



Por sua vez, a morte do ex-líder soviético Leon Trotsky (na foto acima, em 1940) ainda carrega um agravante, pois trata-se de um acontecimento inserido em uma controvérsia que dividiu (e divide) o movimento socialista internacional. Trabalhar com tal fato sem que a analise pareça pender para qualquer um dos lados, seja dos trotskistas ou dos estalinistas (ou ainda dos que se aproveitam dessa fratura para inviabilizar o projeto socialista) é algo extremamente difícil. Bem, mas a objetividade é a essência do trabalho do historiador, por meio do questionamento e de pautar a analise em bases sólidas, a fim de fundamentar um argumento. Nesse sentido, como compreender a obra em questão? Apenas como literatura? Mas a mesma estava sendo vendida nos encontros e simpósios para debater os cem anos da Revolução Russa como se fosse, de fato, um trabalho historiográfico. Nas redes sociais o livro de Padura é recomendado por professores e pesquisadores, como fonte de informação para entender os rumos da União Soviética e da sua própria formação. Nesse sentido, algumas questões necessitam ser observadas dentro desse trabalho.



Não é um ponto absolutamente confirmado que Ramon Mercader (nas fotos acima, sem data) tenha recebido as suas instruções e o seu preparo para a ação contra Trotsky na União Soviética. Alguns autores defendem que as mesmas poderiam ter sido realizadas na França. Mercader não possuía o perfil de um agente que apreendeu o treinamento mais sofisticado do Comintern  (Internacional Comunista), como o que recebeu por exemplo, Olga Benário, esposa de Luis Carlos Prestes. A mãe de Ramón, Caridad Mercader é apresentada como uma mulher cheia de rancor, e pouco afeita aos filhos, vistos apenas como instrumentos de seu ódio à sociedade capitalista. Há poucos elementos concretos para que se possa traçar um perfil psicológico dessa figura, uma revolucionária comunista convicta como milhares de outras que participaram da Guerra Civil Espanhola. O próprio livro de Padura lembrou outras mulheres com essa mesma característica, como por exemplo, Africa de las Heras e Dolores Ibárruri, conhecida como La Pasionaria. 



E Ramón Mercader? A princípio sempre esteve disposto a cumprir a missão que lhe foi oferecida, muito provavelmente sem os questionamentos ou crises de consciência tão enfatizados por Padura. Suas convicções eram as de um comunista ciente de que prestava um serviço inestimável ao governo soviético e à causa da luta em prol do socialismo. O que levou à sua morte? Uma criminosa contaminação por radioatividade? Suposições que não puderam e não poderão ser efetivamente confirmadas (na foto acima, Ramón Mercader em Cuba, em 1975). 
Trotsky incomodava com suas denúncias o governo soviético? Quanto a isso não há duvida, embora, como bem lembra o professor Gilberto Maringoni no prefácio da obra de Leonardo Padura, a sua influência fosse muito limitada no âmbito do movimento comunista internacional, o que ficou evidente no fracasso da sua tentativa de reunir a Quarta Internacional (para rivalizar com a Terceira Internacional fiel ao regime soviético). E aí reside o desastre que se constituiu para a esquerda a sua eliminação sob a benção de Stalin, bem como os expurgos promovidos por este a partir de 1936. Convém também interrogar a complacência do governo norte-americano e da mídia local com o ex-líder do Exército Vermelho, bem como o grande número de seus seguidores arregimentados nos Estados Unidos. Basta lembrar que muitos de seus guarda-costas eram norte-americanos, bem como aquela que foi responsável por apresentar Trotsky ao seu carrasco, a triste Sylvia Ageloff.
A crítica feroz de Trotsky contra Stalin pelo acordo de não-agressão assinado com Hitler em agosto de 1939, como prova de que o líder soviético traia a causa comunista, equipara-se em fragilidade à mesma crítica feita por Moscou de que Trotsky aliara-se aos nazistas para derrubar Stalin. Vale lembrar que as potências ocidentais, incluídas aí a Inglaterra e a França levavam a termo a sua política de apaziguamento, a fim de não provocar Hitler. As mesmas esperavam que o líder alemão fosse mover a sua máquina de guerra primeiramente contra a União Soviética e de que Stalin optou pelo acordo com o governo nazista depois de fracassadas as negociações similares com Londres e Paris.
O já citado prefácio de Gilberto Maringoni, o qual aliás, ao meu ver, não se alinha com as conclusões do autor da obra, acende algumas luzes dentro desse quadro absolutamente sinistro, necessário para os que pretendem escapar de um possível desencanto com a causa socialista. A subida de Stalin ao poder não se deu por alguma manobra ilícita ou "golpe de mão". Ele alcançou a posição de secretário-geral utilizando de forma legítima a estrutura do Partido Bolchevique (depois Partido Comunista), inclusive com o apoio de muitos daqueles que seriam os seus supostos opositores e posteriormente afastados. Além disso, a revolução internacional clamada por Trotsky mostrara-se uma impossibilidade no decorrer da década de 1920, o que levou teóricos como Bukharin a defender a industrialização e as medidas socializantes, como a coletivização da terra, o que deu origem à concepção do "socialismo em um só país". Trotsky interpretou tal diretriz como uma traição aos ideais revolucionários e o início de um processo de burocratização do Estado Soviético. Como afirma ainda Maringoni, Stalin não era um grande teórico, mas por outro lado, era "um tático excepcional" e obteve exito em isolar Trotsky juntamente com a chamada "oposição de esquerda". E o resto já sabemos. Cabe lembrar, como aliás fica claro no próprio livro de Leonardo Padura, que Leon Trotsky considerava a União Soviética como a grande fortaleza do socialismo proletário, apesar de Stalin.
Uma ultima observação sobre o "o Homem que Amava os Cachorros" insere-se na percepção do autor no que diz respeito à sua terra natal (Cuba), de um sentimento absolutamente negativo. O que nos leva a uma conclusão muito simples, o fracasso caberia muito mais à suposta utopia do socialismo do que ao estalinismo, dentro do foco proposto por Leonardo Padura. No que diz respeito a rejeição em relação às minorias, como no caso dos homossexuais, a mesma era presente em praticamente todo o mundo no início da década de 1970 (inclusive nas ditas democracias liberais) e não algo exclusivo do regime cubano, embora seja fundamental a lembrança desses eventos. A exclusão tão acentuada de autores e escritores contrários ao governo socialista afirmada no personagem Ivan, não é capaz de explicar o próprio Leonardo Padura, autor consagrado e premiado em seu próprio país. Mas explica os motivos que levaram a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) a elogiar e recomendar a leitura da obra em seu site, onde se encontra uma resenha do trabalho.
É um romance e o autor não o nega. A ressalva refere-se ao uso que se faz do mesmo, para além da esfera dos romances. Basta destacar que a atribuição do prefácio foi dada a um historiador e não a um crítico literário. Enfim, como o nosso blog costuma indicar, um livro para aqueles que querem saber mais, mas também questionar mais...
Crédito das imagens: 
Foto de Leonardo Padura: Wikipédia.
Foto de Trotsky em 1940 no México:
http://www.socialistamorena.com.br/leon-trotski-em-1930-o-perigo-fascista/
Ramón Mercader em foto sem data: 
http://murderpedia.org/male.M/m/mercader-ramon-photos.htm
Ramón Mercader em Cuba no ano de 1975:
http://www.elvigia.net/general/2015/8/19/asesino-fiel-208075.html