domingo, 27 de setembro de 2020

Imagens Históricas 50: Silvio Santos



Neste ano de 2020, comemoramos os 70 anos da televisão brasileira, um feito notável se levarmos em consideração os parcos recursos que as emissoras pioneiras tinham disponíveis. Por outro lado, a criatividade dos profissionais e artistas deram um rosto próprio a essa mídia em nosso país. Infelizmente, nem todos estão sendo lembrados e muitas dessas emissoras ficaram esquecidas. Sem a menor dúvida mereciam uma instituição ou um museu que guardasse e preservasse essa memória, a exemplo do existente em Nova Iorque nos Estados Unidos, ao qual este que vos escreve teve a oportunidade de visitar. O primeiro passo nessa direção foi dado com a Pró-TV ou Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira, fundada em 21 de agosto de 1995, que mantém uma página muito interessante na internet. 
A Imagem Histórica de hoje não é propriamente da televisão, mas sim do rádio. Porém, na mesma temos a presença de um profissional que fez história nos dois veículos de comunicação, Senor Abravanel, mais conhecido pelo seu nome artístico de Silvio Santos. Profissional brilhante, talentoso e também polêmico, no que se refere às suas posições políticas (ou suposta neutralidade), que lhe granjeou a simpatia do governo militar e lhe permitiu adquirir a concessão de seus canais de televisão, na década de 1970. Antes de comentarmos a respeito de Silvio Santos, vamos fazer justiça e identificar todos os que aparecem na foto acima. Da direita para a esquerda, em pé: Silvio Santos, Luiza Duarte, Alceu Teixeira, Marita de Luca, Paulo Rogério, Reinaldo Barroso. Sentados da esquerda para a direita: José Russo, Hélio de Alencar e José Rosa. Infelizmente é possível que a identificação dos "sentados" não esteja correta em relação à ordem. Todos eram locutores da Rádio Nacional de São Paulo, emissora pertencente às Organizações Victor Costa (OVC), também proprietária da TV Paulista Canal 5, onde Silvio Santos fez a sua estreia na televisão.


De acordo com o jornalista Alberto Dines, em seu livro "O Baú de Abravanel" (Cia. das Letras, 1990), a família de Sílvio Santos é originária da cidade de Salônica, na costa leste da Grécia. De origem judaica, a linhagem dos Abravanéis remonta ao início do século XIV, ainda na Idade Média e sabe-se, com absoluta certeza, que os ancestrais do "homem sorriso" viviam na Península Ibérica, primeiro em Portugal e depois, no Reino de Castela (embrião da futura Espanha). 



Aliás, a família (acima, brasão do clã Abravanel) teve um personagem famoso em termos históricos  e que foi ancestral direto de Silvio Santos pelo lado paterno, Dom Isaac Abravanel (1437-1508), estadista, rabino, comentador da Torá (equivalente ao Antigo Testamento), financista (banqueiro) e muito próximo aos reis católicos Fernando e Isabel, tendo antes servido aos reis de Portugal. Para se ter uma ideia, ele esteve presente na tomada de Granada em 1492, na qual os espanhóis ocuparam o último território em poder dos muçulmanos na Europa. É de pleno conhecimento que os banqueiros judeus tiveram participação no financiamento da armada de Cristovão Colombo, que naquele mesmo ano de 1492 alcançou a América. 



Ainda em 1492, Dom Isaac Abravanel estabeleceu-se no Reino de Nápoles (sul da Itália) após as perseguições aos judeus promovidas na Espanha pela Inquisição e por se recusar a converter-se ao catolicismo. Boa parte de sua fortuna foi confiscada (acima, medalhão comemorativo dos 500 anos de nascimento de Dom Isaac Abravanel). Na Itália, teve uma vida relativamente tranquila até falecer na cidade de Veneza, em 1508.
Outro ancestral do "homem do Baú", Daniel Abravanel Dormido, esteve em Olinda, Pernambuco, durante a Invasão Holandesa ao Brasil, que durou de 1630 a 1654. Enquanto estiveram no Brasil, os holandeses estabeleceram um convívio pacífico entre católicos, calvinistas e judeus. Aliás, em Recife situou-se a primeira sinagoga (templo judaico) das Américas. Como grande parte dos judeus sefarditas (de origem ibérica), os Abravanéis viveram uma dispersão pela Europa Oriental, sobretudo Grécia e Turquia, entre os séculos XVI e XIX. 


A família de Silvio Santos (na foto acima, em 1965 na TV Paulista) chegou ao Rio de Janeiro no início do século XX. O futuro apresentador e "animador" começou a sua carreira como locutor das balsas que faziam a travessia Rio-Niterói, no início da década de 1950 (ainda não existia a ponte). Quando uma das balsas foi para o estaleiro e ficou encostada, Silvio decidiu tentar a sorte em São Paulo em 1954, onde foi aprovado em um teste para a Rádio Nacional da OVC. 



Nesta emissora conheceu Manoel de Nóbrega (1913-1976), de quem se tornou sócio no Baú da Felicidade (na foto acima, Manoel de Nóbrega em meados da década de 1950). Na versão oficial, Nóbrega deu a Silvio Santos carta branca para administrar o negócio, que era deficitário. No Baú da Felicidade, o indivíduo (ou freguês, como o próprio Silvio Santos chamava) adquiria um carnê para concorrer a prêmios, desde que estivesse em dia com as prestações do tal carnê. Ao final do ano, caso o freguês (a) não ganhasse nenhum prêmio, o saldo acumulado era convertido em crédito para a compra de mercadorias nas lojas conveniadas, que depois passaram a ser do próprio Baú da Felicidade. Também pelas mãos de Nóbrega, Silvio Santos estreou em 1960 na TV Paulista Canal 5, ainda pertencente à OVC, com um show de prêmios intitulado "Vamos Brincar de Forca?". Há informações (em revistas da época) de que sua estreia teria sido no programa Hit Parade de 1958, como apresentador. 


De qualquer forma, em 1963, já tinha um programa aos domingos com duas horas de duração (acima Silvio Santos no início da década de 1960). Com o êxito do Baú e de seus outros negócios, Silvio Santos passou a comprar o horário dominical na TV Paulista, além de ter um programa no meio da semana na TV Tupi Canal 4 de São Paulo, que era concorrente da primeira. 


Em 1964, a TV Paulista foi adquirida pelas Organizações Roberto Marinho, para se tornar a TV Globo de São Paulo. Por ter o horário pago, Silvio Santos permaneceu na emissora com o seu Baú da Felicidade (na foto acima, Silvio Santos entrevista a cantora Ângela Maria em seu programa dominical, no ano de 1970). Os negócios do apresentador se expandiram, com uma concessionária da Volkswagen, uma Financeira, a Vimave (Vila Maria Veículos), a nova rede de lojas Tamakawi e até terras na Amazônia (para a pecuária), no sul do Pará, aproveitando os incentivos fiscais do Governo Militar para a ocupação da região. Em 1972, o seu contrato com a Globo estava expirando e temendo não renová-lo, adquiriu 50% das ações da TV Record para garantir a sua permanência na televisão. Mas a parceria acabou sendo renovada por mais quatro anos. 



De acordo com a versão oficial, em 1975, em pleno governo do General e Presidente Ernesto Geisel, Silvio Santos foi informado por seu amigo, o jornalista Moyses Weltmann, que o governo iria colocar em leilão o Canal 11 do Rio de Janeiro, extinto desde o fechamento da TV Rio. Silvio Santos apresentou um plano para entrar no leilão e obteve a concessão do Canal 11 (na foto acima, da esquerda para a direita, Silvio Santos, Luciano Calegari e o Ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira). Com o nome de TV Studios Silvio Santos ou TVS, a nova emissora entrou no ar em 14 de maio de 1976. 



Nesse mesmo ano, Roberto Marinho passou a não aceitar que um integrante da Globo tivesse a sua própria emissora e não renovou mais com Silvio Santos (na foto acima, capas de revistas com Silvio Santos e Hebe Camargo, final da década de 1960). Após sair da TV Globo, os programas dominicais de Silvio Santos passaram a ser transmitidos pela TV Record e claro, pela TVS do Rio. 
Em 1980, foi decretada a falência da TV Tupi e no ano seguinte Silvio Santos recebeu a concessão da antiga emissora, dando origem à sua própria rede, a TVS, depois Sistema Brasileiro de Televisão ou SBT. Afirma-se que a amizade de Silvio Santos com a Dona Dulce Figueiredo, esposa do então General e Presidente da República João Baptista Figueiredo, teria facilitado tal aquisição. Talvez uma estratégia da Ditadura Militar, já no apagar das luzes, de não deixar o controle da mídia em poder de uma única família, as Organizações Roberto Marinho? Há ainda muito a ser escrito a respeito da forma como são concedidas as estações de rádio e televisão no Brasil e, principalmente, dos critérios para tais concessões. Não restam dúvidas de que a proximidade com os que estão no poder é um fator decisivo, mesmo que tal poder seja despótico e ditatorial. Outro ponto ainda controverso diz respeito às relações entre Silvio Santos e Carlos Alberto de Nóbrega, cuja amizade foi rompida em 1976. Alegava Carlos Alberto que o pai, Manoel de Nóbrega, havia sido enganado na sociedade estabelecida desde a época da criação do Baú da Felicidade. Em 1987, Silvio Santos se reconciliou com Carlos Alberto, levando-o para o SBT para apresentar "A Praça é Nossa", programa criado por seu pai em 1957 (com o nome de "A Praça da Alegria") e até hoje no ar. 
E a recente falência do Banco Panamericano também de propriedade das Organizações Silvio Santos? Bem, são assuntos complexos demais para tratarmos neste espaço tão reduzido. Como afirmamos antes, muita coisa ainda está por ser escrita. A Imagem Histórica mais acima foi extraída da revista Radiolândia, edição de 15.09.1956, página 48. Um detalhe curioso, a revista era de propriedade do senhor Roberto Marinho...
Crédito das imagens: 
Brasão da família Abravanel: Wikipédia.
Medalha com o perfil de Isaac Abravanel: 
https://www.abebooks.com/
Foto de Manoel de Nóbrega: Pnterest. 
Fotos de Silvio Santos em 1965: Revista Intervalo, 1965. 
Demais imagens: acervo do autor. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Requinte e glamour: o cine Olido



Houve uma época em que, no afã de atrair e cativar o público para as salas de cinema de São Paulo, lançou-se a ideia de trazer piano, orquestra e até mesmo conjuntos musicais para entreter os espectadores na abertura das sessões noturnas. Era mais uma tentativa de tirar as pessoas de casa, sobretudo aquelas de maior poder aquisitivo. As mesmas já estavam se acostumando com o principal concorrente dos cinemas: a televisão. O primeiro cinema a promover esse atrativo aqui (a ideia veio dos Estados Unidos) foi o cine Olido, no centro de São Paulo, que aparece na imagem acima, com uma orquestra se apresentando no palco, antes do início da sessão.



Localizado em plena Cinelândia paulistana, o cine Olido (acima, a fachada na época da inauguração) foi aberto ao público no dia 13 de dezembro de 1957 (na noite anterior teve uma sessão de gala para os convidados). O filme de estréia foi "Tarde Demais para Esquecer" (An Affair to Remember, 1957), produção hollywoodiana com os astros Cary Grant e Debora Kerr. A nova sala estava instalada no térreo do edifício Domingos Fernandes, na esquina da avenida São João com a rua Dom José de Barros, no mesmo local onde antes existiu o cine Avenida. Por estar dentro de uma galeria comercial, muitos consideram o cine Olido o precursor dos cinemas de shoppings. A sala fazia parte do circuito de cinemas da Empresa Paulista Cinematográfica, de propriedade do empresário Paulo Sá Pinto, que trouxe para São Paulo as grandes novidades da sétima arte vindas diretamente de Hollywood, como o Cinemascope (tela panorâmica), o som estereofônico, o 3D (terceira dimensão) e o Cinerama. Uma curiosidade descoberta por este que vos escreve. A designação "Olido" foi tirada das primeiras sílabas dos nomes Olívia e Domingos Fernandes, casal proprietário do edifício que abrigava o cinema. 


A decoração do Olido (acima, a sala de exibição em 1957) ficou a cargo do arquiteto Ibsen Pivatelli, responsável também pelo cine Rivoli e, alguns anos depois, pelo cine Bristol, na avenida Paulista. A proposta era que o cine Olido, com 1339 lugares, fosse um ambiente de luxo, recomendando-se que, para as sessões noturnas, os espectadores viessem com traje a rigor. 



Aliás, tudo foi especialmente preparado para que a sala tivesse grande destaque no quesito requinte. A começar pelas cortinas que protegiam o palco, fugindo do tradicional veludo, trazendo uma estampa moderna e abstracionista (na foto acima, é possível observar de longe, as cortinas estampadas). A criação da mesma coube a Oswaldo Katalian, dono de uma oficina artesanal têxtil no bairro da Bela Vista. Os desenhos das estampas eram encomendados a artistas plásticos de renome e tornavam-se um padrão exclusivo dos clientes que a adquiriam. No chão, o piso acarpetado tinha um revestimento de espumex (moletões), a fim de torna-los ainda mais macios. Ao todo, o cine Olido dispunha de quatro toilettes, dois para os homens e dois para as mulheres. 




O lobby (sala de espera) era revestido em mármore e com espelhos de cristal nas paredes (nas fotos acima, a escadaria de acesso e o lobby do Olido). Antes dos espectadores entrarem para assistir o filme, um órgão tocava músicas suaves para relaxar na sala de espera, no início e no final de cada sessão.


O cine Olido dispunha de uma tela que media 16,30 metros de largura por 6,60 metros de altura. A sala de projeção (foto acima) era equipada com quatro projetores Philips, para fitas de 16 e 35 milímetros de largura. 


Na noite de gala que marcou a abertura da sala, autoridades e convidados especiais desfilaram pelo lobby, entre eles o então Governador de São Paulo, Jânio Quadros (na foto acima, escadaria que dava acesso ao lobby) e o futuro Prefeito, Faria Lima. Aliás, cabe aqui uma curiosidade, noticiada na ocasião pelo jornal Correio Paulistano, de que Jânio, desejoso de comparecer na noite de abertura do Olido, enviou um emissário para investigar se o seu desafeto, o então Prefeito Adhemar de Barros, estaria por lá naquela mesma noite. Após certificar-se de que o distinto alcaide já tinha outro compromisso, Jânio Quadros compareceu ao evento, acompanhado da primeira dama, dona Eloá. Na noite da avant premiére, estavam dispostos holofotes, três bandas de música e cordões de isolamento para a chegada dos convidados. Para celebrar a estréia, nada melhor do que uma orquestra tocando a trilha sonora do filme em exibição, além de outros números musicais acompanhados pelas cantoras Cidalia Meireles e Laila Cury. Tratava-se da mesma orquestra que veio a se apresentar regularmente nas sessões noturnas da sala, com 36 músicos comandados pelo renomado maestro Rafael Puglielli. 


A grande inovação do cine Olido foi o da venda antecipada de ingressos, com hora marcada e cadeiras numeradas. Tudo isso para que a entrada do espectador fosse imediata, evitando filas, atropelos e também o já tradicional "estouro da boiada", quando havia o acúmulo de pessoas no lobby para entrar na sala de projeção. Tratava-se de uma inovação e tanto para aquela época, mas que hoje é absolutamente comum. 



Ir ao cinema, na década de 1950, era algo extremamente convidativo, pois o programa poderia ser estendido depois para um restaurante, casa de chá ou leiteria, no entorno da Cinelândia (na foto acima, do início da década de 1960, da esquerda para a direita aparecem os luminosos dos cines Olido, Rivoli e Metro). O cinema servia de pretexto para passeios na área central da cidade, onde era encontrado o que havia de melhor em qualidade e bom gosto. Por isso, as pessoas se arrumavam com o que tinham de melhor para essas saídas. Não havia a preocupação exagerada com a segurança, que acabou tornando-se um dos fatores que levou ao esvaziamento do agora chamado centro histórico de São Paulo. 



Os indivíduos que, por acaso, perturbassem as sessões na sala escura com atitudes consideradas "inconvenientes" eram convidados a se retirar, ou pelos funcionários ou por fiscais da Divisão de Diversões da Prefeitura. Além disso, numa medida que hoje seria imprópria, tinham os seus nomes e endereços divulgados mensalmente nos jornais de grande circulação (como na imagem acima, do jornal Correio Paulistano, de janeiro de 1957). Apesar desses cuidados, haviam denúncias a respeito de pessoas que, talvez insatisfeitas com o filme exibido, rasgavam as poltronas dos cinemas utilizando facas e canivetes, além daquelas que jogavam cigarros acesos no chão acarpetado. E isso ocorria também nos cinemas que atraiam um público tido por mais "refinado", segundo as matérias dos jornais. 



Difícil imaginar outra cidade latino-americana, e mesmo no mundo, que tivesse uma diversidade tão grande de cinemas como São Paulo. Tratava-se da principal diversão do paulistano, de todas as classes sociais. Por isso, os empresários do setor investiam na abertura de novas salas (na foto acima, Florentino Llorente da Cia. Serrador e Paulo Sá Pinto da Empresa Paulista Cinematográfica). Para se ter uma ideia, na mesma semana em que foi entregue o cine Olido, dois outros cinemas foram inaugurados também no centro da cidade, o gigantesco cine Paissandú e o cine Boulevard. Isso porque não estamos nos referindo aos cinemas de bairro, os quais eram inúmeros, com preços mais populares e acessíveis à classe trabalhadora, mas nem por isso menos elegantes e confortáveis. 


Contudo, da mesma forma que a cidade conhecia o auge da sua Cinelândia e até com novas salas, os sinais de declínio já se apresentavam no horizonte. Exatamente dois anos após a sua abertura, o cine Olido anunciou a extinção da orquestra em função dos gastos excessivos (acima, detalhe de um anúncio de jornal com a localização do cinema). Uma nota publicada na revista Cine Repórter, de dezembro de 1959, deu o aviso ao público, justificando a medida com uma frase bem irônica: "A orquestra consumia muitas notas". Ao mesmo tempo, o Olido anunciava uma redução de quase 50% no preço dos ingressos, exceto aos sábados, domingos e feriados. Mesmo nesses dias, a última sessão teve um desconto de 20%. Interessante notar que, nesse mesmo ano, o empresário Paulo Sá Pinto inaugurava outra sala de cinema que veio a ser "a menina dos olhos" da Cinelândia paulistana, o Comodoro (ver a nossa postagem "Comodoro Cinerama: o Melhor Cinema do Brasil"). 
São Paulo é a cidade que devora a si mesma numa rapidez e velocidade que impressionam qualquer visitante de fora, mesmo vindo de outra metrópole. Como já afirmaram muitos estudiosos, no Brasil os grandes centros urbanos assimilam com excessiva rapidez as novidades provenientes da Europa e Estados Unidos, isso apesar da enorme desigualdade econômica e social. A disseminação do uso do automóvel, com a chegada das montadoras, foi uma delas. Muitas famílias começaram a deixar a capital paulista nos finais de semana, rumo às praias ou mesmo para o interior. Ressalte-se também que a abertura das novas rodovias (principalmente a via Anchieta e a via Anhanguera), no final da década de 1940, facilitaram esses passeios. Ao mesmo tempo, uma parte dos espectadores de maior poder aquisitivo, começou a se deslocar paras as novas salas abertas na avenida Paulista e na rua Augusta. E ainda tivemos a chegada da televisão, como já mencionamos. 



A Cinelândia resistiu bem por mais duas décadas, apesar do declínio e degradação da área central da cidade (acima, um anúncio de jornal de 1977, que inclui o cine Olido). Contudo, fica a questão de como foi possível, num período tão curto de tempo, entre o final da década de 1950 e o início da década de 1970, a Cinelândia passar de uma área comercial e de diversão tida como de alto padrão, chegar ao seu oposto, decadente e até, de certa forma, repulsiva para os segmentos mais elitizados da sociedade? Algo sem paralelo em outras grandes cidades do mundo, como Paris, Nova Iorque, Roma ou Buenos Aires. Claro que nessas metrópoles muitos cinemas desapareceram ou se transformaram nas salas multiplex, capazes de exibir vários filmes ao mesmo tempo. Porém, as áreas centrais conseguiram manter um público fiel em função dos outros serviços como lojas, restaurantes, teatros, museus e o turismo. Em São Paulo, isso não se verificou. O esvaziamento da área central foi acompanhado pela fuga de moradores para outras regiões ou mesmo para o entorno da grande cidade. 
A partir do final da década de 1970, os estabelecimentos da Cinelândia fizeram uma última tentativa de sobrevivência, com a divisão dos grandes cinemas, seguindo o padrão adotado em boa parte da Europa. Com o cine Olido não foi diferente e o mesmo foi transformado em três novas salas, construídas sob o mesmo piso da antiga: o Olido 1 com 470 lugares, o Olido 2 com 300 lugares e o Olido 3 também com 300 lugares. O novo projeto coube ao arquiteto alemão Hermann Guettsches, que construía cinemas no Brasil há 22 anos. 


A remodelação ainda recuperou um pouco do requinte original, com piso de mármore, paredes espelhadas no lobby e luminosos em neon na parte externa (na foto acima, a fachada após a remodelação). De acordo com o gerente de publicidade da Empresa Sul Paulista, proprietária da sala (e ao que parece, ainda sob controle de Paulo Sá Pinto), Caetano Abruzzini Neto, numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a ideia naquele momento, era a de fazer frente aos cinemas da região dos Jardins, área nobre da cidade: "O Olido vai concorrer, em luxo, com os cinemas dos Jardins e, como eles, será lançador de grandes produções". Contudo, faltava a novidade do sistema de som Dolby (mais envolvente e puro), isso porque as cópias dos filmes exibidos não eram originais, mas tiradas nos laboratórios daqui do Brasil. O cine Comodoro era uma exceção, por exibir fitas com bitola de 70 mm e importadas. O primeiro filme a entrar em cartaz no Olido 1 foi "A Guerra do Fogo" (Quest for Fire, 1981), produção franco-canadense, dirigida por Jean-Jacques Annaud. A reinauguração ocorreu em 1982 e serviu para dar um último e até prolongado fôlego ao cinema. Os tempos eram difíceis, com a crise econômica e a inflação descontrolada herdadas da ditadura militar, que fizeram com que os anos de 1980 ficassem conhecidos como a década perdida. Contudo, a convivência com os cinemas da região da Paulista e dos Jardins parecia suportável, até a chegada de um outro concorrente mais agressivo, para as duas regiões: os shoppings centers. 


Em agosto de 2001, o cine Olido deu o seu último suspiro, com a sala 1 exibindo o remake de Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 2001) do diretor Tim Burton (acima, fachada do Olido depois de fechado). O Olido foi uma das últimas salas a encerrar as suas atividades na velha Cinelândia, não atravessando os estágios de declínio, comuns a outros cinemas da região, como o de se transformar em cinema pornô e depois, igreja.
A decadência dos cinemas de rua acompanhou, muitas vezes, a decadência das próprias ruas, algumas alcançando os casos mais extremos de completo abandono. Por outro lado, em paralelo a tudo isso, tivemos a expansão dos shoppings como em nenhum outro lugar. Sob o argumento, muito caro à nossa classe média, de oferecer segurança e de abrigar os automóveis (também com segurança), os mesmos tomaram conta da cidade. Vários se estabeleceram até numa mesma região. Os cinemas migraram para dentro desses centros de compras. O comércio e o consumo de alto padrão foi apartado das ruas e a estas ficou reservado o nicho do comércio popular. Algo que também se refletiu numa determinada seleção ou apartheid social, novamente sob o argumento da maior segurança.
Já a disseminação da internet e dos canais de televisão por assinatura também contribuíram para o declínio dos cinemas de rua, que ainda conseguiam sobreviver exibindo filmes pornográficos. Restou a essas salas apenas a opção de servirem como templos religiosos para as igrejas evangélicas e pentecostais, que também se expandiam. Ou isso ou simplesmente o fim. Como já dissemos, o cine Olido foi uma exceção. 


No mandato da Prefeita Marta Suplicy (2001-2005) foi elaborado um projeto audacioso de revitalização do centro histórico da cidade de São Paulo, o qual incluía a Cinelândia e as antigas salas de cinema, que deveria contar com a ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da iniciativa privada (na planta acima, localização de alguns cinemas, como o Olido, o Arte Palácio. o Paissandu e o Marrocos, no eixo da Avenida São João). Até mesmo um estacionamento subterrâneo sob o Largo Paiçandu, com capacidade para 800 veículos, chegou a ser planejado para facilitar o retorno do público ao centro da cidade. A ideia não era apenas recuperar os cinemas, mas transformar algumas salas em teatros ou espaços para convenções. Em função disso, o plano ficou conhecido como "Broadway Paulistana", em referência à região dos teatros na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. A Avenida São João e o seu entorno nunca estiveram tão próximos de uma revitalização. A Prefeitura tomou a dianteira com a Secretária Municipal de Cultura, comandada por Marco Aurélio Garcia, que anunciou em 2002 o aluguel do edifício Domingos Fernandes, inclusive as salas do Olido, para a transformação das mesmas em um "multiplex cultural". 


O espaço cultural foi entregue em 2004 com o nome de Galeria Olido (foto acima), sendo que uma das salas foi mantida como cinema, para prestigiar a produção cinematográfica nacional. Infelizmente, as descontinuidades administrativas não permitiram a concretização do projeto original e, apesar da Galeria Olido continuar sob controle da Secretária Municipal de Cultura, a região permaneceu abandonada, sem que fosse atribuída à mesma uma função social e cultural para a cidade. Muitos estudiosos da questão urbana apontam também a necessidade de repovoar o centro histórico, para lhe dar dinamismo e uma função agregadora. 
A Galeria Olido ficou apenas como um consolo para os saudosistas da antiga Cinelândia paulistana e para ajudar a preservar a memória de uma época tão interessante da cidade de São Paulo...
Crédito das imagens:
Orquestra tocando no palco do Olido: revista A Cigarra, edição de novembro de 1959, página 49. 
Avenida São João no início da década de 1960: Saudosas Telas de Rua
https://www.facebook.com/groups/483271465539981
Escadaria que dá acesso ao lobby, cortina com estampa abstrata e anúncio de jornal na época da inauguração do Olido: 
http://salasdecinemadesp.blogspot.com/
Foto dos projetores Philips do Olido: revista Cine Repórter, edição de 28.12.1957, página 3. 
Foto dos empresários Llorente e Paulo Sá Pinto: jornal Correio Paulistano, edição de 10.12.1957, página 10. 
Fachada do Olido e do interior da sala na época da inauguração: 
https://saopaulosao.com.br/conteudos/outros/3453-ha-60-anos-cine-olido-chegava-com-luxo-e-inovacao.html
Nota de jornal com relação dos nomes dos retirados dos cinemas: jornal Correio Paulistano, edição de 15.01.1957, página 4, Segundo Caderno. 
Propaganda de jornal com o filme "O Expresso de Chicago": acervo do autor. 
Fachada do cine Olido depois da reforma em 1982: jornal O Estado de S. Paulo, edição de 16.08.2002, página D4 do Caderno 2. 
Fachada do Olido após o fechamento: jornal O Estado de S. Paulo, edição de 24.06.2002, página C1 do Caderno Cidades.
Pequena planta da Cinelândia: jornal O Estado de S. Paulo, edição de 23.03.2002, página C8 do Caderno Cidades. 
Foto da Galeria Olido: Wikipédia