quarta-feira, 31 de março de 2021

Anúncio Antigo 77: o filme Aeroporto (1970)



A película que lançou a moda dos filmes de desastre ou cinema-catástrofe na década de 1970: Aeroporto (Airport, 1970). Um dos grandes sucessos cinematográficos daquele ano, como o Anúncio Antigo acima mostra, foi baseado no best-seller (livro de sucesso) de Arthur Hailey, teve a direção de George Seaton (1911-1979) e estrelada por Burt Lancaster, Jean Seberg, Dean Martin e Jacqueline Bisset, junto a um elenco formado por atores já experientes em Hollywood. A produção foi dos estúdios da Universal e do seu executivo Ross Hunter (1920-1996), responsável por clássicos do cinema como Tudo o Que o Céu Permite  (1955) e Imitação da Vida (1959). A excelente trilha sonora de autoria do compositor Alfred Newman, a abertura de rara beleza visual e os demais atributos técnicos, ajudaram o filme a ter uma excelente bilheteria, a melhor da Universal desde Spartacus (1960). 

O grande destaque ficou pela atuação da veterana Helen Hayes, que acabou por levar o Oscar de melhor atriz coadjuvante, interpretando uma idosa que insistia em viajar sem pagar a passagem (na foto acima, o elenco tendo ao fundo o diretor George Seaton e o produtor Ross Hunter que está de óculos). Aliás, a única estatueta recebida entre as 10 indicações dadas pela Academia de Cinema de Hollywood (inclusive de melhor filme). 

A trama gira em torno do administrador do aeroporto de Chicago (vivido por Burt Lancaster) e os problemas decorrentes de uma terrível tempestade de neve, que criava dificuldades às operações de partida e chegada dos voos, entre os quais um com destino a Roma, da empresa Trans Global Airlines ou TGA (nome fictício). 

Entre os passageiros, havia um que portava uma pasta contendo explosivos. A ideia do personagem (vivido pelo ator Van Heflin, em seu último trabalho no cinema, que aparece na imagem acima à direita, ao lado de Helen Hayes e Whit Bissell) era detonar o artefato dentro da aeronave, o que levaria à queda da mesma. Dessa forma, sua esposa (interpretada pela excelente atriz Maureen Stapleton) receberia o dinheiro do seguro, pois o casal vivia em sérias dificuldades financeiras. Como sempre acontece em filmes de desastre aéreo, coube ao piloto (vivido por Dean Martin) evitar uma tragédia maior, fazendo com que o passageiro com o explosivo se refugiasse no toalete. O artefato explodiu e deixou um rombo na fuselagem do avião. Mesmo assim, a aeronave conseguiu retornar ao aeroporto e o pouso ocorreu sem grandes dificuldades. O único problema era um Boeing 707 com o trem de pouso preso na neve, na pista principal do aeroporto, mas que acabou sendo removido graças à pericia de Joe Patroni (personagem vivido por George Kennedy), o mecânico-operador da TGA. Ah, este que vos escreve contou o final! Impossível assistir ao filme sem deduzir que o desfecho fosse esse, com a aeronave e os passageiros salvos (exceto o que detonou o explosivo). 

No mais, um festival de clichês que depois se repetiriam em vários outros filmes em que o assunto fosse acidente aéreo. Não poderia faltar o romance (extraconjugal) entre o piloto e a aeromoça (vividos por Dean Martin e Jacqueline Bisset, na imagem acima); a crise matrimonial do gerente do aeroporto; o passageiro chato que aparece para atrapalhar tudo e ainda a exaltação à tecnologia da moderna aviação comercial. A fabricante de aviões estadunidense Boeing, muito antes de viver a crise pela qual atravessa atualmente, foi privilegiada ao ter o seu nome associado ao filme, o qual aliás, rendeu mais três sequências: Aeroporto 1975, Aeroporto 1977 e Aeroporto 1979, o Concorde. Mas sem a menor dúvida, como ocorre na maioria das franquias cinematográficas, a primeira foi a de qualidade mais aceitável. George Kennedy foi o único ator a ter participado de todas as sequências, sempre com o personagem Joe Patroni e ligado à manutenção das aeronaves. 

Um dos temas da trilha sonora foi adaptado pelo músico Vincent Bell, o Airport Love Theme, cujo vinil vendeu mais de um milhão de cópias em 1971. O arranjo embalou o romance de muitos casais na época e também foi sucesso aqui no Brasil, mas não fez parte da trilha original (acima, capa do disco com a trilha do filme). 


Apesar da avalanche de indicações ao prêmio máximo do cinema, o filme não foi bem recebido pela crítica da época e com boas justificativas (acima, cartaz promocional do filme divulgado nos Estados Unidos). Não é uma história que prenda a atenção do espectador, pois fica diluída em pequenas tramas paralelas, casamentos mal resolvidos, o drama do personagem desempregado que ia explodir o avião, a passageira clandestina, a rotina de um aeroporto movimentado, enfim, nada no roteiro que pudesse ter algum destaque especial. Para os padrões de hoje, o filme é até difícil de assistir e com um desfecho pra lá de previsível.

Agora vamos para o detalhe curioso deste filme, principalmente para os brasileiros. Na trama em questão o avião não se acidentou, mas na vida real sim. O único Boeing 707 (acima, como aparece no filme) utilizado nas filmagens externas (pois a parte interna, onde estavam os passageiros, foi reconstituída em estúdio) caiu e não deixou nenhum sobrevivente entre os que estavam a bordo. E o acidente ocorreu aqui no Brasil, no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) que serve a maior cidade do país, São Paulo.  

O Boeing modelo 707-349C (acima, uma miniatura da aeronave), cujo primeiro voo havia sido realizado em 9 de junho de 1966, estava alugado da Flying Tiger Line em 1970, para a realização do filme Aeroporto. Nos anos seguintes o aparelho voou por outras companhias aéreas, entre as quais Aer Lingus, El Al e a British Caledonian

Posteriormente foi adquirido pela Transbrasil como cargueiro com o prefixo PT-TCS (acima, a aeronave já com o logo da companhia). A rota Manaus-São Paulo era muita utilizada para transporte aéreo de produtos fabricados na Zona Franca, em função da metrópole amazonense não ter acesso direto por estradas ao resto do país. 

No dia 21 de março de 1989, às 11 horas e 54 minutos da manhã, o voo 801 da Transbrasil com o Boeing 707 prefixo PT-TCS caiu ao realizar a aproximação para pouso no Aeroporto Internacional de Guarulhos. A aeronave se precipitou sobre uma área residencial, a apenas 2 quilômetros da pista. O fotógrafo da revista Veja, Klaus Werner, que por acaso se encontrava na região em um helicóptero, captou uma imagem dos destroços logo após o acidente e antes da explosão que destruiu toda a fuselagem (imagem acima). Nenhum dos 3 tripulantes sobreviveu (piloto, copiloto e engenheiro de voo). 


Em terra, foram 22 mortos e mais de 200 feridos, na grande maioria moradores da comunidade Zimbard, uma área urbanizada localizada no Jardim Scynthila no município de Guarulhos na Grande São Paulo (acima, o acidente num plano esquemático feito pelo jornal O Estado de S. Paulo). O Boeing 707-349C tinha 22 anos e 10 meses desde a fabricação, acumulando 61 mil horas de voo, incluídas aí as horas despendidas para a locação do filme Aeroporto em 1970. 


A aeronave fazia uma aproximação em alta velocidade, pois faltavam 6 minutos para o fechamento da pista, para que fosse feita a manutenção da mesma (na foto acima, a parte traseira do Boeing após o acidente). A fim de reduzir a velocidade, um dos tripulantes acionou o speed brake (freio) já com o trem de pouso ativado, o que não era recomendado no Boeing 707, pois comprometia a sustentação da aeronave. O avião desacelerou demais e sem a altitude necessária para alcançar a pista de pouso, caiu sobre a área residencial. Se o avião tivesse se mantido por mais 11 segundos teria alcançado o aeroporto. A carga transportada tinha o peso de aproximadamente 26 toneladas, constituída de aparelhos eletrônicos e brinquedos provenientes da Zona Franca de Manaus. Foi o primeiro acidente grave com uma aeronave de grande porte ocorrido no Aeroporto de Guarulhos desde a sua inauguração em 1985. 


As investigações feitas posteriormente confirmaram a falha humana, através de uma sucessão de ações que culminaram na redução brusca da velocidade do aparelho (acima, a capa do Estado de S. Paulo no dia seguinte ao acidente). O nível de ansiedade da tripulação em realizar o pouso no limite dos 6 minutos estipulados para o fechamento da pista, a inexperiência do piloto no comando daquele modelo de aeronave (era orientado pelo copiloto, que tinha essa experiência), a não observação rigorosa do check list (procedimentos) de pouso, a falta de coordenação nas ações da tripulação e o cansaço pelas horas a mais de trabalho contribuíram para a tragédia. Apesar de ser considerado um modelo antigo, o Boeing 707 estava com a manutenção totalmente em ordem e tinha sido inspecionado dois meses antes do acidente, sendo descartada uma pane mecânica. A analise da caixa preta (na verdade laranja, a fim de ser localizada com mais facilidade nos destroços) apontou para a sucessão de erros dos tripulantes. Contudo, o cansaço pelas horas a mais de trabalho da tripulação foi observado na sentença judicial que estipulou a indenização aos familiares. A mesma tripulação havia conduzido o avião para Manaus e estava trazendo o mesmo de volta para São Paulo, num verdadeiro bate e volta durante a madrugada anterior. Pelo que consta nas fontes consultadas, as vítimas em terra foram indenizadas sete meses depois da tragédia. 

Enfim, muitas vezes a realidade não segue a ficção como ficou demonstrado neste episódio. Todos os acidentes aéreos deixam lições para que se evitem novas tragédias e as mesmas são assimiladas, ao contrário do que ocorre com outros meios de transporte. O Anúncio Antigo mais acima, do filme Aeroporto, foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo do dia 16 de julho de 1970. 

Crédito das imagens:

Cenas do filme e do Boeing 707: 

http://moviefanguy.blogspot.com/2013/11/airport-1970-film-and-dvd-review.html

Poster original do filme: 

https://www.imdb.com/title/tt0065377/

Maquete do Boeing 707

http://www.modelcarsmag.com/forums/topic/158154-172-scale-trans-global-airlines-707/

Capa do disco em vinil com a trilha sonora do filme: acervo do autor.

Imagens do acidente e do Boeing 707 com o logo da Transbrasil:

https://acidentesdesastresaereos.blogspot.com/2018/07/transbrasil-801-o-fogo-que-veio-do-ceu.html

Esquema do acidente e capa do jornal: Acervo do Estadão. 

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