Muitos devem se perguntar: para que serve o estudo de uma civilização tão antiga como a grega? Uma parte da resposta está no fato dos gregos terem lidado com questões referentes à vida em comunidade semelhantes às que experimentamos nos dias atuais. Para dar resposta a isso desenvolveram aquilo que denominamos pelo nome de política. O próprio termo, derivado de pólis, cidade em grego, aponta que a mesma dizia respeito aos problemas enfrentados pelos moradores das antigas cidades-estados da Grécia e seus arredores. Nesse sentido, a civilização grega se constituiu em um grande "laboratório" da História. Questões referentes aos conflitos sociais (as lutas de classes tão conhecidas), maior ou menor participação do povo no governo, corrupção, direito de voto, remuneração para os cargos públicos, entre outras, já eram debatidas há mais de 2.500 anos atrás entre os gregos, sobretudo na cidade mais famosa: Atenas (na imagem acima o templo em homenagem à deusa Palas Atena, o Partenon, do século V a.C.).
A palavra democracia na sua origem foi a somatória de dois termos. Um deles era cracia, que significa poder ou governo e que deu origem a outras palavras como autocracia, governo de um único homem; aristocracia, governo dos aristos ou os melhores e democracia, o governo dos demos ou povo. Este outro termo, demos, era de uso variado podendo significar o corpo de cidadãos e às vezes as classes mais baixas. Segundo Aristóteles, o que de fato diferenciava a democracia da oligarquia (governo de poucos) era a pobreza, presente na primeira e a riqueza, presente na segunda. Onde os homens governavam devido à sua riqueza era uma oligarquia e onde os pobres governavam, uma democracia. Contudo, devemos observar o que as pessoas no tempo de Aristóteles (século IV a.C.) entendiam por "pobres", ou seja, eram aqueles que viviam do próprio trabalho, fossem comerciantes, artesãos ou camponeses. Os nobres ou aristocratas viviam da renda da terra e tinham desprezo por qualquer forma de trabalho braçal.
A integração dessas pessoas ditas "pobres" à vida política e que caracterizou a antiga democracia grega foi uma grande novidade civilizatória e demorou muito a se repetir na história. Segundo um grande historiador da Antiguidade Clássica, o norte-americano Moses Finley, os gregos foram os primeiros a pensar, a observar, a refletir e em seguida, a formular teorias políticas.
Atenas foi a cidade modelo da Antiga Grécia e a que melhor aperfeiçoou o antigo regime democrático de governo, embora não fosse a única a estabelecê-lo. Contudo, devemos lembrar que essa democracia era restrita ao ambiente da cidade, agregando apenas parte da população total. Os cidadãos do sexo masculino e adultos que podiam dela participar alcançavam uma cifra equivalente a 35 ou 40 mil indivíduos e era inferior à terça parte da população total da região onde se localizava Atenas. Além das mulheres e dos menores de 18 anos, os escravos e os estrangeiros também não eram considerados cidadãos.
A democracia ateniense era direta, uma vez que o comparecimento à Assembléia Popular (Eclésia) era aberto a todo cidadão e esta tinha a palavra final em assuntos militares, nos tratados, nas finanças, nas leis, nas obras públicas e na totalidade dos temas que diziam respeito ao governo da cidade. Era uma reunião ao ar livre e podia comportar milhares de indivíduos. A Assembléia reunia-se pelo menos 40 vezes ao ano e normalmente chegava a uma decisão em relação a um tema em um único dia de debates. Todos os presentes tinham o direito de participar tomando a palavra, princípio chamado de isegoria (na imagem acima as ruinas da antiga tribuna da Assembléia Popular situada na encosta do monte Pnice, nos arredores de Atenas). A decisão era por maioria simples. Era um governo "pelo povo" no sentido mais literal do termo.
Um conselho formado por 500 cidadãos (chamado de Bulé) escolhidos por sorteio auxiliava o trabalho da Assembléia, bem como dez estrategos (generais), que eram escolhidos para tarefas militares e ainda seis mil cidadãos formavam o júri do tribunal. A escolha obedecia ao sistema decimal, uma vez que a Assembléia Popular representava os 10 demos (distritos) de Atenas. Além disso, foi estabelecido o ostracismo, dispositivo que podia afastar da cidade um cidadão que ameaçasse a democracia, por um período de até dez anos. Para isso, o nome do indivíduo devia ser inscrito em um pedaço de cerâmica ou ostrakon (imagem acima e reparem na sua semelhança com uma concha de ostra, daí o nome) e que depois eram recolhidos para a contagem dos votos. Todo esse complexo mecanismo foi consolidado a partir de 508 a.C. por um líder ateniense chamado Clístenes.
Não existiam partidos e nem havia uma burocracia de funcionários para exercer os cargos públicos, uma vez que estes eram temporários. Alguns cidadãos que exerciam funções recebiam uma remuneração, que era inferior ao pagamento diário de um pedreiro ou carpinteiro. A presidência da Assembléia era um posto rotativo ocupado por um único dia e preenchido por sorteio.
Por quase duzentos anos esse sistema governamental funcionou em Atenas, quando a cidade tornou-se o Estado mais próspero, mais poderoso e mais estável do mundo grego. Foi a chamada "idade de ouro de Atenas" ou "a época de Péricles" (imagem acima) general e líder político de Atenas até o início da grande guerra contra a cidade de Esparta ou Guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C.).
A ideia muito comum nos dias de hoje, de que são os líderes dos partidos políticos que decidem e não o povo era estranha ao cidadão ateniense. Mesmo na época da liderança de Péricles a decisão sempre cabia aos membros da Assembléia e não a ele. Reconhecer a necessidade de existir um líder não significava renunciar ao poder decisório da própria Assembléia. Não existia a "máquina partidária" típica das democracias modernas, bem como a política institucionalizada atual. A liderança era exercida de forma direta e pessoal, sendo exigido do cidadão habilidade como orador e bom desempenho na Assembléia para a manutenção dessa mesma liderança.
Muitos irão rapidamente afirmar: lá a democracia realmente funcionava! Bem, vamos lembrar que essa democracia estava estruturada dentro de uma comunidade de cidadãos, onde praticamente todos se conheciam e que excluía uma grande parte da população, sobretudo os escravos. Aliás, por incrível que pareça, eram estes que permitiam aos cidadãos disporem de tempo livre (ócio) para poder participar dos debates na cidade, uma vez que os escravos trabalhavam nas propriedades desses mesmos cidadãos. Uma democracia como essa seria impensável nos dias de hoje, sobretudo na sua forma direta, onde o próprio cidadão comparecia na Assembléia. Hoje elegemos os políticos, que nos representam (ou deveriam nos representar...) no Parlamento. Portanto, chamamos a democracia atual de representativa.
Mas havia uma outra coisa que preocupava os antigos gregos: a apatia em relação à política. Eis aí uma questão bem atual. Mas os gregos deram uma resposta para isso. Afinal de contas, a Grécia não era o laboratório da História? Vamos discutir melhor essa e outras questões relativas à democracia grega (e também à atual) na segunda parte deste post.
Para saber mais:
Grécia Clássica. Coleção Biblioteca de História Universal Life. Livraria José Olympio Editora, 1969. Esta excelente coleção, embora esgotada, pode ser facilmente encontrada nos sebos espalhados pelo Brasil. Têm um ótimo conteúdo e rica em ilustrações. É excelente para os professores de História prepararem as suas aulas. As imagens desta postagem foram tiradas desse volume.
A democracia ateniense era direta, uma vez que o comparecimento à Assembléia Popular (Eclésia) era aberto a todo cidadão e esta tinha a palavra final em assuntos militares, nos tratados, nas finanças, nas leis, nas obras públicas e na totalidade dos temas que diziam respeito ao governo da cidade. Era uma reunião ao ar livre e podia comportar milhares de indivíduos. A Assembléia reunia-se pelo menos 40 vezes ao ano e normalmente chegava a uma decisão em relação a um tema em um único dia de debates. Todos os presentes tinham o direito de participar tomando a palavra, princípio chamado de isegoria (na imagem acima as ruinas da antiga tribuna da Assembléia Popular situada na encosta do monte Pnice, nos arredores de Atenas). A decisão era por maioria simples. Era um governo "pelo povo" no sentido mais literal do termo.
Um conselho formado por 500 cidadãos (chamado de Bulé) escolhidos por sorteio auxiliava o trabalho da Assembléia, bem como dez estrategos (generais), que eram escolhidos para tarefas militares e ainda seis mil cidadãos formavam o júri do tribunal. A escolha obedecia ao sistema decimal, uma vez que a Assembléia Popular representava os 10 demos (distritos) de Atenas. Além disso, foi estabelecido o ostracismo, dispositivo que podia afastar da cidade um cidadão que ameaçasse a democracia, por um período de até dez anos. Para isso, o nome do indivíduo devia ser inscrito em um pedaço de cerâmica ou ostrakon (imagem acima e reparem na sua semelhança com uma concha de ostra, daí o nome) e que depois eram recolhidos para a contagem dos votos. Todo esse complexo mecanismo foi consolidado a partir de 508 a.C. por um líder ateniense chamado Clístenes.
Não existiam partidos e nem havia uma burocracia de funcionários para exercer os cargos públicos, uma vez que estes eram temporários. Alguns cidadãos que exerciam funções recebiam uma remuneração, que era inferior ao pagamento diário de um pedreiro ou carpinteiro. A presidência da Assembléia era um posto rotativo ocupado por um único dia e preenchido por sorteio.
Por quase duzentos anos esse sistema governamental funcionou em Atenas, quando a cidade tornou-se o Estado mais próspero, mais poderoso e mais estável do mundo grego. Foi a chamada "idade de ouro de Atenas" ou "a época de Péricles" (imagem acima) general e líder político de Atenas até o início da grande guerra contra a cidade de Esparta ou Guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C.).
A ideia muito comum nos dias de hoje, de que são os líderes dos partidos políticos que decidem e não o povo era estranha ao cidadão ateniense. Mesmo na época da liderança de Péricles a decisão sempre cabia aos membros da Assembléia e não a ele. Reconhecer a necessidade de existir um líder não significava renunciar ao poder decisório da própria Assembléia. Não existia a "máquina partidária" típica das democracias modernas, bem como a política institucionalizada atual. A liderança era exercida de forma direta e pessoal, sendo exigido do cidadão habilidade como orador e bom desempenho na Assembléia para a manutenção dessa mesma liderança.
Muitos irão rapidamente afirmar: lá a democracia realmente funcionava! Bem, vamos lembrar que essa democracia estava estruturada dentro de uma comunidade de cidadãos, onde praticamente todos se conheciam e que excluía uma grande parte da população, sobretudo os escravos. Aliás, por incrível que pareça, eram estes que permitiam aos cidadãos disporem de tempo livre (ócio) para poder participar dos debates na cidade, uma vez que os escravos trabalhavam nas propriedades desses mesmos cidadãos. Uma democracia como essa seria impensável nos dias de hoje, sobretudo na sua forma direta, onde o próprio cidadão comparecia na Assembléia. Hoje elegemos os políticos, que nos representam (ou deveriam nos representar...) no Parlamento. Portanto, chamamos a democracia atual de representativa.
Mas havia uma outra coisa que preocupava os antigos gregos: a apatia em relação à política. Eis aí uma questão bem atual. Mas os gregos deram uma resposta para isso. Afinal de contas, a Grécia não era o laboratório da História? Vamos discutir melhor essa e outras questões relativas à democracia grega (e também à atual) na segunda parte deste post.
Para saber mais:
Grécia Clássica. Coleção Biblioteca de História Universal Life. Livraria José Olympio Editora, 1969. Esta excelente coleção, embora esgotada, pode ser facilmente encontrada nos sebos espalhados pelo Brasil. Têm um ótimo conteúdo e rica em ilustrações. É excelente para os professores de História prepararem as suas aulas. As imagens desta postagem foram tiradas desse volume.
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