"Não foram os aviões. Foi a bela que matou a fera." Com esta frase terminava um dos filmes mais marcantes da história do cinema hollywoodiano:"King Kong". Sim, estamos nos referindo à versão de 1933 dos estúdios RKO e produzida por David Selznick, que seis anos depois foi o responsável por outro clássico do cinema: "E o Vento Levou...".
Os Estados Unidos viviam naquele distante ano de 1933 o pior momento da crise econômica iniciada em 1929 e que repercutiu por praticamente toda a década de 1930. O novo presidente dos Estados Unidos na época, Franklin D. Roosevelt, apenas anunciava o conjunto de medidas contidas no chamado "New Deal" para restaurar a economia por meio de uma série de investimentos públicos e levantar o moral da sociedade norte-americana abalada pela Grande Depressão.
Recessão, desemprego e falências foram os aspectos mais graves da crise, exceto em um setor: o cinema. Parecia que os filmes representavam uma válvula de escape para as multidões atormentadas pelo fantasma do desemprego. A indústria cinematográfica prosperava com o advento do som e já vislumbrava o Technicolor que marcou a era de ouro dos grandes estúdios de Hollywood até o início da década de 1950.
Para o grande público que se dirigiu aos cinemas para assistir "King Kong" (na imagem acima o cartaz americano do filme) o gorila gigante parecia representar a própria Grande Depressão, um pesadelo que precisava ser eliminado. Mais tarde foi visto até como um símbolo de transgressão sexual e do amor proibido, um gorila que desejava uma mocinha e por ela perdeu a vida. Mas isto era uma leitura bem subliminar, uma vez que a censura do famoso Código Hays (uma série de normas voltadas para preservar os bons costumes adotada na época nos Estados Unidos) não permitia algo mais explícito. Por exemplo, uma das cenas previstas no roteiro e que acabou não sendo filmada, mostrava o gorila tirando a roupa da mocinha.
Por outro lado, "King Kong" também marcou o cinema do ponto de vista dos efeitos especiais. Numa época onde não existia computação gráfica, as cenas que envolvem o gigantesco gorila tiveram que ser feitas de forma artesanal e até hoje impressionam. O responsável pela parte visual foi Willis O'Brien, um escultor e desenhista de origem irlandesa, apaixonado por paleontologia (estudo dos fósseis e animais pré-históricos) e que já tinha desenvolvido maquetes para museus de História Natural. Sua contribuição foi fundamental para o filme. Sob a sua orientação foi construido um gorila de pelúcia, com menos de meio metro, feito em estrutura de metal e coberto com pele de coelho. Este "bonequinho" foi utilizado nas cenas em que Kong aparecia por inteiro.
Separadamente, foram construidas outras partes do animal para os "closes" (cenas próximas), como a cabeça e as mãos do gorila. Estas últimas que deveriam segurar a atriz Fay Wray eram articuladas e mediam cerca de dois metros e meio de comprimento, podendo elevar-se a até três metros do chão. Muitas das cenas em que a atriz aparecia junto ao gorila gigante foram filmadas separadamente e depois acrescentadas no plano geral (como na imagem acima).
Os movimentos do gorila foram feitos quadro a quadro (no sistema "stop-motion animation") e uma vez juntos davam a impressão de movimento. Apenas a cena da luta entre Kong e um pássaro pré-histórico na ilha da Caveira (onde King Kong foi encontrado) demandou sete semanas de filmagens. A ideia inicial dos produtores era que as locações fossem feitas na África, mas como estávamos em tempos de crise, tudo foi feito em estúdio, aproveitando cenários de outras produções.
Como todos sabem, na história "King Kong" foi levado para Nova Iorque para ser exibido na Broadway, mas acabou escapando e levando com ele uma atriz loira por quem se apaixonara (interpretada por Fay Wray) e resolveu subir no edifício Empire State carregando junto a sua "amada" (imagem acima). Aviões acabaram abatendo mortalmente a criatura que caiu do alto do arranha-céu.
Algumas outras curiosidades a respeito do filme podem ser lembradas. A história teve duas refilmagens, em 1976 (quando uma réplica do gorila foi exibida no já extinto Play Center em São Paulo) e 2005. Em 1991, o "King Kong" de 1933 foi considerado como um produto cultural significante e selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Em abril de 2004, a revista Empire, uma das mais importantes publicações britânicas sobre cinema, o considerou o "maior filme de monstros" de todos os tempos. A atriz canadense Fay Wray ficou lembrada para sempre como a namorada de Kong, apesar de sua longa carreira nas telas de cinema. Por ocasião de sua morte, em 2004, aos 97 anos, as luzes do Empire State em Nova Iorque foram apagadas por quinze minutos.
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado no jornal "O Estado de São Paulo" de 26.05.1933. O filme já estava sendo exibido por aqui dois meses depois de ter sido lançado nos Estados Unidos. Uma última curiosidade, o cine Rosário ficava embaixo do conhecido edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo. Era o nosso "Empire State".
Crédito das imagens: Os Clássicos do Cinema, Editora Altaya, 1997, vol. II e Diccionario del Cine de Aventuras de Javier Coma, P&J Editores, 1994.
Você saberia me dizer qual a relação da Grande depressão mais especificamente com o filme de 2005??
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirCaro leitor, infelizmente não assisti a versão completa de 2005 (apenas alguns trechos). Mas, pelo que sei, a trama se passa no ano de 1933, ou seja, no auge da Grande Depressão. Portanto, parece que há referências mais explícitas à mesma. Contudo, a versão de 1933 era contemporânea da própria crise econômica e para muitos críticos, o gorila gigante representaria uma metáfora dos eventos daquela época ou a personificação da Depressão, que precisava ser eliminada. Um grande abraço....
ResponderExcluir