terça-feira, 31 de outubro de 2017

Aos Professores de História (e das Demais Disciplinas)...




Conhecimento ou fragmentos de conhecimento? Nesta postagem vou tomar o tempo do leitor para fazer uma rápida reflexão. Atualmente, estamos vivendo a época da informação instantânea, quase em tempo real (quase?) via computador (palavra já obsoleta), internet, celular, tablet, Instagram, WhatsApp ou seja lá o que for. Mas, ao mesmo tempo, nos deparamos com um grande paradoxo. Ao invés de toda essa tecnologia tornar o indivíduo bem informado e atualizado, o que temos visto, muitas vezes, é o inverso, a desinformação. Nós que lidamos com a história, que como toda disciplina, tem parâmetros científicos para trabalhar, ou seja, um embasamento metodológico em uma série de fontes primárias (documentos, jornais, oralidade, imagens, fotos, filmes...) e secundárias (livros, artigos, entrevistas...), as quais legitimam o trabalho e o posicionamento dos historiadores, nos vemos diante de coisas absurdas. Informações que são simplesmente jogadas ou colocadas como sendo "verdades", sem que sejam questionadas ou levantadas as origens das mesmas. Algo como, fulano de tal matou milhões de pessoas, ciclano cometeu um genocídio, não sei quem envenenou não sei quem... E por aí vai. Ou será que algum professor de história já não foi questionado a respeito da morte de Tiradentes, com perguntas como esta:
- Ah professor, eu li que enforcaram outro no lugar dele! 
Quem afirmou isso? Qual a fonte? Algum outro historiador ou pesquisador fez alguma revelação referente ao assunto? O pior é quando o indivíduo leu algo impresso ou na internet. Parece que, pelo fato de aparecer dessa forma, a informação é absolutamente verídica! O problema não é o professor responder a este tipo de dúvida e nem que elas apareçam, afinal faz parte do processo de busca pelo conhecimento. Como profissional da área, sempre orientei meus alunos que qualquer dúvida é válida e passível de ser colocada. A questão grave é quando as dúvidas absurdas permanecem, muito em função da resposta dada pelo professor não ser aquela que a pessoa gostaria de ouvir. Seria algo como se eu dissesse para um biólogo que uma rã pode voar e duvidasse do mesmo, se ele me tentasse provar que isso é impossível. Ou de duvidar de um cirurgião cardíaco a respeito da eficácia de uma cirurgia de ponte de safena e lhe dissesse;
- Ora doutor, onde o senhor aprendeu isso? Quem lhe disse?
Pois bem, não sei por que razão, motivo ou circunstância, nos últimos tempos, os professores de história e os historiadores tem sido uma das maiores vítimas desse tipo de questionamento. Será que em função do momento em que vivemos, onde ideologias tão diversas e pontos de vista tão heterogêneos afloram nas mídias (alternativas ou não), e nas redes sociais? Será que em função da "balcanização política" (fragmentação) deste início de século XXI, onde os extremismos ideológicos dos mais variados tons resolveram, de repente, "deixar o armário" e sair às ruas e se manifestar, com o forte argumento (aliás, legítimo) do direito à liberdade de expressão? 
Independentemente da resposta que possamos dar para isso, qual o papel que o professor de história e possivelmente, os profissionais das demais disciplinas, tem a desempenhar nesse instante? Muitos educadores tem dito que a função do professor, hoje, não é mais a de transmitir conhecimento, uma vez que esse é fornecido pelos novos recursos tecnológicos e midiáticos. Talvez este profissional esteja se tornando um facilitador para conduzir a esse conhecimento, por meio do uso desses novos recursos em sala de aula. Mas, não podemos deixar de perguntar:
- Que conhecimento é esse que está sendo gerado? Será que o mesmo é, de fato, conhecimento?
Creio, com base em minha longa experiência em sala de aula, que o professor está diante de um desafio ainda maior e mais complexo do que esse proposto. Está em suas mãos fornecer aos alunos as ferramentas para absorver e digerir a quantidade astronômica de informações fragmentadas, que os mesmos recebem. E até, questionar a veracidade delas! Claro, levando-se em consideração que o professor detém também uma formação adequada para avalizar ou não esses conteúdos disponibilizados a uma velocidade gigantesca. Inclusive sugerir aos alunos uma triagem e seleção das mídias que divulgam tais conteúdos, tidos como educativos e de informação. Sim, o professor pode (e deve) quando necessário, colocar os "pingos nos is". E outro detalhe, o profissional da educação não pode abrir mão do conhecimento. Deve valoriza-lo, a fim de que ele próprio sirva de exemplo aos estudantes.
Vou acrescentar algo que, embora muitos dissessem há algum tempo que iria desaparecer, têm se mostrado insubstituível: o livro. Uma boa leitura e uma boa reflexão, feita em condições adequadas de tranquilidade e, mesmo, de contemplação, bem lá dentro do íntimo de cada um. E claro, confrontar opiniões e pontos de vista sobre um determinado assunto. Mas, com embasamento e não apenas no "achismo" ou do "ouvi falar". Caso contrário, estaremos subordinados a um pensamento único ditado por meios de comunicação ou mídias que expressam determinadas posições, as quais cabe a nós, como receptores, procurar decifrar, entender e emitir uma opinião. É isso aí...
Crédito da imagem: 
Fotos das escavações realizadas na Acrópole de Atenas em meados do século XIX: Grécia: Templos, Túmulos e Tesouros. Abril Coleções, 1998, p. 34. 

domingo, 29 de outubro de 2017

Dica de Filme: Estrela do Norte (1943)



Algo absolutamente impensável nos tempos da Guerra Fria e mesmo hoje, com relação à Rússia. Os estúdios de Hollywood produzirem filmes simpáticos à União Soviética e ao seu regime socialista! Sim, isso ocorreu, pelo menos até a Segunda Guerra Mundial ser resolvida nos campos de batalha. Um bom exemplo disso, pode ser visto na película "Estrela do Norte" (North Star, 1943) produzida pela Samuel Goldwyn Productions e distribuída pelos estúdios RKO Radio Pictures (do conhecido magnata da aviação Howard Hughes). O filme foi lançado no momento em que os soviéticos começavam a reverter o terrível ataque alemão, desencadeado em junho de 1941 (na foto acima, o cartaz promocional do filme). Consta que o filme foi realizado a pedido do então presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, cujo filho mais velho, James Roosevelt, havia trabalhado com Samuel Goldwin, que acabou sendo o responsável pela produção. 
Hollywood não poupou talentos para realizar o filme. A começar pelo diretor Lewis Milestone, vencedor do Oscar pelo clássico "Nada de Novo no Front" (1930); pela autora do roteiro, a aclamada escritora Lillian Hellman; pelo compositor Aaron Copland; pelo letrista Ira Gershwin (irmão do também compositor George Gershwin) e William Cameron Menzies, que além de produtor, foi um consagrado designer. Ou seja, Hollywood colocou à disposição o que tinha de melhor.


No elenco (na foto acima, os atores Farley Granger e Anne Baxter), atores já consagrados como Walter Huston (pai do famoso diretor John Huston); Erich Von Stroheim (não precisaria nem comentar que o mesmo tem origem alemã); Walter Brennan (famoso por seus papéis de coadjuvante em filmes de faroeste) e Dean Jagger (que teve uma sólida carreira no cinema e entre vários papéis, interpretou o pai de Elvis Presley no filme "Balada Sangrenta", de 1957). 


E atores jovens em início de carreira, como Anne Baxter (bem antes de seu papel como a princesa egípcia Nefertari, no filme "Os Dez Mandamentos" de 1956) interpretando uma jovem camponesa soviética (acima, Anne Baxter em trajes típicos, em uma foto promocional para o filme); Dana Andrews (um dos maiores galãs da época e conhecido pelos seus papéis de detetive, como no clássico "Laura" de 1944) e ainda o estreante Farley Granger (que depois atuou em dois filmes de Alfred Hitchcok: "Festim Diabólico" de 1948 e "Pacto Sinistro" de 1951). 


Um fato curioso, ainda com relação ao elenco, diz respeito ao galã Dana Andrews (na foto acima, ao lado de Anne Baxter, em uma cena do filme "Estrela do Norte"), pois entre 1952 e 1954, o mesmo apresentou uma série de rádio, cujo título era I was a comumunist for the FBI (em tradução livre: Eu fui um comunista para o FBI), sobre as experiências de um informante da Polícia Federal Americana, infiltrado no Partido Comunista dos Estados Unidos. Sim, neste caso estamos na época do macartismo (caça aos comunistas) e era importante para atores e profissionais do cinema não deixarem dúvidas a respeito de suas opções ideológicas, sob pena de ficarem sem trabalho. Ao contrário do que ocorria em 1943, quando a União Soviética, sozinha, estava derrotando o inimigo da humanidade, o nazismo. 


Pois bem, a trama reproduzida no filme é simples. Em um kolkhoz (fazenda coletiva soviética) localizado no interior da Ucrânia (uma das repúblicas soviéticas), famílias camponesas vivem tranquilamente o seu cotidiano de trabalho e desfrutando de muita alegria, algo que o filme não cansa de mostrar. Danças típicas, festas, canções, com direito até à famosa Internacional Comunista, aparecem logo no início. Um grupo de jovens, mais o oficial da aeronáutica (vivido por Dana Andrews) planejam um passeio no feriado até a cidade de Kiev. Eis que, no caminho, são surpreendidos pelos aviões alemães que iniciam o traiçoeiro ataque contra a União Soviética, em junho de 1941. Traiçoeiro, uma vez que o governo soviético havia feito um acordo de não-agressão com o governo nazista, em agosto de 1939 (assunto que iremos tratar na postagem Stalin e a Formação da União Soviética, parte 2). 
O oficial da aeronáutica segue para se engajar na defesa do território, enquanto os jovens (interpretados por Anne Baxter, Farley Granger e Jane Withers) juntos com um velho camponês (vivido por Walter Brennan) resolvem retornar, levando um carregamento de armas para a fazenda coletiva, a fim de distribuir as mesmas para os homens, os quais, usando táticas de guerrilha, organizam a defesa. A fazenda acaba ocupada pelo exército alemão e as crianças acabam sendo usadas como doadoras forçadas de sangue por um oficial-médico nazista (vivido por Erich Von Stroheim). Obviamente, não iremos revelar o desfecho a fim de estimular o leitor a ver a película. Apenas adianto que o mesmo é favorável à causa dos aliados na Segunda Guerra Mundial. E por aliados entendamos, Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra e os inimigos eram os países que formavam o Eixo: Alemanha, Itália e Japão. 
Para as plateias de hoje, não é um filme que prenda a atenção ou empolgue. Mas, sem dúvida, trata-se de um registro curioso de como os norte-americanos conseguiram realizar um filme tão simpático ao comunismo, que não ficava nada, absolutamente nada a dever aos próprios filmes soviéticos daquela época. A produção foi indicada para seis Oscars. Vamos lá: direção de arte (em preto e branco); fotografia (em preto e branco); música; som; efeitos especiais e roteiro original. Não levou nenhum! De qualquer forma, é uma lista de indicações apreciável, embora quase todas técnicas. 


Alguns anos depois, a partir de 1950, durante a já citada caça aos comunistas promovida pelo senador republicano Joseph McCarthy (foto acima), conhecida como macartismo (nome derivado desse mesmo senador), o filme "Estrela do Norte" passou a ser considerado como propaganda comunista. Vários integrantes da produção, como a roteirista Lillian Hellman, tiveram problemas com a Comissão do Senado para Atividades Anti-Americanas instituída naquela época. 


Por ocasião de seu lançamento na televisão americana, em 1957, o filme teve o seu título alterado para Armored Attack (em uma tradução livre, Ataque Blindado) e foi completamente reeditado, com o tempo de duração reduzido (na imagem acima, o cartaz com o filme repaginado e com outro título). Além disso, o filme não começava com os camponeses soviéticos felizes e alegres, dançando e cantando na fazenda coletiva, como no original, mas já com o avanço das colunas blindadas alemãs. Ao final, foi acrescentada uma narrativa que fazia referência aos húngaros que lutavam contra a intervenção soviética na rebelião de 1956. Em resumo, a curta "lua de mel" entre capitalistas e comunistas já tinha ficado para trás. 


Além de "Estrela do Norte", existem outros dois filmes hollywoodianos que são simpáticos aos soviéticos e produzidos também em 1943: Mission to Moscow dos estúdios da Warner Brothers (com direito ao rosto de Stalin no cartaz promocional, foto acima) e Song of Russia da Metro Goldwin Mayer (MGM). 
A versão de "Estrela do Norte" que recomendo para ser vista, claro, é a original e está disponibilizada no Youtube, em uma boa cópia. O endereço para acessar a mesma é:
https://www.youtube.com/watch?v=s5RZp9-vIpw&list=PLolzx0KyjwOaNEZsxWr7B8fshvcNXQWaL&index=2

Crédito das imagens:
Poster do filme: 
http://www.imdb.com/title/tt0036217/mediaviewer/rm1716271616
Foto promocional de Anne Baxter com Dana Andrews: Pinterest
Foto de Farley Granger e Anne Baxter:
http://gershwin.com/publications/north-star-the/
Foto de Anne Baxter em trajes típicos:
http://www.allposters.com/-sp/The-North-Star-Anne-Baxter-1943-Posters_i13186019_.htm
Jovens cantando:
http://rarefilm.net/the-north-star-1943-lewis-milestone-anne-baxter-dana-andrews-walter-huston-drama-romance-war/
Foto de Joseph McCarthy: Wikipédia.
Cartaz de Armored Attack:
http://www.cineplayers.com/filme/estrela-do-norte/27032
Cartaz de filme com o rosto de Stalin:
http://www.causaartium.org/love-on-demand.html

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

História Mundi na TV Aparecida: Amazônia em Foco e a Renca



Caro leitor, neste dia 27 de outubro, às 15 horas, irá ao ar a entrevista que fizemos para o Programa Santa Receita da TV Aparecida (canal 695 da Net), apresentado por Claudete Troiano, tendo como assunto a Amazônia e a recente medida (na verdade, um decreto) tomada pelo presidente da república Michel Temer, de extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados, mais conhecida pela sigla Renca. A área estaria sendo destinada à mineração privada, o que poderia afetar parte da floresta amazônica e as populações que lá vivem, sobretudo indígenas. O decreto presidencial  gerou protestos dentro e fora do Brasil, o que fez com que o governo brasileiro desistisse da ideia, pelo menos por enquanto.


Para entendermos um pouco dessa questão (apresentada no programa com projeções de imagens da Amazônia, como na foto acima) é preciso lembrar que a Renca é uma área de aproximadamente 47 mil quilômetros quadrados, equivalente ao estado do Espírito Santo, localizada entre os estados do Amapá e do Pará. A mesma foi criada em 1984, na fase final da ditadura militar, delimitada a fim de que fossem explorados os recursos minerais lá disponíveis, cuja atividade seria feita pelo Estado. Contudo, a crise econômica de meados da década de 1980 (principalmente em função da inflação e dos encargos voltados para o pagamento dos juros da dívida externa), inviabilizaram os investimentos públicos para ampliar as pesquisas e iniciar a exploração. 
Com o decreto do presidente Michel Temer, publicado em 22 de agosto de 2017, foi aberta novamente a possibilidade da pesquisa e mineração, agora a cargo do setor privado. A justificativa é atrair investimentos e impulsionar a economia do país. Contudo, a repercussão ruim dessa medida junto aos setores que trabalham na defesa do meio ambiente, tanto no Brasil como no exterior, fez com que o governo editasse um outro decreto, esclarecendo (ou tentando esclarecer) como seriam feitas as prospecções e a exploração mineral, determinando que não seria permitida a atividade nas unidades de conservação existentes na área. Apenas para lembrarmos, existem nove unidades de conservação sobrepostas na Renca, sendo sete de proteção ambiental e duas constituídas por terras indígenas. Em três dessas unidades a mineração não é permitida, pois tratam-se de áreas de proteção integral. Nas terras indígenas também é proibida a atividade, embora conste que existam no Congresso vários projetos em tramitação, alterando essa condição. O temor dos ambientalistas, ecologistas e dos defensores da Amazônia é que o decreto que extingue a Renca, mesmo mantendo as normas nessas áreas de proteção, acabe afetando essas terras em função dos efeitos indiretos da exploração de minérios, como a poluição dos rios, igarapés e a entrada de garimpeiros para a lavra ilegal de ouro.


Como se sabe, a mineração é atualmente, a atividade mais importante, em termos econômicos, na Amazônia, sobretudo a vinculada à produção de ferro e bauxita (matéria-prima do alumínio), proporcionando saldos importantes em nossa balança comercial. Contudo, tais atividades não trazem grandes benefícios para as populações locais em termos de emprego e distribuição de renda. Na verdade, o minério sofre um beneficiamento primário, apenas para permitir a exportação para os grandes mercados da Ásia (China e Japão principalmente), onde terão um aproveitamento maior em escala industrial (na indústria automobilística, por exemplo). Trata-se de uma atividade que não agrega valor ao produto, uma vez que o mesmo é exportado quase em estado bruto. Muitos estudiosos classificam tais economias como enclaves, isto é, atividades concentradas em uma determinada área e que não geram efeitos positivos no entorno. O caso da produção de ferro na Serra dos Carajás é um exemplo disso. 


Na entrevista ao Programa Santa Receita (foto acima) pudemos discorrer sobre a importância da Amazônia e de sua floresta tropical, a maior do planeta; de sua bacia hidrográfica, também a maior do mundo; da sua enorme reserva de água doce (equivalente a 20% do total do planeta); de ter o maior rio do mundo em termos de volume de água (o rio Amazonas), ou seja, tudo na Amazônia é expresso em termos superlativos. E a sua biodiversidade! A maior variedade no planeta em termos de plantas, insetos, aves e peixes de água doce, muitos dos quais sequer foram avaliados ou mesmo identificados cientificamente. 


Desde a década de 1960, quando a ditadura militar iniciou a ocupação sistemática da Amazônia por meio da abertura de estradas (como a Transamazônica, na foto acima de 1972); construção de hidrelétricas; incentivos fiscais destinados à agropecuária (uma das maiores responsáveis pelo desmatamento) e a já citada exploração dos recursos minerais, aproximadamente 18% da floresta amazônica foi perdida, sem que se pudesse ter uma avaliação mais precisa das suas riquezas ou de se poder estabelecer um manejo não tão predatório. 



Embora no início da década de 1970 tenha sido criado o Projeto Radam (Radar da Amazônia), para um mapeamento aerofotográfico da floresta, a ocupação já estava sendo desencadeada sem que fossem melhor analisados os dados desse levantamento (na foto acima, de 1972, uma castanheira aparece no caminho de uma estrada).



As experiências com o extrativismo mineral e o garimpo mostram que os mesmos não se constituem em alternativa adequada para a região. Todos devem se lembrar do caso de Serra Pelada, uma lavra de ouro no sudeste do Pará descoberta em 1980 e que desencadeou uma verdadeira "corrida do ouro" para a região, chegando a reunir mais de 80 mil garimpeiros trabalhando em um imenso buraco aberto no meio da floresta, os quais tinham a esperança de "bamburrar" ou encontrar uma quantidade tal de ouro, que possibilitasse ao indivíduo ficar rico (na foto acima, de Sebastião Salgado, o garimpo de Serra Pelada). Muitas histórias são relatadas dos poucos garimpeiros que chegaram a coletar uma quantidade razoável do valioso metal, mas que desperdiçaram o que ganharam em aquisições impensadas e extravagantes, como chegar em uma concessionária e comprar todos os veículos novos disponíveis na loja ou ainda alugar um avião Boeing para fazer um "bate e volta" ao Rio de Janeiro. Histórias como essas foram relatadas em um livro do jornalista Ricardo Kotscho, intitulado "Serra Pelada: Uma Ferida Aberta na Selva" (Editora Brasiliense, 1984) reunindo matérias feitas pelo mesmo na área do garimpo, no início da década de 1980. Até hoje, antigos garimpeiros ainda aguardam a reabertura de Serra Pelada, cujos direitos estão em poder da Cia. Vale do Rio Doce. Contudo, a exploração do ouro que restou só pode ser feita por meio de lavra mecânica, isso se ainda for viável economicamente. Atualmente o "buraco" de Serra Pelada é um imenso lago. Eis o resultado de uma atividade que atraiu milhares de pessoas, que sem conseguir o sonhado enriquecimento, ou voltaram para os seus estados de origem ou permaneceram marginalizadas nas periferias das cidades da Amazônia.


O futuro da floresta amazônica, sobretudo para mantê-la "em pé" é o desenvolvimento de uma tecnologia que propicie a sua exploração sustentável (na foto acima, retirada predatória de madeira na região de Marabá, sudeste do Pará. em 1988). De acordo com a geógrafa Bertha Becker, infelizmente já falecida, o Brasil tem que realizar na Amazônia o mesmo que fez com a exploração do petróleo em águas profundas e com a técnica de plantio da soja na região do cerrado. Ou seja, aplicar o conhecimento científico em termos práticos. O futuro da floresta amazônica está na biotecnologia, na investigação de aplicação dos recursos provenientes da biodiversidade no setor farmacêutico (pesquisa de novos medicamentos), na indústria de cosméticos e na produção de alimentos.


O manejo adequado na exploração da madeira, identificando as espécies de valor comercial que podem ser abatidas de forma seletiva (mogno, cerejeira, castanheira, sumaúma, entre outras) e preservando as de maior vulnerabilidade (na foto acima, queimadas no estado de Rondônia, década de 1980). 
Enfim, tudo isso requer duas coisas que o Brasil está deixando de lado: a educação e o patrocínio às pesquisas científicas. Mas, não se incomodem, que as nações mais desenvolvidas já perceberam isso, enviando os seus jovens cientistas para estudarem a região e defenderem a preservação da floresta para aprimorar o conhecimento da mesma...
Crédito das Imagens: 
Fotos no Programa Santa Receita com a apresentadora Claudete Troiano: TV Aparecida e acervo do autor.
Fotos da Transamazônica e da castanheira no meio da estrada: Revista Manchete, 15 de abril de 1972, pags. 65 e 68.
Foto do Garimpo de Serra Pelada de Sebastião Salgado: 
http://brasilescola.uol.com.br/brasil/serra-pelada.htm
Fotos do caminhão com madeira e da queimada em Rondônia:Revista Ciência Hoje, edição especial sobre a Amazônia. Dezembro de 1991, pags. 77 e 87. 




terça-feira, 24 de outubro de 2017

História Mundi na TV Aparecida discute a Amazônia



Caro leitor, apresento um convite a você. Amanhã estaremos nos estúdios da TV Aparecida, para gravarmos uma entrevista no Programa Santa Receita, onde iremos abordar vários aspectos relativos à Amazônia. A história da região, como se deu a ocupação humana, a importância da biodiversidade da floresta, os problemas ambientais, o desmatamento e as perspectivas para o futuro. 
O Programa Santa Receita é apresentado por Claudete Troiano, referência na televisão brasileira e conhecida por abordar assuntos de grande interesse para o público em geral. A TV Aparecida pode ser sintonizada pela Net em HD no canal 695. Posteriormente, o mesmo deverá permanecer disponível no site da emissora. Aguardo vocês...

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

História Mundi também no Faceboook


Aos leitores que acompanham o blog História Mundi, não esqueçam, ele também está no Facebook. Imagens e fotos, muitas das quais não aproveitadas nesta página, podem ser vistas lá, com detalhes e curiosidades referentes aos acontecimentos históricos. O endereço é:
https://www.facebook.com/histormundi/

sábado, 14 de outubro de 2017

Imagens Históricas 25: Valentina Tereshkova



Ela faz jus ao nome! A primeira mulher a se aventurar no espaço foi uma das personagens da conhecida corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, iniciada quando os soviéticos colocaram um satélite artificial em órbita da Terra, o Sputnik, em 1957. Um dos momentos mais lembrados da Guerra Fria. Ah, mas os soviéticos não conseguiram chegar na Lua! Bem, pensemos um pouco mais. O primeiro satélite; o primeiro homem levado ao espaço (Iuri Gagarin, em 1961); a primeira mulher em uma viagem espacial; o primeiro homem a caminhar no espaço fora da nave (Alexey Leonov); a primeira estação espacial; entre outras façanhas, foram realizações dos soviéticos. E até hoje, a nave Soyuz (o "Fusca" do programa espacial russo), transporta os astronautas da Estação Espacial Internacional. Perguntem hoje aos russos quem eles consideram como sendo os vencedores da corrida espacial? Não é difícil imaginar a resposta. 


Pois bem, Valentina Tereshkova (na foto acima, em 1970) foi selecionada entre 400 candidatas para formar um corpo feminino de cosmonautas, junto com outras 4 mulheres. Nascida em 1937 no interior da Rússia, filha de trabalhadores soviéticos (o seu pai morreu na Segunda Guerra), a sua primeira credencial era o fato de ser para-quedista, embora fosse também operária têxtil. Sim, ela exercia as duas atividades! Em 1962, o seu perfil físico foi considerado ideal para que fosse escolhida a primeira mulher a participar de um vôo espacial. Seria mais um ponto importante que os soviéticos marcariam diante dos norte-americanos. A rivalidade entre as duas potências era tão acirrada, que até mesmo o termo "astronauta" não era utilizado pelos soviéticos, mas sim cosmonauta. 


O treinamento ao qual Valentina Thereshkova foi submetida incluiu testes de isolamento, testes de centrífuga, pilotagem em jatos de combate (os famosos MIGs), aulas teóricas de engenharia aeroespacial, mais 120 saltos de pára-quedas, até que Valentina fosse considerada plenamente apta para a viagem (na foto acima, Valentina durante os seus preparativos). A ideia inicial era realizar dois vôos em sequência (com intervalo de poucos dias), os quais levariam duas mulheres ao espaço. O plano acabou sendo alterado. O foguete Vostok 5 conduziu um cosmonauta masculino, Valery Bykovsky e em seguida, o Vostok 6, com Valentina. 
Depois de assistir o lançamento do Vostok 5, em 14 de junho de 1963, Tereshkova iniciou os preparativos finais de seu próprio vôo, previsto para a manhã do dia 16 de junho de 1963. Na data estabelecida, literalmente selada no compartimento da minúscula cápsula, a cosmonauta de 26 anos acompanhou a contagem regressiva de duas horas até o lançamento da Vostok 6. Valentina Tereshkova tornava-se a primeira mulher no espaço e orbitou a Terra 48 vezes. A cosmonauta passou muito desconforto físico e sofreu náuseas nos quase três dias que esteve em órbita. Apesar disso, conseguiu apreciar o "passeio" sobre a Terra:
- Sinto-me como uma gaivota, e estou animada e bem disposta. Vejo daqui o azul-esmaecido do horizonte e a Terra como uma barra azul. Que beleza!
Em um único vôo, ela somou mais tempo no espaço do que todos os astronautas norte-americanos que tinham viajado até essa data. 


Após o grande feito, Valentina foi incorporada à Força Aérea Soviética, recebendo várias condecorações e homenagens. Um fato curioso, Tereshkova casou-se a primeira vez com um cosmonauta, Andryan Nicolaiev (na foto acima, o casamento em 1963), e a filha que teve desse casamento, Elena Andrianovna Nikolaeva-Tereshkova foi a primeira pessoa no mundo a ter uma mãe e um pai que haviam viajado para o espaço!


Além do feito como cosmonauta, Valentina Tereshkova (na foto acima com o astronauta americano, Neil Armstrong, em 1970) fez carreira política na União Soviética, tornando-se membro do Soviet Supremo (Parlamento Soviético) e do Comitê Central do Partido Comunista. Em várias oportunidades, representou a União Soviética no exterior, como na Conferência da ONU para o Ano Internacional da Mulher, realizada na Cidade do México, em 1975. Mesmo após a desintegração da União Soviética em 1991, o seu prestígio não foi abalado, continuando a ser eleita para o novo Parlamento Russo ou Duma do Estado, onde está até hoje. Recebeu homenagens por parte do primeiro-ministro Vladimir Putin em 2007, quando completou 70 anos de idade. Este ano, completa 80 anos em plena atividade e é tratada como heroína nacional na Rússia. Trata-se de uma personagem muito pouco lembrada aqui pelos lados ocidentais...
Crédito das Imagens:
Valentina Tereshkova a bordo da Vostok-6: 1960s Decades of the 20th Century. Köneman, U.K., 1998, p. 279.
Foto de Valentina em treinamento: O Homem e o Espaço. Biblioteca Científica Life. Rio de Janeiro; Livraria José olympio Editora, 1968, p. 88 (como também, a frase atribuída á cosmonauta). 
Demais imagens: Wikipédia. 

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Imagens Históricas 24: Dia das Crianças



Brincar de "bater" figurinhas ou "bafo", como era conhecida essa diversão, fez parte do imaginário infantil, pelo menos até o avanço dos eletrônicos. Ao que parece, os álbuns de figurinhas começaram a se popularizar entre as crianças brasileiras, a partir da década de 1940, trazendo entre outras imagens, os rostos de jogadores de futebol. Muitas expressões, usadas até hoje, vieram do hábito dos meninos em jogar figurinhas ou de se encontrarem para conferir os cromos que faltavam para completar o álbum. Por exemplo, "figurinha difícil", "figurinha carimbada" ou "trocar figurinhas", tornaram-se expressões usadas em nosso cotidiano para designar uma pessoa que é muito diferente das demais ou quando um grupo de amigos se reúne, apenas para conversar ou trocar ideias. 
Portanto, todos aqueles que estão na faixa dos cinquenta anos (ou mais), como este que vos escreve, conhecem bem o jogo de bater figurinhas. Podem participar dois ou mais jogadores, os quais formam uma roda em torno das figurinhas oferecidas na brincadeira. Estas são colocadas em um "monte" e, em seguida, sorteada a ordem de participação dos jogadores. As figurinhas são postas viradas de frente e o jogador bate com a mão sobre as mesmas. As que virarem do avesso ficam com o indivíduo que acabou de bater. Em seguida, o próximo participante coloca em ordem as que restaram e bate no monte, retirando também as figurinhas viradas. O jogo continua até que não reste mais nenhuma figurinha a ser batida. Caso as mesmas colem na mão do jogador, o mesmo bate a figurinha que colou em separado. A batida devia ser feita com a mão aberta ou levemente dobrada, em forma de "concha". A mão também era umedecida com o ar soprado da boca, daí o nome "bafo" dado ao jogo. Os mais espertos costumavam deixar as figurinhas curvadas, para facilitar a virada das mesmas no avesso. Cabia aos demais jogadores perceber essa artimanha e "achatar" os bolos colocados em disputa. Nos últimos tempos, sobretudo em épocas de Copa do Mundo de Futebol, como em 2014, os álbuns têm voltado a despertar o interesse dos jovens e adolescentes. 
A Imagem Histórica de hoje, uma homenagem do blog História Mundi ao Dia das Crianças, neste 12 de outubro, veio do acervo do jornal "O Estado de S. Paulo" e foi tirada em 1963.  Pode ser encontrada em:
http://fotos.estadao.com.br/galerias/acervo,brincadeira-de-crianca-como-e-bom,25853

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Anúncio Antigo 46: via Anchieta



Caro amigo leitor, eis um exemplo de como a abertura de uma rodovia pode influenciar diretamente nas áreas mais próximas ao seu trajeto. É o caso da via Anchieta, que liga a capital paulista ao litoral do estado, tema do Anúncio Antigo de hoje. Claro, em um primeiro momento pensamos apenas nas consequências relacionadas ao turismo, com o acesso facilitado às praias (lembramos que já existia a estrada velha  de Santos) proporcionado pela moderna rodovia. 


Mas vamos imaginar outros aspectos, como o mercado imobiliário, o comércio, as cidades situadas no trajeto, as indústrias, enfim, toda uma economia sofreu interferências da mesma, isso sem nos referirmos a outro quesito, que na época da construção da rodovia não era levado em consideração: o ambiental (no cartão postal acima, a devastação em um trecho da mata atlântica, gerada pela construção da via Anchieta).


A rodovia estava prevista em lei de 4 de janeiro de 1929, feita na época em que o presidente (cargo equivalente ao de governador de estado, na Primeira República) de São Paulo era Júlio Prestes. O início das obras foi em 1939 e a inauguração em 1947, quando o governador de São Paulo era Adhemar de Barros. Sim, aquele do "rouba, mas faz" (na foto acima, na inauguração, Adhemar desfila em carro aberto pela nova estrada). Ah, esse mesmo governador foi também o responsável por outra rodovia conhecida dos paulistas, a via Anhanguera, a primeira rodovia duplicada do Brasil. As duas estradas começaram a ser construídas, ainda no tempo em que Adhemar foi interventor de São Paulo, na ditadura do Estado Novo (1937-1945), comandada por Getúlio Vargas.


Os elevados custos da construção dessa rodovia quase inviabilizaram a obra, tida como desnecessária pelo primeiro governo de Getúlio Vargas. A mesma foi entregue em duas etapas. A pista norte em 1947 e a pista sul em 1953. De qualquer forma, a via Anchieta foi vista como uma grande obra de engenharia por transpor trechos íngremes da Serra do Mar, pelos seus túneis, seus viadutos (cartão postal acima, sem data) e as suas curvas arrojadas, como a famosa "Curva da Onça" no km 43 da pista descendente, palco de vários acidentes. 


Mas, o motorista que enfrenta, com os cuidados necessários, a conhecida rodovia, é recompensado por vistas deslumbrantes do litoral (como na foto acima, com a segunda pista ainda em construção), algo que a nova pista da rodovia dos Imigrantes não proporciona, por ser em grande parte formada por túneis. Em 1969, a rodovia foi entregue ao Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DERSA), uma estatal que passou a administrar a mesma e explorar os pedágios. Em 1998, a via Anchieta foi transferida ao setor privado, dentro do pacote de privatizações do então governador Mario Covas, que incluiu também a rodovia dos Imigrantes. O consórcio Ecovias recebeu a concessão. 



Bem, não há dúvida que o turismo foi estimulado por essa rodovia (na foto acima, movimento no pedágio da Anchieta, em meados da década de 1960). Para se ter uma ideia, pesquisas apontam uma queda de público (ou talvez, uma estagnação) nos cinemas da capital paulista, em função da maior facilidade que as pessoas tiveram em se deslocar para o litoral santista, nos finais de semana. Começou a surgir o famoso "bate e volta". Claro, a instalação da indústria automobilística, a partir do final da década de 1950, e o aumento na produção de veículos de passeio facilitaram tal deslocamento. 


Por sinal, vale lembrar que essa mesma indústria foi instalada às margens da rodovia, no ABC (nos municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano), ainda no trecho da via Anchieta situado no planalto paulista (na foto acima, a fábrica da Volkswagen, às margens da rodovia, no ano de 1967). 
Com relação ao turismo, outras praias, até então tidas como "selvagens" (em termos, pois em várias delas existia uma população tradicional, os caiçaras), passaram a atrair o interesse dos turistas. É o caso da Praia Grande, onde mais tarde, colônias de férias estabelecidas pelos sindicatos passaram a atrair os trabalhadores e a classe operária da cidade de São Paulo. Este que vos escreve foi um assíduo frequentador dessas colônias. A classe média começou a investir em casas de veraneio nessa mesma área. E hoje, os shoppings já invadiram a Praia Grande, bem como os prédios de apartamentos. 
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado originalmente no jornal "O Estado de São Paulo", do dia 1 de maio de 1947 e referente a um conhecido hotel da cidade de Santos, com uma promoção aproveitando a inauguração da rodovia. Aliás, a mesma está completando este ano setenta anos...
Crédito das imagens:
Obras da via Anchieta: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa e que está no site: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102i4.htm
Pedágio na década de 1960 e fábrica da Volkswagen em 1967: http://fotos.estadao.com.br/galerias/acervo,na-estrada,25436
Demais fotos: http://www.autoclassic.com.br/ola-mundo/