Conhecimento ou fragmentos de conhecimento? Nesta postagem vou tomar o tempo do leitor para fazer uma rápida reflexão. Atualmente, estamos vivendo a época da informação instantânea, quase em tempo real (quase?) via computador (palavra já obsoleta), internet, celular, tablet, Instagram, WhatsApp ou seja lá o que for. Mas, ao mesmo tempo, nos deparamos com um grande paradoxo. Ao invés de toda essa tecnologia tornar o indivíduo bem informado e atualizado, o que temos visto, muitas vezes, é o inverso, a desinformação. Nós que lidamos com a história, que como toda disciplina, tem parâmetros científicos para trabalhar, ou seja, um embasamento metodológico em uma série de fontes primárias (documentos, jornais, oralidade, imagens, fotos, filmes...) e secundárias (livros, artigos, entrevistas...), as quais legitimam o trabalho e o posicionamento dos historiadores, nos vemos diante de coisas absurdas. Informações que são simplesmente jogadas ou colocadas como sendo "verdades", sem que sejam questionadas ou levantadas as origens das mesmas. Algo como, fulano de tal matou milhões de pessoas, ciclano cometeu um genocídio, não sei quem envenenou não sei quem... E por aí vai. Ou será que algum professor de história já não foi questionado a respeito da morte de Tiradentes, com perguntas como esta:
- Ah professor, eu li que enforcaram outro no lugar dele!
Quem afirmou isso? Qual a fonte? Algum outro historiador ou pesquisador fez alguma revelação referente ao assunto? O pior é quando o indivíduo leu algo impresso ou na internet. Parece que, pelo fato de aparecer dessa forma, a informação é absolutamente verídica! O problema não é o professor responder a este tipo de dúvida e nem que elas apareçam, afinal faz parte do processo de busca pelo conhecimento. Como profissional da área, sempre orientei meus alunos que qualquer dúvida é válida e passível de ser colocada. A questão grave é quando as dúvidas absurdas permanecem, muito em função da resposta dada pelo professor não ser aquela que a pessoa gostaria de ouvir. Seria algo como se eu dissesse para um biólogo que uma rã pode voar e duvidasse do mesmo, se ele me tentasse provar que isso é impossível. Ou de duvidar de um cirurgião cardíaco a respeito da eficácia de uma cirurgia de ponte de safena e lhe dissesse;
- Ora doutor, onde o senhor aprendeu isso? Quem lhe disse?
Pois bem, não sei por que razão, motivo ou circunstância, nos últimos tempos, os professores de história e os historiadores tem sido uma das maiores vítimas desse tipo de questionamento. Será que em função do momento em que vivemos, onde ideologias tão diversas e pontos de vista tão heterogêneos afloram nas mídias (alternativas ou não), e nas redes sociais? Será que em função da "balcanização política" (fragmentação) deste início de século XXI, onde os extremismos ideológicos dos mais variados tons resolveram, de repente, "deixar o armário" e sair às ruas e se manifestar, com o forte argumento (aliás, legítimo) do direito à liberdade de expressão?
Independentemente da resposta que possamos dar para isso, qual o papel que o professor de história e possivelmente, os profissionais das demais disciplinas, tem a desempenhar nesse instante? Muitos educadores tem dito que a função do professor, hoje, não é mais a de transmitir conhecimento, uma vez que esse é fornecido pelos novos recursos tecnológicos e midiáticos. Talvez este profissional esteja se tornando um facilitador para conduzir a esse conhecimento, por meio do uso desses novos recursos em sala de aula. Mas, não podemos deixar de perguntar:
- Que conhecimento é esse que está sendo gerado? Será que o mesmo é, de fato, conhecimento?
Creio, com base em minha longa experiência em sala de aula, que o professor está diante de um desafio ainda maior e mais complexo do que esse proposto. Está em suas mãos fornecer aos alunos as ferramentas para absorver e digerir a quantidade astronômica de informações fragmentadas, que os mesmos recebem. E até, questionar a veracidade delas! Claro, levando-se em consideração que o professor detém também uma formação adequada para avalizar ou não esses conteúdos disponibilizados a uma velocidade gigantesca. Inclusive sugerir aos alunos uma triagem e seleção das mídias que divulgam tais conteúdos, tidos como educativos e de informação. Sim, o professor pode (e deve) quando necessário, colocar os "pingos nos is". E outro detalhe, o profissional da educação não pode abrir mão do conhecimento. Deve valoriza-lo, a fim de que ele próprio sirva de exemplo aos estudantes.
Vou acrescentar algo que, embora muitos dissessem há algum tempo que iria desaparecer, têm se mostrado insubstituível: o livro. Uma boa leitura e uma boa reflexão, feita em condições adequadas de tranquilidade e, mesmo, de contemplação, bem lá dentro do íntimo de cada um. E claro, confrontar opiniões e pontos de vista sobre um determinado assunto. Mas, com embasamento e não apenas no "achismo" ou do "ouvi falar". Caso contrário, estaremos subordinados a um pensamento único ditado por meios de comunicação ou mídias que expressam determinadas posições, as quais cabe a nós, como receptores, procurar decifrar, entender e emitir uma opinião. É isso aí...
Crédito da imagem:
Fotos das escavações realizadas na Acrópole de Atenas em meados do século XIX: Grécia: Templos, Túmulos e Tesouros. Abril Coleções, 1998, p. 34.