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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Editorial: o momento do país



Caro leitor, tenho evitado utilizar o espaço deste blog para posicionamentos referentes à atual situação do país. Mas, infelizmente, a gravidade do que está ocorrendo hoje exige uma colocação, até por dever de ofício, sobretudo para o historiador que trata de temas referentes à história contemporânea. Contudo, neste momento, ao que parece, o que menos se deseja é debater. O que se quer, na verdade, é combater aqueles que pensam diferente ou questionam a atual ordem estabelecida. E isso é anti-democracia! 
O regime democrático liberal (e quando me refiro a ele, penso no modelo clássico desenvolvido a partir da formação dos Estados Unidos da América no século XVIII, inspirado nas ideias iluministas) que parecia estar se consolidando no Brasil há alguns anos, agora está novamente se desfazendo. Aliás, como destaca o professor Wilson do Nascimento Barbosa, do Departamento de História da USP, os golpes parecem ser uma característica permanente de nossa frágil organização como nação independente (independente?). Uma analise rápida da República brasileira, implantada em 1889, mostra isso. Aliás, a mesma já nasceu via golpe. O país fracassou no sentido de seguir o curso natural no processo político, isto é, aguardar as eleições periódicas estabelecidas em lei, a fim de se proceder às trocas de governo. Prevalece a insistência nos métodos casuísticos, autoritários e golpistas para afastar governantes ou líderes indesejáveis (mesmo amparados na vontade da maioria), vistos como tal pela parcela economicamente influente de nossa sociedade. 
E ao que parece, isso mais uma vez ocorreu no dia de ontem. Mesmo contrariando uma faixa do eleitorado que beira os 40%, de acordo com as pesquisas divulgadas pela própria mídia dominante, a qual faz campanha aberta e declarada contra um determinado líder e seu partido. O pior, com um motivo extremamente frágil e argumentos que não se sustentam, tanto que este vos escreve considera uma perda de tempo querer discutir os mesmos neste espaço. Se, pelo menos, as evidências referentes a um suposto esquema de corrupção fossem irrefutáveis, a fim de não pairar dúvidas para a nação, poderíamos levar as mesmas em consideração. Mas, não é o caso! Ah, mas e o dinheiro no exterior, as supostas empresas que controla, contas em paraísos fiscais? Não é por essas irregularidades tão características em escândalos de corrupção e que, invariavelmente, partem de denúncias feitas de fora, que o julgamento está sendo feito.
Por outro lado, os acontecimentos dos últimos dois anos promoveram uma fratura irreparável na sociedade brasileira, a qual dificilmente será superada e que levanta uma série de impasses, os quais podem tornar o regime democrático liberal incapaz de propor soluções pela via institucional, como deveria ocorrer em qualquer país dito civilizado. Por outro lado, a interferência do Poder Judiciário nas questões políticas e nos atos governamentais (mesmo no atual governo), fere de forma frontal os princípios elementares da independência dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), estabelecidos na ciência política por John Locke e Montesquieu, entre outros, há quase três séculos. 
A nossa configuração social, calcada em privilégios, não têm se mostrado receptível a qualquer tipo de reforma no sentido de sanar ou pelo menos minimizar disparidades sociais e econômicas. Ao que parece, tal condição arcaica de nossa sociedade adquire aspectos de longuíssima permanência, como se fora um projeto que foi implantado e agora, necessita de manutenção, lembrando muito os argumentos propostos pelos historiadores João Fragoso e Manolo Florentino referentes à nossa formação no início do século XIX: a do arcaísmo como projeto de nação. O grave é que tal visão que prega a intolerância e a instabilidade parece ter eco em outros segmentos sociais, os quais, apesar de serem apartados dos privilégios, pregam a manutenção e a perpetuação dos mesmos de forma vigorosa, inspirando-se num passado relativamente recente (o da ditadura civil e militar de 1964), onde apenas em uma interpretação deformada e sem critérios, pode ser visto como tendo sido algo melhor para o país e uma experiência passível de ser recuperada.
Enfim, vivemos uma ampla desordem, tanto à direita quanto à esquerda do espectro político. É de se perguntar a quem interessa tanta confusão ideológica e de informação, sobretudo no que se refere às propostas apresentadas para o país. Senão vejamos: volta dos militares, restauração da monarquia, fim do voto livre (porque o povo só elege corruptos, como se os grandes corruptos viessem do povo), parlamentarismo, governo teocrático (dos pastores), governo dos empresários... Evidente que isso nos leva a um "beco sem saída", algo que, apesar de ser uma situação dramática, parece interessar a determinados segmentos, de dentro ou talvez de fora do país. 
Com relação ao cenário para um futuro próximo? Difícil de fazer uma previsão a partir da decisão de ontem. Mas, um primeiro aspecto já pode ser creditado na conta da triste história deste país: o da injustiça. Lembrei-me do caso do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que os militares apontavam como corrupto, logo após o golpe de 1964. Na época, a mídia chegou a descrevê-lo como um dos homens mais ricos do mundo. Também foi levado aos tribunais. Onde estão as empresas que diziam que ele controlava, as contas no exterior e os familiares beneficiados? Mas, como já observaram muitos sociólogos e filósofos, a justiça não existe para fazer justiça, mas para garantir um status quo. Ah, agora talvez consigamos acender uma luz em toda essa confusão...
Crédito da imagem: Comício pelas Diretas Já em 1984, no Anhangabaú, na cidade de São Paulo: 
http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL950255-5601,00-COMICIO+QUE+DEFLAGROU+DIRETAS+JA+COMPLETA+ANOS.html

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