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sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Anúncio Antigo 32: o filme "Spartacus"

 


Nas décadas de 1950 e 1960, era comum os grandes astros de Hollywood vestirem saia e sandália, para atuarem em grandes produções épicas, cujos temas faziam referência aos tempos bíblicos ou à Antiga Roma. Foi assim com Richard Burton, Victor Mature, Paul Newman, Robert Taylor, Marlon Brando, Charlton Heston, entre outros, que emprestaram a sua interpretação e, sobretudo, o vigor físico, para essas grandes produções. O astro Kirk Douglas não ficou atrás. Ele próprio produziu e atuou no clássico "Spartacus", de 1960. O roteiro, assinado por Dalton Trumbo, baseava-se no romance homônimo de Howard Fast, lançado em 1951, cujos direitos de filmagem foram adquiridos por Douglas. Trumbo era um dos inúmeros profissionais de Hollywood que foram vítimas da "caça às bruxas" contra o comunismo, promovida pelo senador norte-americano Joseph MacCarthy (daí essa perseguição ser conhecida pelo nome de macarthismo) no início da década de 1950.



 
O estúdio Universal impôs um diretor que não era o preferido por Douglas, Anthony Mann, o qual chegou a dirigir a primeira parte do filme. Os desentendimentos com Kirk Douglas (na imagem acima) levaram à escolha de um novo diretor, o então desconhecido Stanley Kubrick, que oito anos depois dirigiu "2001: Uma Odisseia no Espaço". As filmagens foram cheias de incidentes e alguns problemas de saúde envolvendo o elenco principal, como Jean Simmons e Tony Curtis. O roteiro audacioso de Dalton Trumbo permitiu que se pudesse fazer um paralelo entre a história da luta dos escravos na Roma Antiga com o período contemporâneo e os enfrentamentos  entre opressores e oprimidos. Nesse sentido, justificava a razão pela qual o filósofo alemão Karl Marx (pai do socialismo científico) considerava o escravo rebelde como um de seus personagens históricos favoritos.



O título do filme remete à forma latina do nome do personagem: o escravo trácio "Spartacus". Trácio pois teria nascido no extremo norte da Península Balcânica, onde atualmente está localizado o sudoeste da Bulgária, conhecido na antiguidade como Trácia. A figura de Espártaco inspirou pensadores políticos (além de Marx, seu seguidor, Lenin), escritores, autores de peças teatrais, além de filmes e séries de TV (na imagem acima, o ator Tony Curtis à esquerda, ao lado de Kirk Douglas). 
Pouco se sabe a respeito deste personagem da Roma Antiga. Algumas linhas escritas pelos historiadores da antiguidade fazem referência a ele e à rebelião que teria liderado, entre os anos 73 e 71 a.C. . Trata-se de algo muito semelhante ao que ocorreu com o personagem Zumbi, associado à luta de resistência dos escravos na época do Brasil Colônia, no Quilombo dos Palmares, guardadas as diferentes épocas históricas.
Os registros referentes ao personagem Espártaco são basicamente atribuídos a três escritores antigos: Plutarco, Florus e Apiano. Este último descreveu o escravo rebelde em seu livro Guerras Civis.


 

Muitas controvérsias envolveram a vida de Espártaco, existindo informações de que ele teria servido na condição de soldado auxiliar do Exército Romano, como afirmou Apiano e, após ter desertado, foi preso e escravizado. Em função de seu porte físico, foi aproveitado para as lutas no circo romano e encaminhado para uma escola de gladiadores (imagem acima, alto-relevo com gladiadores em luta), que pertencia ao romano Lentulus Batiatus, localizada em Cápua, na Itália. No ano 73 a.C., Espártaco reuniu um grupo de aproximadamente 70 gladiadores e fugiu do local.




O motim adquiriu um aspecto grave, uma vez que os participantes eram homens preparados para o combate e tinham também se apossado de um carregamento de armas, que estava a caminho de Cápua (na foto acima, punhal utilizado pelos gladiadores). O grupo de rebeldes arregimentou outros escravos, camponeses pobres e também mulheres, que acompanharam os seus maridos pelo interior da Itália. Os combatentes liderados por Espártaco acabaram se estabelecendo nas encostas do vulcão Vesúvio, próxima a atual Nápoles.
No século I a.C., Roma era abalada pelas lutas sociais, envolvendo plebeus, homens-novos (plebeus enriquecidos), patrícios (antigos aristocratas) e a população escrava, a qual crescia no mesmo ritmo da expansão territorial romana. As lutas políticas e sociais, que marcaram o período da Guerra Civil, acabaram levando ao processo de centralização do poder com os imperadores.  
Mas, voltemos ao nosso personagem. Espártaco reuniu em torno de si uma força com mais de 70 mil homens, formada por escravos das mais variadas origens (germânicos, trácios e gregos). A liderança de Espártaco pode ter sido compartilhada com outros guerreiros, como por exemplo, Crixus, embora seja algo que as fontes documentais não esclarecem de forma clara. O levante dos escravos ocorreu em um momento em que o Exército Romano enfrentava rebeliões em outras regiões, como na Espanha, o que prejudicou a ação do Estado no combate à revolta. Inicialmente, o movimento de Espártaco não era considerado como uma guerra pelas autoridades romanas, pelo menos até o momento em que começaram as primeiras derrotas do lado romano.
 

 
As tropas de Espártaco utilizavam táticas diferentes para enfrentar os romanos, como ataques de surpresa e pela retaguarda, o que demonstrava que o nosso personagem, além de um grande lutador, era também um bom estrategista. No inverno entre os anos 73 e 72 a.C., os escravos treinaram táticas militares, se armaram ainda mais e equiparam novos recrutas, ampliando a sua área de influência (na foto acima, um elmo ou protetor de cabeça, utilizado pelos gladiadores romanos).
 
 
 
Segundo relata o historiador romano Salústio, o comandante Espártaco procurou disciplinar as suas tropas, agindo mais pela persuasão e pelo convencimento, do que pela rigorosa disciplina militar romana, combatendo os excessos cometidos pelos escravos nos saques e ataques à Itália (na foto acima, estátua de gladiador, esboçando defesa). Salústio também apontou alguns sinais de divisão entre os escravos, como no caso de Crixus, que se separou dos rebeldes, sendo depois derrotado e morto pelos romanos.

 
Em 72 a.C., os escravos de Espártaco iniciaram um movimento para o norte, em direção aos Alpes (acima, na imagem do filme, Espártaco e seus guerreiros). Nesse momento, duas legiões romanas (algo em torno de 10 mil soldados) foram derrotadas pelos guerreiros de Espártaco e o caminho parecia estar aberto para os escravos rebeldes deixarem a Itália. Contudo, por razões não muito bem esclarecidas, Espártaco deu meia volta e se dirigiu ao sul. Talvez pretendesse atacar Roma ou rumar em direção à ilha da Sicília para sublevar os escravos de lá e ampliar ainda mais a área de ação de suas forças. Os historiadores não conseguiram determinar qual teria sido o objetivo maior de Espártaco. Talvez organizar uma sublevação geral na Itália ou apenas promover a volta dos escravos às suas regiões de origem. Muitos contingentes de guerreiros tinham grande interesse nos saques e isso dificultava a imposição de um comando a todo o movimento.
 
 

 
Alarmados diante da ameaça de Espártaco, o Senado romano, principal instituição política da época, incumbiu Marcus Licinius Crassus (na imagem acima, o recinto do Senado, reconstituído para o filme), um rico general, de dar combate a Espártaco e desbaratar o seu exército. Crassus recebeu oito legiões (cerca de 40 mil soldados) para executar a tarefa.
 
 
 
 
Enquanto isso, as tropas de Espártaco receberam a promessa de ajuda dos piratas do sul da Itália, para conseguir barcos e atravessar o estreito de Messina, rumo à Sicília. Contudo, Espártaco foi traído pelos mesmos, depois de já ter pago o transporte de suas tropas. Sem poder retornar para o norte, se viu obrigado a enfrentar as tropas de Crassus (na imagem acima, o ator inglês Laurence Olivier, como Crassus) em um combate decisivo, no qual, como narra o escritor romano Apiano, Espártaco foi morto no campo de batalha, após oferecer dura resistência. Apiano ainda acrescentou que o seu corpo nunca foi reconhecido. Uma outra versão, do historiador Plutarco, afirmava que antes de morrer, Espártaco buscou encontrar Crassus para enfrentá-lo, sendo abatido pelos legionários romanos. Portanto, a parte final do filme, onde Espártaco e Crassus se colocam frente a frente nunca ocorreu, baseando-se apenas na versão romanceada de Howard Fast. Da mesma forma o destino de sua esposa é completamente desconhecido.
 
 
 
O que restou do exército de escravos foi sendo desbaratado aos poucos por outros generais romanos, um deles foi Pompeu. Após a derrota de Espártaco, 6 mil escravos foram crucificados por ordem de Crassus (como na imagem acima extraída do filme), ao longo da estrada que ligava Roma a Cápua. Posteriormente, o general Crassus participou da luta pelo controle do poder em Roma, junto com Pompeu e outro ilustre general romano, Júlio César, mas poucos anos depois, acabou morto em um combate no Oriente Médio.
Em relação ao filme, uma das cenas marcantes mostradas no final, que em termos históricos não pode ser comprovada,  quando após a batalha contra Crassus, os legionários romanos chamam por Espártaco entre os prisioneiros e todos gritam em coro: "Eu sou Espártaco". Por outro lado, algumas cenas não foram mostradas ao público por ocasião do lançamento do filme, em 07.10.1960. Apenas em 1991, uma versão restaurada foi lançada com os acréscimos deixados de lado, como a cena que insinuava uma suposta relação homossexual entre Crassus e o seu escravo Antoninus (vivido por Tony Curtis) e algumas sequências de batalhas consideradas violentas demais. O filme recebeu 4 Oscars, inclusive para o excelente Peter Ustinov, como melhor ator coadjuvante, no papel de Batiatus.
O Anúncio Antigo de hoje foi tirado de uma edição do jornal "O Estado de S. Paulo" de 1976. Infelizmente não consegui determinar a data precisa, mesmo consultando o arquivo do Estadão. Em São Paulo, o filme foi lançado no antigo Cine Rio Branco, em 23.03.1961.
Crédito das Imagens: Fotogramas do filme "Spartacus" de 1960. As fotos do punhal, do elmo e da escultura de um gladiador em luta foram extraídas do catálogo da exposição "Roma: a vida e os imperadores", exibida em São Paulo, no MASP, no ano de 2012.

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