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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Última Chamada: Colonos americanos na revista "Leituras da História".




Caro (a) leitor (a), ainda é possível encontrar nas bancas de jornais a edição de agosto da revista Leituras da História, com a nossa matéria de capa sobre os colonos americanos que vieram se fixar no Brasil, após a Guerra Civil Norte-Americana ou Guerra de Secessão (1861-1865). O foco desse artigo foi a experiência dos sulistas confederados na cidade de Santarém, no Pará, ou seja, em plena Amazônia. Fato pouco conhecido da nossa história e mesmo da história dos Estados Unidos.
E aguardem em outubro, outra matéria assinada por nós, dessa vez sobre o Egito Antigo...

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Mostra "Toda Nudez Não Será Castigada" na Betto Damasceno Galeria de Arte



Com enorme satisfação convido o caro (a) leitor (a) para a exposição coletiva do Grupo Belenzinho a ser aberta no dia 01 de setembro de 2018 na Betto Damasceno Galeria de Arte no Golden Square Shopping em São Bernardo do Campo (SP). A mostra intitula-se "Toda Nudez Não Será Castigada" e conta com trabalhos dos artistas Garibaldi, Marlene de Andrade, Martins de Porangaba, Silvio Melo, Sônia Manno, Zanvettor e este que vos escreve. 
O Grupo Belenzinho é formado por artistas residentes (ou que residiram) na Zona Leste da cidade de São Paulo e que há alguns anos se reúnem para trocar ideias sobre arte e discutir os trabalhos feitos por cada um de seus integrantes. A apresentação e curadoria da mostra ficou a cargo do crítico Enock Sacramento, cujo texto reproduzimos aqui para que todos possam conhecer um pouco da história do grupo:

No Brasil existe uma certa tradição de artistas trabalharem em grupos. É o caso do Grupo Santa Helena, formado em meados dos anos de 1930 no edifício de mesmo nome, na Praça da Sé em São Paulo. Em seguida surgem o Grupo Seibi, composto por artistas japoneses imigrantes, o Grupo 15, o Grupo Guanabara, o Grupo Ruptura.

Na década de 1970, um outro grupo começa a formar-se na Zona Leste da capital paulista em torno do ateliê de Martins de Porangaba, inicialmente instalado na rua Herval e, posteriormente, na rua Saturnino de Brito, no Belenzinho.

Martins participava das sessões de modelo vivo na Associação Paulista de Belas Artes, na rua Conselheiro Crispiniano, onde conheceu Menacho. Com ele e Garibaldi, saia com frequência a pintar paisagens no bairro do Tatuapé, do Parque do Piqueri e de outras paragens da Zona Leste. 

Pelos ateliês de Porangaba passaram vários artistas, que nunca perderam o contato entre si, embora, em determinados períodos estivessem mais conectados. Nenhum abandonou a arte. Em 2004, foi implementado o Projeto Cultura Viva, patrocinado pela Universidade São Marcos, por nós curado, que resultou em quatro exposições: uma coletiva e três individuais.

Há mais de cinco anos, parte destes artistas passaram a se reunir uma vez por semana para falar sobre arte em geral e sobre pintura e desenho em particular. No Grupo Belenzinho, assim como acontece com outros grupos, os trabalhos individuais são analisados e comentados pelos colegas, elogiados, às vezes criticados de forma respeitosa. Um influencia o outro e, terminada a reunião, voltam para seus espaços com novas ideias... e estimulados.

Desses encontros recentes surge agora mais um fruto público; esta exposição de trabalhos resultantes de várias sessões de Modelo Vivo. Participam dessa mostra: Garibaldi, Jonas, Marlene de Andrade, Martins de Porangaba, Sílvio Melo, Sônia Manno e Zanvettor que está sendo realizada na Betto Damasceno Galeria de Arte. 

                                                                                                                  Enock Sacramento 

Para ver:
Mostra: "Toda Nudez Não Será Castigada"
Onde: Betto Damasceno Galeria de Arte
            Golden Square Shopping 
            Avenida Kennedy, 700/Piso L2/Loja 208.
Quando: de 01 de setembro a 06 de outubro de 2018.
                 De Segunda a Sábado das 12 às 20 horas.
                 Domingos e feriados das 14 às 20 horas. 
                 No dia da inauguração das 11 às 14 horas. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Revista Leituras da História: colonos americanos na Amazônia



Caro (a) leitor (a), é com enorme satisfação que informamos que já se encontra nas bancas e grandes livrarias, a edição 116 (de agosto) da revista Leituras da História (editora Escala) com a matéria de capa assinada por nós: Colonos Americanos. Na mesma narramos a trajetória dos confederados que se estabeleceram na Amazônia, mais precisamente no município de Santarém no estado do Pará em 1867, logo após o final da Guerra de Secessão (1861-1865) nos Estados Unidos. Trata-se de um fato pouco conhecido por nós brasileiros e até mesmo na própria história norte-americana. Os sulistas confederados (após terem sido derrotados no conflito com os ianques do norte na guera civil) pretendiam estabelecer em plena Amazônia uma colônia nos mesmos moldes do estilo de vida rural característico do sul dos Estados Unidos. Os norte-americanos já tinham algumas informações sobre o vale do rio Amazonas por meio de viajantes e exploradores que estiveram na região e inclusive comercializavam os produtos da floresta amazônica, entre eles a castanha-do-pará, a borracha e a tapioca. Na época o governo norte-americano pleiteava a livre navegação na bacia amazônica como forma de ter acesso à região, tida como rica e com grande potencial econômico. 


Embora não tivesse os mesmos resultados positivos das outras colonias confederadas estabelecidas no interior de São Paulo, como Santa Bárbara D'Oeste e Americana, a presença desses colonos deixou marcas em Santarém, como por exemplo nos estabelecimentos comerciais e até mesmo nas pequenas oficinas de construção de barcos. Descendentes desses colonos tiveram papel importante na implantação da Fordlandia na década de 1930, projeto concebido pelo industrial do ramo automobilístico Henry Ford para a produção de borracha às margens do rio Tapajós, nas proximidades de Santarém. 


Aliás, familiares desses confederados vivem na cidade até hoje, motivo que levou a historiadora Norma Guilhon a pesquisar a origem de tantos sobrenomes estrangeiros ao visitar o município no início da década de 1970 (ela era esposa do então governador Fernando José de Leão Guilhon). Por meio de seus levantamentos surgiu o estudo mais importante sobre esse episódio, "Os Confederados de Santarém" publicado em 1979. 
Chamo a atenção também para as demais matérias publicadas nessa edição da Leituras da História, com temas de grande interesse para o público em geral e também para os historiadores, inclusive um encarte sobre a situação na Síria e os antecedentes da terrível guerra, o qual pode ser de bom uso em sala de aula pelos professores da área (história, geografia, sociologia entre outras disciplinas).
É isso aí...

domingo, 12 de agosto de 2018

Como era e como está: a praia de Copacabana.



Um dos cartões postais da "Cidade Maravilhosa": a praia de Copacabana (acima, foto de Marc Ferrez tirada em 1890 a partir do sopé do morro do Leme, a praia praticamente inabitada). O Rio de Janeiro tem uma beleza visual incomparável, das mais deslumbrantes do planeta, com uma natureza esplendida formada por montanhas, picos e elevações que inspiraram artistas, poetas e arquitetos, entre os quais Oscar Niemeyer, que comparou as curvas de sua paisagem natural à sensualidade do corpo feminino. Mas saiba o prezado (a) leitor (a) que a praia que ficou conhecida como "Princesinha do Mar" guarda uma história inusitada. O nome "Copacabana" teve origem nos altiplanos andinos, mais precisamente na língua quechua (ou quíchua) falada no antigo Império Inca, que abrangia os atuais territórios do Peru, Bolívia e parte do Equador. O termo tinha vários significados entre os quais "lugar luminoso", "praia azul" ou ainda "mirante do azul". Existe também a possibilidade da palavra ter surgido da língua aimará (da mesma família linguística quechua), tendo o significado de "vista do lago" (kota kahuana). Na Bolívia existe uma cidade às margens do lago Titicaca (o mais alto do mundo) com o nome de Copacabana, no mesmo lugar onde havia o culto a uma divindade dos tempos do Império Inca, associada ao casamento e à fertilidade feminina, que era designada exatamente pelo termo Kopacawana
Logo após os espanhóis chegarem à região da Copacabana boliviana, um pescador chamado Francisco Tito Yupanqui teria presenciado a aparição da Virgem Maria. Em lembrança a esse acontecimento, o mesmo indivíduo esculpiu uma imagem sacra que ficou conhecida como a Nossa Senhora de Copacabana. No século XVII comerciantes que realizavam os seus negócios com a prata extraída no Vice-Reino do Peru (colonia espanhola que abrangia os territórios do antigo Império Inca) trouxeram uma réplica da imagem para o Rio de Janeiro. A mesma foi colocada num rochedo, em uma praia deserta da cidade, que até então era conhecida apenas pela designação em tupi de Sacopenapã, cujo significado era "o barulho e o bater de asas dos socós" uma ave da região. 



Nos últimos anos do século XVIII foi erguida uma capela para acolher a imagem de Nossa Senhora de Copacabana e aí aconteceu o inevitável. Toda a extensão da praia e as áreas adjacentes acabaram recebendo esse mesmo nome: Copacabana. Em 1914, a capela foi demolida para dar lugar ao Forte de Copacabana (nas imagens acima, a capelinha em foto sem data e em 1885 numa fotografia de Marc Ferrez).


No final do século XIX as praias começaram a ser frequentadas pela elite social, inclusive por recomendação médica e terapêutica aos pacientes. Ao mesmo tempo, a área de Copacabana começava a ser interligada com o resto da cidade do Rio de Janeiro (na foto acima de Marc Ferrez, vila nas proximidades da capela de Copacabana no ano de 1895). 



Em 1892, foi inaugurada uma passagem entre o Morro da Saudade e o Morro de São João, o Túnel Velho (acima em foto de 1894), construído pela Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico (depois incorporada à Light) ligando Copacabana ao bairro do Botafogo, momento em que a área começou a ser integrada ao restante da cidade. A obra permitiu a implantação de várias linhas de bondes que essa mesma companhia explorava. Posteriormente, as linhas foram ampliadas até a altura da antiga capela. 


No final do século XIX, Copacabana já tinha ruas de terra sendo abertas, facilitando a ocupação e a construção de casas, como mostra a foto acima de 1895 (no lado esquerdo o local onde seria construído o Copacabana Palace). 




Com a melhora no acesso vieram os loteamentos e a urbanização de Copacabana, que foi ganhando ruas e casas de alto padrão. Muitos consideram a data de inauguração do Túnel Velho como sendo o marco fundador do bairro de Copacabana. Nas duas fotos acima (a primeira de 1917 e a segunda de 1910), a orla ainda antes do processo de verticalização que moldou a paisagem atual do bairro já na década de 1940, quando os casarões deram lugar ao edifícios. 


No ano de 1906 foi aberta a Avenida Atlântica, dentro do conjunto de obras do prefeito Pereira Passos, que ficou conhecido como o "bota abaixo" por demolir antigos prédios e cortiços, em função da remodelação urbanística que promoveu na cidade. Passos pretendia tornar o Rio de Janeiro uma espécie de "Paris dos trópicos". Com a nova avenida veio o tipo de calçamento que se tornou a marca registrada daquela praia: o desenho em curvas no padrão "mar largo" (como aparece na foto acima de 1946, de autoria de Pierre Verger). Esse traçado reproduz de forma estilizada, em branco e preto, o movimento das ondas do mar e as marolas. Ao que tudo indica, esse padrão veio da Praça do Rossio de Lisboa, em Portugal, a qual foi pavimentada em 1849. O calçamento da orla de Copacabana foi confeccionado com pedras de basalto (pretas) e de calcita (brancas) vindas de Lisboa, daí a designação que as mesmas tem até hoje de "pedras portuguesas", apesar de atualmente serem obtidas aqui mesmo no Brasil. Na década de 1910 foram instalados os primeiros postos salva-vidas. 


No dia 5 de julho de 1922 um acontecimento fez com que a Praia de Copacabana ficasse definitivamente registrada nos livros de história. Jovens oficiais e cadetes (chamados de "tenentes") do Exército Brasileiro se rebelaram contra o governo oligárquico (dos grandes fazendeiros) da Primeira República (1889-1930). Dezessete militares e um civil saíram do Forte de Copacabana e marcharam pelo calçadão até serem recebidos a bala pelas tropas legalistas (fiéis ao governo). Dos "18 do Forte" como ficaram conhecidos, apenas dois sobreviveram, os "tenentes" Eduardo Gomes e Siqueira Campos (que aparecem na foto acima, respectivamente os dois primeiros a partir da esquerda). A rebelião militar foi o início da Revolta Tenentista no Brasil contra os últimos presidentes da Primeira República e o sistema político oligárquico.



Um ano após o levante dos "18 do Forte" foi inaugurado o Copacabana Palace, o mais famoso hotel do Rio de Janeiro, localizado em plena avenida Atlântica (na foto acima, o hotel em 1930). O mesmo foi projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire (1872-1933) inspirado nos hotéis franceses Negresco (de Nice) e Carlton (de Cannes). 



O "Copa" como ficaria conhecido tornou-se o local de encontro da alta sociedade carioca e os seus bailes eram muito concorridos (na foto acima, evento no Copacabana Palace em 1950). 



Muitas personalidades hospedaram-se em suas charmosas acomodações, entre elas Santos Dumont, Albert Einstein, Orson Welles, Marlene Dietrich, Rita Hayworth, Ava Gardner, Carmem Miranda, Nelson Rockfeller, Brigitte Bardot, Janis Joplin, Frank Sinatra, a rainha Elisabeth 2ª e em anos mais recentes Lady Diana, Paul McCartney, Tom Cruise, Madonna, Mick Jagger entre outros. Brigitte Bardot esteve no Rio logo após o golpe militar de 1964 (foto mais acima) quando disse em uma entrevista: "adorei a revolução de vocês". Janis Joplin (foto acima) esteve hospedada no Copacabana Palace poucos meses antes de sua morte em 1970.


Mas acreditamos que nenhuma dessas celebridades esteve tão à vontade, inclusive para circular na praia e até distribuir autógrafos, como Walt Disney (foto acima). Em 1941 o cineasta esteve no Brasil, a serviço dos esforços do governo norte-americano de promover a aproximação com a América Latina, naquilo que ficou conhecido como Política de Boa Vizinhança. Walt Disney veio acompanhado de uma comitiva de 16 pessoas, incluindo vários desenhistas e que culminou com a criação do personagem Zé Carioca. O Rio de Janeiro vivia no início da década de 1940 o auge dos cassinos, como o Urca, o Atlântico e o próprio Copacabana Palace, até a extinção desses estabelecimentos (e dos jogos) no governo do presidente Eurico Gaspar Dutra em 1947.


As décadas de 1930, 1940 e 1950 marcaram a grande fase de Copacabana como ponto de atração no Rio de Janeiro (na foto acima, a praia lotada em 1959). Nas décadas seguintes a cidade sentiu os efeitos da mudança da capital para Brasília (ocorrida em 1960), além da expansão desordenada e sem planejamento em termos de ocupação do espaço urbano. A exclusão social e o crescimento das favelas foi o resultado direto dessa forma de urbanização. 



No início da década de 1970 foram realizadas várias obras para a ampliação do terreno de areia da praia, permitindo aumentar o espaço de lazer (para espetáculos e jogos). Ao mesmo tempo, foram alargadas as pistas da Avenida Atlântica. As calçadas foram remodeladas pelo paisagista Roberto Burle Marx, que manteve o tradicional padrão "mar largo" do calçamento mais próximo à areia. Essas obras também ajudaram a conter as ressacas que chegavam a atingir as garagens dos edifícios localizados na orla (nas duas fotos acima, a orla durante e depois das obras). Mais tarde foi construída uma ciclovia acompanhando a avenida Atlântica. 


Nos últimos anos vários eventos importantes foram realizados em Copacabana (acima, vista atual da praia), incluindo shows (como o do conjunto de rock Rolling Stones), competições dos Jogos Olímpicos de 2016 (vôlei de praia, maratona aquática e triatlo) e o espetáculo da queima de fogos no ano novo. Atualmente, a orla é fechada aos domingos para a circulação de automóveis, a exemplo do que ocorre na avenida Paulista na cidade de São Paulo, permitindo que o público circule e aproveite um pouco melhor da beleza paisagística de Copacabana. 


Não poderíamos encerrar esta postagem sem mostrar uma foto da Copacabana boliviana às margens do lago Titicaca (acima). E não é que essa Copacabana lembra um pouco a Copacabana daqui...

Crédito das imagens:
Foto da capelinha de Copacabana:
http://luizgeremias.blogspot.com/2017/09/fatos-e-fotos-historicas-da-princesinha.html
Copacabana em 1910:
http://historia-do-brasil-e-do-mundo.hi7.co/fotos-antigas-rio-450-anos-56cb5f6292ab1.html
Foto do Túnel Velho: Wikipédia.
Fotos da praia de Copacabana deserta em 1890, da capela em 1885 e da vila de Copacabana de 1895:
O Brasil de Marc Ferrez. Instituto Moreira Salles, 2005, páginas 135, 140 e 141 respectivamente. 
Foto de Copacabana em 1895: 
https://www.bn.gov.br/noticia/2015/06/rio-450-anos-bairros-rio-copacabana
Fotos do casarão, do calçamento de autoria de Pierre Verger e da praia em 1959: Litoral: o sol, o sal, o céu. Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil. Folha de S. Paulo, 2012, páginas 30, 35 e 37 respectivamente. 
Foto da revolta dos "18 do Forte": Guerras e Batalhas: o país em luta. Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil. Folha de S. Paulo, 2012, página 34.
Fotos do Copacabana Palace em 1923 e 1930:
http://saudadesdoriodoluizd.blogspot.com/2017/03/copacabana-palace.html
Baile no Copacabana Palace: Cotidiano: um dia na vida dos brasileiros. Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil. Folha de S. Paulo, 2012, página 36.
Fotos de Brigitte Bardot e Janis Joplin:
https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/copacabana-palace-mantem-o-nome-o-glamour-e-o-luxo
Obras de ampliação da orla de Copacabana no início da década de 1970:
acervo.oglobo.globo.com
Vista atual de Copacabana: Wikipédia.
Copacana da Bolívia: Wikipédia.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Suicídio nas universidades: temos que discutir.



O blog História Mundi reproduz um depoimento acompanhado de comentários da psicóloga (e também historiadora) Heloísa Lima (cuja página recomendo muito a visita) a respeito de um assunto delicado nas nossas universidades e no meio acadêmico: o suicídio. Casos recentes ocorridos na Universidade de São Paulo (USP) chamaram a atenção para o problema, o qual necessita ser compartilhado e discutido. O fato é revelador das circunstâncias e situações a que são submetidos os nossos jovens diante da necessidade de cumprir prazos, de atender aos orientadores e sobretudo, ter de se manter durante os anos de graduação, mestrado e doutorado sem o auxílio de bolsas, cada vez mais escassas. Muitos ainda tem que trabalhar e ao mesmo tempo realizar estudos que muitas vezes demandam uma carga enorme de leituras, ida a instituições (museus, jornais, arquivos públicos...) e viagens, as quais têm um enorme custo. Este que vos escreve sabe perfeitamente bem o que é isso. E o pior, sem encontrar uma perspectiva clara de trabalho após quase uma década de especialização (contando apenas mestrado e doutorado). Como mencionei antes, o problema não se restringe à pós-graduação, pois tenho relatos de casos na própria graduação. A situação tenderá a se agravar com o recente anúncio dos cortes de verbas e da possibilidade aventada por alguns candidatos a presidente de cobrar pela pós-graduação, mesmo aquelas oferecidas pelas instituições públicas. 
Eis o texto na íntegra: 


QUANDO A UNIVERSIDADE FAZ MAL (DEPOIMENTO)


"Eu queria ter os lábios sábios
E poder saber dizer palavras belas
E como um pintor achar, prender as cores
Entre flores luminosas, amarelas."

In: Desesperança - de Zeca Baleiro.


"Apesar de não ter tido um contato mais próximo com as seis pessoas cujos suicídios tive conhecimento durante minha formação acadêmica - e dentro da mesma faculdade - todos eram, de alguma forma, meus conhecidos.

Estudei na USP por mais de 12 anos, incluindo graduação, mestrado e doutorado. Durante este tempo, fui gestão de Centro Acadêmico, DCE e participei de laboratórios de pesquisa.

Então, em doze anos de formação, perdi seis conhecidos para o suicídio. 


A cada dois anos a gente notava que algum colega simplesmente sumia. Aí, conversando com amigos dele, perguntávamos: 'E fulano...?' Era quando descobríamos que ele havia se matado há alguns meses.

Esses casos da USP não são divulgados. Mas todo mundo que ficou muito tempo lá e fez colegas ou amigos, fica sabendo de algum.

Desde que entrei, em 2005, soube de dois estudantes de graduação que se mataram, três de pós-graduação (sendo que um se suicidou dentro do laboratório onde desenvolvia seus estudos) e um professor.

É importante ressaltar que este grupo incluía gente que tinha boas notas, além de um bom desempenho acadêmico. A maioria não tinha bolsa de estudos. Apenas um contava com este recurso. E todos reclamavam da solidão, da falta de verbas e apoios. 

Na academia, nós somos forçados à dupla jornada, especialmente quando não temos acesso à bolsa. O estudante que tenta obtê-la e não consegue, precisa trabalhar. Aí trabalha 40 horas da semana para se sustentar. Depois chega à faculdade e trabalha outras 40.

Assim sendo, não sobra tempo para amigos, para família, para nada. E se tiver bolsa, fatalmente sofrerá com a pressão no sentido de fazer bons relatórios. 

Muitos institutos da Universidade não dão nenhuma prorrogação caso as experiências não adquiram resultados considerados 'satisfatórios'. Desta forma, a pessoa vê sua vida acadêmica permanentemente em cheque. E muita gente não consegue suportar a tensão.

O pior é que mesmo que você faça tudo "certo', de acordo com o esperado, a perspectiva de seguir trabalhando com pesquisa é bastante pequena. No Brasil, trabalhar na área de formação e pesquisa tem se tornado um luxo. O estudante, o pesquisador, que quiser dedicar sua vida para a ciência e para o conhecimento, vê seus sonhos, suas esperanças, sua vida material, suas amizades e relações familiares, sendo jogadas no lixo. E para quê?

Infelizmente, se ele não tiver uma espécie de senso de dever aliado a uma enorme tenacidade, se não contar com uma rede de apoio (familiar ou de amigos), fatalmente sucumbirá. 

No meu caso, durante a graduação e o início do mestrado, minha rede foi o partido do qual fazia parte. A seguir, minha esposa e minha família.

Quase todo mundo que eu conheço na academia tem algum tipo de distúrbio mental, em geral causado pelo estresse. Mesmo os professores. Vivem em constante pressão, com risco de perder verbas de pesquisa, que sabem que é o que fará a diferença entre ajudar ou não seus alunos, concluir ou não seu projeto. 

Afora este cenário perturbador, percebo que existe também uma questão envolvendo a famigerada competitividade acadêmica e que é muito mais complexa do que imaginamos. No meu ponto de vista este tema está mais ligado à falta de perspectivas do que propriamente ao problema de vaidade e disputa em si. 

Vou tentar me explicar.

(1) Acho que a competitividade entre alunos é mais um mito do que uma realidade. Se formos olhar com cautelas, são poucos os casos de roubo de artigos, passagens de perna, etc;

(2) A relação entre alunos que participam de laboratórios e grupos de pesquisa, apesar de eventuais rivalidades acadêmicas (quem tem mais artigo, quem tem melhores notas), costuma ser de cooperação. Se você folhear os agradecimentos das dissertações e teses, a maioria agradece a colegas que os ajudaram;

(3) No entanto, a competitividade como mito tem impacto negativo nas pessoas. Isso porque os estudantes passam a desconfiar até dos colegas que os estão ajudando, com medo de uma traição futura que pode nunca ocorrer. Daí, no lugar de formar uma rede de apoio, o aluno cria uma espécie de paranoia e começa a acreditar que todos aqueles que se aproximam dele, na verdade, querem sabotá-lo. Isso, sem dúvidas, desanima qualquer um;

(4) O problema da competitividade, na verdade, não é entre alunos. É entre linhas do estudo. Em quase todas as áreas temos, no Brasil, o seguinte fenômeno: existe uma linha majoritária que está nos conselhos de avaliação de bolsas, bancas de ingresso, etc. E existe uma linha minoritária (às vezes duas) principal que fazem oposição à linha majoritária. Assim, na economia, por exemplo, temos os ortodoxos e os keynesianos disputando, seguidos pelos marxistas teóricos. Toda vez que um estudante submete um projeto, existe grande chance de que seja avaliado por um membro da linha rival. Isso se acirra por conta das bolsas serem limitadas. O resultado é que só tem bolsa mesmo para as duas linhas principais - e isto depende da sorte; 

(5) Essa competição entre as linhas são reproduzidas dentro de cada unidade das universidades, criando espécies de torcidas organizadas. Alunos deixam de falar com colegas por conta de qual linha pertence;

(6) Se você é de uma linha minoritária que sequer tem apoio de qualquer uma das duas ou três principais, como é o meu caso, suas perspectivas na universidade implica a eterna luta por afirmação. Mesmo depois de se doutorar, o aluno sabe que passará alguns anos desempregado, pois as bancas de avaliação dos concursos certamente darão prioridade para estudantes das linhas majoritárias;

(7) O próprio governo e a sociedade brasileira acabam adotando mais ou menos o pensamento da linha majoritária. Isso faz com que todos os projetos que não estejam de acordo com essa linha sejam sumariamente descartados como hipótese de aplicação;

(8) O problema é que, na academia, uma linha não é majoritária por possuir maior número de apoios ou melhores argumentos. Na verdade, ela é majoritária por possuir adeptos em postos chaves de avaliação. O que significa que a linha majoritária, na verdade, é seguida apenas por uma minoria. Consequentemente, cria-se uma casta, uma elite, que fica com todas as bolsas e financiamentos, enquanto a maioria fica desamparada; 

Hoje, encontro mais facilidade de participar em pesquisas internacionais do que de ter reconhecido meu trabalho aqui no Brasil. 

Algo similar acontece em todos os âmbitos dentro da universidade.

Suicídio, enfim, é um grande tabu na nossa sociedade. Muitas famílias não querem que seja revelado e temos que respeitar essa vontade. A tragédia fere todo mundo, mas sem dúvida são os familiares e os amigos íntimos os que mais sofrem. 

E o país inteiro perde."

Apoena C. Cosenza é pesquisador do laboratório de Economia Política e História Econômica (LEPHE) e membro de sua coordenadoria na função de Secretário-Auxiliar do Presidente da Coordenadoria. 


COMENTÁRIOS


O pesquisador acima nos oferece um comovente relato que desvela uma profunda sensibilidade e impressionante lucidez diante do contexto apresentado.

Sem dúvida nenhuma, a dita "vida acadêmica" no Brasil, hoje em dia, é uma fonte inesgotável de sofrimento. 

No início de 2017, a chocante notícia de que, entre os alunos da Faculdade de Medicina da USP, foram registrados seis episódios de tentativas de suicídio, sem contar o ato de um doutorando que tirou a própria vida dentro do Instituto de Ciências Biomédicas, a comunidade científica parecia ter acordado para um problema muito pouco discutido e menos ainda veiculado.

Mas os eventos continuaram ocorrendo e, aparentemente, nenhuma investigação séria e significativa foi feita ou publicada desde então.

Na semana passada, uma médica do Hospital Universitário (localizado dentro do campus da USP e que vive hoje uma das piores crises desde sua criação, quando chegou a ser uma referência de excelência no atendimento) também se matou ingerindo doses letais de medicamentos. 

E não estamos considerando sequer as ocorrências em que a família escolhe esconder a natureza da morte ou aquelas implicando as demais universidades brasileiras, que parecem mesmo não se importarem com a saúde mental de seus integrantes. 

É certo que o número de estudantes (e também professores e funcionários) que revelam problemas na área mental, tem aumentado muito e sem nenhum tipo de controle ou auxílio.

É indiscutível a existência de uma insuportável pressão sobre os que saem da universidade com enormes dívidas e/ou desempregados e sem perspectiva de uma colocação no mercado de trabalho.

É profundamente alarmante que o número de suicídios dos membros das universidades tenha aumentado tanto nos últimos tempos. O estigma em relação à estas questões parece ser também bastante forte dentro do corpo docente. 

É preciso que ações sejam tomadas para impedir que as pessoas cheguem ao nível de desespero que as remeta a tirarem suas próprias vidas como única solução. Em muitas situações, o suicídio é evitável. E sem dedicação, seriedade, recursos e financiamento adequados, estas taxas não serão reduzidas. 

Ainda que alguns gestores insensíveis teimem em reafirmar a ideia absurda de que saúde mental não é atribuição da universidade, o bem-estar dos membros ativos dela não pode se transformar numa reflexão perigosamente tardia, sob pena de aniquilarmos a formação das próximas gerações.

Fundamental esclarecer que estão envolvidos, neste tipo de adoecimento, tanto causas individuais, quanto biológicas e ambientais. Assim, a universidade tem obrigação de criar e oferecer um espaço saudável, considerando que não existem dúvidas de que relações tirânicas, ambiente opressivo, cargas horárias desumanas, assédios e abusos constantes junto à uma total ausência de suporte, representam riscos evidentes à saúde mental do sujeito que habita este meio. 

Os estudantes chegam às universidades já ansiosos e preocupados com o nível de cobrança acadêmica e com falta de esperanças num horizonte mais promissor. Isto significa, em suma, nenhum tipo de crença no futuro. 

A notícia de que o governo do estado de São Paulo passará a cobrar pelos cursos de pós-graduação e de que o MEC suspenderá as bolsas de estudos, deve aprofundar o desespero de quem ainda acreditava no desenvolvimento científico e tecnológico do país. 

Acompanhe os novos textos através do: http:/www.facebook.com/aheloisalima
E, se desejar, envie seus comentários para: psicologaheloisalima@gmail.com 

Crédito das imagens:
Foto do interior da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da USP: 
http://arquiteturaurbanismotodos.org.br/iluminacao-zenital/
Indivíduo caminhando: 
https://psicologaheloisalima.com/2018/08/06/quando-a-universidade-faz-mal/#more-9857

sábado, 4 de agosto de 2018

História Mundi é capa da revista Leituras da História



É com enorme satisfação que anunciamos a chegada às bancas de todo o país da revista Leituras da História (edição 116 do mês de agosto) com a matéria da capa assinada por nós intitulada "Colonos Americanos", onde visitamos um fato muito pouco estudado da nossa história: a presença de colonos confederados na Amazônia. Como se sabe, entre os anos de 1861 e 1865, a Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana colocou em lados opostos os ianques (nortistas) e os confederados (sulistas) nos Estados Unidos. Uma das questões que acabou levando à guerra foi o problema da escravidão (embora não fosse o único ponto que dividia a opinião dos estadunidenses). A derrota dos confederados, que defendiam a manutenção e possível expansão do trabalho escravo para as terras do oeste, acabou levando muitas famílias sulistas a deixarem o país. Uma das opções escolhidas foi o Brasil e a região da Amazônia. É perfeitamente conhecida a experiência dos confederados no interior de São Paulo, nos municípios de Santa Bárbara D'Oeste e Americana. Mas poucos sabem que dezenas de famílias confederadas também optaram por se estabelecer em Santarém, na confluência dos rios Tapajós e Amazonas, no estado do Pará. É essa epopeia que descrevemos em nossa postagem "Os Confederados na Amazônia" e que agora está formatada para a publicação na prestigiosa revista da Editora Escala. 
Com muita alegria recomendamos a Leituras da História deste mês, que já está nas bancas...