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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Última Sessão do Cine Windsor



Com profunda tristeza anunciamos o fechamento de mais um antigo cinema de rua. No último dia 07.07.2012, o cine Windsor, localizado no centro da cidade de São Paulo, mais precisamente na poética avenida Ipiranga da conhecida canção de Caetano Veloso, encerrou definitivamente as suas atividades. A última sessão ocorreu com a exibição do filme "Coisas Eróticas". Algo curioso, pois foram produções como essa que marcaram a trajetória desse cinema e de outros localizados na antiga Cinelândia da capital paulista nas últimas décadas. "Coisas Eróticas" foi o primeiro filme pornográfico produzido no Brasil e lançado nessa mesma sala no dia 07.07.1982, há exatos trinta anos. Na época, no apagar das luzes da Ditadura Militar e com o relaxamento da censura, foi uma grande novidade. O filme foi visto por mais de 4,7 milhões de espectadores. 
A onda dos filmes pornográficos, nacionais ou não, tomou conta dos antigos cinemas do centro de São Paulo e de outras cidades brasileiras, que passaram a se especializar na exibição dos mesmos. Na sua última sessão, além da produção citada, foi exibido também o documentário "A Primeira Vez do Cinema Brasileiro" que conta a história do início dos filmes de sexo explícito no cinema nacional. De acordo com a Agência Estado, mais de 300 pessoas acompanharam o último evento do Windsor, muitos dos quais atores e diretores da Boca do Lixo, área da região central de São Paulo onde se localizavam as produtoras desses filmes. Nos seus últimos anos, o cine Windsor exibia filmes adultos e eventualmente, como na época da Virada Cultural promovida pela Prefeitura Municipal de São Paulo, festivais em homenagem a algum antigo diretor, como aconteceu em 2011 com os filmes de José Mojica Marins, o "Zé do Caixão". 


Contudo, a história do cine Windsor não se resumiu aos filmes pornográficos. Inaugurado em 19.07.1961, era uma sala de cinema luxuosa e das mais importantes de São Paulo, como mostra o anúncio da inauguração, publicado no jornal Folha de São Paulo, de 19.07.1961 (imagem acima). No mesmo podem ser vistas algumas das empresas que contribuiram para a instalação da sala, como a Philips e a antiga fábrica de tapetes Bandeirantes, entre outras. Equipado com o moderno sistema de projeção Todd-Ao, de alta resolução e que permitia a exibição de filmes de 70 mm de largura, a sala exibiu clássicos do cinema como "Cleópatra", "Ben Hur" e em 1964 a pré-estréia de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" do diretor Glauber Rocha. A sala de projeção tinha capacidade para 1.200 pessoas. As suas colunas de mármore e a escadaria com tapete vermelho eram exemplos do luxo e glamour das antigas salas de cinema do centro de São Paulo. 
O filme que marcou a inauguração da sala é uma curiosidade: "Eu, Pecador" (Yo, Pecador). Trata-se de uma produção mexicana de 1960, dirigida por Alfonso Corona Blake, que contava a história real de José Mojica, ator-cantor mexicano, que no final de sua carreira virou monge. O papel principal coube a um ator brasileiro, Pedro Geraldo, que foi escolhido pelo próprio biografado. Ainda no elenco, a atriz e cantora de tangos argentina Libertad Lamarque (conhecida como a rival artística de Evita Perón) e o mexicano Pedro Armendariz, famoso pelos filmes de faroeste que realizou nos Estados Unidos. 


A história desse cinema (na imagem acima nos seus últimos tempos) retrata todo o percurso do centro da capital paulista nos últimos quarenta anos e como este deixou de ser frequentado pela elite e por boa parte da classe média. Estas passaram a se concentrar na região dos Jardins (na Zona Sul) e mais recentemente nos shoppings que proliferaram pela cidade. Foi o lento processo de esvaziamento que vitimou a área central ou centro histórico e que continua até a época atual. 
O anúncio mais acima refere-se à reprise do filme "Ben Hur" no ano de 1976 e foi publicado no antigo jornal "Diário Popular". Infelizmente não tenho o dia e o mês da publicação. A propaganda não está errada. "Ben Hur" sustenta até hoje, ao lado de "Titanic" e "O Senhor dos Anéis: o Retorno do Rei", o maior número de Oscars já recebido por um filme, num total de onze. Foi nesse cinema que tive a oportunidade de assistir a esse clássico hollywoodiano e depois revê-lo em uma cópia nova em um outro cinema que marcou época em São Paulo, o Comodoro (tema para uma futura postagem e da qual já estou reunindo material).
Não se sabe ainda qual o destino a ser dado para a antiga sala, muito provavelmente o mesmo das outras que fecharam, tornando-se uma igreja evangélica. Atualmente, nem mesmo os filmes pornográficos atraem público para os cinemas de rua.
Crédito das Imagens: acervo do autor, jornal "Folha de São Paulo" e de um curioso site que traz informações dos cinemas mais importantes do mundo, inclusive do Brasil: cinematreasures.org 


sábado, 21 de julho de 2012

Biblioteca Digital Mundial

O blog História Mundi reforça o seu compromisso de ser um facilitador no que se refere à pesquisa, indo de encontro  aos interessados nos grandes temas da História e também para os profissionais das Ciências Humanas em geral. Desta forma estamos divulgando mais uma ferramenta para os estudiosos e pesquisadores: a Biblioteca Digital Mundial (World Digital Library). Patrocinada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), este sítio têm contribuições dos países-membros da organização, o que inclui, claro, o Brasil. A idéia é a de reunir em um único lugar, tesouros culturais que incluem livros raros, mapas, manuscritos, fotografias, filmes, gravuras, desenhos, entre outros.
A proposta de criar a Biblioteca Digital Mundial nasceu da iniciativa de um bibliotecário da Biblioteca do Congresso dos EUA, James H. Billington, em 2005. A ideia é de que por meio da internet seja possível acessar uma coleção que contemple as riquezas culturais do mundo e a divulgação das mesmas dentro de uma perspectiva multicultural. A UNESCO bancou o projeto, tendo inicialmente a cooperação da própria Biblioteca do Congresso, da Biblioteca de Alexandria (Egito), da Biblioteca e Arquivos Nacionais do Egito, da Biblioteca Nacional (Brasil), da Biblioteca Nacional da Rússia e da Biblioteca Estadual da Rússia. Em seguida, foi apresentado um protótipo para a UNESCO, que acabou originando o projeto definitivo. Em 2009, foi feito o lançamento do sítio para o público, com a contribuição de duas dezenas de instituições que forneceram conteúdo para o mesmo. 



A pesquisa pode ser feita pelo lugar, período, tema, tipo de item e instituição que contribuiu com o material. Outros dispositivos incluem cronologia, sistema de visualização das imagens, informações precisas de cada documento, além do fato da consulta poder ser feita em várias línguas, inclusive o português. 
Entre os items resultantes da contribuição da nossa Biblioteca Nacional está o acervo fotográfico Tereza Cristina, com algumas fotos pertencentes à coleção particular do imperador D. Pedro II. A foto acima, da princesa Isabel (sem data), faz parte dessa coleção.




Da contribuição das instituições norte-americanas, temos entre outras, uma foto pouco conhecida do presidente Abraham Lincoln, de 1861, ano em que teve início a Guerra Civil Norte-Americana.
Contudo, o destaque maior fica com a coleção de mapas, inclusive da América do Sul, abrangendo o período colonial até a fase contemporânea. Para aqueles que estudam a história de nosso continente até o século XIX, é importante fazer a leitura dos documentos confrontando-os com os mapas da época, sobretudo para a localização de lugares cujas denominações sofreram mudanças. 
Apesar de recomendarmos uma visita e, se for o caso, a pesquisa do sítio, lembramos que o acervo disponibilizado pelas várias instituições participantes ainda é pequeno. Para que o projeto caminhe será necessário dispor de um material maior, muito embora a idéia da Biblioteca Digital Mundial seja primar pela qualidade e não pela quantidade. De qualquer forma, fica a indicação e a mesma fará parte de nossos links interessantes. 
Para  acessar a Biblioteca Digital Mundial:
http://www.wdl.org/pt





segunda-feira, 16 de julho de 2012

Anúncio Antigo 20: o último filme de John Wayne





Seu nome verdadeiro: Marion Michael Morrison. Um nome feminino para aquele que foi considerado o astro mais importante de um gênero cinematográfico tão afeito aos homens: o western ou faroeste (o nosso popular bangue-bangue). Ora, com esse nome ele não poderia se tornar um ator em Hollywood, por isso ele tentou Duke Morrison e finalmente John Wayne (1907-1979) ou como se dizia na época do meu pai, John "Vaine". Sim, ele detestava o seu verdadeiro nome e tratou de mudá-lo. Contudo, chegou a ser estudante universitário na Califórnia e foi campeão de futebol americano usando o nome Marion. 
Muitos historiadores irão se referir a ele como um reacionário, conservador e defensor radical dos valores da sociedade norte-americana. Quanto a isso não há a menor dúvida. Contudo, se formos citar os grandes nomes de Hollywwod que também se enquadram nessa categoria não sobraria espaço neste blog. Por outro lado, para os apreciadores dos grandes faroestes como eu, não há como não admirá-lo. O gênero, atualmente em baixa, não ficou nada a dever aos demais em termos artísticos e situa-se na própria origem do cinema norte-americano. Tanto que, vez ou outra, diretores importantes se aventuram em ressuscitar  o gênero, como acabou de fazer Quentin Tarantino com Django Unchained (ainda sem título em português) onde conta a história de um cowboy negro. 



John Wayne (na imagem acima, em foto promocional para o estúdio Paramount em 1962) não era um grande ator e tinha consciência disso. Atendeu ao que os diretores necessitavam e representou, como ninguém, o cowboy solitário do oeste americano e que nunca fugia de uma boa briga. Neste aspecto, desempenhou muito bem a sua tarefa e personificou o homem forte e indestrutível em tudo aquilo que fazia. Não era bem assim na vida privada, sendo descrito como tímido e inseguro.  Um outro detalhe, as suas três esposas (que tinham origem latino-americana e não anglo-saxônica) o trataram com rédea curta, muito distante da visão machista que a sua imagem no cinema transmitia. 



Wayne começou atuando em filmes B e de baixo orçamento. Demorou para se transformar em um grande astro, o que ocorreu com o filme "No Tempo das Diligências" (Stagecoach) de 1939 (na imagem acima, John Wayne ao lado da atriz Claire Trevor em foto promocional do filme). A cena em que aparece em meio à poeira do deserto para pegar carona na diligência entrou para a História do Cinema. Com este filme começou também uma longa e feliz parceria com o diretor John Ford, para muitos o nome máximo dos filmes de faroeste e um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, recebendo por quatro vezes o Oscar (por incrível que pareça, nenhum deles pelos faroestes que dirigiu). Juntos, eles realizaram os grandes clássicos desse gênero, entre os quais, "Sangue de Heróis" (Fort Apache, 1948), "Rio Bravo" (Rio Grande, 1950), "Rastros de Ódio" (The Searches, 1956) e "O Homem que Matou o Facínora" (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962). Com o mesmo diretor ainda realizou uma outra obra-prima, "Depois do Vendaval" (The Quiet Man, 1952) ao lado de sua melhor parceira nas telas, a atriz Maureen O'Hara (que ainda é viva). 
Além dos trabalhos com Ford, Wayne ainda atuou sob a direção de diretores como Raul Walsh, Howard Hawks e Henry Hathaway. Com este último fez "Bravura Indomita" (True Grit, 1969) com o qual recebeu o seu único Oscar e que não foi o seu melhor papel. Esse prêmio foi mais um reconhecimento da Academia de Hollywood pelos trabalhos realizados anteriormente. Seus admiradores trataram logo de esquecer o filme "Os Boinas Verdes" (The Green Berets, 1968) que exaltava a participação americana na Guerra do Vietnã nos tempos da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. 
O Anúncio Antigo de hoje diz respeito ao filme "O Último Pistoleiro" (The Shootist, 1976), dirigido por Don Siegel e que  foi o último trabalho do ator. Aqui, John Wayne interpreta um ex-pistoleiro que tenta se aposentar e se estabelecer como um homem tranquilo. Mas o passado o persegue. Trata-se de um tema presente em dezenas de outros westerns, um dos quais o famoso "Os Brutos Também Amam" (Shane, 1953) de George Stevens. Mas aqui, Wayne  faz um personagem que além de não conseguir apagar o seu passado, ainda recebe um terrível diagnóstico do seu médico (interpretado por James Stewart, outro grande personagem dos filmes de western): está com câncer e tem pouco tempo de vida. Vocês já ouviram falar naquela frase de que "a vida imita a arte"? Pelo menos neste caso imitou. Três anos depois de ter feito este filme, John Wayne sucumbiu a um câncer no estômago. O ator já tinha retirado um pulmão em 1964, atacado pela mesma doença e sobreviveu. Naquela época foi um grande feito. 
Tempos depois descobriu-se algo estarrecedor. John Wayne e outras 91 pessoas que haviam participado do filme "Domínio de Bárbaros" (The Conqueror, 1955) entre atores e membros da equipe de produção, foram vítimas de câncer ao serem contaminados pela radioatividade liberada por um teste nuclear realizado no deserto de Utah, que serviu de cenário para as locações (foi o chamado "filme maldito", assunto de uma futura postagem). 
No elenco de "O Último Pistoleiro" nomes que fizeram época em Hollywood, como Lauren Bacall (que foi casada com o famoso ator Humphrey Bogart), o já citado James Stewart e o hoje diretor de cinema Ron Howard. Este Anúncio Antigo foi publicado no "Jornal da Tarde" em 1977 (infelizmente não tenho o dia preciso da publicação).
Crédito das imagens:  acervo do autor, estúdio Paramount e Os Clássicos do Cinema, vol. 1, Editora Altaya, p. 45. 















sexta-feira, 13 de julho de 2012

Democracia na Antiga Grécia parte I



Muitos devem se perguntar: para que serve o estudo de uma civilização tão antiga como a grega? Uma parte da resposta está no fato dos gregos terem lidado com questões referentes à vida em comunidade semelhantes às que experimentamos nos dias atuais. Para dar resposta a isso desenvolveram aquilo que denominamos pelo nome de política. O próprio termo, derivado de pólis, cidade em grego, aponta que a mesma dizia respeito aos problemas enfrentados pelos moradores das antigas cidades-estados da Grécia e seus arredores. Nesse sentido, a civilização grega se constituiu em um grande "laboratório" da História. Questões referentes aos conflitos sociais (as lutas de classes tão conhecidas), maior ou menor participação do povo no governo, corrupção, direito de voto, remuneração para os cargos públicos, entre outras, já eram debatidas há mais de 2.500 anos atrás entre os gregos, sobretudo na cidade mais famosa: Atenas (na imagem acima o templo em homenagem à deusa Palas Atena, o Partenon, do século V a.C.).
A palavra democracia na sua origem foi a somatória de dois termos. Um deles era cracia, que significa poder ou governo e que deu origem a outras palavras como autocracia, governo de um único homem; aristocracia, governo dos aristos ou os melhores e democracia, o governo dos demos ou povo. Este outro termo, demos, era de uso variado podendo significar o corpo de cidadãos e às vezes as classes mais baixas. Segundo Aristóteles, o que de fato diferenciava a democracia da oligarquia (governo de poucos) era a pobreza, presente na primeira e a riqueza, presente na segunda. Onde os homens governavam devido à sua riqueza era uma oligarquia e onde os pobres governavam, uma democracia. Contudo, devemos observar o que as pessoas no tempo de Aristóteles (século IV a.C.) entendiam por "pobres", ou seja, eram aqueles que viviam do próprio trabalho, fossem comerciantes, artesãos ou camponeses. Os nobres ou aristocratas viviam da renda da terra e tinham desprezo por qualquer forma de trabalho braçal.
A integração dessas pessoas ditas "pobres" à vida política e que caracterizou a antiga democracia grega foi uma grande novidade civilizatória e demorou muito a se repetir na história. Segundo um grande historiador da Antiguidade Clássica, o norte-americano Moses Finley, os gregos foram os primeiros a pensar, a observar, a refletir e em seguida, a formular teorias políticas.


Atenas foi a cidade modelo da Antiga Grécia e a que melhor aperfeiçoou o antigo regime democrático de governo, embora não fosse a única a estabelecê-lo. Contudo, devemos lembrar que essa democracia era restrita ao ambiente da cidade, agregando apenas parte da população total. Os cidadãos do sexo masculino e adultos que podiam dela participar alcançavam uma cifra equivalente a 35 ou 40 mil indivíduos e era  inferior à terça parte da população total da região onde se localizava Atenas. Além das mulheres e dos menores de 18 anos, os escravos e os estrangeiros também não eram considerados cidadãos.
A democracia ateniense era direta, uma vez que o comparecimento à Assembléia Popular (Eclésia) era aberto a todo cidadão e esta tinha a palavra final em assuntos militares, nos tratados, nas finanças, nas leis, nas obras públicas e na totalidade dos temas que diziam respeito ao governo da cidade. Era uma reunião ao ar livre e podia comportar milhares de indivíduos. A Assembléia reunia-se pelo menos 40 vezes ao ano e normalmente chegava a uma decisão em relação a um tema em um único dia de debates. Todos os presentes tinham o direito de participar tomando a palavra, princípio chamado de isegoria (na imagem acima as ruinas da antiga tribuna da Assembléia Popular situada na encosta do monte Pnice, nos arredores de Atenas). A decisão era por maioria simples. Era um governo "pelo povo" no sentido mais literal do termo. 



Um conselho formado por 500 cidadãos (chamado de Bulé) escolhidos por sorteio auxiliava o trabalho da Assembléia, bem como dez estrategos (generais), que eram escolhidos para tarefas militares e ainda seis mil cidadãos formavam o júri do tribunal. A escolha obedecia ao sistema decimal, uma vez que a Assembléia Popular representava os 10 demos (distritos) de Atenas. Além disso, foi estabelecido o ostracismo, dispositivo que podia afastar da cidade um cidadão que ameaçasse a democracia, por um período de até dez anos. Para isso, o nome do indivíduo devia ser inscrito em um pedaço de cerâmica ou ostrakon (imagem acima e reparem na sua semelhança com uma concha de ostra, daí o nome) e que depois eram recolhidos para a contagem dos votos. Todo esse complexo mecanismo foi consolidado a partir de 508 a.C. por um líder ateniense chamado Clístenes.



Não existiam partidos e nem havia uma burocracia de funcionários para exercer os cargos públicos, uma vez que estes eram temporários. Alguns cidadãos que exerciam funções recebiam uma remuneração, que era inferior ao pagamento diário de um pedreiro ou carpinteiro. A presidência da Assembléia era um posto rotativo ocupado por um único dia e preenchido por sorteio. 
Por quase duzentos anos esse sistema governamental funcionou em Atenas, quando a cidade tornou-se o Estado mais próspero, mais poderoso e mais estável do mundo grego. Foi a chamada "idade de ouro de Atenas" ou "a época de Péricles" (imagem acima) general e líder político de Atenas até o início da grande guerra contra a cidade de Esparta ou Guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C.).
A ideia muito comum nos dias de hoje, de que são os líderes dos partidos políticos que decidem e não o povo era estranha ao cidadão ateniense. Mesmo na época da liderança de Péricles a decisão sempre cabia aos membros da Assembléia e não a ele. Reconhecer a necessidade de existir um líder não significava renunciar ao poder decisório da própria Assembléia. Não existia a "máquina partidária" típica das democracias modernas, bem como a política institucionalizada atual. A liderança era exercida de forma direta e pessoal, sendo exigido do cidadão habilidade como orador e bom desempenho na Assembléia para a manutenção dessa mesma liderança.
Muitos irão rapidamente afirmar: lá a democracia realmente funcionava! Bem, vamos lembrar que essa democracia estava estruturada dentro de uma comunidade de cidadãos, onde praticamente todos se conheciam e que excluía uma grande parte da população, sobretudo os escravos. Aliás, por incrível que pareça, eram estes que permitiam aos cidadãos disporem de tempo livre (ócio) para poder participar dos debates na cidade, uma vez que os escravos trabalhavam nas propriedades desses mesmos cidadãos. Uma democracia como essa seria impensável nos dias de hoje, sobretudo na sua forma direta, onde o próprio cidadão comparecia na Assembléia. Hoje elegemos os políticos, que nos representam (ou deveriam nos representar...) no Parlamento. Portanto, chamamos a democracia atual de representativa.
Mas havia uma outra coisa que preocupava os antigos gregos: a apatia em relação à política. Eis aí uma questão bem atual. Mas os gregos deram uma resposta para isso. Afinal de contas, a Grécia não era o laboratório da História? Vamos discutir melhor essa e outras questões relativas à democracia grega (e também à atual) na segunda parte deste post.
Para saber mais:
Grécia Clássica. Coleção Biblioteca de História Universal Life. Livraria José Olympio Editora, 1969. Esta excelente coleção, embora esgotada, pode ser facilmente encontrada nos sebos espalhados pelo Brasil. Têm um ótimo conteúdo e rica em ilustrações. É excelente para os professores de História prepararem as suas aulas. As imagens desta postagem foram tiradas desse volume.


domingo, 8 de julho de 2012

Anúncio Antigo 19: novela A Gata de Vison




Tudo foi estranho nesta novela. A trama, os bastidores, a autora e a relação desta com o elenco. Que tal uma novela cuja história se passa na cidade norte-americana de Chicago, na década de 1920, nos tempos da Lei Seca (que proibia o consumo de álcool) e do chefão Al Capone? Pois é, a TV Globo já fez uma novela assim e se chamava "A Gata de Vison". O teledrama foi exibido em 169 capítulos entre 26.06.1968 e 06.01.1969 no horário das 21:30 (ainda não existia o horário das oito, que depois virou das nove).
A trama foi escrita pela autora mais importante da emissora na época, a exilada cubana Maria Magdalena Iturrioz y Placencia, mais conhecida como Glória Magadan. Era famosa também por seu ódio a Fidel Castro e ao comunismo (ela chegou a vetar a contratação do grande ator Mario Lago, alegando ser este vinculado ao Partido Comunista Brasileiro). 



Na época deste anúncio, em 1968, ela era diretora da Central Globo de Telenovelas. Glória Magadan (foto acima) abandonou Cuba após a Revolução de 1959 e refugiou-se em Porto Rico, onde foi contratada por uma agência publicitária que detinha a conta da Colgate-Palmolive. Lá começou a escrever telenovelas patrocinadas por essa empresa. Após uma curta passagem pela Venezuela, Glória Magadan veio para o Brasil trazendo toda a sua experiência de autora, chegando a trabalhar na TV Tupi até ser contratada pela TV Globo do Rio de Janeiro em 1965. Segundo ela, a telenovela "é um produto a ser vendido comercialmente. Igual a uma geladeira, a um par de sapatos ou a um tipo de tecido. Não é literatura nem subliteratura: é um produto industrial" (declaração da própria autora na revista Veja, de 14.05.1969, p. 62). 


Pois bem, vamos à história e aos personagens, que tinham nomes em inglês, como nos filmes de Hollywood. Uma jovem, Maggie Parker (vivida pela atriz Yoná Magalhães) estava sentimentalmente dividida entre o detetive Bob Ferguson (vivido por Tarcísio Meira) e o gângster Falconi (vivido por Geraldo Del Rey). Maggie tinha uma irmã gêmea, Dolly Parker (claro, vivida pela mesma atriz que aparece na foto acima) que se enriquecera com o crime e que veio a falecer. Seus aliados convencem a irmã a assumir a identidade de Dolly para manter os seus negócios. Maggie, inicialmente controlada pela quadrilha da irmã, acaba assumindo o comando da organização criminosa e conhece o detetive Bob Ferguson, mantendo um envolvimento sentimental com o mesmo. Que história!
A novela não fez sucesso e o público sentiu a troca dos pares românticos. Tarcísio Meira deixou a sua esposa Glória Menezes para atuar ao lado de Yoná Magalhães. Glória, por sua vez, atuava ao lado do ator Carlos Alberto na novela Passo dos Ventos (ver Anúncio Antigo 2). Além disso, a autora da novela, Glória Magadan, começou a viver na vida real um caso amoroso com o ator Geraldo Del Rey, que vivia o vilão na trama. Resultado: o personagem dele de vilão virou mocinho. Descontente, o ator Tarcísio Meira simplesmente deixou a novela. A personagem de Yoná Magalhães formou par romântico com outro ator substituto, Milton Rodrigues. Para complicar ainda mais os bastidores da novela, o ator Celso Marques que fazia um dos gângsters, morreu durante as gravações em um acidente de automóvel, dois dias antes de completar 26 anos. Diante de tudo isso, a novela não poderia dar certo. A vida real era mais dramática do que a própria novela.
Os dias de Glória Magadan como autora de novelas na Globo estavam contados. Em maio de 1969 ela foi demitida. Segundo consta em uma matéria da revista Veja de 14.05.1969, ela foi dispensada em meio à contratação do ator Sergio Cardoso, que foi feita sem a sua concordância. As novelas de época na emissora estavam chegando ao fim depois do êxito de Beto Rockfeller na TV Tupi, com uma história mais próxima da realidade brasileira. Com a modernização dos formatos das novelas, o caminho ficou aberto para Janete Clair (que era assistente de Glória Magadan) que logo se consagrou como uma das grandes autoras da teledramaturgia nacional, junto com o seu marido, Dias Gomes. Aliás, um notório comunista...
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado na Revista Veja, edição de 25.09.1968. 
Fonte das fotos de Glória Magadan e Yoná Magalhães: www.teledramaturgia.com.br e arquivo do jornal "O Globo" respectivamente. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Anúncio Antigo 18: o filme proibido de Xuxa



Pois é, quem diria que no início da década de 1980 a modelo Xuxa Meneghel, na época conhecida pelo seu envolvimento com o ex-jogador Pelé e pelas fotos sensuais na Revista Playboy (inclusive em poses bem "calientes" ao lado da própria irmã) tornaria-se anos depois a "Rainha dos Baixinhos"? Bem, esse título ela já poderia usufruir neste filme lançado em 1982, tema da seção "Anúncio Antigo" de hoje, uma vez que ela interpretava uma prostituta que seduz um garoto de apenas 12 anos de idade dentro de um bordel.
"Amor, Estranho Amor" foi dirigido por Walter Hugo Khouri, um competente cineasta, responsável pelo clássico do cinema nacional "Noite Vazia" (1964).  A maior parte de seus filmes parte da narrativa feita por um personagem fictício, sempre com o nome de Marcelo (para muitos críticos, uma espécie de alterego do próprio diretor). Marcelo é um homem que busca o poder, o dinheiro e as mulheres bonitas, mas que nunca consegue preencher o vazio de sua existência. Atores como Paulo José, Roberto Maia, Tarcísio Meira e até o recentemente falecido ator norte-americano Ben Gazarra já incorporaram o personagem nos filmes de Khouri. Foram mais de 23 filmes em 40 anos de carreira como diretor. O seu trabalho têm influências de diretores como Ingmar Bergman, Michelangelo Antonioni e da nouvelle vague francesa. A temática existencialista de seus filmes divergia do Cinema Novo do início da década de 1960 e por isso chegou a ser classificado como um cineasta "alienado".


A história de "Amor, Estranho Amor" (lançado em 1982) se passa dentro de um bordel de luxo na cidade de São Paulo, aparentemente no final da década de 1920, frequentado por pessoas influentes como políticos, empresários e fazendeiros. O personagem Marcelo aparece no início do filme já como um homem maduro e entra no casarão que havia abrigado o dito bordel. Ele era filho de uma das prostitutas que trabalharam lá, interpretada pela atriz Vera Fischer, que inclusive foi premiada por seu trabalho nesse filme. Sem ter onde abrigar o garoto de 12 anos, ela o leva para viver ao seu lado no casarão, junto com outras garotas, inclusive a mais nova, exatamente a personagem de Xuxa Meneghel. Dentro deste verdadeiro "antro da perdição" o garoto é alvo de brincadeiras por parte das "meninas" e finalmente seduzido por Xuxa.


Em entrevista ao jornal "O Estado de São Paulo" em 18.02.1992, dez anos após o lançamento do filme nos cinemas, o diretor Khouri classificou como "fascistóide" a atitude da então apresentadora do programa infantil "Xou da Xuxa" na TV Globo, de tentar impedir na justiça o lançamento do filme em fita VHS (o filme acabou sendo lançado e hoje é uma raridade por não existir uma versão em DVD). Segundo declaração do diretor, Xuxa adorou ter participado do filme na época e colaborou muito no lançamento do mesmo, chegando a posar em frente aos cartazes na porta dos cinemas (o que é confirmado pela foto acima, na frente do antigo cine Ipiranga no centro de São Paulo, diante de um público de "marmanjos" em 1982). Ainda segundo o diretor, Xuxa teria dito depois que fez o filme no final da década de 1970 quando ainda era menor de idade, com o objetivo de interditar o filme na Justiça. Mas Walter Hugo Khouri desmentiu essa versão e afirmou na entrevista citada que "ela já era maior e sabia muito bem o que fazia" acrescentando que Xuxa gostava de andar nua pelos cenários e que embora fosse advertida quanto a isso, achava a atitude muito "natural". Na época desta entrevista, Walter Hugo Khouri criticava a iniciativa de Xuxa de interditar o filme, alegando que isso o prejudicava enquanto diretor e impedia o público de ver o trabalho de Vera Fischer, que foi premiada por sua interpretação.
Na verdade, apesar da cena de amor com o menino ir contra a carreira que Xuxa fez depois como apresentadora de programas infantis, ela esteve muito bem acompanhada no que se refere ao seleto grupo de atrizes que atuaram com o diretor Walter Hugo Khouri. Nomes como Norma Bengell, Odete Lara, Dina Sfat, Vera Fischer, Matilde Mastrangi, Sandra Bréa, Iris Bruzzi, Maitê Proença, Cristiane Torloni, Reneé de Vielmond, Lilian Lemmertz, Monique Lafond, Joana Fomm, Ana Paula Arósio e até a inocente Maria Leite de Barros (que na década de 1970 apresentava um programa na TV Cultura chamado "Inglês com Música", que os mais velhos vão lembrar) atuaram sob o comando do diretor. Que eu saiba, nenhuma destas atrizes tentou bloquear o filme na Justiça como fez Xuxa. Pode-se até dizer que seria um bom currículo para a apresentadora. 
Ao insistir na proibição do filme Xuxa tenta apagar a sua própria história, pelo simples fato de ir contra a sua imagem criada posteriormente junto ao público infantil. É correto isso? Será que o público não têm o direito de conhecer a trajetória de uma "celebridade" que tanto insiste na inocência e numa imagem de "pureza" junto às crianças? Pois é, a vida é bem diferente dos contos de fadas. Mas as fadas são contos e Xuxa não é um conto, é uma personagem real. 
Enquanto isso, estamos perdendo a oportunidade de apreciar o trabalho do citado diretor e dos demais integrantes do elenco, que não têm nada a ver com a trajetória da ex-modelo como apresentadora de programas infantis. Não podemos ver, por exemplo, o crítico de cinema Rubens Ewald Filho em uma pequena participação como ator no final do filme. 
Um fato curioso, o ator adolescente (na época do filme) Marcelo Ribeiro participou de uma produção pornográfica em 2005, ainda faturando em cima das cenas que fez com Xuxa em "Amor, Estranho Amor". 
A liberalização da censura já alcançava o cinema naquele início da década de 1980. Mas neste caso específico, já após o fim da Ditadura Militar, temos um filme proibido depois de ter sido lançado nos cinemas e em fita VHS. Há poucos dias, a Justiça liberou na internet as fotos da apresentadora feitas naquela época, o que inclui os ensaios para a revista Playboy. Mas e o filme? 
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado no jornal "O Estado de São Paulo" de 28.10.1982.
Crédito das outras fotos: Wikipédia (cartaz oficial do filme) e UOL (Xuxa na frente do cinema).