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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Mapas Históricos



Todos aqueles que acompanham o blog História Mundi devem ter percebido que, eventualmente e quando a nossa disponibilidade de tempo permite, lançamos postagens referentes a mapas. Claro, dando destaque aos mapas de época e que possam ser utilizados na pesquisa histórica. Foi o caso do mapa da América de Sebastian Münster, da Tábua Peutinger, do mapa de Cantino, do mapa Vinland, entre outros (acima, o mapa Terra Brasilis de 1519). Os estudos referentes a esses documentos cartográficos se constituem em fontes de informações para os historiadores, pois revelam não apenas o conhecimento que se tinha do espaço geográfico, como também nos ajudam a entender e a decifrar a mentalidade de uma determinada época, as concepções políticas e militares que acabaram sendo incorporadas às cartas cartográficas e até mesmo, para a história da arte, pois muitos estudiosos enxergam tais documentos do ponto de vista técnico e artístico. Em várias ocasiões cartas cartográficas sobreviveram ao tempo ou foram conservadas por serem vistas como se fossem quadros ou pinturas!
Pois bem, pensando nisso, este que vos escreve empreendeu uma pequena varredura pela internet e pode localizar vários sites que permitem o acesso a esses mapas por meio de seu computador, tablet ou celular. Entre essas páginas virtuais, encontramos o "Mapas Históricos". Neste caso, devemos fazer um esclarecimento. Um mapa antigo pode ser uma carta cartográfica de época ou concebido dentro de um espaço de tempo que permite atribuir ao mesmo a sua condição de documento histórico. Por exemplo, a Tábua Peutinger embora refletisse a concepção de mundo da época do Império Romano, foi copiada na Idade Média, muitos séculos depois do fim do Império. 


O mapa da antiga Província de São Paulo de 1886 (imagem acima) feito para a Sociedade Promotora da Imigração, insere-se também nesse caso. As indicações das ferrovias e das linhas de navegação (sim, um dia isso existiu em São Paulo) tinham por finalidade orientar a direção dos imigrantes europeus que chegavam para trabalhar nas fazendas de café. Já um mapa histórico pode ser uma carta cartográfica feita nos dias de hoje para reconstituir um determinado evento de uma civilização ou cultura de outros tempos. Por exemplo, os livros de história estão repletos de mapas indicando as rotas dos viajantes na Expansão Marítima dos séculos XV e XVI, feitos com base na concepção atual que temos do mundo. 


O site Mapas Históricos mostra-se interessante por contemplar as duas possibilidades, com mapas antigos e mapas históricos, podendo-se até fazer comparações, como no caso do mapa de Cantino de 1502 e um mapa atual, ambos mostrando o litoral norte da América do Sul (imagem acima). Útil e interessante para os estudantes do Ensino Médio, Superior e em várias áreas das ciências humanas, o site permite salvar e reproduzir os mesmos em trabalhos ou apresentações de seminários. 
O blog História Mundi reforça o seu compromisso de ser uma ferramenta para os estudiosos ou curiosos em geral. Em função disso, o Mapas Históricos estará, a partir de agora, disponível na coluna Links Interessantes.
Para ver e consultar:
http://www.mapas-historicos.com/

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O mapa da América de Sebastian Münster



O primeiro mapa a mostrar o continente americano de forma exclusiva, separado das demais extensões territoriais e datado do ano de 1540. Eis o trabalho do grande mestre da cartografia (ciência voltada para a elaboração de mapas) da primeira metade do século XVI: Sebastian Münster. Nascido na antiga Alemanha (Sacro Império Romano-Germânico) em 1488 (ou 1489, segundo outras fontes), Münster foi autor da Cosmographia, obra editada em 1544, que continha valiosas informações sobre o mundo conhecido e desconhecido (segundo as concepções da época), publicada em seis línguas. 


Além de cartógrafo, Sebastian Münster (acima retratado pelo pintor Christoph Amberger em 1552) foi também matemático e linguista, professor de hebraico da Universidade de Heidelberg e depois na Basileia (Suíça), onde chegou em 1529. Portanto, um humanista (intelectual) típico dos tempos do Renascimento Cultural, no início da Era Moderna. No ano de 1528 elaborou um detalhado mapa da Alemanha, feito com contribuições de viajantes e eruditos. Münster tornou-se o primeiro cartógrafo a fornecer mapas exclusivos para cada um dos quatro continentes conhecidos (como neste mapa que apresentamos) e também o primeiro a imprimir em separado um mapa da Inglaterra. A maior parte das suas cartas cartográficas foram publicadas em xilogravuras (impressão a partir de uma matriz feita em madeira) por artistas de grande renome, entre eles, Hans Holbein, o Jovem. Por isso, além do valor informativo, os mapas também despertaram o interesse de colecionadores, na condição de verdadeiras obras de arte.
Mas, voltemos ao documento em questão. Antes do mapa da América de Münster, as cartas cartográficas acompanhavam a tese de Colombo, de que a América era parte do continente asiático ou da Índia (daí o nome que Colombo deu aos nativos: índios). Depois que essa concepção foi deixada de lado, a grande ambição dos primeiros exploradores da América era a de alcançar uma passagem para o oceano Pacífico, que levasse ao Extremo Oriente e às especiarias (temperos e produtos orientais de grande valor na Europa). 


Mesmo neste mapa de Münster, o Oriente não aparece tão distante, como mostra a localização de "Zipangri" ou Japão (no detalhe acima), próximo da costa oeste do que hoje são os Estados Unidos. Um detalhe, este foi o primeiro mapa a utilizar o termo "Mare Pacificum" para designar o oceano Pacífico. 


Apesar de representar o então chamado Novo Mundo separado, Sebastian Münster parece localizar alguns pontos ou cidadelas orientais no continente americano. É o caso de "Catigara" (no detalhe acima), muito provavelmente situada no Sudeste Asiático (península da Malásia), mas que neste mapa aparece na costa leste da América do Sul. Münster talvez acreditasse que o Oceano Pacífico fosse uma extensão do Índico. 


Na parte referente ao Brasil (detalhe acima), uma pira ou fogueira com pedaços de corpos humanos ocupa uma boa parte desse território, uma referência à prática do ritual da antropofagia (ingestão da carne humana dos inimigos capturados), por parte de algumas populações nativas (não todas, é claro). O desenho é acompanhado do termo "Canibali". Na porção sul do continente, está registrado o Estreito de Magalhães e o Reino dos Gigantes. O navegador português Fernão de Magalhães (que deu nome ao estreito) registrou a presença de índios de tamanho incomum na região da atual Patagônia (sul da Argentina).



Na América Central Caribenha, várias ilhas já estavam identificadas, como Cuba, Hispaniola (hoje Haiti e República Dominicana), Jamaica e um erro, "Iucatana", que na verdade é a península de Iucatã (México atual) e não uma ilha como está representada no mapa (detalhe acima). Ah, a "Terra florida" no sul da América do Norte, é o atual estado norte-americano da Flórida. 
Uma carta cartográfica com o que de melhor se sabia, até aquele momento, a respeito do novíssimo continente americano (novíssimo do ponto de vista do europeu) e que serviu de base para outros mapas posteriores. Foi nesse documento, literalmente, que a América apareceu no mapa...
Crédito das imagens:
Pintura retratando Sebastian Münster: Wikipédia.
Mapa de Sebastiam Münster e os seus detalhes: A América do Sul e o Brasil no Mapa: a cartografia no rastro dos exploradores ibéricos de Kevin James Brown. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2018, página 6. 

domingo, 14 de maio de 2017

Biblioteca Digital Hispânica



Desde que foi criado no final de 2011, o blog História Mundi se propõe a ser um facilitador do conhecimento, da leitura e da pesquisa. Nesse sentido estamos entregando ao leitor mais uma ferramenta para que o mesmo possa mergulhar nos livros, revistas, jornais, imagens, mapas e obras artísticas, disponíveis a partir de um simples teclado de computador ou do próprio celular. O indivíduo pode ter acesso a informações relativas a praticamente todo o campo do conhecimento, em especial às ciências humanas e explorar imagens (como a fantástica gravura de Rembrandt feita em 1637 e intitulada "Busto de homem com barba e toca com broche"). 
No caso em questão estamos nos referindo à Biblioteca Digital Hispânica (BDH). A mesma contempla obras digitalizadas que compõem a Biblioteca Nacional de España com sede em Madrid, proporcionando acesso gratuito e livre a milhares de documentos, entre os quais livros que foram impressos entre os séculos XV e XIX, manuscritos, gravuras, desenhos, cartazes, folhetos, fotografias, mapas, partituras musicais e até mesmo gravações sonoras. 


A BDH foi criada em 2008 com o objetivo de difundir o patrimônio cultural espanhol e também de cumprir um compromisso estabelecido com a União Européia de contribuir com a Biblioteca Digital Européia, também conhecida como "Europeana", a qual já se encontra disponível em nossos "links interessantes" como Europeana Collections. A proposta é que esta ultima forneça um acesso único por meio da internet para as várias instituições culturais europeias (na imagem acima, mais uma obra de Rembrandt disponível no acervo de gravuras do artista holandês, "Ancião com gorro de pele e capa de veludo" de 1632).  
O caro leitor poderá imaginar que a BDH dispõe de um acervo restrito ao seu país de origem, a Espanha. Não! Claro que se a mesma tivesse a Espanha como referência exclusiva já justificaria plenamente a sua inclusão na nossa lista de links. Mas, como é importante lembrar, grande parte da América do Sul e Central foram colonizadas pelos espanhóis e todo aquele pesquisador interessado em conhecer a cultura latino-americana poderá recorrer a esse precioso acervo. 


Da mesma forma, engana-se aquele que imagina não existir na BDH nenhuma obra ou documento sobre o Brasil. Uma pesquisa simples será o suficiente para termos ideia do enorme material de pesquisa disponível sobre a história brasileira, como por exemplo, documentos do período colonial, livros de viajantes e também a coleção cartográfica (na imagem acima, uma planta do Rio de Janeiro feita por William Stevens em 1763, na mesma época em que a cidade se tornava sede do Governo Geral brasileiro). 


Para que o leitor tenha ideia da importância do acervo disponível são mais de 70 mil monografias, 13 mil manuscritos, 35 mil desenhos, gravuras e fotos, 30 mil partituras e quase 7 mil mapas disponíveis para consultas. Nem todo esse material está disponível online, cabendo ao pesquisador verificar se na catalogação se encontra ou não o ícone com o "cadeado". De qualquer forma, é mais um recurso disponível para todos os interessados em ampliar as suas informações e conhecimentos (no mapa acima, impresso na França em 1719, temos uma ideia da dimensão das capitanias brasileiras no início do século XVIII). 


E claro, a Espanha está presente no acervo da BDH, como por exemplo, através da fabulosa coleção de gravuras do artista espanhol Goya (na imagem acima, São Francisco de Paula, sem data).
A Biblioteca Digital Hispânica passa a fazer parte dos nossos Links Interessantes...

sábado, 21 de julho de 2012

Biblioteca Digital Mundial

O blog História Mundi reforça o seu compromisso de ser um facilitador no que se refere à pesquisa, indo de encontro  aos interessados nos grandes temas da História e também para os profissionais das Ciências Humanas em geral. Desta forma estamos divulgando mais uma ferramenta para os estudiosos e pesquisadores: a Biblioteca Digital Mundial (World Digital Library). Patrocinada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), este sítio têm contribuições dos países-membros da organização, o que inclui, claro, o Brasil. A idéia é a de reunir em um único lugar, tesouros culturais que incluem livros raros, mapas, manuscritos, fotografias, filmes, gravuras, desenhos, entre outros.
A proposta de criar a Biblioteca Digital Mundial nasceu da iniciativa de um bibliotecário da Biblioteca do Congresso dos EUA, James H. Billington, em 2005. A ideia é de que por meio da internet seja possível acessar uma coleção que contemple as riquezas culturais do mundo e a divulgação das mesmas dentro de uma perspectiva multicultural. A UNESCO bancou o projeto, tendo inicialmente a cooperação da própria Biblioteca do Congresso, da Biblioteca de Alexandria (Egito), da Biblioteca e Arquivos Nacionais do Egito, da Biblioteca Nacional (Brasil), da Biblioteca Nacional da Rússia e da Biblioteca Estadual da Rússia. Em seguida, foi apresentado um protótipo para a UNESCO, que acabou originando o projeto definitivo. Em 2009, foi feito o lançamento do sítio para o público, com a contribuição de duas dezenas de instituições que forneceram conteúdo para o mesmo. 



A pesquisa pode ser feita pelo lugar, período, tema, tipo de item e instituição que contribuiu com o material. Outros dispositivos incluem cronologia, sistema de visualização das imagens, informações precisas de cada documento, além do fato da consulta poder ser feita em várias línguas, inclusive o português. 
Entre os items resultantes da contribuição da nossa Biblioteca Nacional está o acervo fotográfico Tereza Cristina, com algumas fotos pertencentes à coleção particular do imperador D. Pedro II. A foto acima, da princesa Isabel (sem data), faz parte dessa coleção.




Da contribuição das instituições norte-americanas, temos entre outras, uma foto pouco conhecida do presidente Abraham Lincoln, de 1861, ano em que teve início a Guerra Civil Norte-Americana.
Contudo, o destaque maior fica com a coleção de mapas, inclusive da América do Sul, abrangendo o período colonial até a fase contemporânea. Para aqueles que estudam a história de nosso continente até o século XIX, é importante fazer a leitura dos documentos confrontando-os com os mapas da época, sobretudo para a localização de lugares cujas denominações sofreram mudanças. 
Apesar de recomendarmos uma visita e, se for o caso, a pesquisa do sítio, lembramos que o acervo disponibilizado pelas várias instituições participantes ainda é pequeno. Para que o projeto caminhe será necessário dispor de um material maior, muito embora a idéia da Biblioteca Digital Mundial seja primar pela qualidade e não pela quantidade. De qualquer forma, fica a indicação e a mesma fará parte de nossos links interessantes. 
Para  acessar a Biblioteca Digital Mundial:
http://www.wdl.org/pt





quinta-feira, 22 de março de 2018

Tábua Peutinger: o mapa-múndi da Roma Antiga



Um mapa simplesmente incrível, cuja concepção remonta aos próprios romanos! A unica carta sobrevivente de um cursus publicus ou rota de estradas da Antiga Roma, copiada no século XIII. Para quem o vê é um exercício incomparável de geografia, pois leva o indivíduo a identificar as cidades, as ilhas, as penínsulas e os continentes como se fosse um viajante da Antiguidade (no detalhe acima, o sul da Itália e a ilha da Sicília, que inclusive aparece com esse mesmo nome). Aliás, era esse o objetivo desse mapa, dirigido aqueles que, por várias necessidades (militares, administrativas, comerciais) percorriam as províncias do Império Romano, da Europa até a Ásia, passando pelo norte da África, as dimensões atingidas por Roma em seu momento máximo de expansão no início da era cristã e indo até o mundo conhecido nessa época. O mapa apresentava aquilo que os romanos chamavam de itinerarium. Muitos estudiosos comparam esse documento a um moderno itinerário (vejam que o termo permanece) de metrô e linhas ferroviárias, representadas geralmente no plano horizontal e retilíneo. Daí o debate entre os especialistas a respeito de se denominar ou não a carta de mapa e por isso prevalece o termo Tábua. Alguns ainda designam esse documento como sendo um cartograma, uma espécie de quadro esquemático onde determinados locais estão assinalados por pontos ou figuras interligados por linhas retas. Na Tábua Peutinger a preocupação maior era a de orientar os viajantes, principalmente do Ocidente (Roma) para o Oriente. Ora, não é por outra razão que o verbo "orientar" teve a sua origem exatamente nesse aspecto, pois a referência para os antigos caminhos estava no Oriente (onde nasce o sol).
Na cartografia (arte ou técnica da feitura de mapas) notamos uma diferença entre os gregos e os romanos. Estes últimos estavam mais interessados nas necessidades práticas advindas das campanhas militares e da administração provincial, sem descartar a necessidade de viabilizar o deslocamento de produtos e mercadorias. Portanto, não era o interesse científico que orientava a elaboração dos documentos cartográficos. Já os gregos estavam preocupados com a geografia matemática, com as latitudes e longitudes ou ainda com as medidas astronômicas.





A Tábua Peutinger expressava também a grandeza e o poder do Império Romano. Em função disso, podemos reparar no modo como a Grécia foi representada na Tábua (na imagem acima a península grega), de forma bem simples, sem qualquer referência ao seu passado glorioso ou à sua cultura. No detalhe mais acima, Atenas é identificada apenas como uma pequena cidade entre as demais. 



Para os romanos, os mapas tinham que ter praticidade e serem fáceis de ler. A enfase é dada nas massas territoriais e não nos mares, uma vez que o deslocamento sugerido se dava pelas estradas e também passando pelas cidades, como a própria Roma, representada na imagem acima tendo o ícone da autoridade imperial (reparem do lado direito a Via Apia, a famosa estrada que ligava a cidade ao sul da Itália) e o antigo porto romano de Ostia. Os possíveis obstáculos aos viajantes foram assinalados, como rios, montanhas e florestas. As distâncias entre as cidades também são fornecidas. 



Como nos relata Maurício Waldman, doutor em Geografia pela USP, os romanos criaram uma malha viária incomparável no Mundo Antigo. Portanto, podemos dar razão à assertiva de que "todos os caminhos levam a Roma" (na foto acima, a Via Ápia). A técnica de construção de estradas pavimentadas foi herdada de outros povos já dominados (etruscos, gregos, cartagineses e até dos egípcios, no que se refere ao trabalho com pedras, que foi aproveitado nos calçamentos), mas elevada a uma escala sem precedentes pelos romanos, os quais chegaram a dividir as pistas em faixas e até mesmo estabeleceram um limite de peso para os veículos. Muitos dos traçados dessas estradas foram mantidos nas rodovias modernas da Europa. 
As distâncias estão estabelecidas na Tábua Peutinger e a malha viária estendia-se por 700 milhas romanas ou 104.000 quilômetros, segundo nos informa Maurício Waldman. Daí a necessidade de mapeá-la e ao fazer isso os romanos deixam transparecer a sua visão de mundo e os seus interesses, como a necessidade de estabelecer um controle sobre o espaço territorial. Não é por acaso que a cidade de Roma aparece na parte central do pergaminho, revelando a proeminência da mesma sobre o mundo daquela época. Os mapas não são documentos puramente técnicos, mas carregam também uma conotação ideológica.  
Como já destacamos, a Tábua Peutinger é uma cópia de um original antigo (e que se perdeu), feito no formato de pergaminho e confeccionado por um monge da cidade francesa de Colmar, no ano de 1265. 





O pergaminho é dividido em 11 seções, embora uma parte (que seria a 12ª seção) está em falta, exatamente a que mostraria a Península Ibérica e as ilhas Britânicas. O professor alemão Konrad Miller fez uma reconstituição dessa página em 1898, com base em outras informações documentais referentes a essas províncias europeias (nas imagens acima a Península Ibérica onde podemos ver o estreito de Gibraltar com a sua antiga designação de Colunas de Hércules e no detalhe superior a antiga Britânia, hoje Inglaterra). 


A hipótese mais aceita é de que a origem da Tábua Peutinger foi um documento cartográfico romano, possivelmente do século IV da nossa era, cuja concepção teve por base o mapa-múndi preparado por Marcus Vipsanius Agripa e que ficou conhecido pelo nome de Orbis Terrarum. Esse mapa foi feito no tempo em que o imperador Augusto (imagem acima) governou Roma, de 27 a.C. até 14 d.C..


O cônsul e general Agripa (na foto acima, o seu busto) foi o grande comandante da Batalha do Ácio (ano 31 a.C.), onde Augusto se impôs em definitivo sobre as forças de Marco Antônio (e sua consorte Cleópatra), o que lhe garantiu o controle político e militar de Roma, encerrando a guerra civil dos tempos de Júlio César. Também devemos a Agripa a abertura de muitas estradas, a transformação arquitetônica da cidade de Roma com belos edifícios feitos em mármore (como o famoso Panteão) e a redação de livros (infelizmente perdidos) que demonstram o grande conhecimento que o general tinha de geografia. Agripa foi sogro do segundo imperador romano, Tibério (que governou ao tempo em que Cristo foi crucificado), avô materno de Calígula e bisavô materno de Nero. 



O imperador Augusto determinou um levantamento detalhado das estradas romanas e no âmbito desse inventário é que surgiu o mapa-múndi de Agripa (na imagem acima, uma reconstituição do Orbis Terrarum). O mapa ultrapassou a delimitação dos territórios imperiais e buscou abranger a totalidade do mundo conhecido. Existem evidências de que o mapa de Agripa foi gravado em mármore no Porticus Vipsania (teto sustentado por colunas e do qual restam apenas vestígios), logo após a sua morte (ocorrida no ano 12 a.C.). Esse mapa serviu de base para os outros que foram confeccionados nos tempos do Império. 



Mas, voltemos à Tábua Peutinger. A mesma foi descoberta em uma biblioteca na cidade alemã de Worms por Konrad Celtes em 1494, que não divulgou o achado até a sua morte, deixando o pergaminho como herança para o antiquário e humanista Konrad Peutinger (no retrato acima, de autor desconhecido) em 1508, do qual deriva o nome Tábula ou Tábua Peutinger. O pergaminho ficou em poder da família Peutinger por mais de duzentos anos, passando por vários outros donos até ser entregue às instituições do Império Habsburgo (Austríaco) estando atualmente com a Biblioteca Nacional da Áustria. 





O pergaminho mede incríveis 6,80 metros de comprimento por 34 centímetros de largura, exatamente como aparece na imagem acima, que comprimimos para dar ao leitor uma visão geral do documento (o lado esquerdo é oeste e o direito leste, tendo aproximadamente ao centro a Itália).



Na foto acima, temos uma reconstituição do rolo do pergaminho, feita por um artesão contemporâneo. Tal formato seria o apropriado para o manuseio e guarda da Tábua Peutinger em tempos mais remotos.
A confirmação de que se trata de um mapeamento feito com base no século I de nossa era, em pleno período da chamada Paz Romana, nos é dada por uma série de detalhes.


A inclusão da cidade de Pompéia destruída pela famosa erupção vulcânica do Vesúvio no ano 79 d.C., a qual não foi reconstruída (portanto não poderia ser assinalada em mapas posteriores) e do farol de Alexandria em toda a sua grandiosidade, atestam que a referência da carta cartográfica remete ao tempo de Augusto (no detalhe acima, temos Pompéia assinalada, bem como a área montanhosa onde se localiza o vulcão Vesúvio). 



O mapa-múndi de Agripa sofreu revisões na Tábua original do século IV, pois podemos identificar a cidade de Constantinopla (atual Istambul e que aparece no detalhe acima), que passou a ser a nova capital do Império Romano e foi erguida nos tempos do imperador Constantino, que governou de 324 d.C. a 337 d.C.. É possível que o documento ainda tivesse sofrido outra correção no século V, já que a cidade de Ravena tem destaque, pois foi capital da parte ocidental do império nessa mesma época. As três cidades mais importantes do Império Romano, Roma, Constantinopla e Antióquia são representadas com ícones imperiais que identificam a reverência dada às mesmas. 
Por outro lado, no decorrer da Idade Média a Tábua Peutinger sofreu outras intervenções, como a localização de referências bíblicas descontextualizadas em relação à Roma Antiga, como o monte Sinai e uma inscrição com o nome de Moisés. As mesmas foram acrescentadas na parte do mapa que localiza o possível caminho do Êxodo pelos hebreus, através da península do Sinai. 


Além das províncias e territórios imperiais, a Tábua revela áreas do Oriente Médio, da Mesopotâmia (na imagem acima, a região que hoje corresponde ao Iraque atual, aparecendo com o próprio nome de Mesopotâmia), da Índia (inclusive a ilha do Ceilão ou atual Sri Lanka) e alcança as bordas da China.
No ano de 2007 a Tábua Peutinger foi colocada no registro da Memória do Mundo da Unesco e devido a esse fato, foi exibida ao público apenas por um único dia, em função da absoluta fragilidade desse incomparável documento cartográfico referente à Antiguidade Clássica.


Mas, temos uma boa notícia para o nosso caro leitor. É possível "navegar" pela Tábua Peutinger na Wikipédia (versão em inglês) e ver em todos os detalhes esse rico material que nos leva de volta ao passado de dois mil anos atrás (na imagem acima, temos o delta do rio Nilo no Egito e à esquerda o farol de Alexandria). Trata-se também de um excelente recurso para os professores de história e geografia usarem em sala de aula!
Para ver:
https://en.wikipedia.org/wiki/Tabula_Peutingeriana
Crédito das imagens:
Retrato de Konrad Peutinger:
http://www.livius.org/pictures/a/other-pictures/konrad-peutinger/
Foto da Via Ápia: Roma Imperial. Biblioteca de História Universal Life. Livraria José Olympio, 1969, pag. 17. 
Cabeça do imperador Augusto: Roma Imperial en el Museo Nacional de Belas Artes. Buenos Aires (Argentina), 1999, pag. 36.
Busto de Agrippa: Wikipédia
Reconstituição contemporânea do rolo do pergaminho:
https://imgur.com/gallery/ZK2Yu
Reconstituição do mapa-múndi de Agripa:file:///E:/Tabula%20Peutingeriana%20mapa%20de%20Agripa%20texto.html
Demais imagens: editadas pelo autor a partir da própria Tábua Peutinger exibida na Wikipédia

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A Dança dos Mapas

Atenção professores de história e geografia. Saiu hoje no UOL uma reprodução de como seriam os mapas do Brasil nos anos de 1709, 1822, 1889, 1920, 1943, 1960, 1977, 1988 e 2011. Mostram os territórios antes de se tornarem Estados e os Estados que foram divididos. Trata-se de um material importante para uma abordagem interdisciplinar História e Geografia.
O link é:

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/infografico/2011/12/02/conheca-as-principais-mudancas-que-deram-origem-aos-estados-brasileiros.jhtm
É isso aí...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pesquisadores

Mais duas dicas para aqueles que fazem trabalho de pesquisa em História do Brasil: a Biblioteca Digital do Senado Federal e a Biblioteca Virtual do Amazonas. A primeira, como o próprio nome indica, é uma parte do acervo dos livros do Senado que estão disponíveis na internet e constituido por mais de 200 mil documentos, artigos, livros e obras raras.
Já a Biblioteca do Amazonas é voltada para o estudo daquela região e constituida de fotos, mapas, revistas, livros e ainda links que remetem a outras bibliotecas do Brasil. Conta com parte do acervo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Importante para aqueles que estudam História Regional.
Os links são:

Biblioteca Digital do Senado Federal:
http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/82005

Biblioteca Virtual do Amazonas:
http://www.bv.am.gov.br/portal/conteudo/acervo/digitalizado/index.php?Letra=A

As duas bibliotecas estarão em nossos links interessantes. É isso aí...

segunda-feira, 11 de março de 2013

Coleção Brasiliana da USP





Mais uma importante fonte de pesquisas para os historiadores e profissionais das ciências humanas em geral.  Trata-se do acervo digitalizado da coleção Brasiliana da USP (Universidade de São Paulo). O mesmo é formado por um arquivo documental, bibliográfico e cartográfico que está disponível para todos, via internet e que contempla um material importantíssimo para o estudo da história do Brasil.
O projeto da BRASILIANA USP foi lançado no ano de 2009 com a finalidade de oferecer acesso público e gratuito a todo esse material, que inclui também manuscritos e gravuras. A iniciativa contou com o apoio do Ministério da Cultura, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRÁS). 
O trabalho de digitalização ficou a cargo da Brasiliana USP Laboratório, que se tornou referência no país no que diz respeito à tecnologia na área de digitalização e de transferência de inovação para várias instituições públicas brasileiras.
Uma das obras disponíveis para consulta é a "Viaje del capitán Pedro Teixeira, aguas arriba del rio de las Amazonas: 1638-1639", publicada em Madri em 1889, cujo mapa está reproduzido na imagem acima. Trata-se do relato de explorador português Pedro Teixeira, que partiu de Cametá, no Pará e alcançou a cidade de Quito, no Equador, em 1639. 



Além de obras raras de viajantes e exploradores, a coleção conta com um precioso acervo de mapas e gravuras, como a reproduzida acima, que faz parte da obra "Santarem, dans la province du Para", de Auguste François Biard e publicada em Paris, no ano de 1862. Uma curiosidade, trata-se de uma imagem da cidade paraense poucos anos antes de receber refugiados da Guerra Civil Norte-Americana. Muitos confederados, inclusive comandantes militares, escolheram a cidade para estabelecer as famílias, que abandonaram o sul dos Estados Unidos após o conflito, que, como sabemos, terminou com a vitória do norte liderado pelo presidente Abraham Lincoln (um bom assunto para uma futura postagem). 
O acesso ao acervo da Coleção Brasiliana da USP é:
www.brasiliana.usp.br
Claro, ele estará disponível em nossos links interessantes na  coluna da direita do blog. 

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Entrevista com Luiz Carlos Prestes: o Tenentismo e a Coluna.



Caro (a) leitor (a), esta entrevista não é inédita, mas tem um grande significado. Primeiro pelo entrevistado, um personagem conhecido por sua retidão moral e fiel aos seus princípios: Luiz Carlos Prestes (1898-1990). Claro, há os que discordem das suas opções políticas e ideológicas, tomadas após o Movimento Tenentista da década de 1920, que culminaram com a adesão de Prestes (na foto acima, em 1958) ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Contudo, até os seus adversários reconheceram as suas qualidades como comandante militar e a sua probidade enquanto pessoa. Este que vos escreve teve a honra de conhecê-lo e de rememorar com o mesmo algumas passagens de sua biografia, inclusive aquela que é tema deste depoimento, a Coluna Prestes, página maior do Movimento Tenentista.
Antes da entrevista, vamos fazer uma breve descrição do que foi o Tenentismo para inserir o leitor no contexto histórico daquele momento. Os aspirantes ao oficialato e cadetes do Exército, conhecidos como "tenentes", passaram a ter uma atuação política significativa nos últimos anos da Primeira República (1889-1930). Esses militares se tornaram opositores à forma como funcionava o sistema eleitoral da época, que permitia o controle político por parte das oligarquias (grupos dominantes nos estados) formada por grandes proprietários de terra, os conhecidos "coronéis". As eleições eram manipuladas, uma vez que ainda não fora instituído no Brasil o voto secreto. Além disso, as mulheres não votavam, bem como os jovens e os analfabetos. As oligarquias de São Paulo (ligada à produção de café) e de Minas Gerais (da pecuária voltada para a produção de laticínios) predominavam sobre as demais, conseguindo eleger a maior parte dos presidentes, naquilo que ficou conhecido como a "política do café com leite". Ao mesmo tempo, as transformações que ocorriam na economia brasileira, com o início da industrialização, fizeram surgir novos grupos sociais que começavam a pleitear melhorias nas condições de vida, sobretudo a classe operária das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. A classe média urbana (ou pequena burguesia como designava Prestes), também buscava uma maior participação política e grande parte dos tenentes eram provenientes desse segmento. Não existia nenhuma agremiação ou partido, oficialmente reconhecido, que representasse esses setores. 



A eleição do mineiro Artur Bernardes (na foto acima, na época da posse) em 1922, ocorreu em meio a discordâncias. As oligarquias do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco através da chamada Reação Republicana, apresentaram um candidato de oposição, o ex-presidente Nilo Peçanha, que foi derrotado nas eleições, tidas como fraudulentas. Ainda antes da eleição de Bernardes, ocorreu o episódio das "Cartas Falsas", onde supostamente o futuro presidente teria feito ataques aos militares. A reação destes últimos foi forte e como resposta, o governo, ainda sob a presidência de Epitácio Pessoa, fechou o Clube Militar (que apoiou a candidatura de Nilo Peçanha) e prendeu o também ex-presidente Marechal Hermes da Fonseca (alvo dos ataques nas tais cartas atribuídas a Bernardes), no início de julho de 1922. De nada adiantou o parecer de que as cartas de Bernardes eram falsas. A prisão de Hermes foi a senha para o início da rebelião militar, que contou com a participação de seu filho, o capitão Euclides Hermes e de centenas de outros jovens oficiais, entre eles Leônidas Fernandes Cardoso, pai do sociólogo e futuro presidente Fernando Henrique Cardoso. 



Em 5 de julho de 1922, os tenentes ocuparam o Forte de Copacabana e dezessete deles (mais um civil) enfrentaram as forças legalistas (fieis ao governo) no calçadão da praia do mesmo nome, sendo recebidos por uma rajada de balas pelas forças governistas (na foto acima, da esquerda para a direita, os tenentes Cordeiro de Farias, Siqueira Campos, Nílton Prado e o civil Otávio Correia). 



Dos "18 do Forte" como ficaram conhecidos, apenas dois sobreviveram: os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos (respectivamente na foto acima) . 



Em 5 de julho de 1924, propositadamente no mesmo dia em que ocorrera o levante de Copacabana, outra rebelião militar ocorreu em São Paulo, sob o comando de um veterano do Exército, o General Isidoro Dias Lopes. A capital paulista foi ocupada pelos rebeldes e na tentativa de impor a rendição aos mesmos, o governo ordenou o bombardeio aéreo da cidade (na foto acima, São Paulo sob ataque). 


Os bairros operários do Brás, Moóca, Pari e Belenzinho foram os alvos preferenciais desses ataques, como confirma Prestes na entrevista. Calcula-se que o bombardeio tenha deixado algo em torno de 500 mortos, na grande maioria civis. Os militares rebeldes se retiraram para o interior do estado e em seguida dirigiram-se para Foz do Iguaçu, no Paraná. Se a rebelião de 1922 trazia um conteúdo corporativo, defesa dos militares contra o poder oligárquico civil, a de 1924 apresentava um esboço de projeto político: instituição do voto secreto, moralização na vida política, independência do Poder Legislativo, autonomia do Judiciário e ainda o ensino primário e profissional obrigatório. Por outro lado, os tenentes não faziam referência direta às questões sociais, ao poder das oligarquias e ao domínio dos latifúndios. Da mesma forma, não vislumbravam o apoio de outros segmentos da sociedade, como a classe operária. 


Em outubro de 1924, teve início o levante dos militares gaúchos, para dar apoio aos rebeldes paulistas isolados no interior. Vários quartéis participaram da nova rebelião, inclusive o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo (cidade situada no noroeste do Rio Grande do Sul). Lá o movimento contou com a liderança do então capitão Luiz Carlos Prestes (que aparece na foto acima, o segundo sentado da esquerda para a direita, em serviço no Rio Grande do Sul). Do sul, os militares gaúchos empreenderam uma marcha para o encontro com os colegas paulistas. Entre as duas Colunas rebeldes, estavam outros 10 mil homens do Exército, comandados pelo general Rondon (sim, o famoso militar e sertanista), legalista e fiel ao governo de Artur Bernardes, cuja missão era impedir a união dos paulistas com os gaúchos. Foi nesse momento, que Luiz Carlos Prestes começou a se destacar como comandante militar da Coluna gaúcha. Ele definiu a estratégia que predominaria durante todo o movimento: "A guerra no Brasil, qualquer que seja o terreno, é a guerra de movimento" declarou. Mesmo inferior em número de soldados e armamentos, a Coluna gaúcha furou o bloqueio dos legalistas. O embate travado em Maria Preta, descrito por Prestes na entrevista abaixo, ficou famoso pelo fato de ter deixado as tropas governistas combatendo entre si por quatro horas!
Finalmente, em abril de 1925 as duas colunas (paulista e gaúcha) se uniram e o jovem capitão veio a se tornar o chefe do Estado-Maior da Coluna, que acabou levando o seu nome: Coluna Prestes. Em termos práticos, era o seu comandante militar, apesar de nominalmente a chefia pertencer a Miguel Costa, proveniente da Força Pública de São Paulo (embrião da futura Polícia Militar). Outros tenentes também ganharam destaque, como Siqueira Campos, Cordeiro de Farias (sobreviventes dos 18 do Forte), João Alberto, Djalma Dutra, os irmãos Joaquim (morto no levante de São Paulo) e Juarez Távora, entre outros. 
A Coluna Prestes percorreu mais de 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, sem conseguir derrubar o presidente Artur Bernardes, mas também sem ser derrotada. Em 1926, os rebeldes depuseram as armas e se retiraram para a Bolívia. Posteriormente, o destino dos tenentes acabou promovendo algumas cisões. A maior parte aderiu a Getúlio Vargas na Revolução de 1930 e o Movimento Tenentista se diluiu. Já Luiz Carlos Prestes, entendeu que a solução para o país passava por transformações mais profundas e que Getúlio significava somente a mudança de uma oligarquia por outra (no caso, a gaúcha). Seu contato com o pensamento socialista marxista (do filósofo alemão Karl Marx) o levou a divergir com os seus antigos companheiros de Coluna. Posteriormente, Prestes filiou-se ao PCB.


A entrevista inserida nesta postagem foi publicada na edição de 2 de julho de 1978, no jornal O Estado de S. Paulo (nas páginas 7 e 8) sob o título "Prestes lembra a longa marcha da Coluna". O texto da gravação foi enviado pelo jornalista Reali Júnior, então correspondente daquele jornal em Paris. Luiz Carlos Prestes (na imagem acima, em 1987) vivia em Moscou com a sua família, em função da repressão do Regime Militar brasileiro, embora o país começasse a viver a abertura e a diminuição da censura à imprensa, razão pela qual a entrevista pode ser divulgada no citado jornal. Posteriormente, a mesma foi reproduzida no livro A Coluna Prestes: Análise e depoimentos, de Nelson Werneck Sodré, da editora Círculo do Livro, de onde a extraímos.
Para evitar notas e observações excessivas, colocamos entre parênteses alguns dados e informações que consideramos necessários ao entendimento da exposição do ex-comandante da Coluna, bem como a identificação das imagens que aparecem ao longo da entrevista. Vale lembrar que as mesmas foram por nós acrescentadas. 



A seguir a entrevista com aquele que ficou conhecido como "O Cavaleiro da Esperança", Luiz Carlos Prestes (na foto acima, aos 18 anos, na formatura do Colégio Militar)...

Qual era a situação sócio-econômica do Brasil após a Primeira Guerra Mundial e o que teria determinado o surgimento da Coluna?

O ano de 1921 foi aquele em que mais se sentiu a crise do após-guerra no Brasil. Já anteriormente, em 1917, a classe operária se levantara em São Paulo, numa greve geral de grande vulto. Posteriormente, em 1918, no Rio de Janeiro e Recife, ocorreram outros movimentos operários. Até aquela época, a classe operária era ainda dirigida pelo movimento anarquista, razão pela qual o êxito, na época, foi apenas parcial, exclusivamente econômico. Em 1921, a crise econômica acentuou-se, atingindo a pequena burguesia urbana, e isso coincidiu com o início da campanha eleitoral para a sucessão presidencial, cuja eleição estava prevista para março de 1922.
Essa conjunção da crise com o acontecimento político determinou o surgimento do chamado "movimento tenentista". Já anteriormente havia sido formado o Partido Comunista do Brasil, como se chamava na época, posteriormente Partido Comunista Brasileiro. As forças políticas dividiram-se em duas correntes principais - aliás, como era comum em todas as sucessões presidenciais no Brasil -, a corrente oficial do governo e a oposição. Os oposicionistas, através da jovem oficialidade, conseguiram vencer as eleições para o Senado. Naquela época, os "tenentes", em geral, e eu, em particular, éramos apolíticos e não nos interessávamos por política, mas acabamos sendo arrastados ao movimento e subjetivamente presos por descontentamentos.



Apenas por isso fomos levados a participar da campanha eleitoral e tomamos posição ao lado do candidato oposicionista (no caso, Nilo Peçanha). Mas a nossa posição como militares e dispondo de armas era a de conspirar para preparar a luta contra o governo Epitácio Pessoa (na foto acima Prestes, ainda como oficial do Exército Brasileiro). A conspiração foi longa e durou meses. A 5 de julho ela eclodiu, mas muitas das unidades comprometidas não participaram da luta. O movimento restringiu-se à Escola Militar, onde os cadetes estavam exaltadíssimos contra a própria disciplina da escola, e ao Forte de Copacabana. O grande acontecimento desse 5 de julho, entretanto, foi o levante do Forte de Copacabana. Os cadetes chocaram-se com as tropas da Vila Militar e acabaram presos. No Forte de Copacabana, a maior parte da oficialidade retirou-se do local e somente dezoito homens, sob o comando de Antônio de Siqueira Campos, tenente de Artilharia, enfrentaram os quatro mil homens do Exército. Todos tombaram mortos ou feridos, mas o acontecimento teve uma grande repercussão emocional em todo o país. Ao mesmo tempo, e devido à derrota do levante, grande número de oficiais foi detido e submetido a processos, enquanto outros foram transferidos para guarnições distantes. Eu não participei desse movimento porque estava doente na época. Quis participar, mas as condições de saúde não me permitiram. o movimento de solidariedade fez com que todos nós continuássemos conspirando, depois da derrota de 5 de julho.



E a segunda conspiração, de julho de 1924?

A conspiração continuou durante os dois anos que se seguiram ao movimento de 1922. Conspirei primeiramente no Rio, depois fui transferido para uma guarnição do Rio Grande do Sul, onde continuei conspirando. O movimento acabou novamente eclodindo a 5 de julho de 1924, dois anos depois, na capital do Estado de São Paulo. Na ocasião, levantaram-se várias guarnições, mas, devido a perturbações momentâneas, as forças que deveriam marchar imediatamente sobre o Rio de Janeiro não tiveram tempo de fazê-lo e foram sitiadas pelas forças do governo. Durante vinte dias resistiram dentro da cidade, que foi bombardeada, com grandes prejuízos, principalmente nos bairros operários (nas duas fotos acima, casa destruída por bombardeio aéreo no bairro do Brás e o Cotonifício Crespi, no bairro da Moóca, após um ataque). Dessa forma, o comando dessas forças, sob as ordens do Marechal Isidoro Dias Lopes, resolveu retirá-las de São Paulo.

A Coluna teria surgido essencialmente para dar apoio ao movimento de São Paulo?

Sim. Nós no Rio Grande do Sul - eu me encontrava na guarnição de Santo Ângelo - e todos os que conspiravam naquele Estado não fomos devidamente informados do levante de 5 de julho em São Paulo. Assim sendo, fomos surpreendidos pelo movimento e só depois, intensificando-se a conspiração no Estado, na noite de 28 para 29 de outubro, foi possível nos levantarmos. Diversas guarnições se rebelaram: o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, levantado por mim, que era capitão de Engenharia, e pelo Tenente Mário Portela Fagundes; o Terceiro Regimento de Cavalaria, em São Luís (cidade localizada na região das Missões, no Rio Grande do Sul); o Segundo Regimento de Cavalaria, de São Borja, onde se encontrava um oficial de grande talento e um revolucionário dedicado, que faleceu logo em seguida ao ataque à cidade de Itaqui, Aníbal Benévolo. Houve ainda um levante na cidade de Uruguaiana e alguns elementos da guarnição de Alegrete e Cachoeira também se rebelaram.
Esse foi o levante inicial, na noite de 28 para 29 de outubro, no Rio Grande do Sul, e em solidariedade a São Paulo, pois esperávamos apoiar o movimento paulista. Os companheiros de São Paulo, retirando-se da capital, seguiram pela Estrada de Ferro Sorocabana, até o rio Paraná. Eles pretendiam invadir Mato Grosso, mas foram repelidos na cidade de Três Lagoas, que não chegou a ser tomada. Resolveram, então, descer o rio Paraná, até a fronteira do Estado do Paraná com Argentina e Paraguai. Ocupando o ocidente daquele Estado, marcharam até a serra do Medeiros e, em 14 de setembro, tomaram Guaíra. Além da serra do Medeiros, não puderam continuar a marcha porque as forças do governo já atacavam. Nós, que nos havíamos levantado no Rio Grande, tínhamos a missão de dominar o Estado, mas as forças governamentais conseguiram esmagar todo o levante no sul, inclusive em Uruguaiana, Alegrete e Cachoeira. Em quinze dias, essas tropas e os civis que se haviam levantado foram esmagados e liquidados. Alguns emigraram para o Uruguai e outros para a Argentina. Restaram apenas as forças da região noroeste do Estado.
Nessa ocasião, eu me retirei de Santo Ângelo e instalamos o quartel-general na cidade de São Luís, ocupando também o município de São Nicolau e partes de outros, como Santo Ângelo, Santiago do Boqueirão e São Borja. Nós mantivemos essa posição, à espera de que, de Iguaçu, no Paraná, nos mandassem munição, pois as unidades do Rio Grande que se levantaram estavam pessimamente municiadas e seu armamento era muito precário. Não tínhamos um canhão ou uma metralhadora pesada. Possuíamos alguns fuzis-metralhadoras e as demais armas eram fuzis Mauser, insuficientes para os efetivos, constituídos também por numerosos grupos de civis, que haviam participado anteriormente da guerra civil no Estado.
Nessa região, permanecemos dois meses. Em novembro, aguardamos o envio de armamentos. No início de dezembro, já estávamos convencidos de que não receberíamos munição, pois as autoridades argentinas não permitiram a entrada do material do Paraná, que seria levado até a região fronteiriça em que nos encontrávamos, em Tupanciretã, onde sabíamos que havia chegado o 7º Regimento de Infantaria. Essa cidade ficava a mais ou menos cem quilômetros de distância de São Luís. Concentramos a Coluna e atacamos essa cidade. Nesse momento, entretanto, a Coluna não tinha ainda unidade de comando e disciplina suficiente. As tropas que deveriam atacar não atacaram e as que não deviam atacaram. Iniciado o combate, durante a madrugada, por volta das onze horas da manhã percebi que não era possível tomar a cidade de Tupanciretã e resolvi ordenar a retirada. Voltamos para a mesma região anterior, sendo que a Coluna se distribuiu em toda a periferia, mantendo vigilância nas principais estradas. Os espiões do inimigo procuravam saber onde estava o grosso da Coluna, mas nada encontravam, porque não havia uma concentração. Toda ela estava distribuída na periferia da zona que ocupávamos. Nesse momento, cheguei a compreender qual era o plano do governo. Ele pretendia esmagar-nos, depois de cercar-nos. Havia sete colunas do governo e cada uma delas nos poderia derrotar, pois eram mais fortes do que a nossa, não só em efetivo, mas também em armamento e munição. A ordem do governo era de que as diferentes colunas marchassem passo a passo. Uma delas vinha pela margem do rio Uruguai, outra atacava São Borja, Santiago, Santo Ângelo e Cerro Azul, perto de São Luís. As sete colunas eram constituídas por 14 000 homens e nós só contávamos com 1 500 homens e apenas 800 armas. Quando percebi que o plano governamental era envolver-nos e que as colunas caminhavam lenta e harmonicamente, concluí que a solução seria atraí-las para São Luís.
Dessa maneira, minhas guardas passaram a atrair o inimigo. No dia 27 de dezembro, concentrei todas as tropas em São Miguel. Durante uma marcha noturna, passamos entre duas colunas do governo, enquanto a principal, que vinha de Tupanciretã, era atraída para São Luís. Dois dias depois, as tropas do governo chegaram em São Luís e não encontraram ninguém. Nós já nos encontrávamos a cento e cinquenta ou duzentos quilômetros de distância, combatendo uma força de reserva que nos forçou a recuar. Aí, avançamos em direção norte. Travamos um combate, num lugar chamado Ramada, no dia 3 de janeiro de 1925, e entramos na mata do rio Uruguai.


As matas dos rios Uruguai e Iguaçu são talvez as mais densas do Brasil, não se podendo marchar a não ser através de picadas abertas a facão (na foto acima, a Coluna paulista na fronteira com o Paraguai, abril de 1925). Nessa região, sofremos muito. A cavalhada, habituada no Rio Grande do Sul a ter bons pastos, ficou muito cansada, e os soldados não pretendiam deixar os arreios. Assim sendo, além das armas, munição, comida, tiveram que levar também os arreios nas costas. Era difícil fazer com que esses homens andassem pela mata mais de três ou quatro quilômetros por dia. Atravessamos o rio Uruguai e entramos em Santa Catarina. Nessa época, ainda tínhamos esperanças de receber munição. Em carta ao Marechal Isidoro Dias Lopes, descrevendo a marcha e dizendo que tínhamos tido êxito na nossa caminhada até a cidade de Barracão, no divisor entre Santa Catarina e Paraná, lembrei que a guerra, no Brasil, para ser vitoriosa, teria que ser uma guerra de movimento. Era uma crítica à posição dos companheiros do Paraná, que haviam ficado durante seis meses gastando munição e fixados ao terreno.
Pedi, também, que me mandassem munição, porque teria condições para avançar, sair da mata, ganhar mais liberdade no campo e atacar a coluna do Marechal Rondon (o famoso militar e sertanista), que era o inimigo principal, pela retaguarda. Era esse o meu plano. Muitas pessoas pensam que o melhor local para a guerrilha é a mata. Nem sempre. No campo se tem muito mais liberdade de movimento do que numa mata densa, em que só se pode andar através das picadas abertas.
Quando chegamos à boca da mata, a cerca de duzentos quilômetros de Barracão, já encontramos uma forte coluna inimiga. Aí tivemos que recuar novamente. Durante um mês, marchamos para trás nesses cento e oitenta quilômetros, com muito pouca munição, mas causando pesadas baixas ao inimigo, porque fazíamos uma guerra de emboscadas. Cada soldado só poderia dar um tiro quando recebesse uma ordem expressa. Muitas vezes, nessas emboscadas, só dávamos dois tiros, procurando liquidar os homens da vanguarda. No fim de quinze dias, eu mesmo tive contato com o inimigo e os oficiais da tropa adversária foram obrigados a chamar os soldados de covardes, pois todos temiam ir à frente. Os que se encontravam nessa posição morriam sistematicamente. Assim foi feita a retirada mas, quando chegamos a Santa Catarina, a força do sul atacou, ocorrendo o célebre combate de Maria Preta, onde retiramos as forças que estavam guardando a estrada, além da que marchava do oriente. Às quatro horas da tarde, determinamos a retirada simultânea das duas forças, fazendo com que as duas colunas do inimigo se encontrassem. Elas chegaram a combater durante mais de quatro horas entre si e tiveram mais de duzentas baixas nesse combate. Daí, marchamos para o norte, até encontrar a coluna de São Paulo.



Segundo Lourenço Moreira Lima (foto acima), o encontro das tropas sulinas com as paulistas teria contribuído para levantar o moral que já era baixo das tropas de São Paulo. É verdade?

Sim. Chegamos ao Paraná e tivemos o primeiro contato com as tropas da região no dia 1º de abril de 1925. Nesse dia caíra Catanduvas, a posição mais avançada e mais forte das forças de São Paulo. Eles foram duramente atacados e acabaram tendo que se entregar. Entre eles encontrava-se o Tenente Nelson de Melo e outros oficiais que se renderam às forças do governo. Assim, o ambiente no Paraná era de desânimo e de derrota. Lembro-me que fui imediatamente para Foz do Iguaçu, onde se achava o estado-maior das forças de São Paulo, que reunia cerca de quarenta oficiais.



A palavra de ordem, na ocasião, era de que a única solução seria emigrar para a Argentina (acima, Prestes chega ao encontro com os rebeldes paulistas em abril de 1925). Tive que dizer que não, porque a minha coluna, ao lograr a unidade com as forças de São Paulo, sentia-se vitoriosa. Os soldados estavam entusiasmados com a vitória, interessados, e tinham grande confiança no comando. Disse que não poderia propor a esses soldados emigrar para a Argentina, naquele momento. Deveríamos unir-nos e tentar sair da região. Essa era a primeira possibilidade. Se não conseguíssemos, deveríamos resistir enquanto possível e somente como terceira hipótese aceitaríamos a entrada na Argentina. A maioria estava tão desanimada que, à medida que eu falava com certo vigor, os oficiais começaram a levantar-se e seguir realmente para a Argentina. Apesar disso, boa parte ainda ficou. Entre eles, estavam Miguel Costa, Cordeiro de Farias, Juarez Távora, Djalma Dutra e outros oficiais. Constituímos então uma divisão, sob o comando do General Miguel Costa, com duas brigadas. A do sul, sob meu comando, e a de São Paulo, sob o comando do Coronel Juarez Távora.

O que ocorreu quando a Coluna, depois de atravessar o São Francisco, seguia para o Rio de Janeiro, cortando o território da Bahia?

Por incrível que possa parecer, o governo temia que atacássemos o Rio de Janeiro. Para defender a Capital Federal, chegou a deslocar tropas até da polícia do Piauí, transportando-as por mar, e, posteriormente, dirigindo-se para Minas Gerais. Só soubemos disso ao chegar ao norte de Minas Gerais. Naquele momento, duas colunas nos perseguiam. Um de nossos soldados, que havia sido preso e levado para o estado-maior da coluna inimiga, conseguiu fugir. Enquanto esteve preso, ouviu uma série de informações, como o número de unidades do Exército, da polícia, nomes de comandantes, cidades, etc... Assim, reunindo todos esses dados com outras informações, fiquei com o quadro completo da situação. Éramos seguidos por duas colunas que marchavam uma atrás da outra, com um intervalo de dez horas. Uma outra coluna acompanhava o rio São Francisco, para impedir que atravessássemos o rio. No caso de pretendermos transpô-lo, poderíamos ser atacados. Na cidade de Montes Claros, havia uma coluna de vinte mil homens que haviam sido deslocados pelo governo para defender o Rio de Janeiro. Nessas condições, é evidente que não nos convinha continuar a marcha para o sul. Aproveitamos umas elevações do terreno, dispusemos a Coluna atrás delas, enquanto o inimigo passava; uma guarda forte, mantendo contato com o inimigo, o atraía para Riachão dos Machados, que ficava antes de Montes Claros.
Enquanto isso, quando a primeira coluna inimiga passou pelo ponto onde nos encontrávamos, pudemos cruzar a própria estrada, passando entre as duas colunas inimigas. Essa guarda permaneceu no Riachão dos Machados, recuando posteriormente para proteger a nossa retaguarda. Entramos na cidade de Rio Pardo, em Minas Gerais, e aí encontramos um telegrama do General Góis Monteiro (oficial legalista), chefe do estado-maior da Coluna Mariante, cujo quartel-general estava localizado nas margens do São Francisco. Ele estava alarmado, dizendo que fazíamos cem quilômetros por dia, e calculava que o nosso objetivo seria Riachão. Posteriormente, a Coluna efetuou a travessia do Paraná, numa pequena extensão do Paraguai, Mato Grosso, Goiás, e fomos entrar no Maranhão, onde ocupamos a cidade de Carolina, uma das mais importantes do sertão, e atacamos Benedito Leite. Nesse local, havia dois mil e trezentos homens, que bateram em retirada até Teresina. Como eles fugiram, resolvemos ir atrás, mas não tínhamos munição para atacar uma capital como Teresina. Lá, abandonamos a perseguição, atravessamos o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia, onde encontramos sérias dificuldades, pois quase todos os fazendeiros estavam armados e seus jagunços não nos atacavam diretamente, mas preparavam emboscadas. Perdemos alguns homens nesse Estado.



Que atividade política e social desenvolvia a Coluna durante toda essa marcha?

O nosso objetivo era derrubar o governo. Do ponto de vista político e social, estávamos praticamente desarmados. Por isso fizemos muito pouco. Encontrávamos um ambiente de muita simpatia (na foto acima, soldados da Coluna em 1924). As populações que não fugiam e que mantinham contato conosco compreendiam que lutávamos contra os seus inimigos. O povo do interior via no governo federal, nos governos estaduais e municipais e nos grandes fazendeiros os seus inimigos e percebia que todos eles lutavam contra nós. Não tinha consciência suficiente para aderir à luta e dar suas vidas a uma causa que ainda não compreendiam. Em algumas cidades, onde encontrávamos cartórios, queimávamos os documentos, principalmente os referentes a dívidas de camponeses com os fazendeiros e com o Estado, além dos processos judiciais. Libertávamos os presos que encontrávamos nas cadeias públicas.

Quais as impressões humanas dos integrantes da Coluna em relação às populações contatadas?

Na Coluna, admirávamos a fidelidade e dedicação dos soldados, sua unidade e espírito de luta. Desde que entramos no Mato Grosso, formou-se esse sentimento de orgulho de participar do movimento. Saímos das fronteiras da Argentina e do Paraguai e entramos pelo país com soldados que não tinham salários, comiam quando houvesse comida, andavam a cavalo ou a pé, enfim, eram de uma dedicação extrema. Muitos deles deram suas vidas para alertar a Coluna. Uma vez, em Mato Grosso, estávamos sendo perseguidos pelos jagunços de Franklin de Albuquerque, um desses fazendeiros que organizou tropas mercenárias permitidas pelo governo Bernardes. Esses jagunços são conhecedores exímios do terreno; sabem se aproximar em silêncio absoluto, e como estávamos próximos e a Coluna concentrada, ao destacar as guardas, eu mesmo fui verificar as sentinelas, chamando a atenção: Cuidado, porque podemos ser surpreendidos. Por volta da meia-noite, ouvi um tiro. O comandante da guarda foi verificar, encontrando uma sentinela morta. Outra desaparecera, pois havia sido presa.
No dia seguinte contra-atacamos e o inimigo foi obrigado a bater em retirada. O soldado preso fugiu e nos contou o ocorrido: um estava em pé e o outro sentado. O que estava em pé foi abraçado por trás e desarmado. O outro, mesmo sem poder atirar contra seus inimigos, ainda conseguiu disparar sua arma para o alto, para alertar a guarda. Como vingança, foi apunhalado pelas costas.



Qual a ideia que os jovens oficiais que participavam da Coluna faziam do interior do Brasil?

Todos nós, oficiais do Exército ou cadetes da Escola Militar, isto é, Siqueira Campos (foto acima), João Alberto, Juarez Távora e eu, éramos integrantes da pequena burguesia e havíamos sido educados nas cidades e no litoral que conhecíamos. Não podíamos imaginar que a situação dos homens do campo fosse tão miserável, apesar de conhecermos as favelas das grandes cidades. O quadro era realmente de horrorizar. O que vimos pelo interior de Mato Grosso, Goiás, Nordeste, foi miséria e exploração. Além disso, em condições sanitárias terríveis. Certa vez, em Santo Antônio das Balsas, no Estado do Maranhão, demos remédio a uma pessoa doente. Um remédio de nossa precária enfermaria e, de um momento para outro, percebemos que a Coluna estava cercada pela população, que pedia medicamentos. Houve o caso de encontrarmos em algumas choças uma família com três mocinhas. Duas ficaram dentro de casa, porque só havia um vestido. As outras estavam nuas e não podiam aparecer. Não era por medo da Coluna, porque o respeito era absoluto, mas sim porque não tinham roupa para vestir.

Qual foi a participação da mulher na Coluna?

Desde o Rio Grande do Sul, diversas mulheres incorporaram-se à Coluna. Durante os dois meses em que estivemos na região de São Luís, muitas delas participavam dos acampamentos. Nessa época, eu era ainda muito militar e tive bastante dificuldade para abandonar o formalismo militar por uma vida diferente, que é a guerra. Fui contra a entrada de mulheres na Coluna e aí, ao atravessarmos o rio Uruguai, tomei medidas no sentido de determinar que nenhuma mulher atravessasse o rio. Era um rio de quinhentos metros, travessia difícil, razão pela qual ficou decidido que nenhuma mulher passaria para Santa Catarina e que todas elas deveriam ficar no seu Estado, Rio Grande do Sul. Fui uma das últimas pessoas a fazer a travessia e, ao chegar em Santa Catarina, com grande surpresa, verifiquei que todas as vinte e poucas mulheres lá estavam. Isso porque todas elas eram relativamente admiradas e queridas pelos soldados. A minha opinião não coincidia com a da maioria dos soldados. Durante a marcha, elas foram de grande utilidade: ajudavam na cozinha, na enfermaria e algumas delas chegaram a combater. Muitas vinham informar sobre movimentos do inimigo, em pleno combate. Algumas criavam, naturalmente, conflitos, pois, afinal de contas, eram poucas mulheres para muitos homens. Esses conflitos eram inevitáveis, mas tudo se resolvia de uma forma relativamente pacífica, sem necessidade de medidas mais enérgicas.

Houve, também, participação de oficiais e soldados da Marinha? Como se deu essa integração?

Logo depois do movimento de 29 de outubro no Rio Grande do Sul, levantou-se, no Rio de Janeiro, o maior navio de guerra do Brasil na época, o couraçado São Paulo, sob o comando de Hercolino Cascardo, Amaral Peixoto e outros oficiais de Marinha, que tomaram o navio. Mas como não podiam manter-se no Rio, foram até Montevidéu e aí entregaram o navio às autoridades uruguaias e desembarcaram. Alguns marinheiros incorporaram-se à Coluna paulista, em Iguaçu, e mesmo na fronteira do Rio Grande do Sul. Aliás, muitos dos companheiros que que se encontravam no sul do Rio Grande e que foram obrigados a emigrar para o Uruguai apresentaram-se depois. Entre eles, Siqueira Campos, João Alberto e Juarez Távora. Entre os marinheiros, destaco a participação do Sargento Brasil, que participou de toda a Coluna, servindo no destacamento de Siqueira Campos.



Como uma coluna formada por mais de mil homens passou dois anos e meio percorrendo o país inteiro, andando vinte e cinco mil quilômetros, sem ser liquidada? Qual a estratégia adotada?

Realmente, as forças do governo jamais conseguiram surpreender a Coluna e tampouco derrotá-la (na foto acima, policiais e jagunços reunidos para enfrentar a Coluna Prestes em Pernambuco, 1925). Isso porque adotamos uma linha estratégica determinada. Enquanto estávamos em Santa Catarina e Paraná, esperávamos receber munição e reforços para poder atacar a retaguarda do General Rondon. Quando verificamos que, mesmo no Paraná, a quantidade de munição era também pequena, decidimos que o essencial seria manter a luta e a bandeira da insurreição, na esperança de que os companheiros do Rio de Janeiro pusessem abaixo o governo Bernardes. Isso porque não tínhamos um programa político de fato. A luta era movida para a derrubada do governo e, como não tínhamos força suficiente para tal, achávamos que deveríamos nos movimentar para atrair sobre nós as maiores forças possíveis, facilitando o trabalho de nossos companheiros da capital do país.
Esse foi o primeiro objetivo. Depois que entramos em Mato Grosso, compreendemos que devíamos combater apenas para tomar armamentos. Assim, só aceitávamos combate quando tínhamos certeza da vitória. Para isso, eram necessárias duas qualidades que tivemos que exercitar e elevar. Primeiro, a segurança da Coluna, cujo sistema foi muito bem montado, para evitar qualquer surpresa. Além disso, conhecíamos o terreno a centenas de quilômetros de distância. Para isso, nos ajudavam muito o que se denominava "as potreadas", expressão gaúcha. Elas consistiam em arrebanhar cavalos. Pela manhã, saíam piquetes para os flancos e vanguarda da Coluna. Distanciavam-se dezenas de quilômetros da Coluna e passavam dois a três dias fora do grosso da tropa, conhecendo a direção da marcha, reincorporavam-se trazendo cavalos, informações sobre os movimentos dos inimigos e sobre o terreno. Eles traziam também os chamados "vaqueanos", isto é, pessoas conhecedoras da região, que eram levadas ao estado-maior, onde forneciam informações sobre a área. Os mapas do Brasil, em geral, principalmente em detalhes, eram todos eles muito falhos. Tudo isso nos facilitou muito a luta contra o inimigo. O soldado mais ignorante procurava o estado-maior, pedindo um croqui de marcha. A direção da marcha era entregue a eles, com o nome das fazendas, povoados que a Coluna deveria atravessar, etc. Esses grupos de seis a dez homens, muitas vezes comandados por soldados analfabetos, conseguiam burlar as grandes colunas do inimigo. Às vezes, eles eram confundidos com a própria vanguarda da nossa Coluna, atrapalhando os planos das forças governamentais.

Quais as manobras mais importantes, do ponto de vista tático, efetuadas pela Coluna?

Pela ordem de importância, a saída de São Luís, que deu prestígio ao meu comando. A verdade é que eu não tinha nenhum prestígio entre a soldadesca e principalmente junto aos velhos combatentes de 1893 (Revolta Federalista no Rio Grande do Sul). Era muito jovem e a minha fisionomia muito infantil. Depois que saímos de São Luís, atraindo o inimigo sobre a cidade e passando entre duas colunas sem sermos percebidos, além de atacar suas reservas, que foram derrotadas no Arroio Conceição, o meu prestígio cresceu. Outro momento interessante da Coluna foi registrado em Pernambuco. Quando atacamos Teresina recebemos, em Natal, cidade a trinta quilômetros de Teresina, uma delegação do Tenente Cleto Campelo, que servia na guarnição de Recife. Com ele veio também Cristiano Cordeiro, que era o secretário do Partido Comunista em Pernambuco. Queriam saber se apoiaríamos um programa de reivindicações da classe operária, pois preparavam um movimento. Esse foi o primeiro contato que mantive com um dirigente do partido. Nós concordamos e combinamos que, no princípio de fevereiro, nos aproximaríamos o mais possível de Recife. Atravessamos o rio Pajeú e a vanguarda chegou até Buíque. Lá chegando, soubemos que Cleto Campelo havia se levantado, mas seu movimento fora esmagado. Resolvemos voltar, atravessando de novo o Pajeú. As chuvas na cabeceira daquele rio impediam a travessia, em razão das fortes correntezas formadas. O inimigo já nos atacava, pois cerca de vinte mil homens estavam concentrados em Pernambuco.



Conhecíamos detalhadamente o terreno, as fazendas, as estradas vicinais, enquanto que o inimigo somente conhecia as estradas principais (na foto acima, a Coluna na Bahia e o tenente Siqueira Campos, ao centro, segurando o chapéu). Fomos atacados pela retaguarda e pelos flancos direito e esquerdo; as guardas sustentaram a luta, enquanto a Coluna passava. Nesse momento, recebo a notícia de que a vanguarda estava também sendo atacada, na Fazenda Cipó. A Coluna conseguiu retirar-se por estradas vicinais e o inimigo não conseguiu estabelecer a nossa direção. Seguimos em direção ao São Francisco, porque sabíamos que o plano do governo era nos esmagar em Pernambuco, pois considerava o rio São Francisco uma barreira intransponível e todas elas podem ser vencidas, embora o São Francisco, naquela região, tenha três quilômetros de largura, um pouco acima da cachoeira de Paulo Afonso, na região de Jatobá. Lourenço Moreira Lima, no seu livro Marchas e combates, transcreve a ordem de travessia do rio.

Quais as origens dos integrantes da Coluna?

A Coluna era constituída em sua maioria por oficiais do Exército e da Polícia Militar de São Paulo (na época, Força Pública), que, aliás, teve uma grande participação, sob a direção do Major Miguel Costa, no levante de São Paulo. Grande número de oficiais e sargentos, que nós fizemos tenentes, capitães e dirigentes da Coluna. Além disso, soldados do Exército, da Polícia Militar e grande número de trabalhadores. No Rio Grande, trabalhadores do campo, isso porque apresentaram-se muitos chefes com seus homens, grupos de cinquenta a sessenta. Posteriormente, com o desenvolvimento da marcha, verificaram-se inúmeras adesões. É interessante ressaltar a composição da Coluna, pois esse foi um movimento audacioso.
Nós estávamos com pouca munição e armamentos; estávamos nas fronteiras do Brasil e, ao invés de sairmos, marchamos pelo interior do país. Isso mostrava a audácia do movimento. Por que essa audácia? É que a idade média da Coluna era inferior a trinta anos. Alguns homens de mais idade, antigos revolucionários das guerras civis do Rio Grande do Sul, mas a maioria era jovem.


Como a Coluna acabou emigrando para a Bolívia?

Isso se explica pelo próprio quadro político no interior do país (na foto acima, Cordeiro de Farias, Prestes e Djalma Dutra na Bolívia, em 1927). Depois de analisá-lo, compreendemos que a solução do problema era das mais difíceis e que não seria com a derrubada de Bernardes e a substituição de homens no poder que poderíamos resolver o problema do país. Era preciso analisar as causas da situação, para vermos qual seria o remédio. Em outubro de 1926, exatamente porque não tínhamos um programa, começaram a aparecer elementos de decomposição na Coluna. Isso nos preocupava, porque sempre havíamos mantido uma grande disciplina e muita ordem. No fim de outubro desse ano, já com Washington Luís eleito (na foto acima, na posse como presidente), resolvemos mandar um emissário ao Marechal Isidoro Dias Lopes, propondo um plano de entendimento com o futuro governo. Mas, quando nosso delegado chegou a Paso de los Libres, na Argentina, onde se encontrava o marechal, a 14 de novembro e véspera da posse de Washington Luís, havia ocorrido um novo levante no Rio Grande do Sul. Nessa ocasião, não nos restou outra alternativa a não ser emigrar para a Bolívia, que era o país mais próximo.



Na fronteira boliviana, entregamos nossas armas. Como a região era muito deserta, conseguimos com os oficiais bolivianos que cada grupo de dez homens pudesse ficar com uma arma longa e que as curtas também fossem mantidas (na foto acima, Prestes observa um companheiro morto de malária na Bolívia, em 1927). A Coluna dividiu-se e fomos trabalhar numa companhia inglesa, onde, pela primeira vez, tive contato com uma empresa imperialista, na margem direita do rio Paraguai. Aí trabalhamos um ano, enquanto os soldados, pouco a pouco, voltavam ao Brasil. Os oficiais foram também emigrando para outros países, principalmente para a Argentina e Uruguai.

Quais as consequências políticas imediatas produzidas pela Coluna?

Antes de mais nada, é interessante ressaltar que a Coluna foi um movimento feito por jovens e que teve um caráter bastante aventureiro, se bem que revelasse qualidades de caráter de seus componentes, como a audácia, o desejo de manter a luta e a bandeira. A primeira característica da Coluna foi a capacidade de persistência. Tudo isso com reflexos muito grandes na nação e na população. No Rio de Janeiro, publicaram um pequeno jornal, o 5 de julho, que divulgava notícias dos movimentos da Coluna. As populações proletária e pequeno-burguesa acompanhavam a marcha com grande interesse e constatavam, nos deslocamentos da força do governo, que ele mentia e não falava a verdade quando afirmava que havia aniquilado a Coluna e executado seus chefes. O descontentamento no país crescia e o prestígio da Coluna transformou-se numa bandeira revolucionária e de luta pelas reivindicações de todo o povo brasileiro. Todos os chefes da Coluna adquiriram um grande prestígio. O meu nome foi utilizado pelos políticos como uma bandeira de luta em favor das grandes modificações no país. Posteriormente, aproximou-se a campanha eleitoral de 1930.
Nessa campanha, apresentou-se um candidato de oposição, Getúlio Vargas. Ele levantou a bandeira do Tenentismo e obteve o apoio da maioria dos quadros do movimento. O que posso dizer é que o movimento popular de 1930, apesar de alguns chamarem de revolução, para mim foi um movimento popular, porque se desenvolveu em todo o país, foi feito com as bandeiras da Coluna, embora eu, pessoalmente, estivesse contra a candidatura Vargas, pois adotei a posição do Partido Comunista. Isso devido à evolução do meu próprio pensamento, depois que emigrei para a Bolívia. Lá estive durante um ano, onde tomei conhecimento de alguma literatura marxista. Amigos de São Paulo e do Rio mandavam-me livros, inclusive o Manifesto Comunista, coletâneas de Lênin e muita literatura brasileira que me permitia compreender a realidade do país do qual estava afastado. A leitura desses documentos, principalmente do Manifesto Comunista, já havia despertado minha atenção para a análise da realidade que eu havia conhecido durante a marcha da Coluna e para a solução do problema. Depois, desloquei-me para a Argentina, onde mantive contato com o Partido Comunista e li obras de Marx, inclusive O Capital, além de outras obras de Lênin. Devo dizer, ainda, que, na Bolívia, tive o primeiro contato oficial com o Partido Comunista. O camarada Astrojildo Pereira, com credencial fornecida pelo secretário do partido, na época Otávio Brandão, procurou-me, na cidade de Porto Suarez, próxima a Corumbá. Conversamos durante alguns dias e consegui as primeiras informações sobre o que se passava na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), o que eram as relações sociais naquele país, como avançava o Primeiro Plano Quinquenal (programa econômico elaborado sob a liderança de Stálin). Astrojildo havia estado, alguns anos antes, na URSS e forneceu-me informações interessantes. Esse foi o primeiro contato que tive com o partido brasileiro.



Depois, tive contato com o partido argentino, Vitório Codovila, Rodolfo Ghioldi e outros dirigentes (na foto acima, Prestes na Argentina entre 1928 e 1929). Dediquei-me ao comércio para poder viver e estudei melhor o marxismo. Trabalhei numa empresa de construção de estradas em Santa Fé e, após estudar profundamente O Capital, decidi que a única solução seria o marxismo. É claro que, como elemento pequeno-burguês, a tendência era encontrar um caminho reformista, mas o meu pensamento lógico e a base materialista que eu havia adquirido na Escola Militar, no estudo de ciências matemáticas e físicas, facilitou o meu encaminhamento para o marxismo, como sendo a única solução para um caminho revolucionário, mas sobre o qual não tinha nenhuma ilusão. Sabia que, na escolha desse caminho, iria enfrentar dificuldades muito grandes. Já nessa época, a perseguição ao comunismo, na América Latina em geral, era uma luta bastante difícil e exigia um sacrifício completo. Um dos livros que mais me ajudou a mudar completamente a minha maneira de pensar e a concepção da vida foi o de Lênin, O Estado e a Revolução. Esse livro modificou de tal maneira a concepção que tinha de Estado que fui obrigado a mudar toda uma concepção de vida, para adquirir um novo modo de pensar e uma nova concepção do mundo.

Como se deu a sua entrada no Partido Comunista?

Já disse que fui contra a candidatura Vargas. Via nela, em Antônio Carlos, João Pessoa, seus aliados, nada mais do que grandes proprietários de terra, que representavam as mesmas classes que estavam no poder do país. Estava convencido de que a chamada "Revolução de Vargas" não iria modificar em nada o Brasil. Publiquei um manifesto, em maio de 1930, no qual tomava uma atitude autocrítica por não haver rompido a mais tempo com os tenentes que aderiam a Vargas.
Essa ruptura facilitou a ruptura total e completa com a maioria dos quadros do Tenentismo, que aderiram, participaram do governo e chegaram ao poder. Estando na Argentina, aproximei-me do Partido Comunista e, posteriormente, em Montevidéu, com a ajuda de elementos do Secretariado Latino-Americano da Internacional Comunista, pude obter as primeiras informações sobre o movimento. Enfrentando dificuldades para viver naquele país, consegui viajar para a URSS, estudando e trabalhando neste país, que atravessava anos difíceis, 1932 e 1933. Em 1934, fui aceito pelo partido, no dia 1º de agosto, com a publicação pela Classe Operária, órgão do Comitê Central, de minha adesão ao Partido Comunista Brasileiro.

Para saber mais:



O livro foi escrito pelo General Nelson Werneck Sodré, que além de militar foi historiador. Na pequena obra o autor faz uma ótima introdução ao tema e descreve as condições do país na época que o Movimento Tenentista se formou, bem como o transcorrer de suas etapas, entre 1922 e 1930, até o momento em que muitos tenentes aderiram a Getúlio Vargas (exceto Prestes). 

Crédito das imagens:
Foto de Prestes em 1958:
Arquivo em Imagens. Série Última Hora Política. São Paulo: Arquivo do Estado, 1999, página 62. 
Fotos (fotogramas) de Artur Bernardes e de Luiz Carlos Prestes em 1987: 
Documentário 1930: Tempo de Revolução dirigido por Eduardo Escorel. Produtores: Cinefilmes, 1500 Brasil e Tatu Filmes. DVD. 
Fotos dos rebeldes em Copacabana: 
Nosso Século 1910/1930. São Paulo: Abril Cultural, 1981, páginas 206 e 207. 
Cidade bombardeada e casa destruída: Guerras e batalhas: o país em luta. Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil. Folha de S. Paulo, 2012, páginas 37 e 38. 
Casa no bairro do Brás e Cotonifício Crespi: 
http://1932frenteleste.blogspot.com/2012/03/postais-revolucao-de-1924.html
Fotos de Prestes aos 18 anos no Colégio Militar, montado em uma mula e no exílio na Argentina: Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro de Anita Leocádia Prestes. São Paulo: Boitempo, 2015. 
Força policial de combate à Coluna Prestes em Pernambuco:
http://blogdabriosa.blogspot.com/p/museu-virtual.html
Soldados da Coluna Prestes em 1924;
https://oglobo.globo.com/rioshow/registros-de-guerras-armadas-no-brasil-22106333
Fotos de Prestes ainda como oficial do Exército, Lourenço Moreira Lima e de Siqueira Campos: 
https://cpdoc.fgv.br/