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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Imagens Históricas 37: presidente Café Filho



O presidente Café Filho fazendo café, à moda antiga, com coador e tudo (como aparece acima)! O seu nome completo era João Fernandes Campos Café Filho. Nascido em Natal (ou nas proximidades), capital do Rio Grande do Norte, em 3 de fevereiro de 1899, veio a se tornar presidente do Brasil em um momento grave da história da República, após o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em agosto de 1954. Café Filho foi o único potiguar a chegar a presidência e o primeiro protestante a ocupar esse cargo, tendo nascido em uma família presbiteriana (protestantes de origem calvinista). Ainda jovem, em 1917, encontrava-se em Recife para trabalhar e cursar a Faculdade de Direito. Entre 1918 e 1919 atuou como goleiro em um time de futebol, o Alecrim de Natal (do qual também foi fundador), sendo o primeiro (e até hoje único) presidente brasileiro a ter sido jogador profissional. Mesmo sem ter concluído o curso de Direito, Café Filho conseguiu passar no concurso para o Tribunal de Justiça no Rio Grande do Norte. No início da década de 1920, iniciou a sua atividade no jornalismo e disputou uma eleição para vereador, mas sem sucesso. Em 1925 fixou-se novamente em Recife e tornou-se diretor do jornal "A Noite", fazendo reportagens e escrevendo matérias sobre política.  
Em 1929, vamos encontrar o inconstante Café Filho morando no Rio de Janeiro, como redator do jornal "A Manhã". Na Revolução de 1930, que derrubou a velha república dos coronéis (grandes proprietários de terra), retornou ao Rio Grande do Norte para assumir o posto de chefe de polícia e três anos depois fundou o Partido Social Nacionalista (PSN), agremiação que concorreu nas eleições da Assembléia Nacional Constituinte, convocada por Getúlio Vargas em 1933. Nas reformas promovidas pelo Governo Provisório de Vargas, o caminho foi aberto para a ascensão política de Café Filho, que assumiu o cargo de inspetor no recém criado Ministério do Trabalho, colocando-o em contato com os sindicatos. Após a Constituição de 1934 ter sido promulgada, Café Filho elegeu-se deputado federal para o novo Congresso Nacional, tomando posse em 1935. Com o golpe de Getúlio Vargas, que implantou a ditadura do Estado Novo em 1937 e o consequente fechamento do Congresso, Café Filho conheceu um período de obscuridade, pois denunciou os planos dos militares para o golpe. Como se sabe, Getúlio Vargas alegou que o país estaria sob uma suposta ameaça comunista, utilizando esse argumento para centralizar o poder através de uma ditadura. 



Após a conclusão da Segunda Guerra Mundial em 1945, a ditadura varguista entrou em desgaste e foi derrubada pelos militares no final daquele ano, abrindo caminho para a restauração do regime liberal democrático. Nesse momento, Café Filho (na foto acima, no carnaval de 1955) retornou ao Congresso como deputado federal. Contudo, a sua grande oportunidade política surgiu quando se associou ao governador de São Paulo, Ademar de Barros e ao seu Partido Social Progressista (PSP). 



Quando Ademar decidiu apoiar a volta de Getúlio Vargas ao poder em 1950, pelo voto direto, impôs Café Filho na chapa, como vice-presidente (na foto acima, Getúlio e Ademar, respectivamente à esquerda e à direita). Vargas tinha restrições ao nome do deputado potiguar, uma vez que, no passado, fizera críticas à implantação da ditadura do Estado Novo, apoiou o Partido Comunista quando este foi cassado em 1947 e ainda poderia afastar o eleitor católico, pois defendia a implantação do divórcio no Brasil. Portanto, o seu nome gerava críticas entre aqueles que o viam como um político esquerdista. 
Muito a contragosto, o nome de Café Filho foi aceito por Getúlio Vargas, segundo nos relata Lira Neto (autor de uma bela trilogia sobre Getúlio). Sua inscrição na chapa ocorreu no último dia do prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral, depois de uma ameaça feita, via imprensa, pelo mais importante cabo eleitoral de Getúlio, o governador Ademar de Barros. Nos comícios, Vargas apresentava-o sem citar seu nome: "Este é o meu candidato a vice". Mas, ao final, ambos acabaram eleitos em 1950 e Café Filho também foi reeleito deputado federal (a legislação da época permitia isso). A desconfiança do presidente em relação ao seu vice continuou ao longo do governo. 



A imagem de Getúlio Vargas como o ditador dos tempos do Estado Novo (1937-1945) ainda era viva aos olhos de seus antigos opositores, em sua grande parte reunidos na União Democrática Nacional (UDN), cuja figura de maior destaque era o jornalista e deputado federal Carlos Lacerda (foto acima). Este último havia feito uma grave afirmação no seu jornal "Tribuna da Imprensa", ainda antes da eleição: "O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar".



Uma relação tumultuada envolveu o presidente eleito e a oposição parlamentar liderada pela UDN, que ecoava o seu discurso na classe média, em segmentos do empresariado e, principalmente, nas Forças Armadas, que tinham derrubado Getúlio em 1945 (na foto acima Café Filho e Getúlio). Os resultados ruins na economia (queda no preço do café), a inflação elevada e a pressão dos sindicatos por reajustes salariais, ajudaram a complicar o quadro, que por si só, já era tumultuado, muito em função dos personagens envolvidos. 


A nomeação de João Goulart (foto acima) para o Ministério do Trabalho gerou mais atritos, pois o mesmo era proveniente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o partido de Getúlio. Denúncias de que Goulart estaria articulando a implantação de uma república sindicalista, ao estilo do presidente Juan Domingo Perón da Argentina, ajudaram a derrubá-lo do ministério.
A situação de Vargas agravou-se em agosto de 1954, quando o deputado Carlos Lacerda, o seu grande opositor, foi vítima de um controverso atentado a bala. No episódio, perdeu a vida o major da Aeronáutica, Rubens Vaz. Em função disso, os próprios militares iniciaram uma investigação, capitaneados pela Aeronáutica, na chamada "República do Galeão", que alcançou elementos da guarda pessoal do presidente. A pressão para que Getúlio deixasse o poder tornou-se insuportável e o seu vice, Café Filho, chegou a sugerir a renúncia dos dois. Getúlio retrucou, mas não deu uma resposta ao seu vice. No dia 22, em novo encontro, Getúlio Vargas recusou em definitivo a hipótese da dupla renúncia e afirmou: "Não renunciarei de maneira alguma. Se tentarem tomar o Catete, terão de passar sobre o meu cadáver". 



Café Filho ponderou que, uma vez recusada a dupla renúncia, teria de estar preparado para ocupar o cargo, qualquer que fosse a decisão de Getúlio. Em seguida, vários comandantes militares encaminharam um ultimato ao presidente, para que renunciasse. Na manhã do dia 24 de agosto, Vargas surpreendeu a nação cometendo suicídio, com um tiro no coração! O velório e a saída do cortejo com o corpo de Getúlio até o aeroporto, atraíram multidões (na foto acima, populares passam diante do caixão do presidente). 



Seguindo as normas constitucionais, João Café Filho assumiu o governo, em meio a um clima de absoluta comoção (acima, Café Filho recebendo a faixa presidencial no Congresso e a foto oficial). A Carta Testamento deixada por Getúlio Vargas lançava suspeitas sobre os grandes interesses internos e externos que contribuíram para a sua morte. As vantagens que a oposição civil e militar esperava ganhar com a queda de Getúlio, inclusive talvez por meio de um golpe, foram anuladas pelo gesto extremo do suicídio. Ao tomar posse, Café Filho teve de reiterar a continuidade do compromisso de Vargas com os mais pobres. 



Contudo, ao compor o ministério, Café Filho (foto acima, em seu gabinete) cercou-se de muitos oposicionistas e de integrantes da UDN. No Ministério da Fazenda, o ultra-liberal Eugênio Gudin, acompanhado do udenista Clemente Mariani para o Banco do Brasil. O líder da "república do Galeão", brigadeiro Eduardo Gomes, ficou no Ministério da Aeronáutica, enquanto que na Casa Militar, assumiu o general Juarez Távora, também ligado a UDN. O PTB manteve o comando do Ministério do Trabalho e o PSD outras pastas de menor importância política, como a Educação e Agricultura. No Ministério da Guerra, um militar conhecido por sua neutralidade partidária e fiel à disciplina nos quartéis, o general Henrique Teixeira Lott. 
A primeira questão para Café Filho era a de garantir as eleições parlamentares que ocorreriam em outubro, menos de dois meses após a morte de Getúlio, apesar de muitos defenderem o seu adiamento. A mesma aconteceu e o resultado foi o esperado. Os partidos criados sobre o guarda-chuva de Getúlio, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD), ampliaram as suas cadeiras no Congresso Nacional. A UDN encolheu. 



Como consequência, o partido majoritário, o PSD, lançou em novembro daquele mesmo ano, o nome do governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek (foto acima), como candidato a presidente para as eleições do ano seguinte.
No plano econômico, as medidas liberalizantes do ministro Gudin e do diretor da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), Otávio Gouveia de Bulhões, geraram protestos dos setores nacionalistas e de parte do empresariado. Aqui cabe uma observação, a Sumoc funcionava como um banco central, controlando a emissão de moeda e as taxas de câmbio (não existia câmbio livre). Nesse sentido, o órgão era um instrumento fundamental de política econômica para os governos da época. Além disso, Gudin e Bulhões eram anti-estatizantes (menor interferência do Estado) e monetaristas, pois consideravam que a inflação era controlada pela restrição ao crédito e ao meio circulante. Por isso, no início de 1955, foram estabelecidas providências para restringir o crédito bancário e os meios de pagamento, as quais prejudicaram o caixa das empresas. Ao mesmo tempo, foram adotadas medidas liberalizantes no comércio externo, favorecendo as importações, sendo a mais importante a Instrução 113 da Sumoc. Por meio desta, empresas estrangeiras que desejassem investir no Brasil, poderiam transferir para cá máquinas e equipamentos a uma taxa de câmbio especial, a fim de reduzir os custos da importação. Muitas multinacionais se beneficiaram desse mecanismo, trazendo equipamentos, muitos deles já obsoletos nas matrizes, como no caso da indústria automobilística. A Instrução 113 seria mantida no governo Juscelino Kubitschek para alavancar o seu Plano de Metas.



Por outro lado, houve contenção salarial. O último aumento dado ao salário mínimo foi em maio de 1954, ainda com Getúlio Vargas. Consequentemente, o aumento no custo de vida gerou movimentos grevistas em vários Estados, inclusive em São Paulo (na foto acima, Café Filho e o governador de São Paulo, Jânio Quadros, segurando o chapéu).
Embora o preço do café estivesse se recuperando desde 1954, o mercado norte-americano reduziu as compras, levando a uma nova baixa nas cotações. Diante disso, e com a restrição ao crédito que continuava prejudicando o caixa das empresas, a equipe de Eugênio Gudin se demitiu no final de abril de 1955. Café Filho nomeou para substituí-lo o banqueiro paulista José Maria Whitacker, que aboliu as políticas restritivas ao crédito.


Mas, vamos considerar também algumas realizações de João Café Filho (na imagem acima, Café Filho tomando café). Talvez a mais importante foi a inauguração da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso, obra iniciada nos governos anteriores. A Petrobrás, criada no Governo Vargas, começava a apresentar resultados na exploração de petróleo, com 7 campos que haviam sido descobertos na Bahia e outro na Amazônia.


Restava a última questão a ser resolvida no Governo Café Filho, o encaminhamento da sucessão presidencial em 1955 e foi exatamente aí que as maiores dificuldades se apresentaram (na imagem acima, o presidente Café na capa da revista Time). Desde que o PSD lançou o nome de Juscelino Kubitschek de Oliveira, já considerado pelo próprio Getúlio, os rumos do processo eleitoral foram acidentados. A situação ficou ainda pior quando Juscelino uniu forças com o PTB. Para a UDN ficou evidente que a chapa era imbatível, pois ganharia os votos getulistas e ainda o eleitor do próprio Juscelino, com todo o seu prestígio obtido como governador de Minas Gerais. Café Filho demonstrou publicamente não desejar a candidatura do governador mineiro e os antigos setores anti-getulistas chegaram a discutir o adiamento das eleições ou uma candidatura militar de "união nacional". Enquanto isso, Juscelino percorria o país durante o ano de 1955, em plena campanha, tornando a sua candidatura um fato consumado.
Em 3 de outubro de 1955, o esperado ocorreu. Juscelino foi eleito, derrotando o candidato da UDN, general Juarez Távora. Mas, nem tudo estava resolvido. O líder udenista Carlos Lacerda alegou que o vencedor não atingira a maioria absoluta dos votos e ainda contou com o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que era clandestino. Nesse momento, começaram as articulações para impedir a posse de Juscelino. 


Enquanto isso, Café Filho enfrentou problemas de saúde (cardíacos) no início de novembro de 1955, tendo que se afastar do governo (na foto acima, o presidente Café convalescente). No seu lugar assumiu o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que articulava um golpe juntamente com os militares e lideranças da UDN, para impedir a posse de Juscelino Kubitschek. Mas na manhã do dia 11 de novembro de 1955, percebeu-se que nem todos os militares apoiavam a manobra golpista. 



O Ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, um legalista fervoroso, com apoio de outros comandantes, entre eles o general Odílio Denys, colocou 25 mil homens do Exército nas ruas do Rio de Janeiro e depôs o presidente interino Carlos Luz. Em São Paulo, o Exército também aderiu ao movimento de Lott (nas fotos acima, o general Lott e tropas assumindo o controle de Santos, no litoral paulista). 


Na verdade, o general Lott promoveu um golpe para impedir outro golpe! No lugar de Carlos Luz, foi empossado Nereu Ramos, presidente do Senado. Café Filho se restabeleceu, mas os militares ligados ao general Lott o consideravam suspeito de colaborar no movimento contra Juscelino e o mesmo ficou impedido de reassumir o cargo (na imagem acima, o jornal "Ultima Hora" noticiando o "golpe" de Lott).


Em 31 de janeiro de 1956, o presidente eleito Juscelino Kubitschek e seu vice João Goulart, tomaram posse nos seus respectivos cargos, de forma legal (na imagem acima, Juscelino, Nereu Ramos e Goulart, da esquerda para a direita, na cerimônia de posse). Quanto a Café Filho, praticamente abandonou a política e a partir de 1957, dedicou-se a uma empresa do ramo imobiliário. Em 1961, quando Carlos Lacerda era governador do Estado da Guanabara, Café foi nomeado ministro do Tribunal de Contas daquele Estado. João Café Filho foi casado com Jandira Fernandes de Oliveira Café, com quem teve um filho e veio a falecer no Rio de Janeiro em 1970.
O próprio Juscelino Kubitschek tinha sérias desconfianças de que Café Filho articulasse contra o seu nome para presidente. Certa feita, um repórter da revista "O Cruzeiro" abordou Juscelino, em plena campanha eleitoral, com uma pergunta maliciosa: "E o problema do café?" "Qual deles?", retrucou Juscelino, "o vegetal ou o animal?"
Crédito das imagens:
Fotos de Café Filho preparando café no coador; o presidente no Carnaval e com Jânio Quadros: Arquivo em Imagens. Série Ultima Hora Política. São Paulo: Arquivo do Estado, 1999, pags. 52, 54 e 53 respectivamente. 
Fotos de Getúlio com Ademar; de Carlos Lacerda; de Café Filho com Getúlio e do velório de Getúlio Vargas: Getúlio: 1945-1954. Da volta pela consagração popular ao suicídio. Companhia das Letras, 2014. 
Imagens de João Goulart; de Café Filho tomando café e da primeira página do jornal "Ultima Hora": fotogramas do documentário "Os Anos JK" de Silvio Tendler. 1980. Seleções DVD. 
Imagens de Café Filho recebendo a faixa presidencial e convalescente; do general Lott e das tropas em Santos: Coleção Nosso Século 1945-1960. São Paulo: Editora Abril, 1980, páginas 193, 196 e 199 respectivamente.
Café Filho capa da Time:  
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TH/Historia_do_Brasil/histbr_51.htm
Foto oficial de Café Filho, do mesmo em seu gabinete e da posse de Juscelino: Wikipédia.
Foto de Juscelino em 1956:
https://www.gettyimages.pt/detail/fotografia-de-not%C3%ADcias/on-january-11-1956-in-london-the-new-president-fotografia-de-not%C3%ADcias/105217221

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