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domingo, 10 de fevereiro de 2019

Anúncio Antigo 61: cura da sífilis e outras doenças



Na verdade um Anúncio Antigo triplo, com três produtos muito recomendados no início do século XX para combater moléstias de enorme gravidade naqueles tempos: o Licor Depurativo Tayuya, o sabão Aristolino e o xarope de Grindelia. Já tivemos a oportunidade de apontar que as doenças de pele, embora pudessem ser sintomas dos mais variados tipos de enfermidade, adquiriam enorme visibilidade por afetarem a parte mais exposta de nosso corpo. Era o caso da lepra (ou hanseníase), cuja simples menção era revestida de um aspecto mórbido. Em razão disso, os indivíduos ansiavam por um tratamento eficaz ou recorriam a certos produtos que prometiam a cura desses males. Não existia a recomendação de que "ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado". Primeiro porque em muitos lugares havia completa ausência desse profissional e segundo, porque para muitas dessas doenças a medicina ainda não dispunha de ferramentas eficazes. As pessoas recorriam aos curandeiros ou às plantas medicinais, muitas das quais, de fato, podiam ter um efeito positivo em relação a certos males, embora não a cura completa. Não é por outra razão, que essas plantas são estudadas atualmente, daí a importância da preservação das regiões que possuem biodiversidade, como a floresta amazônica. Muitas doenças que hoje têm pleno tratamento eram verdadeiras sentenças de morte em tempos não tão distantes. 



Em razão disso, vamos colocar o foco do anúncio acima em uma delas: a sífilis. Trata-se de uma DST (Doença Sexualmente Transmissível) ou IST (Infecção Sexualmente Trnasmissível, pois o indivíduo pode carregar uma infecção sem apresentar os sintomas), causada por uma bactéria chamada Treponema pallidum (imagem acima, a bactéria que foi descoberta em 1905). Existem vários graus de manifestação dessa moléstia. Na fase primária, que costuma aparecer em até três semanas após o contágio, temos o surgimento de um caroço ou cancro duro. Como a transmissão é feita em geral por contato sexual (e sem o uso de preservativo), o tal caroço aparece nos órgãos genitais (pênis e vagina) ou ainda na boca, língua, mamas, dedos e na região anal.  


Na fase secundária, após o desaparecimento do caroço inicial (algo absolutamente enganador), surgem outros sintomas, como manchas vermelhas pelo corpo (imagem acima), ínguas inflamadas, mal-estar, dores na cabeça e no corpo, febre, os quais podem durar até dois anos, intercalados por pequenas melhoras. Na terceira fase temos lesões mais graves na pele, problemas cardíacos, além de distúrbios nas partes musculares, no sistema nervoso, no cérebro e no fígado. Tais sintomas surgem de modo imprevisível, em um intervalo de até 30 anos! O paciente pode evoluir para uma grave doença psiquiátrica (insanidade mental), cardiopatias e até um aneurisma (dilatação anormal dos vasos sanguíneos), caso não seja tratado de forma adequada. Enfim, desses males decorrentes da sífilis, o paciente pode ir a óbito. 


O conhecido gangster estadunidense Alphonse Gabriel Capone ou simplesmente Al Capone, atingiu o último estágio da doença, ainda quando estava detido em Alcatraz, a famosa prisão situada na baia de São Francisco, litoral do estado da Califórnia (na foto acima, ficha de Al Capone em Alcatraz, de 1934). Como se sabe, além da sua vida sexual promíscua nos bordéis, bebia em excesso e era viciado em cocaína. Em parte, foi devido ao seu péssimo estado mental, que Al Capone conseguiu deixar a prisão em 1939, em liberdade condicional. Os médicos afirmaram na época, que Al Capone tinha uma mente equivalente a de um menino de 12 anos! Após sair da prisão, a sífilis do conhecido fora-da-lei piorou e o levou à morte em 25 de janeiro de 1947, com apenas 48 anos de idade.



Por outro lado, o período pós-guerra (depois de 1945) viu a propagação de um medicamento que conseguiu estabelecer a perspectiva de cura para essa doença: a penicilina (ou antibiótico). Coube ao escocês Alexander Fleming (foto acima), um médico que atuou na Primeira Guerra Mundial, dar o passo mais importante na descoberta desse produto. Em 1928, Fleming encontrava-se em um laboratório insalubre e ao abrir uma placa de bactérias constatou que a mesma continha mofo (fungo). Ao analisar detidamente no microscópio a placa, percebeu que aquele mofo destruía as bactérias e apresentava nas suas pontas ramificações semelhantes a um pelo de pincel, daí o nome dado ao mesmo de Penicillium (pincel em latim). Dois outros cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, Howard Florey e Ernst Boris Chain estudaram a estrutura química desse novo material e produziram uma síntese do Penicillium que viabilizou a sua comercialização. Florey foi aos Estados Unidos para oferecer o produto à indústria farmacêutica em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial. 


Terminado o conflito, a penicilina avançou como importante instrumento de combate às bactérias e aos micróbios. Fleming, Florey e Chain foram agraciados com o Prêmio Nobel de Fisiologia (depois Medicina) em 1945 (na foto acima, Fleming em seu laboratório). 
A aplicação de injeções de penicilina aos portadores de sífilis (de acordo com o estágio da doença) começou a produzir bons resultados. Porém restava ainda outra forma de contaminação, a que ocorre durante a gravidez, que produz a sífilis congênita, quando o bebê é contaminado ainda em gestação na barriga da mãe, por meio da placenta, o que pode causar aborto e má formação do feto, dentre várias anomalias (existem outras decorrências, que surgem também no processo de crescimento da futura criança). Em razão disso, as mulheres grávidas contaminadas devem proceder a um tratamento já no pré-natal (ou antes, se possível), por meio de injeções de penicilina. O grande drama é que muitas mulheres desconhecem essa possibilidade de contaminação, em geral transmitidas pelos seus maridos e parceiros sexuais, exatamente como no caso da AIDS. No ano de 2015, Cuba foi o primeiro país do mundo a eliminar a sífilis congênita. 
Segundo dados contidos na Wikipédia, em 2015 aproximadamente 45 milhões de pessoas estavam infectadas com a sífilis e no mesmo ano surgiram 6 milhões de novos casos. Ainda nesse ano, mais de 100 mil pessoas morreram no mundo vítimas da doença. No início do século XXI o número de casos voltou a aumentar. Para muitos estudiosos, isso se deve à prática de relações sexuais sem a proteção adequada (uso de preservativos, claro) e ao aumento da prostituição. Deve ser lembrado que a doença afeta também parceiros homossexuais, que devem adotar as mesmas práticas de segurança dos casais heterossexuais (mais uma vez, o uso de preservativos). Em casos mais raros, a sífilis pode ser transmitida por meio de objetos contaminados como seringas, agulhas de tatuagem e nas transfusões de sangue. 
Existem controvérsias a respeito do surgimento da doença. Muitos historiadores acreditam que a sífilis tenha se originado na América e levada à Europa por meio da conquista efetuada pelos europeus, nos tempos da Expansão Marítima, a partir do século XVI, talvez na sequência das viagens do navegador italiano Cristovão Colombo. Da mesma forma, os europeus trouxeram para o nosso continente a varíola. A Europa acabava de se recuperar dos efeitos da Peste Negra, que eliminou aproximadamente 1/3 da população do continente. Segundo muitos relatos, soldados franceses foram contaminados na Itália (Nápoles) e levaram a sífilis para o território francês. Logo se percebeu que a doença era transmitida pelo contato sexual e por isso, apenas os idosos e as crianças eram menos vulneráveis. 



A sífilis espalhou-se rapidamente, não apenas nos prostíbulos, mas nos castelos (imagem acima, a sífilis associada à morte), nas cortes dos reis e, pasmem, até na Igreja. Acredita-se que os papas Alexandre VI e Júlio II (o protetor de Miquelangelo)  tenham contraído a doença. Os franceses diziam que a sífilis era italiana e no resto da Europa dizia-se que era francesa, até que um médico resolveu a questão, chamando-a de "doença venérea", em referência à deusa romana do amor Vênus (a Afrodite dos gregos), uma vez que era transmitida no ato sexual. Na Europa existem relatos antigos que apontam para sintomas muitos semelhantes ao da sífilis. Portanto, a questão da origem da doença ainda está em aberto. 



Durante séculos atribuiu-se a culpa pela transmissão da doença exclusivamente às mulheres, pois faziam os homens caírem em tentação, seguindo a linha da história bíblica de Adão e Eva e do pecado original (como na gravura acima, o indivíduo guiado pela tentação). Da mesma forma acreditava-se inicialmente que a sífilis era um castigo divino. Apenas a partir do século XIX esses mitos começaram a ser derrubados. 


Com relação ao produto indicado para curar a sífilis, no Anúncio Antigo mais acima, trata-se muito provavelmente do Licor Depurativo Tayuya (na foto acima, o frasco original do licor), obtido da planta do mesmo nome (Cayaponia tayuya) também conhecida como caiapó, abobrinha-do-mato e ana-pinta. 


A tayuya (foto acima) é uma trepadeira que pode atingir até dois metros de altura, com um tronco de aproximadamente vinte centímetros. A mesma é encontrada em abundância na Amazônia. A planta apresenta, de acordo com a literatura sobre ervas medicinais, inúmeras propriedades terapêuticas e recomendada no tratamento de doenças respiratórias, sendo a sua raiz considerada desintoxicante, ajudando no combate à anemia, diarreia, além de aliviar febres e atuando como laxante natural. E vejam só, o chá obtido da tayuya é recomendado no tratamento de uma série de doenças, inclusive a própria sífilis e a gonorreia! Claro, que na condição de pleno acompanhamento médico. Portanto, há algumas décadas atrás, e este que vos escreve tem lembranças disso, quando eram feitas referências a ervas medicinais com capacidade de combater as impurezas do sangue, isso não era algo tão fora de questão. Daí as várias pesquisas desenvolvidas atualmente pela própria indústria farmacêutica, em relação a esses produtos, dos quais podem ser obtidas novas drogas ou até mesmo a descoberta da cura de alguma moléstia maléfica para a humanidade. Mas nada disso pode substituir um bom e preciso diagnóstico médico. E lembrando: "Ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado". 
No que diz respeito ao sabão Aristolino e ao xarope de Grindelia, muito conhecidos também no início do século passado e presentes no anúncio mais acima, deixaremos para outra oportunidade. Aliás, o que sugerem as três figuras femininas presentes naquele anúncio? Seriam símbolos da boa saúde? Ou talvez uma figura para cada um dos remédios? Bem, fica aqui em aberto uma possível interpretação. O Anúncio Antigo de hoje foi publicado na revista Vida Moderna, de 16 de outubro de 1926. 
Crédito das imagens:
Fotos da bactéria causadora da sífilis e das manchas de pele:
https://biosom.com.br/blog/saude/sifilis/
Fotos de Alexander Fleming e da folha de Tayuya: Wikipédia
Al Capone em Alcatraz:
https://www.pbs.org/newshour/health/infectious-disease-sprung-al-capone-alcatraz
Foto do frasco do Licor Depurativo Tayuya: 
https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-680118572-antigo-vidro-de-licor-depurativo-de-tayuya-raridade-_JM
Alexander Fleming em seu laboratório, gravura da sífilis associada à morte e do homem conduzido pela tentação: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44844848

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