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domingo, 17 de fevereiro de 2019

Cinco Tons de George Washington



No ano de 1998, este que vos escreve teve a oportunidade de visitar a National Gallery of Art na capital dos Estados Unidos e ver de perto alguns dos retratos do presidente George Washington feitos pelo pintor Gilbert Stuart. Lá mesmo, fiz pequenos esboços ou cópias em meu bloco de desenho que levava no bolso, os quais estão reproduzidos nesta pequena mostra. A coleção da National Gallery é fabulosa, do que existe de melhor na arte ocidental e contando com trabalhos de grandes artistas, como por exemplo Fra Angelico, Botticelli, Leonardo da Vinci (com o seu único quadro existente no continente americano), Ticiano, El Greco, Rubens, Rembrandt, Cézanne, Renoir, Van Gogh, Picasso, só para ficar em alguns poucos! Claro, a instituição também abriga os grandes nomes da arte estadunidense, entre os quais John Singleton Copley, Benjamin West, Winslow Homer, James McNeill Whistler, Mary Cassatt, que trabalharam na virada do século XVIII para o século XIX. Destes últimos, temos obras de enorme qualidade, como no caso dos pintores que retrataram figuras da história daquele país, os chamados "pais fundadores", personagens atuantes na Revolução ou Independência Norte-Americana de 1776. Entre esses retratistas, sem dúvida, o grande destaque vai para o já citado Gilbert Stuart (1755-1828), o responsável por perpetuar o rosto do general e estadista George Washington. 


Stuart foi um grande pintor e retratista (só para lembrar, a fotografia ainda não havia sido desenvolvida). Ao longo de sua vida pintou mais de mil pessoas, incluindo os seis primeiros presidentes dos Estados Unidos. Nascido em Rhode Island (norte dos EUA) de uma família de origem escocesa, teve o seu aprendizado como artista ainda adolescente, em solo americano. Começou a se destacar como pintor de retratos quando estourou a Revolução Americana contra os ingleses, em 1776. Sem poder manter a sua atividade, Gilbert Stuart partiu, vejam só, para a Inglaterra. Repare o leitor (a), o retratista dos heróis da independência refugiou-se junto aos inimigos, a fim de manter o seu ofício. 



Na Inglaterra contou com a ajuda de outro pintor americano, Benjamin West, que ficou conhecido também por colocar em seus trabalhos temas ligados à história dos Estados Unidos. Aos poucos, Gilbert Stuart adquiriu prestígio comparável aos grandes artistas ingleses da época, como Joshua Reynolds e Thomas Gainsborough. Contudo, o pintor não era tão talentoso para administrar as suas finanças, era perdulário e quase foi preso em função das enormes dívidas adquiridas. Em Londres, Stuart mantinha um estilo de vida por demais suntuoso, chegando a adquirir uma enorme carruagem, algo visto como fora das capacidades de um simples plebeu oriundo da colônia. Em 1787 teve de fugir para a Irlanda, a fim de escapar dos credores. 


No ano de 1793, Gilbert Stuart regressou aos Estados Unidos e veio a se estabelecer em Germantown, na Pensilvânia, próximo da Filadélfia, então capital da primeira nação independente das Américas. Lá montou um estúdio e voltou a ter prestígio como artista e também como fazedor de dívidas. Seu talento chamou a atenção do juíz John Jay, primeiro chefe de Justiça dos Estados Unidos, que era amigo do presidente George Washington. A partir de 1795, Stuart começou a trabalhar em alguns retratos do presidente. Conta-se que, para manter os modelos durante a pose, Gilbert Stuart conversava e contava histórias enquanto pintava os retratos. Contudo, ao que parece, com Washington a estratégia não deu tão certo e o artista chegou a declarar: "Uma apatia pareceu apoderar-se dele, e um vácuo espalhou-se por seu semblante, o mais apavorante de pintar." De qualquer forma, pelos resultados obtidos, Gilbert Stuart parece ter conseguido atingir plenamente os seus objetivos como retratista.


Stuart não costumava realizar estudos que antecedessem a pintura, ou seja, ia direto para a tela. Seus retratos transmitem uma impressão de naturalidade e despojamento. Mesmo após a morte de Washington, em 1799, George Stuart continuou a fazer retratos do ex-presidente com base em algumas poucas pinturas anteriores. Em 1805, o artista transferiu-se para a cidade de Boston, no estado de Massachussets e lá continuou a trabalhar até a morte, em 1828, aos 72 anos. Sim, deixou como herança para a esposa e filhas muitas dívidas, o que fez com que a família não tivesse recursos nem para comprar uma tumba para o pintor. 


Por incrível que pareça, o quadro mais famoso e mais reproduzido de George Washington, foi o de um trabalho de Gilbert Stuart que permaneceu inacabado, datado de 1796 (imagem acima) e também conhecido pelo nome de The Athenaeum (ou o "Retrato do Ateneu", pois permaneceu exposto no Ateneu da cidade de Boston). Desse retrato, Stuart fez outras 130 cópias com a ajuda de sua filha, Jane Stuart, que também era pintora e colocou as mesmas à venda por 100 dólares cada (valor apreciável no início do século XIX). Interessante notar que a grande maioria dos retratos de Washington feitos pelo artista (ou em seu ateliê) foram pintados após a morte do presidente. Pelo que se sabe, apenas três trabalhos realizados por Stuart tiveram Washington posando ou enquanto era vivo: o próprio "Retrato Inacabado", o "Retrato de Lansdowne" (com Washington de corpo inteiro) e o "Retrato Vaughan", do qual falaremos adiante. Como já foi observado, Washington se irritava em permanecer muito tempo estático para as poses. Um detalhe curioso foi observado por Gilbert Stuart: "Quando o pintei, ele tinha acabado de inserir um conjunto de dentes falsos, o que explica a expressão constrangida tão perceptível na boca e na parte inferior do rosto". Como se sabe, George Washington tinha perdido quase toda a sua dentição na altura dos trinta nos e utilizava uma espécie de dentadura feita de marfim para corrigir o problema. Alguns contemporâneos atribuíram a perda precoce dos dentes ao gosto do presidente em consumir nozes e castanhas. 



O rosto de George Washington representado no "Retrato Inacabado" apareceu nas notas de um dólar (imagem acima) por mais de um século e também estampou vários selos postais, lapidando a imagem icônica do primeiro presidente dos Estados Unidos. Nessa mesma obra de Stuart é possível perceber como era o processo de trabalho do artista e o modo de execução de suas pinturas, começando pelo rosto para depois compor o que seria o fundo do trabalho. Há algo de moderno nessa tela e em suas pinceladas, um prenúncio do que viria adiante na história da arte. 



Gilbert Stuart (acima, o pintor retratado por sua filha, Jane Stuart) pintou retratos de outros estadistas, entre eles Thomas Jefferson, John Adams, John Quincy Adams, James Monroe, James Madison para ficarmos nos presidentes que sucederam a George Washington. 



Finalmente, os dois trabalhos de Gilbert Stuart que serviram de referência para os meus desenhos, nesta mini mostra, aparecem acima. O primeiro é tido como uma cópia feita pelo próprio Gilbert Stuart no início do século XIX, possivelmente do "Retrato Inacabado" e o segundo, conhecido como "Retrato de Vaughan" (sobrenome do primeiro proprietário da obra) foi feito tendo o próprio George Washington como modelo em 1795. 
Como se percebe, por necessidade (até o advento da fotografia) ou por simples inspiração, a figura humana foi, é e continuará sendo um dos grandes temas dos artistas...
Crédito das imagens:
Desenhos: do autor da postagem. 
Retrato inacabado de Washington:
https://www.npg.org.uk/collections/search/portrait/mw197091/George-Washington
Retrato de Washington do início do século XIX:
https://www.npg.org.uk/collections/search/portrait/mw06602/George-Washington
Imagem do retrato de Washington de 1795:
https://images.nga.gov/en/search/do_quick_search.html?q=%221942.8.27%22
Nota antiga de um dólar e retrato de Gilbert Stuart feito por sua filha: Wikipédia (versão em inglês). 

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