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quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Imagens Históricas 39: carta de alforria



Bem, não é exatamente uma imagem, mas sim um documento, ou melhor, a imagem de um documento. Ah, não importa! O que interessa é que estamos diante de uma legítima carta de alforria (emancipação) concedida a uma escrava, através da qual a mesma passava a ser considerada uma liberta (imagem acima). A carta data de 1º de janeiro de 1871 e está selada. Sabemos apenas que a mulher atendia pelo nome de Matildes e que os seus pais prestaram ao Seminário do Caraça (localizado no município de Catas Altas, Minas Gerais) relevantes serviços, o que contribuiu para que a alforria lhe fosse concedida. Sabe-se que naquela instituição eram poucos os escravos, mas o documento comprova que existiam. Também é sabido que a construção da igreja em estilo neogótico (tida como a primeira do Brasil nesse padrão arquitetônico) a partir de 1876, contou com trabalhadores livres (portugueses, espanhóis e brasileiros), pois nessa época, os escravos do Caraça haviam sido libertados. A carta de alforria acima parece indicar isso.



Por outro lado, conhecemos bem mais a respeito de quem assinou a referida carta concedendo liberdade a Matildes. Trata-se de Antônio Ferreira Viçoso (foto acima, sem data), nascido em Portugal no ano de 1787. Em 1811, ingressou na Congregação da Missão, ordem religiosa de padres missionários fundada por São Vicente de Paulo, na França, no início do século XVII. Os padres que faziam parte da instituição ficaram conhecidos como "vicentinos" ou "lazaristas", uma vez que a Casa da Congregação chamava-se Casa de São Lázaro (situada em Paris). 


Junto com outro padre lazarista, Leandro Rebelo Peixoto, Antônio Viçoso veio ao Brasil em 1819 e recebeu do próprio rei de Portugal, Dom João VI, a missão de encaminhar e organizar o Santuário do Caraça (foto acima), praticamente abandonado após a morte de seu fundador, o Irmão Lourenço. Coube aos dois padres a implantação de um Colégio naquele local, que ficou conhecido no século XIX pela qualidade do ensino ministrado e também na formação de sacerdotes. 
Mais tarde, em 1844, pelo dispositivo previsto na Constituição do Império, conhecido como Padroado (direito de conferir benefícios eclesiásticos), o imperador do Brasil Dom Pedro II, indicou Antônio Ferreira Viçoso para ser bispo da diocese de Mariana (MG). Dom Viçoso, como passou a ser conhecido, reestruturou o Seminário (escola para a formação de sacerdotes) de Mariana, o qual, por algum tempo, foi transferido para o Caraça em função de uma epidemia de varíola. Dom Viçoso foi também um dos primeiros representantes do movimento ultramontano (palavra que significa "além das montanhas") no Brasil, que visava recuperar a autoridade papal e a primazia de Roma em assuntos relacionados à fé. Em termos concretos, uma resposta da Igreja Católica ao avanço das doutrinas liberais e ao nacionalismo europeu, na segunda metade do século XIX. A família imperial brasileira esteve muito vinculada a essa corrente, como por exemplo, a Princesa Isabel. 
Em 1868, Dom Pedro II concedeu a Dom Viçoso o título de Conde de Conceição, que aliás aparece no documento acima, após a sua assinatura. Além disso, recebeu também do imperador duas outras comendas (honrarias), a Imperial Ordem de Cristo e a Imperial Ordem da Rosa. Dom Viçoso faleceu em 1875 e seu nome foi encaminhado, um século depois, para o processo de beatificação e canonização. Uma etapa importante para o mesmo foi obtida em 1986, quando Dom Viçoso passou a ser considerado pela Igreja Católica, "Servo de Deus". 
Uma última curiosidade. Duas cidades mineiras tem os seus nomes relacionados ao do bispo: Dom Viçoso e Viçosa. 
Crédito das imagens:
Carta de alforria e foto do Caraça: Guia do Arquivo Histórico do Caraça de Leandro Araújo Nunes (coordenador). Belo Horizonte: Lastro, 2008, páginas 45 e 27 respectivamente.
Foto de Dom Viçoso: https://patrimonioespiritual.org/2016/03/19/santuario-de-nossa-senhora-mae-dos-homens-caraca-catas-altas-mg/

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