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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Imagens Históricas 38: o rinoceronte Cacareco



Na verdade um rinoceronte fêmea de 230 quilos (imagem acima), que pertenceu ao Zoológico do Rio de Janeiro (na Quinta da Boa-Vista) e emprestado ao Zoológico de São Paulo (na Água Funda) para a inauguração deste, que ocorreu no dia 16 de março de 1958, com a presença do governador Jânio Quadros. Este último intercedeu pessoalmente junto às autoridades cariocas para que o animal fosse trazido. Cacareco foi o primeiro rinoceronte nascido no Brasil, no próprio zoológico do Rio, tendo por pais o casal de rinocerontes Terezinha e Britador. Tratava-se de um carioca legítimo. O animal ganhou notoriedade na mídia da época e rapidamente caiu na simpatia da população. Em uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo do dia 26 de outubro de 1958, oito meses após a abertura do zoológico paulista, consta que o Cacareco foi escolhido em uma enquete, como o bicho mais popular da instituição, entre mais de 300 outros animais. Em função disso, os cariocas começaram a reclamar a volta do animal e os paulistas a sua permanência. Na antiga capital do Brasil, os estudantes organizaram uma petição para a devolução do rinoceronte, em uma mobilização que ficou conhecida como "o Cacareco é nosso". 



Em 4 de outubro de 1959, ocorreu a eleição para a Câmara Municipal (vereadores) da capital paulista e aí não deu outra. Os eleitores resolveram aclamar o Cacareco nas urnas! Vamos lembrar ao caro leitor (a), que na época as cédulas eleitorais eram preenchidas com o nome do candidato (ou o seu número). Mais de 100 000 votos foram dados ao bicho (segundo estimativas), uma enormidade na época. Mesmo hoje tal votação elegeria com folga um vereador. Claro, esses votos foram considerados nulos. Para se ter uma ideia, a votação do animal foi superior ao do partido mais votado, que foi de aproximadamente 95 000 votos. O fato inusitado ganhou destaque até na imprensa internacional, com uma matéria no jornal The New York Times. Outro jornal novaiorquino, o World Telegram and Sun, em editorial de primeira página, afirmou de forma irônica, que a eleição de um rinoceronte não era surpreendente, uma vez que Nova Iorque, nos últimos anos, vinha elegendo "asnos" para o seu Conselho Municipal (equivalente à Câmara de Vereadores). O humorista Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo do jornalista Sérgio Porto) escreveu no jornal Última Hora, que vários membros do Partido Social Progressista (PSP) andaram depois sondando o Cacareco, para ocupar a vaga de Adhemar de Barros (o "rouba, mas faz") como futuro candidato! Já o então presidente Juscelino Kubitschek deu uma declaração mais sóbria: "Não sou intérprete de acontecimentos sociais e políticos. Aguardo as interpretações do próprio povo". 



Bem, após a eleição, a popularidade do animal cresceu ainda mais, a ponto de ser lançado um boneco de brinquedo (e de enfeite!), pela mais conhecida indústria do ramo, a Brinquedos Estrela (anúncio acima). O fato ainda inspirou várias músicas para o carnaval de 1960, sendo a mais conhecida a marchinha interpretada por Risadinha, "Cacareco é o maior", composta por Francisco Ferraz Neto (o Risadinha) e José Roy. Para os interessados, a mesma pode ser encontrada no Youtube. 


Cacareco teve de ser devolvido ao Zoológico do Rio de Janeiro em outubro de 1959, dias antes da própria eleição e não pode acompanhar as apurações que o consagraram. Voltou mais gordo após a sua estada de quase dois anos em terras paulistas, pesando 300 quilos (na foto acima, Cacareco no Zoológico de São Paulo). Contudo, em dezembro de 1962, Cacareco veio a óbito, vitimado por nefrite (inflamação de rim) aguda. Morreu muito jovem, com apenas 8 anos (os rinocerontes costumam viver mais de 50). 


Os seus restos mortais acabaram sendo levados de volta para São Paulo em 1984 e desde então, estão exibidos no Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (imagem acima). 
Em 1963 surgiu no Canadá um partido que homenageava o rinoceronte Cacareco: The Rhinoceros Party (Partido do Rinoceronte). O mesmo teve existência até 1993 e tinha o animal como guia espiritual. Este que vos escreve guarda lembranças do Cacareco em sua tenra infância. Minha mãe, dona Olívia, sempre se referia a um objeto inútil que estava ocupando espaço em casa, como sendo um "Cacareco". Ao que parece, essa designação para "coisa velha" já era usada muito antes do animal fazer sucesso. Triste destino dado ao bichinho, que tão boas lembranças deixou na memória de muitos eleitores. Algumas fontes dizem que a proposta de lançar o animal como candidato a vereador teria sido do jornalista Itaboraí Martins, em função do péssimo nível dos 450 candidatos concorrentes na época. Muitos afirmam que se tal proposta surgisse hoje, seria necessário disponibilizar o zoológico inteiro...
Crédito das imagens: 
Primeira foto do Cacareco: Agência Estado.
Segunda foto do Cacareco: Coleção Nosso Século. 1945/1960: A Era dos Partidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980, página 288.
Cacareco no Zoo de São paulo: Pinterest. 
Anúncio do brinquedo Cacareco da Estrela: jornal O Estado de São Paulo de 25 de outubro de 1959, página 5. 
Foto dos restos do animal: Wikipédia. 

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