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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

História Mundi também no Facebook



Caro (a) leitor (a), no Facebook você poderá encontrar fotos e imagens das postagens feitas em nosso blog, com informações pontuais a respeito dos acontecimentos históricos, sejam eles antigos, não tão antigos ou mesmo contemporâneos. Afinal, é difícil avaliar a importância de um determinado evento aos olhos da história. Muitas vezes é o próprio historiador, com a sua capacidade de escrita, argumentação e embasamento nas fontes, que irá atribuir a um acontecimento o rótulo de histórico. Várias dessas imagens não foram aproveitadas em nossas postagens ou poderão servir de ponto de partida para uma, como a cena acima, mostrando João Goulart e Tancredo Neves (ao centro e à direita respectivamente) em 1961, durante a implantação do regime parlamentarista de governo no Brasil (Goulart presidente e Tancredo primeiro-ministro). 
Certos de continuarmos a ter a sua presença, desejamos a todos um excelente 2019!!!!!
História Mundi no Facebook:
https://www.facebook.com/histormundi/
Crédito da imagem: Fotograma do documentário "Os Anos JK" de Sílvio Tendler, 1980, Seleções DVD. 

domingo, 30 de dezembro de 2018

Anúncio Antigo 59: a novela "A Cabana do Pai Tomás"



Sim, a teledramaturgia brasileira fez isso, em pleno auge da luta pelos direitos civis no mundo, na década de 1960: escalar um ator branco para viver um personagem negro e escravo. Com direito a maquiagem para escurecer a pele! Tal fato ocorreu na novela "A Cabana do Pai Tomás", exibida pela Rede Globo de Televisão entre 7 de julho de 1969 e 28 de fevereiro de 1970. A mesma era em preto-e-branco (não existia televisão em cores no Brasil). Foi a sexta novela do horário das sete horas da noite na emissora, com um total de 204 capítulos, da qual este que vos escreve guarda algumas lembranças e cujo lançamento aparece no Anúncio Antigo de hoje (imagem acima). A emissora coloca em seu site Memória Globo, um argumento aparentemente decisivo para recorrer a esse lamentável artifício. O patrocinador, no caso a Colgate-Palmolive, teria imposto essa alternativa, apesar da grande disponibilidade de atores afrodescendentes que poderiam perfeitamente interpretar o papel. Uma escolha meio óbvia já naquela época era Milton Gonçalves, o qual, aliás, acabou por participar da novela, porém não no papel título. O conhecido ator Sergio Cardoso, recém chegado da TV Tupi (emissora concorrente da Globo naquele momento), assumiu o personagem do escravo Tomás e mais outros dois: Dimitrius e, pasmem, Abraham Lincoln! 


Para viver o personagem negro, Sergio Cardoso além de pintar o rosto e parte do corpo, usava peruca e rolhas no nariz a fim de alterar o formato deste (na foto acima, o ator vivendo o personagem Tomás). Tudo isso gerou uma grande polêmica e um dos primeiros a levantar a questão na imprensa da época foi o também ator, escritor e teatrólogo Plínio Marcos, na coluna diária que escrevia no jornal Última Hora de São Paulo. Em várias oportunidades ele protestou contra esse recurso, o qual, em todos os aspectos, acabava por remeter ao racismo e ao preconceito contra atores negros em nossa televisão. Na época, a esses profissionais eram reservados os papéis de cozinheiros, empregados (as) domésticos (as) ou escravos (as). E isso, desde que não fosse o personagem principal! Sergio Cardoso tentou justificar-se, por meio de uma declaração, que tornou-se uma emenda a prejudicar ainda mais o soneto: "Tenho vários amigos de cor que são como meus irmãos; tenho afilhados pretinhos que amo como se fossem meus filhos." Na visão dele, pintar o rosto de negro era apenas fazer a caracterização de um personagem e como algo desafiador para um ator, não uma discriminação racial. 


A novela, escrita inicialmente por Hedy Maia, Glória Magadan e Walther Negrão, foi uma adaptação do conhecido romance Uncle Tom's Cabin (traduzido em português como "A Cabana do Pai Tomás") da escritora (e professora) estadunidense Harriet Beecher Stowe (foto acima), publicado em 1852. A obra impulsionou a propaganda pela causa da abolição da escravidão nos Estados Unidos e foi um enorme sucesso de vendas naquele país, perdendo apenas para a Bíblia e à frente de outro exito literário, "Ben-Hur" de Lew Wallace. Traduzido para várias línguas, o romance fez sucesso na Inglaterra e em vários países da Europa. Na verdade, tratava-se do ponto de vista do norte a respeito da escravidão, uma vez que a autora era proveniente do estado de Connecticut. O trabalho compulsório foi uma das questões que levou à Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão (1861-1865), dividindo os Estados Unidos entre nortistas (favoráveis à extinção do trabalho escravo) e sulistas (fazendeiros que desejavam a manutenção da escravidão). A contribuição da obra de Harriet Beecher Stowe para a causa abolicionista foi reconhecida pelo próprio presidente Abraham Lincoln. Apesar disso, muitos críticos apontaram, mais tarde, que os personagens escravos eram estereotipados, como o próprio Tom, bonzinho demais, submisso e apegado a fé cristã, pois sempre levava consigo uma Bíblia. 



A história gira em torno do escravo Tom (no original Uncle Tom) vendido por seu proprietário, Arthur Shelby, do estado do Kentucky, em função do mesmo ter várias dívidas, embora não fosse essa a sua vontade (na cena acima da novela, Tom aparece com a esposa Chloé, à esquerda). Tom é levado para Nova Orleans (no sul do estado da Luisiana), onde o seu novo dono chegou a lhe prometer a liberdade. No entanto, este é assassinado e Tom é vendido pela viúva a um perverso fazendeiro de algodão (principal produto do sul dos Estados Unidos, na época), Simon Legreé, que o castiga constantemente, sobretudo quando Tom presta socorro a outros escravos, como por exemplo a jovem Cassie. Tom ajudou-a a fugir para o Canadá, onde não havia escravidão. Posteriormente, Cassie foi para a França e finalmente para a Libéria, na costa ocidental da África (país que surgiu sob os auspícios do governo estadunidense para abrigar ex-escravos e libertos). Para o velho Tom e sua esposa Chloé, a ajuda do filho de seu primeiro dono (Arthur Shelby), George Shelby, educado na companhia e amizade do velho escravo, surgiu como uma possibilidade de emancipação. Bem, não vamos revelar aqui o final da história, caso o caro (a) leitor (a) tenha interesse em ler a obra.



Voltemos então à novela, que sofreu algumas adaptações em relação ao livro, mais palatáveis ao público daqui. Tom virou "Tomás" e o Uncle substituído por "Pai", aliás como na própria tradução do livro para o português (acima, Tomás e sua mulher Chloé, vivida por Ruth de Souza). 



Outros personagens foram introduzidos. Foi o caso de Dimitrius, que como já mencionamos, também era interpretado por Sérgio Cardoso. Por que tal personagem? Para fazer um contraponto aos rudes fazendeiros escravagistas, Dimitrius foi inspirado no famoso Rhett Butler, o herói burguês e esperto de "E o Vento Levou" da escritora Margareth Mitchel (na foto acima, Dimitrius ao lado do personagem Pierre Saint Clair, vivido por Paulo Goulart). 


A mulher de Tomás, Chloé, foi interpretada pela conhecida e premiada atriz Ruth de Souza, uma das que abriram as portas do nosso cinema e televisão para atores afrodescendentes (na foto acima, a atriz e Sergio Cardoso na novela). A indicação para o papel vivido por Ruth teria partido do próprio Sergio Cardoso. Aliás, vale lembrar que Ruth de Souza defendeu o ator na polêmica com Plínio Marcos, ainda antes da estreia da novela, como mostra uma entrevista da atriz à revista Intervalo (da editora Abril, nº 334, página 12). Na mesma, Ruth de Souza afirmou: "Não vejo razão para reclamação. Há muita gente querendo defender o negro, enquanto ele, na realidade, não pediu defesa nenhuma." 



Nas gravações algumas dificuldades tiveram que ser superadas. As cenas em que os personagens vividos por Sergio Cardoso apareciam juntos, eram gravadas em separado para depois serem montadas, pois a tecnologia da época não permitia imagens simultâneas de um mesmo ator (na foto acima, Tomás ao lado do cruel Mr. Legris, vivido por Edney Giovenazzi).



"A Cabana do Pai Tomás" foi tida, na época, como a produção mais cara da televisão brasileira, muito em função de ser uma novela de época, ambientada em um contexto histórico e geográfico diferente do nosso. Os figurinos exigiram enorme trabalho das 40 costureiras que criaram 150 trajes para a produção, como podem ser observados nas fotos acima (com as atrizes Jacyra Silva e Miriam Mehler, as duas em primeiro plano, respectivamente de cima para baixo). 
Dois estúdios foram montados em São Paulo para a produção da novela. A logística exigida pelas gravações externas foi difícil. Por exemplo, para reproduzir o ambiente das fazendas de algodão do sul dos Estados Unidos, foi encontrada na região de Campinas (SP) uma propriedade que poderia ser utilizada nas locações. Contudo, a colheita do algodão teve de ser antecipada para que as gravações pudessem ser feitas a tempo. O número de figurantes chegava a superar uma centena. 


Da mesma forma, uma embarcação (que aparece na foto acima, ao lado do ator Sérgio Cardoso), semelhante àquelas utilizadas no rio Mississipi, foi disponibilizada para as cenas em que os escravos eram levados para outros lugares. E ainda, segundo informações divulgadas nas revistas de televisão da época, um rio teria sido congelado para as cenas passadas no inverno. Infelizmente, este que vos escreve não conseguiu obter maiores informações de como se procedeu a essa incrível transformação. O que posso dizer aos leitores (as), por meio de minha própria lembrança é que, de fato, na novela existiam cenas passadas na neve, e que esta assemelhava-se muito à espuma de sabão em pó. 
Contudo, um fato inesperado quase colocou tudo a perder. No dia 13 de julho de 1969, a explosão de um frasco inflamável ocorrida atrás dos cenários do programa Sílvio Santos (que na época, trabalhava na Globo) deu início a um incêndio. De acordo com Rixa, autor do livro "Almanaque da TV: 50 anos de memória e informação" (Editora Objetiva, 2000), em apenas cinco minutos o edifício da TV Globo, localizado na Rua das Palmeiras (bairro de Santa Cecília, no centro de São Paulo) foi consumido pelas chamas e junto os dois estúdios de gravação da novela "A Cabana do Pai Tomás". Um acervo valiosíssimo de programas, filmes e desenhos animados foi perdido (inclusive o conhecido seriado nipônico "Nacional Kid"), além dos vinte capítulos iniciais da novela em questão, como também nove capítulos de "A Rosa Rebelde" e dois capítulos de "A Ponte dos Suspiros". Toda a produção de "A Cabana do Pai Tomás" foi transferida às pressas para o Rio de Janeiro, onde teve que dividir o estúdio com as duas telenovelas citadas. Roupas, figurinos e até mesmo a peruca utilizada por Sérgio Cardoso para interpretar o personagem Tomás, foram perdidas e tiveram que ser refeitas. 



No Rio de Janeiro a produção foi retomada a toque de caixa para que os capítulos fossem levados ao ar sem interrupção (na foto acima, gravação de uma cena). O diretor Fábio Sabag, com problemas de estafa, foi substituído por Daniel Filho, o qual afirmou em uma entrevista à revista Sétimo Céu, em setembro de 1969, que as gravações chegavam a durar 15 horas seguidas, sendo que, às vezes, varavam a noite a fim de completar um capítulo. Qualquer atraso poderia comprometer a exibição da novela, uma vez que cada capítulo tinha 25 minutos de duração e levava de dois a três dias para ser gravado. 



Ao todo, a novela teve cinco roteiristas, inclusive o próprio Sérgio Cardoso, que deu várias sugestões para o andamento da trama, a qual, ao final, assemelhava-se mais a um faroeste, de acordo com Walter Negrão. Este último ainda contou que um dos atores, Gésio Amadeu, um escravo colocado no tronco e que deveria morrer no primeiro capítulo, o procurou pedindo que não o tirasse da trama, pois ele necessitava ganhar o seu cachê por pelo menos mais um mês. Sensibilizado, Walter Negrão atendeu ao seu pedido, salvando-o das chicotadas!



Ruth de Souza (foto acima) afirmou, em entrevista, que algumas atrizes mostraram-se insatisfeitas por ela ter o seu nome na frente dos créditos da abertura, mesmo tendo papel importante como a mulher de Tomás. Mais uma evidência de como o racismo é algo palpável em nossa sociedade e até mesmo, no meio artístico. 
A novela não correspondeu às expectativas da emissora, não apenas devido aos contratempos, mas também às dificuldades de assimilação por parte do público, de uma história muito distante de nossa realidade. Além disso, sofreu a concorrência de um grande sucesso da TV Tupi, "Nino Italianinho", que ganhava audiência enorme junto ao público de origem italiana, como a novela "Antônio Maria" (personagem aliás, vivido pelo próprio Sérgio Cardoso) havia obtido junto aos descendentes portugueses. A TV Globo encerrava o ciclo das novelas de época e passou a buscar tramas mais relacionadas à nossa realidade, sobretudo nos textos de Janet Clair e Dias Gomes. 
O recurso do ator Sérgio Cardoso de escurecer o corpo para representar um personagem, não foi mais utilizado? Em termos! Por exemplo, a atriz Sônia Braga, para viver a Gabriela do romance de Jorge Amado na novela de 1975, recorreu a uma tintura na pele para que parecesse morena e de acordo com a personagem (ver neste blog a postagem "A novela Gabriela: versão 1975").
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo, do dia 18 de maio de 1969, na página 28. 
Crédito das imagens:
Foto da escritora Harriet Beecher Stowe: Wikipédia.
Fotos em cores de Sérgio Cardoso e Ruth de Souza, de Sérgio Cardoso com a corrente e das fotos relacionadas aos figurinos: Revista Sétimo Céu, nº 162, setembro de 1969, páginas 36, 37, 38 e 39. Disponível em:
http://revistaamiga-novelas.blogspot.com/search/label/A%20CABANA%20DO%20PAI%20TOM%C3%81S
Foto de Sergio Cardoso e Ruth de Souza abraçada a ele colorida (e a frase atribuída ao ator, justificando o papel):
https://virtualia.blogs.sapo.pt/20263.html
Fotos de Tomás com os demais escravos, de Dimitrius e Pierre Saint Clair e de Tomás com Mr. Legris:
http://enriquetv.blogspot.com/2016/03/a-cabana-do-pai-tomas-novelas-classicas.html
Foto de Sérgio Cardoso com o livro e tendo o barco ao fundo:
http://astrosemrevista.blogspot.com/2012/02/sergio-cardoso-na-tv-globo.html
Imagem da gravação em cena do barco:
http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/a-cabana-do-pai-tomas.htm

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Imagens Históricas 40: a primeira foto de uma figura humana



Muitos acontecimentos ocorridos na história podem ser caracterizados como sendo "a primeira vez". Por exemplo, a primeira fotografia a registrar a presença de uma figura humana. Pois é o que a imagem histórica de hoje nos revela. A foto é de 1838 e mostra o Boulevard du Temple, no centro de Paris, nos primórdios do desenvolvimento do processo fotográfico. Um indivíduo está no canto inferior esquerdo (imagem acima) e, ao que parece, está tendo os seus sapatos engraxados por outra pessoa, menos perceptível. E vejam que curioso, exatamente por isso esse cidadão apareceu na foto, por ter permanecido ali por aproximadamente dez minutos. Naquela época, o tempo de exposição para se obter uma imagem em uma placa de metal, depois transformada em foto, era exatamente esse. Em razão disso, temos a impressão de que a rua está deserta, o que é um engano, pois as demais pessoas não permaneceram paradas por tanto tempo. 



A autoria da foto coube a Louis-Jacques-Mandé Daguerre ou simplesmente Louis Daguerre (1787-1851), pintor (de cenários de ópera) e físico francês, pioneiro da fotografia ao introduzir o processo que levou o seu nome: daguerreótipo (acima, Daguerre em uma foto feita pelo processo criado por ele mesmo, de 1844). Pioneiro, pois antes dele, o também francês Nicéphore Niépce havia feito aquela que é considerada a primeira fotografia, de uma paisagem, em 1826. Contudo, o seu processo exigia aproximadamente oito horas de tempo de exposição para se obter a foto e a imagem não era de boa qualidade. Daguerre, que praticamente trabalhou junto a Niépce, continuou os seus experimentos após a morte deste e desenvolveu uma nova técnica, reduzindo o tempo de exposição. A imagem era fixada em uma placa de cobre banhada com iodeto de prata, formando uma superfície espelhada e sensível, colocada dentro de uma caixa escura. Após deixar cair (acidentalmente), mercúrio (de um termômetro) sobre uma dessas placas, Daguerre descobriu que poderia revelar as imagens com maior rapidez, com pouco mais de vinte minutos de exposição. Nessa etapa, era difícil tirar fotos de pessoas, pois as mesmas tinham que ficar imóveis por todo esse tempo. Contudo, o procedimento foi aprimorado, com a melhora das lentes e na sensibilidade das placas (com o uso de brometo de prata ou cloreto de prata) reduzindo ainda mais o tempo de exposição. Com isso, as fotos de pessoas tornaram-se mais comuns, inclusive de indivíduos mortos, que eram vestidos e colocados em cadeiras ou sofás e fotografados junto à família. Era a forma encontrada de se ter a imagem guardada do ente querido. 


Louis Daguerre não patenteou a nova técnica, optando ao invés disso, em receber uma pensão vitalícia do governo francês (na foto acima, um daguerreótipo original). Por isso, o seu aperfeiçoamento se disseminou rapidamente pelo mundo, inclusive aqui no Brasil, através do imperador D. Pedro II, um entusiasta da fotografia. Os tempos da Primeira Revolução Industrial foram cheios de novidades, as quais, na segunda metade do século XIX, pareciam não ter mais fim. Trata-se de algo nunca visto pela humanidade até então...
Crédito das imagens: Wikipédia. 

sábado, 22 de dezembro de 2018

Mensagem de Boas Festas e Feliz 2019


Nossa tradicional mensagem de final de ano atrasou, mas chegou! Então vamos a ela, sem maiores delongas.



Houve uma época...


em que o conhecido grupo musical sueco ABBA, patrocinava (ou apenas estampava o seu nome) uma equipe de Fórmula 1 (na imagem acima, carro da escuderia ATS de 1980, do piloto sueco Slim Borgudd, com a estampa do grupo musical);


em que a atriz francesa Brigitte Bardot veio ao Brasil dar o ar de sua graça (foto acima) e disse: Adorei a revolução de vocês (era o ano de 1964); 


em que os programas de televisão tinham de mostrar o certificado da Censura Federal antes de serem exibidos, bem como a restrição de horário, no tempo da Ditadura Militar (na imagem acima, o certificado da novela "Gabriela" exibida pela TV Globo em 1975);


em que o rei do rock Elvis Presley, recebia uma jornalista brasileira para dar entrevista (na foto acima, Dulce Damasceno de Brito, dos Diários Associados e revista O Cruzeiro, entrevista Elvis, no intervalo das filmagens de "Ama-me com Ternura" em 1956);


em que Hitler desejava, apenas, ser um artista plástico (na imagem acima, pintura em aquarela de Adolf Hitler de uma igreja de Viena, capital do antigo Império Austro-Húngaro, assinada na parte inferior à direita e datada de 1912);


em que uma "natureza morta" era apenas motivo temático para um artista pintar um quadro (na foto acima, montagem de uma natureza morta para ser pintada); 


em que a apresentadora Xuxa Meneghel interpretava uma prostituta, que seduzia um garoto pré-adolescente (na imagem acima, o cartaz reproduzido na antiga Iugoslávia, do filme "Amor, Estranho Amor" dirigido por Walter Hugo Khouri em 1982);


em que os norte-americanos imaginavam o Pão de Açúcar e o morro da Urca na cidade do Rio de Janeiro, bem diferente do que os mesmos, de fato, eram (na imagem acima, publicada em um jornal do Estado de Michigan em 1891); 


em que o grande compositor Dorival Caymmi tocava violão para o cineasta norte-americano Orson Welles (na foto acima, os dois em 1942, quando Welles veio ao Brasil filmar o documentário inacabado It's all true); 


em que a nudez podia ser admirada sem tanto preconceito ou moralismo (na imagem acima, um desenho de modelo vivo feito por este que vos escreve, em 2002).

Por essas e por outras, é que, apesar de tudo, contínuo gostando de estudar história. Um ótimo Natal e excelente 2019 para todos!!!!!!!!!!!!

Crédito das imagens:
Foto de Dulce Damasceno com Elvis: blog História Mundi.
Pão de Açucar imaginado pelos norte-americanos: jornal "The true northerner", Paw Paw, Michigan, 30 de dezembro de 1891. 
Fotos de Briggite Bardot, certificado da Censura Federal e a aquarela de Hitler: Pinterest.
Carro de Fórmula 1 com a estampa do grupo Abba:
https://www.treta.com.br/10-patrocinadores-bizarros-da-formula-1?fbclid=IwAR3XuYtDNuGH0EqJDQ8kOphVPzsPYVc4Vc1Yhcv55TSlmVPKZSWFkCFK2wg
Foto de uma "natureza morta" e desenho de modelo vivo: acervo do autor.
Foto de Dorival Caymmi com Orson Welles:
http://www.jobim.org/acervo/handle/2010.0/2710
Cartaz do filme "Amor, Estranho Amor" na antiga Iugoslávia:
https://www.cinematerial.com/movies/amor-estranho-amor-i83552/p/iiabzoqv

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Imagens Históricas 39: carta de alforria



Bem, não é exatamente uma imagem, mas sim um documento, ou melhor, a imagem de um documento. Ah, não importa! O que interessa é que estamos diante de uma legítima carta de alforria (emancipação) concedida a uma escrava, através da qual a mesma passava a ser considerada uma liberta (imagem acima). A carta data de 1º de janeiro de 1871 e está selada. Sabemos apenas que a mulher atendia pelo nome de Matildes e que os seus pais prestaram ao Seminário do Caraça (localizado no município de Catas Altas, Minas Gerais) relevantes serviços, o que contribuiu para que a alforria lhe fosse concedida. Sabe-se que naquela instituição eram poucos os escravos, mas o documento comprova que existiam. Também é sabido que a construção da igreja em estilo neogótico (tida como a primeira do Brasil nesse padrão arquitetônico) a partir de 1876, contou com trabalhadores livres (portugueses, espanhóis e brasileiros), pois nessa época, os escravos do Caraça haviam sido libertados. A carta de alforria acima parece indicar isso.



Por outro lado, conhecemos bem mais a respeito de quem assinou a referida carta concedendo liberdade a Matildes. Trata-se de Antônio Ferreira Viçoso (foto acima, sem data), nascido em Portugal no ano de 1787. Em 1811, ingressou na Congregação da Missão, ordem religiosa de padres missionários fundada por São Vicente de Paulo, na França, no início do século XVII. Os padres que faziam parte da instituição ficaram conhecidos como "vicentinos" ou "lazaristas", uma vez que a Casa da Congregação chamava-se Casa de São Lázaro (situada em Paris). 


Junto com outro padre lazarista, Leandro Rebelo Peixoto, Antônio Viçoso veio ao Brasil em 1819 e recebeu do próprio rei de Portugal, Dom João VI, a missão de encaminhar e organizar o Santuário do Caraça (foto acima), praticamente abandonado após a morte de seu fundador, o Irmão Lourenço. Coube aos dois padres a implantação de um Colégio naquele local, que ficou conhecido no século XIX pela qualidade do ensino ministrado e também na formação de sacerdotes. 
Mais tarde, em 1844, pelo dispositivo previsto na Constituição do Império, conhecido como Padroado (direito de conferir benefícios eclesiásticos), o imperador do Brasil Dom Pedro II, indicou Antônio Ferreira Viçoso para ser bispo da diocese de Mariana (MG). Dom Viçoso, como passou a ser conhecido, reestruturou o Seminário (escola para a formação de sacerdotes) de Mariana, o qual, por algum tempo, foi transferido para o Caraça em função de uma epidemia de varíola. Dom Viçoso foi também um dos primeiros representantes do movimento ultramontano (palavra que significa "além das montanhas") no Brasil, que visava recuperar a autoridade papal e a primazia de Roma em assuntos relacionados à fé. Em termos concretos, uma resposta da Igreja Católica ao avanço das doutrinas liberais e ao nacionalismo europeu, na segunda metade do século XIX. A família imperial brasileira esteve muito vinculada a essa corrente, como por exemplo, a Princesa Isabel. 
Em 1868, Dom Pedro II concedeu a Dom Viçoso o título de Conde de Conceição, que aliás aparece no documento acima, após a sua assinatura. Além disso, recebeu também do imperador duas outras comendas (honrarias), a Imperial Ordem de Cristo e a Imperial Ordem da Rosa. Dom Viçoso faleceu em 1875 e seu nome foi encaminhado, um século depois, para o processo de beatificação e canonização. Uma etapa importante para o mesmo foi obtida em 1986, quando Dom Viçoso passou a ser considerado pela Igreja Católica, "Servo de Deus". 
Uma última curiosidade. Duas cidades mineiras tem os seus nomes relacionados ao do bispo: Dom Viçoso e Viçosa. 
Crédito das imagens:
Carta de alforria e foto do Caraça: Guia do Arquivo Histórico do Caraça de Leandro Araújo Nunes (coordenador). Belo Horizonte: Lastro, 2008, páginas 45 e 27 respectivamente.
Foto de Dom Viçoso: https://patrimonioespiritual.org/2016/03/19/santuario-de-nossa-senhora-mae-dos-homens-caraca-catas-altas-mg/

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Coleção "Os Pensadores"



Mais uma ótima notícia para todos aqueles que acompanham o nosso blog. Temos outra série de livros disponíveis para download na internet. Trata-se da coleção "Os Pensadores", publicada pela Editora Abril, a partir do ano de 1973. A primeira edição, conhecida por sua capa azulada e desenhos em dourado (imagem acima), continha 52 volumes e mais 4 adicionais, com resumos da vida e obra de cada pensador. Em edições posteriores, esses resumos acabaram sendo incorporados aos respectivos volumes de cada filósofo. Trata-se de uma coleção que vêm sendo reeditada em várias oportunidades nos últimos 45 anos (pelo que pudemos apurar, oito edições), infelizmente com a tendência de reduzir a quantidade de volumes (consequentemente a quantidade de filósofos), mas que já faz parte da nossa tradição dentro das ciências humanas. 
Sem dúvida, a primeira das disciplinas a agradecer a existência dessa coleção é a filosofia (palavra que originalmente significa "amor ao saber"). Porém, todas as demais são de uma forma ou de outra contempladas, como as ciências políticas, a história, a sociologia, a antropologia, a economia, entre outros campos do conhecimento. Praticamente todos os estudantes da área de humanidades das grandes universidade tiveram, de uma forma ou de outra, contato com pelo menos dois ou três volumes da conhecida coletânea. Afinal de contas, esses filósofos têm exercido influência no pensamento da humanidade há pelo menos 2.500 anos. 



Entre os nomes contemplados na coleção temos Platão, Sócrates, Aristóteles, Maquiavel, Thomas Hobbes, Voltaire, Rousseau, Marx, Nietzche, Heidegger só para ficar nos mais conhecidos (nas imagens acima, Maquiavel e Heidegger respectivamente). 
Talvez a observação maior a ser feita, em relação à coletânea de "Os Pensadores", deve-se ao  fato da mesma restringir-se exclusivamente ao pensamento ocidental. Nada a respeito de Confúcio, Lao-Tsé, Buda, Averróis, entre outros. Da mesma forma que existiu um volume referente aos Pré-Socráticos, poderia, minimamente, ter existido outro (ou outros) sobre estes últimos pensadores. De qualquer forma, a seleção proposta fez história, em que pese algumas traduções não serem de excelente qualidade. Mas pensemos (seguindo o título proposto para a coleção), há 45 anos não era possível exigir demais. 
Uma recomendação aos navegantes. Ao entrar na página, aproxime o mouse sobre o volume desejado e espere aparecer os três pontinhos, pois os mesmos darão a opção de abrir, como por exemplo, apenas no modo leitura ou em pdf. Tenha um pouco de paciência para esperar o volume ser baixado. Os livros disponíveis fazem parte de uma reedição do início da década de 1980. A Coleção "Os Pensadores" fará parte de nossos Links Interessantes e poderá ser acessada pelo leitor no seguinte endereço: 
https://mega.nz/#F!NklEVJYY!qfznnm8WAOF6oARZ9VN9oA
Crédito das Imagens:
Capa da 1ª edição de "Os Pensadores": Wikipédia.
Imagens de Maquiavel e Heidegger: História Ilustrada da Filosofia de Martyn Oliver. São Paulo: Editora Manole Ltda., 1998, páginas 60 e 126 respectivamente. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Mapas Históricos



Todos aqueles que acompanham o blog História Mundi devem ter percebido que, eventualmente e quando a nossa disponibilidade de tempo permite, lançamos postagens referentes a mapas. Claro, dando destaque aos mapas de época e que possam ser utilizados na pesquisa histórica. Foi o caso do mapa da América de Sebastian Münster, da Tábua Peutinger, do mapa de Cantino, do mapa Vinland, entre outros (acima, o mapa Terra Brasilis de 1519). Os estudos referentes a esses documentos cartográficos se constituem em fontes de informações para os historiadores, pois revelam não apenas o conhecimento que se tinha do espaço geográfico, como também nos ajudam a entender e a decifrar a mentalidade de uma determinada época, as concepções políticas e militares que acabaram sendo incorporadas às cartas cartográficas e até mesmo, para a história da arte, pois muitos estudiosos enxergam tais documentos do ponto de vista técnico e artístico. Em várias ocasiões cartas cartográficas sobreviveram ao tempo ou foram conservadas por serem vistas como se fossem quadros ou pinturas!
Pois bem, pensando nisso, este que vos escreve empreendeu uma pequena varredura pela internet e pode localizar vários sites que permitem o acesso a esses mapas por meio de seu computador, tablet ou celular. Entre essas páginas virtuais, encontramos o "Mapas Históricos". Neste caso, devemos fazer um esclarecimento. Um mapa antigo pode ser uma carta cartográfica de época ou concebido dentro de um espaço de tempo que permite atribuir ao mesmo a sua condição de documento histórico. Por exemplo, a Tábua Peutinger embora refletisse a concepção de mundo da época do Império Romano, foi copiada na Idade Média, muitos séculos depois do fim do Império. 


O mapa da antiga Província de São Paulo de 1886 (imagem acima) feito para a Sociedade Promotora da Imigração, insere-se também nesse caso. As indicações das ferrovias e das linhas de navegação (sim, um dia isso existiu em São Paulo) tinham por finalidade orientar a direção dos imigrantes europeus que chegavam para trabalhar nas fazendas de café. Já um mapa histórico pode ser uma carta cartográfica feita nos dias de hoje para reconstituir um determinado evento de uma civilização ou cultura de outros tempos. Por exemplo, os livros de história estão repletos de mapas indicando as rotas dos viajantes na Expansão Marítima dos séculos XV e XVI, feitos com base na concepção atual que temos do mundo. 


O site Mapas Históricos mostra-se interessante por contemplar as duas possibilidades, com mapas antigos e mapas históricos, podendo-se até fazer comparações, como no caso do mapa de Cantino de 1502 e um mapa atual, ambos mostrando o litoral norte da América do Sul (imagem acima). Útil e interessante para os estudantes do Ensino Médio, Superior e em várias áreas das ciências humanas, o site permite salvar e reproduzir os mesmos em trabalhos ou apresentações de seminários. 
O blog História Mundi reforça o seu compromisso de ser uma ferramenta para os estudiosos ou curiosos em geral. Em função disso, o Mapas Históricos estará, a partir de agora, disponível na coluna Links Interessantes.
Para ver e consultar:
http://www.mapas-historicos.com/

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Imagens Históricas 38: o rinoceronte Cacareco



Na verdade um rinoceronte fêmea de 230 quilos (imagem acima), que pertenceu ao Zoológico do Rio de Janeiro (na Quinta da Boa-Vista) e emprestado ao Zoológico de São Paulo (na Água Funda) para a inauguração deste, que ocorreu no dia 16 de março de 1958, com a presença do governador Jânio Quadros. Este último intercedeu pessoalmente junto às autoridades cariocas para que o animal fosse trazido. Cacareco foi o primeiro rinoceronte nascido no Brasil, no próprio zoológico do Rio, tendo por pais o casal de rinocerontes Terezinha e Britador. Tratava-se de um carioca legítimo. O animal ganhou notoriedade na mídia da época e rapidamente caiu na simpatia da população. Em uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo do dia 26 de outubro de 1958, oito meses após a abertura do zoológico paulista, consta que o Cacareco foi escolhido em uma enquete, como o bicho mais popular da instituição, entre mais de 300 outros animais. Em função disso, os cariocas começaram a reclamar a volta do animal e os paulistas a sua permanência. Na antiga capital do Brasil, os estudantes organizaram uma petição para a devolução do rinoceronte, em uma mobilização que ficou conhecida como "o Cacareco é nosso". 



Em 4 de outubro de 1959, ocorreu a eleição para a Câmara Municipal (vereadores) da capital paulista e aí não deu outra. Os eleitores resolveram aclamar o Cacareco nas urnas! Vamos lembrar ao caro leitor (a), que na época as cédulas eleitorais eram preenchidas com o nome do candidato (ou o seu número). Mais de 100 000 votos foram dados ao bicho (segundo estimativas), uma enormidade na época. Mesmo hoje tal votação elegeria com folga um vereador. Claro, esses votos foram considerados nulos. Para se ter uma ideia, a votação do animal foi superior ao do partido mais votado, que foi de aproximadamente 95 000 votos. O fato inusitado ganhou destaque até na imprensa internacional, com uma matéria no jornal The New York Times. Outro jornal novaiorquino, o World Telegram and Sun, em editorial de primeira página, afirmou de forma irônica, que a eleição de um rinoceronte não era surpreendente, uma vez que Nova Iorque, nos últimos anos, vinha elegendo "asnos" para o seu Conselho Municipal (equivalente à Câmara de Vereadores). O humorista Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo do jornalista Sérgio Porto) escreveu no jornal Última Hora, que vários membros do Partido Social Progressista (PSP) andaram depois sondando o Cacareco, para ocupar a vaga de Adhemar de Barros (o "rouba, mas faz") como futuro candidato! Já o então presidente Juscelino Kubitschek deu uma declaração mais sóbria: "Não sou intérprete de acontecimentos sociais e políticos. Aguardo as interpretações do próprio povo". 



Bem, após a eleição, a popularidade do animal cresceu ainda mais, a ponto de ser lançado um boneco de brinquedo (e de enfeite!), pela mais conhecida indústria do ramo, a Brinquedos Estrela (anúncio acima). O fato ainda inspirou várias músicas para o carnaval de 1960, sendo a mais conhecida a marchinha interpretada por Risadinha, "Cacareco é o maior", composta por Francisco Ferraz Neto (o Risadinha) e José Roy. Para os interessados, a mesma pode ser encontrada no Youtube. 


Cacareco teve de ser devolvido ao Zoológico do Rio de Janeiro em outubro de 1959, dias antes da própria eleição e não pode acompanhar as apurações que o consagraram. Voltou mais gordo após a sua estada de quase dois anos em terras paulistas, pesando 300 quilos (na foto acima, Cacareco no Zoológico de São Paulo). Contudo, em dezembro de 1962, Cacareco veio a óbito, vitimado por nefrite (inflamação de rim) aguda. Morreu muito jovem, com apenas 8 anos (os rinocerontes costumam viver mais de 50). 


Os seus restos mortais acabaram sendo levados de volta para São Paulo em 1984 e desde então, estão exibidos no Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (imagem acima). 
Em 1963 surgiu no Canadá um partido que homenageava o rinoceronte Cacareco: The Rhinoceros Party (Partido do Rinoceronte). O mesmo teve existência até 1993 e tinha o animal como guia espiritual. Este que vos escreve guarda lembranças do Cacareco em sua tenra infância. Minha mãe, dona Olívia, sempre se referia a um objeto inútil que estava ocupando espaço em casa, como sendo um "Cacareco". Ao que parece, essa designação para "coisa velha" já era usada muito antes do animal fazer sucesso. Triste destino dado ao bichinho, que tão boas lembranças deixou na memória de muitos eleitores. Algumas fontes dizem que a proposta de lançar o animal como candidato a vereador teria sido do jornalista Itaboraí Martins, em função do péssimo nível dos 450 candidatos concorrentes na época. Muitos afirmam que se tal proposta surgisse hoje, seria necessário disponibilizar o zoológico inteiro...
Crédito das imagens: 
Primeira foto do Cacareco: Agência Estado.
Segunda foto do Cacareco: Coleção Nosso Século. 1945/1960: A Era dos Partidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980, página 288.
Cacareco no Zoo de São paulo: Pinterest. 
Anúncio do brinquedo Cacareco da Estrela: jornal O Estado de São Paulo de 25 de outubro de 1959, página 5. 
Foto dos restos do animal: Wikipédia. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O mapa da América de Sebastian Münster



O primeiro mapa a mostrar o continente americano de forma exclusiva, separado das demais extensões territoriais e datado do ano de 1540. Eis o trabalho do grande mestre da cartografia (ciência voltada para a elaboração de mapas) da primeira metade do século XVI: Sebastian Münster. Nascido na antiga Alemanha (Sacro Império Romano-Germânico) em 1488 (ou 1489, segundo outras fontes), Münster foi autor da Cosmographia, obra editada em 1544, que continha valiosas informações sobre o mundo conhecido e desconhecido (segundo as concepções da época), publicada em seis línguas. 


Além de cartógrafo, Sebastian Münster (acima retratado pelo pintor Christoph Amberger em 1552) foi também matemático e linguista, professor de hebraico da Universidade de Heidelberg e depois na Basileia (Suíça), onde chegou em 1529. Portanto, um humanista (intelectual) típico dos tempos do Renascimento Cultural, no início da Era Moderna. No ano de 1528 elaborou um detalhado mapa da Alemanha, feito com contribuições de viajantes e eruditos. Münster tornou-se o primeiro cartógrafo a fornecer mapas exclusivos para cada um dos quatro continentes conhecidos (como neste mapa que apresentamos) e também o primeiro a imprimir em separado um mapa da Inglaterra. A maior parte das suas cartas cartográficas foram publicadas em xilogravuras (impressão a partir de uma matriz feita em madeira) por artistas de grande renome, entre eles, Hans Holbein, o Jovem. Por isso, além do valor informativo, os mapas também despertaram o interesse de colecionadores, na condição de verdadeiras obras de arte.
Mas, voltemos ao documento em questão. Antes do mapa da América de Münster, as cartas cartográficas acompanhavam a tese de Colombo, de que a América era parte do continente asiático ou da Índia (daí o nome que Colombo deu aos nativos: índios). Depois que essa concepção foi deixada de lado, a grande ambição dos primeiros exploradores da América era a de alcançar uma passagem para o oceano Pacífico, que levasse ao Extremo Oriente e às especiarias (temperos e produtos orientais de grande valor na Europa). 


Mesmo neste mapa de Münster, o Oriente não aparece tão distante, como mostra a localização de "Zipangri" ou Japão (no detalhe acima), próximo da costa oeste do que hoje são os Estados Unidos. Um detalhe, este foi o primeiro mapa a utilizar o termo "Mare Pacificum" para designar o oceano Pacífico. 


Apesar de representar o então chamado Novo Mundo separado, Sebastian Münster parece localizar alguns pontos ou cidadelas orientais no continente americano. É o caso de "Catigara" (no detalhe acima), muito provavelmente situada no Sudeste Asiático (península da Malásia), mas que neste mapa aparece na costa leste da América do Sul. Münster talvez acreditasse que o Oceano Pacífico fosse uma extensão do Índico. 


Na parte referente ao Brasil (detalhe acima), uma pira ou fogueira com pedaços de corpos humanos ocupa uma boa parte desse território, uma referência à prática do ritual da antropofagia (ingestão da carne humana dos inimigos capturados), por parte de algumas populações nativas (não todas, é claro). O desenho é acompanhado do termo "Canibali". Na porção sul do continente, está registrado o Estreito de Magalhães e o Reino dos Gigantes. O navegador português Fernão de Magalhães (que deu nome ao estreito) registrou a presença de índios de tamanho incomum na região da atual Patagônia (sul da Argentina).



Na América Central Caribenha, várias ilhas já estavam identificadas, como Cuba, Hispaniola (hoje Haiti e República Dominicana), Jamaica e um erro, "Iucatana", que na verdade é a península de Iucatã (México atual) e não uma ilha como está representada no mapa (detalhe acima). Ah, a "Terra florida" no sul da América do Norte, é o atual estado norte-americano da Flórida. 
Uma carta cartográfica com o que de melhor se sabia, até aquele momento, a respeito do novíssimo continente americano (novíssimo do ponto de vista do europeu) e que serviu de base para outros mapas posteriores. Foi nesse documento, literalmente, que a América apareceu no mapa...
Crédito das imagens:
Pintura retratando Sebastian Münster: Wikipédia.
Mapa de Sebastiam Münster e os seus detalhes: A América do Sul e o Brasil no Mapa: a cartografia no rastro dos exploradores ibéricos de Kevin James Brown. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2018, página 6. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Juscelino Kubitschek: o presidente Bossa Nova parte 1



E também o que comandou o país nos chamados "anos dourados". Na memória coletiva é assim que ficou conhecido o quinquênio presidencial do mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira. Os estadunidenses tiveram JFK (John Fitzgerald Kennedy), enquanto nós tivemos JK. E olhem que o mandato dos dois quase coincidiu, pois Juscelino governou de 1956 até 1961, ano em que Kennedy iniciou o seu governo. A verdade é que muitos acontecimentos de grande significado para a nossa história ocorreram na sua gestão, como a construção de Brasília, que foi feita "a toque de caixa" e em pouco mais de três anos era inaugurada. O Plano de Metas atraiu trabalhadores para as cidades, por meio da industrialização acelerada. A chegada da indústria automobilística mudou a paisagem urbana com automóveis fabricados aqui (embora por multinacionais), rodando em nossas ruas, entre eles o famoso "Fusca". Nos costumes, a juventude das cidades vivenciou a chegada do rock'n roll e a disseminação da televisão, na emergente classe média urbana. No esporte, o Brasil ganhou a sua primeira Copa do Mundo de Futebol em 1958, a tenista Maria Ester Bueno brilhava nas quadras internacionais e Éder Jofre ganhou o seu primeiro título mundial no boxe. Na música, a Bossa Nova surgiu para conquistar o mundo. Tantos acontecimentos, nas mais diversas áreas, deram um significado especial para esses anos no imaginário das pessoas.
Contudo, este que vos escreve é um historiador, que considera a necessidade de um olhar crítico sobre esse período. As desigualdades regionais ficaram mais acentuadas, os privilégios dos grandes proprietários de terra foram mantidos e ainda foram dados estímulos às grandes empresas, como adquirir moeda estrangeira com taxas diferenciadas no câmbio. Os trabalhadores tiveram maior oferta de empregos, embora sem grandes melhorias na renda. Por outro lado, cabe destacar a postura de Juscelino Kubitschek como um líder democrático, aberto ao diálogo, tolerante e que não mostrava rancor ou ódio em relação aos inimigos, inclusive aqueles que tentaram derrubá-lo via golpe de Estado (duas tentativas), anistiando os responsáveis por tais atos. Sempre sorridente, transmitia otimismo em relação ao futuro do país e ao modelo de crescimento econômico acelerado ou desenvolvimentismo.



A história de Juscelino Kubitschek de Oliveira deita raízes nas Minas Gerais do ciclo do ouro e dos diamantes. No início do século XIX, um tal de Jan Nopomukaya Kubitschek, proveniente da região da Boêmia (na época, parte do Império Austro-Hungaro, depois Tchecoslovaquia e agora República Tcheca), chegou trazendo algumas jóias da família e um pouco de dinheiro. No Arraial do Tejuco, depois Diamantina, norte de Minas Gerais (imagem acima), Jan Kubitschek virou João Alemão e trabalhou como marceneiro. Um de seus filhos, João Nepomuceno Kubitschek, foi o primeiro da família a aventurar-se pela política, alcançando a vice-presidência de Minas Gerais (cargo equivalente a vice-governador), entre os anos de 1894 e 1898, nos primeiros tempos do regime republicano. 



O outro filho de João Alemão, Augusto Elias Kubitschek, comerciante, era pai de uma jovem chamada Júlia, que veio a se casar com um certo João César de Oliveira (primeira foto acima). Júlia (na foto acima à esquerda, já idosa) era professora primária e João César um faz-tudo, inclusive garimpeiro e caixeiro-viajante (comerciante itinerante). Indivíduo que gostava de festas, de conversar e de cantar serestas (gosto herdado pelo filho) e também conhecido por sua simpatia. 



Porém, João César foi acometido de tuberculose, praticamente uma sentença de morte no início do século XX, vindo a falecer em 1905, deixando a professora Júlia viúva aos 28 anos e com dois filhos: Maria da Conceição (Naná) de 4 anos e Juscelino (Nonô) de 3 anos (na foto acima, Juscelino e Maria, da esquerda para a direita).
Na época em que Juscelino Kubitschek nasceu, em 1902, o Brasil tinha pouco mais de 17 milhões de habitantes, tendo 64% dessa população morando no campo. Minas Gerais era o estado mais populoso de um país pobre, acometido por doenças como malária, febre amarela e a própria tuberculose, que vitimou o pai de Juscelino. Os tempos mais dinâmicos da exploração do ouro haviam ficado para trás, dando lugar à produção de café, no vizinho Estado de São Paulo. Muitos escritores e estudiosos atribuem a característica reservada dos mineiros aos tempos do ouro, com a presença de forasteiros, de fiscais da Coroa portuguesa (ainda no período colonial do século XVIII) e de ladrões. Por isso, como nos revela o jornalista e escritor Geraldo Mayrink, o morador local era um observador desconfiado, não revelando aos estranhos aquilo que, de fato, possuía. Falar baixo, duvidar, confabular e utilizar uma linguagem dúbia, sobretudo na arte da política, fizeram a fama do mineiro que perdura até hoje. Bem, muitos consideram isso um estereótipo que não corresponde à realidade, como afirmava o historiador Francisco Iglesias, para quem o povo mineiro no geral, era pouco intelectualizado e rude, ao contrário do que afirma a tradição. Por sua vez, a cidade de Diamantina era isolada e o acesso à mesma era feito em cavalos ou mulas, até que se pudesse alcançar uma linha ferroviária. Uma viagem para o Rio de Janeiro, capital do Brasil, levava um mês no início do século XX! 



Mas, voltemos ao personagem em questão. As dificuldades de Juscelino Kubitschek (na foto acima, sem data) começaram logo depois da morte de seu pai, sobretudo no que se referia à continuidade nos estudos. Após concluir o primário, Juscelino teria que matricular-se no seminário diocesano de Diamantina, único ginásio local. Caso se dispusesse a ser padre, poderia cursar gratuitamente, do contrário, teria que pagar. Como Juscelino desejava estudar medicina, chegou-se a um meio termo, com um desconto de 50% e enquanto estivesse lá, usaria batina e trabalharia como coroinha. Após concluir os estudos e sem poder ainda entrar na Faculdade de Medicina, Juscelino foi até Belo Horizonte e prestou um concurso para os Correiros, onde foi aprovado. 



Com a venda das jóias da família, dona Júlia conseguiu que seu filho voltasse para a capital mineira, para iniciar os seus estudos em medicina, no ano de 1922. Belo Horizonte era uma cidade nova e planejada, sem calçamento nas ruas e pouco confortável. Juscelino foi chamado pelos Correios, onde se tornou telegrafista e lá conheceu um amigo, que anos depois se tornaria o seu ministro da Fazenda: José Maria Alkimin (na foto acima, Juscelino e Alkimin treinando luta). 



O sacrifício para estudar era enorme, pois Juscelino trabalhava de madrugada e estudava durante o dia! Claro, surgiram os problemas de saúde, em função do pouco sono e da má alimentação. Certa ocasião, após contrair uma gripe que se complicou, Juscelino teve que ficar meses em licença médica até se recuperar. 



Por sua vez, o custo da faculdade era alto, o que fazia com que o jovem Juscelino permanecesse sempre endividado, principalmente com agiotas (na foto acima, Kubitschek no início da década de 1920). 



Em 1929, o jovem médico recém-formado conseguiu uma licença para fazer uma especialização em Paris, na área de urologia (acima, na França, Juscelino é o segundo da esquerda para a direita na última fileira). Como o próprio Juscelino relataria anos mais tarde, aquela especialidade era muito procurada pela clientela masculina por uma razão: as doenças venéreas! A penicilina (que levou aos antibióticos) ainda não havia sido descoberta. Quando se tornou deputado federal, Juscelino teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o cientista que a descobriu: Alexander Fleming. 
Kubitschek aproveitou seu período em Paris para mergulhar na cultura francesa e na literatura, que já apreciava. E algo incomum para um médico: estudou história da arte na Aliança Francesa. Fez ainda uma excursão pelo Mediterrâneo até o Oriente Médio, passando pela Grécia, onde conheceu a cidade de Atenas e a sua acrópole (parte elevada) e o Pártenon (templo erguido no século V a.C.). Juscelino referiu-se ao trabalho que teve o antigo líder da democracia Péricles, para convencer os cidadãos atenienses da importância daquelas obras arquitetônicas e justificar os gastos nas mesmas. Teria sido aí uma das inspirações para Brasília? Talvez. A bagagem cultural adquirida nessa sua estada na Europa contribuiu para que Juscelino Kubitschek tivesse o hábito de cultivar amizades com artistas, intelectuais, escritores e músicos. 


Após quase dois anos, Juscelino retornou ao Brasil, onde haviam ocorrido mudanças. A Revolução de 1930 colocou abaixo a política do café-com-leite (alternância no poder entre Minas Gerais e São Paulo), elevando o gaúcho Getúlio Vargas ao governo, como presidente provisório (na foto acima, Vargas ao receber o poder da Junta Militar). Juscelino Kubitschek passou a trabalhar na clínica de seu cunhado (marido de Naná) onde angariou prestígio como médico, o que o colocou em contato com figuras importantes da sociedade. 



Nesse momento, o jovem conheceu Sarah Gomes de Lemos, filha de uma tradicional família mineira, cujo pai foi deputado federal e prima de Francisco Negrão de Lima (depois ministro da Justiça e governador do futuro Estado da Guanabara). Os dois casaram-se em 1931 (acima, o casal em foto de 1951). 


Juscelino e Sara tiveram duas filhas, Márcia e Maria Estela (respectivamente, da esquerda para a direita na foto acima). O nascimento de Márcia em 1943 foi complicado, chegando a colocar em risco a vida da mãe e da criança. Maria Estela é filha de criação. 



Por intermédio do seu concunhado Gabriel Passos, secretário do governador Olegário Maciel, Juscelino foi nomeado para o corpo de médicos da Força Pública do Estado (antecessora da Polícia Militar), onde alcançou o posto de capitão-médico, chefiando o Serviço de Urologia (na foto acima, Juscelino de branco à direita). Nessa mesma época, conseguiu abrir um consultório próprio.



Foi na condição de capitão-médico que Juscelino Kubitschek participou da luta contra São Paulo, no levante dos paulistas contrários a Getúlio Vargas: a Revolução Constitucionalista de 1932. Juscelino atuou em Passa Quatro (MG), importante frente de combate dos legalistas (na foto acima, ele é o primeiro a partir da esquerda). Lá atendeu soldados em áreas fora de sua especialidade, como feridos e mutilados, demonstrando enorme capacidade como cirurgião. Entre uma batalha e outra, Juscelino Kubitschek fez amizades importantes, entre as quais o chefe político Benedito Valadares. Em outubro de 1932, os paulistas se renderam e Juscelino voltava ao seu consultório na capital mineira, quando veio a notícia da morte do governador Olegário Maciel. O novo governador (na verdade interventor, nomeado pelo presidente Vargas) era Benedito Valadares, aquele que Juscelino conheceu na Revolução de 1932. 



Imediatamente, Valadares chamou Juscelino Kubitschek para a chefia do Gabinete Civil. Era o início da carreira política de JK (vamos também chama-lo assim, a partir de agora). Juscelino deixou temporariamente a medicina e uma tese em preparo guardada na gaveta para ingresso na carreira acadêmica (na foto acima de 1933, Benedito Valadares ao centro, de terno branco e JK à direita, segurando o chapéu). Juscelino não esqueceu os seus vínculos com Diamantina, solicitando verbas para a cidade natal, da qual tornou-se um cacique político. 


Por recomendação de Benedito Valadares, JK ingressou no Partido Progressista de Minas (PP) em 1934 e elegeu-se deputado federal (acima, JK quando foi eleito). Atuou como representante do governador mineiro no Rio de Janeiro, apoiando a candidatura oficial do escritor paraibano José Américo de Almeida para presidente, na eleição que deveria ocorrer em 1938. Eleição? Getúlio Vargas e os militares não a desejavam. Por isso, em novembro de 1937, alegando a ameaça comunista ao país (o falso Plano Cohen), Vargas deu um golpe de Estado e implantou a ditadura, que durou até 1945: o Estado Novo. O Congresso Nacional e todas as assembleias estaduais foram dissolvidos. Os governadores que apoiavam Getúlio foram mantidos em seus cargos, inclusive o de Minas. Sem o seu mandato parlamentar, Juscelino retornou à medicina, sendo promovido a coronel da Força Pública e nomeado chefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Militar, além de retomar o seu consultório. Nessa época, fez um bom patrimônio pessoal, o que lhe deu tranquilidade. Mas, a política o chamou novamente e mais uma vez pelas mãos de Benedito Valadares. Em 1940, Juscelino Kubitschek foi nomeado prefeito de Belo Horizonte.



Ao assumir o comando da capital mineira, JK foi criticado, pois afinal de contas, aceitara um cargo dentro do regime ditatorial de Getúlio Vargas (na foto acima, o prefeito JK discursa tendo ao centro o governador Valadares e à direita Getúlio, em 1940). Juscelino alegou que estaria preparando os mineiros para um possível retorno do país à democracia, algo que ainda demoraria 5 anos. Mesmo tendo se tornado prefeito, não abandonou a medicina e ainda passou a comandar o Serviço de Urologia da Santa Casa, atendendo famílias pobres gratuitamente até 1945. A partir daí, a política tomou-lhe o tempo integral.




O prefeito Juscelino Kubitschek foi aquilo que se costumava chamar de um "tocador de obras" (acima, JK prefeito e na construção de casas populares). Asfaltou ruas, abriu novas avenidas, ampliou a rede de águas e esgotos e levantou o Parque da Pampulha. Para realizar esta última obra, Juscelino teve que inicia-la sem o conhecimento do governador, pois este poderia vetar o projeto. Como bom mineiro, JK trabalhou em silêncio. Iniciou a construção pela estrada de acesso ao parque, depois o lago artificial e posteriormente a Casa do Baile, o Cassino, o Iate Clube e a Igreja de São Francisco. Quando o governador Benedito Valadares tomou conhecimento, as construções já estavam em estágio tão avançado, que a obra tornara-se um fato consumado. 



Foi nesse trabalho, que Juscelino Kubitschek conheceu o jovem arquiteto modernista Oscar Niemeyer (na foto acima JK e o arquiteto). 




Na mesma Igreja de São Francisco, as pinturas e os afrescos são de autoria de outro nome importante do modernismo: Cândido Portinari (imagens acima, detalhe da capela e um dos painéis de Portinari). Como a Igreja Católica aceitaria uma capela projetada por um arquiteto e os afrescos realizados por um pintor, ambos integrantes do Partido Comunista? O arcebispo da capital mineira Dom Antônio Cabral, amaldiçoou a obra! O reconhecimento pela Igreja, veio apenas em 1959, quando JK era presidente. O complexo da Pampulha foi considerado o "ensaio geral" para a futura construção de Brasília.
Em 1945, a Segunda Guerra Mundial caminhava para o seu desfecho em favor dos Aliados (EUA, Inglaterra e União Soviética) e contra a permanência dos regimes ditatoriais, inclusive o de Getúlio Vargas. Mas este arquitetava a sua sobrevivência política, permitindo a formação de partidos (extintos no Estado Novo), entre os quais, dois saídos da própria ditadura Vargas: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD). O primeiro ligado aos sindicatos e o segundo à elite rural e aos antigos interventores (governadores) nomeados por Getúlio. A oposição a Vargas reuniu-se na União Democrática Nacional (UDN). 



No dia 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar e no seu lugar, assumiu o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Em dezembro ocorreram as eleições presidenciais e o general Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente, com o apoio de última hora de Vargas (foto acima, Vargas ao lado do jornalista Samuel Weiner em 1950). Juscelino elegeu-se deputado federal. O país iniciava a fase de redemocratização e com a nova Constituição redigida por um Congresso Constituinte eleito. Dutra fez um governo liberal na economia, tendendo ao conservadorismo na política. Excessiva abertura às importações (aproveitando as divisas acumuladas na guerra) e alinhando-se externamente aos Estados Unidos, no momento inicial da Guerra Fria, que dividiu o mundo entre capitalistas e comunistas. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi cassado e voltou para a clandestinidade em 1947.



Em outubro de 1950, ocorreram as eleições para a sucessão de Dutra. Getúlio Vargas retornou ao Palácio do Catete para exercer pela segunda vez a presidência, agora pelo voto direto (na foto acima, Getúlio desfila em carro aberto em 1954). 



Na mesma eleição, Juscelino Kubitschek foi eleito governador de Minas Gerais pelo PSD, em uma campanha de apenas 60 dias, na qual percorreu 168 municípios (na foto acima, a transmissão de cargo de Milton Campos, à direita, para JK, à esquerda). JK derrotou Gabriel Passos da UDN com 714 364 votos contra 544 086 votos. Como dizia uma piada da época, a grande vencedora da eleição foi a sogra dos dois candidatos, pois como vimos mais atrás, Juscelino era concunhado de Passos! Os comícios de JK eram concorridos e geralmente terminavam nos bailes que varavam a noite. Nesses encontros, JK adquiriu a fama de "pé-de-valsa". 



O slogan de seu programa de governo era o binômio "Energia e Transporte" (nas imagens acima, o material de campanha de JK). Tendo por base essa proposta, realizou um leque enorme de obras, sobretudo hidrelétricas e barragens. Juscelino criou estatais como a CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais) e a FERTISA (Fertilizantes de Minas Gerais), através das quais atraiu investimentos para o seu Estado, como o da siderúrgica alemã Mannesmann. Na infraestrutura, construiu estradas novas e aeroportos para aeronaves de médio porte. Também levantou 120 postos de saúde, 137 prédios escolares, 251 pontes e 5 novas faculdades. Tal programa de obras estimulou as empreiteiras, que foram beneficiadas com isenção de impostos de importação, para a compra de tratores e equipamentos, os quais eram incorporados ao patrimônio das mesmas. Segundo o jornalista e escritor Geraldo Mayrink, a cobrança das obras (sobretudo as estradas) era feita com base no trabalho manual, o que dava uma enorme folga financeira para essas empreiteiras.



A ajuda federal era garantida pelo bom relacionamento com o presidente Getúlio Vargas (nas fotos acima Getúlio e JK em visita a Ouro Preto e na inauguração da Mannesmann, em agosto de 1954). Contudo, o velho líder enfrentava enormes dificuldades na sua volta à presidência. Sua sustentação no Congresso era frágil e a oposição conservadora, capitaneada pela UDN e por meio da imprensa, bombardeava o governo de críticas e supostas denúncias de corrupção, as quais ganharam eco nos meios militares. Na economia, sua política de teor nacionalista também era atacada pelos interesses externos, sobretudo em função da criação da Petrobrás em 1953. Outra realização importante do segundo governo Vargas foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), ferramenta útil no futuro governo de Juscelino Kubitschek. 



O controverso atentado contra o deputado udenista Carlos Lacerda, o qual vitimou um major da Aeronáutica que o acompanhava, foi atribuído a integrantes da segurança do próprio Getúlio. O acontecimento abriu a crise definitiva, com ameaças de impeachment no Congresso e golpe militar (na imagem acima, a Tribuna da Imprensa, jornal de Lacerda, exige a apuração do atentado). 


Na manhã de 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas ofereceu a sua vida como resposta aos opositores, suicidando-se com um tiro no coração (acima, Juscelino, à esquerda, observa o corpo de Getúlio).  


O vice-presidente João Café Filho assumiu um mandato tampão, até que fossem realizadas as eleições em outubro de 1955. O clima de comoção pela morte trágica de Getúlio contaminaria, sem dúvida, o pleito (acima, manifestação popular pela morte do presidente). Nesse ambiente, acreditava-se que ninguém que não fosse do PTB ou que não tivesse o apoio desse partido, poderia vencer a eleição presidencial. Por isso, muitos não desejavam que a mesma ocorresse, inclusive Café Filho. Por outro lado, Juscelino tinha fortes incentivos para lançar-se candidato. Um deles, registrado em suas memórias, refere-se ao fato de que teria sido informado por Amaral Peixoto (genro de Getúlio), a respeito de uma discussão no Palácio do Catete (sede do governo) sobre a sucessão. Vários nomes foram citados e no meio da conversa, Getúlio, sempre observando e sem falar muito, disse: "Já que estão discutindo nomes, será bom não esquecer o do governador de Minas".


Juscelino Kubitschek (foto acima) aparecia como favorito e herdeiro político do falecido presidente, pois foi amparado no governo mineiro pelos partidos criados no antigo aparato institucional de Vargas, o PSD e o PTB. Dois meses após o suicídio de Getúlio, foram realizadas eleições para o Congresso Nacional, alterando sensivelmente a composição do mesmo. O PSD e o PTB cresceram (de 112 para 114 cadeiras e de 51 para 56 cadeiras, respectivamente), como era esperado, enquanto a UDN perdeu cadeiras (de 84 para 74, ou seja, 10 cadeiras a menos). 
Quando o PSD indicou a candidatura JK na sua Convenção Nacional, em novembro de 1954, ninguém tinha certeza se as eleições presidenciais seriam ou não realizadas. A cúpula militar chegou a propor uma candidatura civil única, que fosse neutra e consensual, como forma de pacificar o país, ideia apoiada pelo presidente Café Filho. O movimento contrário às eleições ganhou força na imprensa anti-getulista, como nos jornais cariocas Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa. Uma terceira alternativa também era aventada (além da candidatura JK e da tese do candidato de consenso): a intervenção militar. 



Na verdade, as fórmulas apresentadas tinham por finalidade afastar Juscelino Kubitschek da disputa pela presidência (na foto acima, JK com uniforme de tenente-coronel da Força Pública de Minas). O apoio oficial do PTB era fundamental para barrar a manobra contra o seu nome e dar-lhe respaldo na classe trabalhadora. O interlocutor para essa aliança foi Osvaldo Aranha, líder de projeção entre os getulistas e que poderia atrair o ex-ministro do Trabalho, João Belchior Marques Goulart, o "Jango". Enquanto isso, Café Filho trabalhava abertamente contra JK e alinhava-se aos integrantes da UDN, contrários à eleição, pois sabiam que a possibilidade de uma derrota era enorme. O temor de uma intervenção militar balançou até os líderes do PSD, como Benedito Valadares (que como vimos, foi quem lançou JK na política), que começou a demonstrar interesse na tese do candidato único. Por fim, no extremo dos extremos da conciliação, chegou-se a propor uma chapa tendo o general Juarez Távora como presidente e Juscelino de vice!



No final das contas, as bases de sustentação de Juscelino Kubitschek (acima carregado pela multidão) eram incontestáveis, tanto a nível político como na sociedade em geral. O empresariado via com simpatia as suas propostas de maiores investimentos públicos, que pudessem impulsionar o setor privado para o crescimento. JK tinha credencias nesse ponto, como ex-prefeito de Belo Horizonte e como governador. Tinha também boas relações com o capital estrangeiro. Tudo isso ajudou JK no financiamento de sua campanha, sobretudo nas viagens aéreas, uma vez que foi o primeiro político a fazer uso sistemático desse transporte. Na imprensa cultivou bom relacionamento, como por exemplo, com a revista Manchete e o seu proprietário, o jornalista Adolfo Bloch, de quem foi amigo até o final da vida. Com o clero católico manteve a imagem de bom chefe de família e religioso. E com a classe trabalhadora, teria o apoio do PTB, o grande representante das lideranças trabalhistas e sindicais. Em dezembro de 1954, JK já se encontrava em campanha pelo país.
No mês de janeiro de 1955, o presidente Café Filho fez um pronunciamento, no qual revelou ter recebido um memorial de alguns generais, onde se afirmava que a sucessão poderia ser conturbada, sobretudo depois do anúncio de candidaturas, sem o entendimento com as forças políticas e que pretendiam restaurar a ordem existente até o suicídio de Getúlio Vargas. O alvo era claro: Juscelino! Este rebateu prontamente o pronunciamento oficial, afirmando: "Deus poupou-me o sentimento do medo" e que "a duração da minha candidatura está condicionada à duração da própria democracia em nossa pátria".
Em abril de 1955, o PTB resolveu apoiar oficialmente Juscelino Kubitschek e propôs como vice em sua chapa, João Goulart. O ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros (famoso pelo slogan "rouba, mas faz") foi lançado pelo Partido Social Progressista (PSP) e o velho líder integralista (facção ultra-direitista) Plínio Salgado, apareceu pelo Partido da Representação Popular (PRP). Mas, o adversário com maiores chances contra JK era o general Juarez Távora da UDN. Quando Távora lançou a sua candidatura em maio de 1955, Juscelino já havia percorrido 20 estados e feito comícios em 91 cidades! O lema de JK era: "50 anos em 5" ou 50 anos de desenvolvimento em 5 de governo.


Juarez Távora (na foto acima) fazia uma campanha pautada no combate à corrupção e com um tom considerado negativista, até mesmo pelos seus próprios correligionários, sobretudo quando previa que a população teria que fazer sacrifícios, pois o país era pobre. Argumentos considerados insuficientes diante da simpatia e otimismo transmitidos por Juscelino em favor do desenvolvimento.



A UDN ainda tentou uma última ação contra a candidatura JK, por meio do deputado federal Carlos Lacerda. Este divulgou nos jornais Tibuna da Imprensa (imagem acima) e O Globo (de Roberto Marinho) no dia 16 de setembro de 1955, um documento conhecido como "Carta Brandi", onde o candidato a vice João Goulart era acusado de adquirir armas na Argentina a fim de organizar "brigadas de choque operárias" e implantar uma "república sindicalista" no Brasil. A Carta Brandi (suposto nome do signatário argentino) seria do tempo em que Jango foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. O governo Café Filho montou uma comissão para investigar o documento e veio a conclusão: a tal carta havia sido forjada por dois falsificadores argentinos. No entanto, o resultado da investigação só foi divulgado depois das eleições! 


Independente disso, Juscelino Kubitschek saiu vitorioso no pleito de 3 de outubro de 1955 (acima o comício da vitória com JK acenando ao centro e à direita, o deputado Ulysses Guimarães), com 36% dos votos (total de 3 077 411), enquanto o segundo colocado Juarez Távora obteve 30% (total de 2 610 462). 



Não foi uma vitória folgada, tanto que Jango teve mais votos para vice do que o próprio Juscelino (total de 3 600 000 votos). Na época, a eleição para vice era separada (como mostra a cédula de votação, imagem acima). A esperada derrota da UDN acabou se concretizando.


Mas, para que o leitor (a) perceba como nunca foi tranquila a trajetória de nossa frágil democracia, a UDN tentou invalidar a eleição, alegando que o vencedor não atingiu a maioria absoluta dos votos. Além disso, a chapa JK/Jango havia tido o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que era clandestino, o que teria dado meio milhão de votos, exatamente a diferença entre o primeiro e o segundo colocado, algo difícil de se comprovar em termos práticos, pois o voto era secreto (acima, material de propaganda do PCB e de seu líder, Luiz Carlos Prestes apoiando JK). 


Com a confirmação do resultado pelo Superior Tribunal Eleitoral, restou apenas uma unica alternativa aos derrotados: o golpe. Em 9 de novembro de 1955, Carlos Lacerda (foto acima) escreveu em seu jornal Tribuna da Imprensa:"Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, nem tomarão posse!"


Ainda antes, em 1º de novembro, durante o enterro do general Canrobert Pereira da Costa, o coronel Bizarria Mamede fez um pronunciamento de incitação ao golpe militar, a fim de impedir a posse dos eleitos. Imediatamente, o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott (foto acima), conhecido por seu apego à disciplina, exigiu punição exemplar ao coronel. Contudo, dois dias depois, o presidente Café Filho adoeceu repentinamente e foi afastado da presidência (um episódio tido como suspeito para muitos, inclusive JK). Em seu lugar assumiu o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que se recusou a punir o coronel Mamede. Sentindo-se desprestigiado, o general Lott pediu demissão do ministério. Mas, no dia seguinte, 11 de novembro de 1955, com apoio de vários outros generais, entre eles Odílio Denys (comandante da Zona Militar Leste, depois I Exército e hoje Comando Militar do Leste), o general Lott colocou 25 mil homens do Exército nas ruas do Rio de Janeiro e depôs o presidente Carlos Luz! Ao mesmo tempo, declarou a impossibilidade do retorno de Café Filho, embora já recuperado. O argumento de Lott era de que ambos estariam apoiando um movimento golpista para impedir a posse de Juscelino Kubitschek.


Todos os implicados (inclusive Carlos Luz e Lacerda) se refugiaram no cruzador Tamandaré (foto acima), que em seguida zarpou para o porto de Santos (SP), onde pretendiam organizar uma resistência (parte da Marinha também atuava contra a posse dos eleitos). Mas a cidade já estava ocupada pelas tropas leais a Lott e os golpistas se dispersaram (inclusive para o exterior). Um golpe de Estado em defesa da legalidade! Imediatamente, o presidente do Senado, Nereu Ramos é convocado para assumir a presidência até a posse de Juscelino.


O general Henrique Teixeira Lott tornou-se o fiador do novo governo, garantindo relativa tranquilidade entre os militares para que Juscelino pudesse assumir. Tanto que, em janeiro de 1956, JK realizou viagens aos Estados Unidos (na foto acima, Juscelino é recebido pelo vice-presidente Richard Nixon e sua esposa) e à Europa, onde visitou fábricas de automóveis, procurando atrair investimentos diretos no Brasil.



Finalmente, em 31 de janeiro de 1956, JK e Jango tomaram posse no cargo de presidente e vice-presidente, seguindo o ritual previsto pela Constituição, com a presença do interino Nereu Ramos, que transmitiu a faixa presidencial a Juscelino (na duas fotos acima, os eleitos chegam para a posse e JK e Nereu Ramos na cerimônia).



Era a última posse de um presidente realizada no Rio de Janeiro, pois Juscelino inaugurou a nova capital Brasília, em 1960 (acima Jango e JK da esquerda para a direita respectivamente). O fato de estar legitimamente no cargo não significava o fim das ameaças ao seu governo. Juscelino teve de utilizar toda a sua capacidade de articulação para poder garantir as condições de governabilidade. Por outro lado, como afirma a socióloga Maria Vitória Benevides, JK encontrou também condições que lhe garantiram uma estabilidade política nos seus 5 anos de governo e uma delas foi o prometido avanço na economia, os seus "50 anos em 5".


JK também buscou apoio externo, demonstrado com a presença do vice-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, que retribuiu a visita feita poucos dias antes àquele país por Juscelino (acima, Nixon na posse de JK). O novo presidente enviava sinais positivos ao capital externo: "Os capitais estrangeiros são bem-vindos ao Brasil, e a melhor maneira de combater o comunismo seria enfrentar a miséria com prosperidade, e não com repressão." Pelo menos em tese, a proposta agradava ao governo norte-americano.
No governo de Juscelino, o PSD era o partido de maior força na composição do ministério, reflexo do número de cadeiras que possuía no Congresso Nacional. Ao PTB coube o controle de duas pastas já tradicionalmente atribuídas ao mesmo, os ministérios do Trabalho (Indústria e Comércio) e da Agricultura. Entre os nomes que iniciaram o governo, destacamos José Maria Alkimin (como vimos, o velho amigo de JK nos tempos de estudante em Belo Horizonte) na Fazenda, Nereu Ramos (que acabara de deixar a presidência) na Justiça e, claro, o general Henrique Teixeira Lott no ministério da Guerra. Coube a este último garantir as boas relações com os militares até o fim do mandato de Juscelino.


Mas, os primeiros dias de governo JK foram instáveis. Duas semanas depois da posse, o ressentimento pelo "golpe preventivo" do general Lott ainda estava vivo. Dois oficiais da Aeronáutica, o major-aviador Haroldo Veloso e o capitão-aviador José Chaves Lameirão, partiram da capital até a cidade de Santarém, no Estado do Pará, onde se reuniram ao major Paulo Victor (na foto acima da esquerda para à direita, este último, um índio caiapó e o major Veloso). Antes de irem, deixaram um manifesto na redação do jornal Tribuna da Imprensa, acusando o governo JK de entregar ao capital externo as riquezas do Brasil (petróleo e minérios) e denunciando infiltração comunista nas Forças Armadas. Em plena Amazônia, aliciaram caboclos e até índios para um levante contra o governo, esperando contar com o apoio da Marinha e do Exército e ampliar o movimento para todo o território.



O movimento porém, ficou restrito a algumas cidades da região do rio Tapajós, entre elas Jacareacanga, onde a rebelião acabou dominada por tropas legalistas (foto acima). A ajuda aos rebeldes não veio, apesar de se suspeitar que militares ligados a Carlos Lacerda e ao brigadeiro Eduardo Gomes (anti-getulista) tenham dado um apoio velado. Juscelino Kubitschek não alimentou o rancor desses militares, anistiando todos os envolvidos, os quais, inclusive, tiveram as promoções normais na carreira militar.
Se não bastasse o levante na Aeronáutica, Juscelino Kubitschek ainda enfrentou manifestações estudantis na capital, em função do aumento nas passagens dos bondes, no mês de maio. Houve confusões e quebra-quebra na capital e o prédio da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi cercado por tropas militares. Imediatamente, vários deputados da UDN prestaram solidariedade aos estudantes. A crise poderia se agravar, não fosse o convite feito pelo próprio Juscelino para que os líderes estudantis fossem ao Palácio do Catete para uma conversa, onde deixou clara a situação e os possíveis desdobramentos da crise. Após uma semana as tarifas foram reduzidas e o movimento acabou.
Difícil, muito difícil manter o equilíbrio numa situação tão conturbada e com tantas ameaças a um governo, o qual sequer, havia começado. Um momento em que assegurar os valores democráticos e a manutenção das normas constitucionais exigia inteligência, diálogo e uma boa dose de coragem. Mas Juscelino Kubitschek tinha uma outra carta valiosíssima em sua manga: o Plano de Metas. Já no dia da posse, uma reunião ministerial foi convocada para estabelecer os parâmetros do programa de desenvolvimento a ser posto em prática. É o que veremos na segunda e última parte desta postagem... 

Para saber mais:



O livro da coleção "Os Grandes Líderes: Juscelino" (Nova Cultural, 1988) tem texto do jornalista e escritor Geraldo Mayrinck, que trabalhou no preparo da edição extra da revista Veja, publicada em agosto de 1976, na época da morte de JK. Trata-se de um trabalho bem informativo sobre a vida de Juscelino Kubitschek e que conta com um rico material de fotos sobre a trajetória do político. Embora às vezes caia um pouco no tom laudatório, é uma boa introdução a respeito desta figura que marcou época na história recente do país. A obra está esgotada, mas pode ser facilmente encontrada em sebos ou pela internet. 
Crédito das imagens: 
Fotos de JK com fundo azul; Getúlio Vargas após deixar o poder; manifestação popular pela morte de Vargas; de Juarez Távora; comício da vitória; rebelião em Jacareacanga; capa do jornal Tribuna da Imprensa sobre a Carta Brandi e JK carregado: Coleção Nosso Século, volume 4 (1945-1960). São Paulo: Abril Cultural, 1980, páginas 203, 96; contracapa, 195; 204, 209  e 105 respectivamente. 
Foto de Diamantina: 
http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=diamantina
Fotos do pai de JK; de JK "lutando" com J. M. Alkimin; de terno e lenço branco; com amigos do curso de medicina; na sala de cirurgia; com Benedito Valadares e G. Vargas em 1940 e  material de propaganda para governador e folheto de apoio de Luiz Carlos Prestes: Os Grandes Líderes. Juscelino. De Geraldo Mayrinck. São Paulo: Nova Cultural, 1988, páginas 16, 18, 11, 21, 24, 38 e 47 respectivamente. 
Fotos da mãe de JK; da capa da Tribuna da Imprensa com o atentado contra Lacerda e dos conspiradores no encouraçado Tamandaré: Fotogramas do documentário "Os Anos JK" de Sílvio Tendler, 1980, Seleções DVD. 
Fotos de JK jovem; de JK e Sara em 1951; de JK prefeito inspecionando obra; tomando posse como governador; inaugurando hidrelétrica; foto colorida ao lado de Jango; com Nereu Ramos transmitindo o cargo e ao lado de Nixon tomando café: revista Manchete Especial: JK 100 anos. Rio de Janeiro: dezembro de 2001, páginas capa; 22; 6; 7; 8; 31 e 9 respectivamente. 
Fotos de Juscelino ainda criança, estudante de medicina na França, com sua esposa Sara em 1951, as duas filhas na 1ª comunhão, JK com Benedito Valadares em 1933, como deputado federal, como prefeito em vistoria na construção de casas populares e no cargo de governador discursando:
http://www.memorialjk.com.br/pt/
Fotos de Getúlio Vargas na Revolução de 1930: Revista Manchete de 23 de abril de 1966. Rio de Janeiro: Bloch Editores, página 6.
Fotos de JK na Revolução de 1932; como tenente-coronel da Força Pública; JK com Oscar Niemeyer e JK com Getúlio em Ouro Preto: páginas 29, 53 e 55. 
Foto da igreja da Pampulha: Arte no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1982, página 260. 
Foto do painel de Portinari: Portinari de Antonio Bento. Rio de Janeiro: Léo Cristiano Editorial, página 127. 
Foto de Getúlio desfilando em carro aberto e de JK e Jango dirigindo-se ao Palácio do Catete para a posse: Dinheiro e Poder: no tempo dos mil-réis. Oscar Pilagallo e Pietra Diwan. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2012, capa e página 54. 
Cédula eleitoral da eleição de 1955: Wikipédia. 
Foto de Getúlio abraçando JK em agosto de 1954: Getúlio 1945-1954: Da volta pela consagração popular ao suicídio. São Paulo: Cia. das Letras, 2014. 
JK observando o corpo de Getúlio: Pinterest. 
Foto de Carlos Lacerda: capa da revista Manchete do dia 4 de junho de 1977. Rio de Janeiro: Bloch Editores. 
Foto do general Lott: Pinterest.