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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos



Houve época em que o pesquisador das áreas de História, Sociologia, Antropologia, Economia e demais disciplinas, tinha a necessidade de se deslocar a uma biblioteca, arquivo público ou aos acervos de jornais e revistas, para realizar um trabalho que demandava tempo e paciência. Bem, em parte, esse trabalho talvez ainda seja necessário, dependendo do tema ou objeto de estudo do pesquisador. Mas, não há dúvida que as novas mídias digitais facilitaram em muito o serviço. Por exemplo, centenas de livros já se encontram digitalizados e disponíveis na internet. Muitos arquivos já trabalham on line com vários documentos, que podem ser acessados a partir de um simples click no teclado do computador. Mais recentemente, muitos jornais e revistas, sobretudo aqui no Brasil, já disponibilizaram o seu acervo completo na internet, embora em alguns casos, o serviço não seja gratuito. As grandes bibliotecas e acervos fornecem o material a ser pesquisado via e-mail, bastando ao interessado fazer a solicitação. Este que vos escreve já pode desfrutar desse ultimo serviço, inclusive com bibliotecas situadas no exterior. 
Por outro lado, a abrangência temática das disciplinas, entre as quais se inclui a História, necessita de um leque mais amplo de fontes de pesquisa, que vai além da simples fonte documental escrita. As imagens, fotografias (como a do imperador do Brasil, D. Pedro II, de aproximadamente 1870, vista acima), filmes e gravações sonoras também se constituem em material precioso para o pesquisador, sobretudo a partir do advento da Nova História, que trabalha com os aspectos da cultura material, da história das mentalidades e do cotidiano das sociedades. Dessa forma, quanto maior a disponibilidade dessas fontes, melhor para o historiador. 


Este é o caso, por exemplo, do imenso acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Por meio da mesma, podemos recorrer a um gigantesco material digitalizado, com obras raras, antes praticamente inacessíveis. A partir da digitação do assunto a ser pesquisado, o navegador poderá encontrar livros, documentos, artigos de jornais, revistas, fotos, mapas, imagens, filmes e gravações sobre o tema. Um belo acervo de fotos está disponibilizado, embora nem todas possam ser salvas. Uma delas é a foto acima, de 1913, que mostra Franklin D. Roosevelt, antes de se tornar presidente dos Estados Unidos, em uma rara foto andando. Como se sabe, o futuro presidente adquiriu paralisia infantil (poliomielite), depois de adulto. 
A Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos ou The Library of Congress possibilita também o acesso a links de outras instituições, que disponibilizam o material desejado, nos mais variados formatos, facilitando o manuseio por parte do pesquisador. 



Muitos imaginam que, por ser uma instituição do governo norte-americano, não exista material a respeito do Brasil ou da América Latina. Engano! Existem dezenas de obras referentes ao Brasil escritas por viajantes europeus e norte-americanos, muitos dos quais percorreram o país do Sul até a Amazônia e deixaram as suas impressões em livros que descrevem os mais variados roteiros. Entre esses viajantes, cujas obras podem ser consultadas, destacamos Alfred Russel Wallace, Louis Agassiz, Paul Marcoy, Henry Walter Bates, Matthew Fontaine Maury, entre outros, que percorreram a Amazônia a partir de 1830. Interessante para observarmos a visão que os naturalistas europeus e americanos tinham da região. Alfred R. Wallace foi amigo de Charles Darwin e defensor da teoria evolucionista. 
Muitas dessas obras não estão disponibilizadas em bibliotecas brasileiras. Um material imenso em inglês, francês, espanhol e alemão, referentes ao Brasil, está também disponível para os estudiosos interessados.
Fotos raras do Brasil podem ser vistas, como por exemplo, a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, no início da década de 1940 (acima). 


Como vocês devem  estar percebendo, uma pequena parte deste acervo de fotos está publicada nesta postagem. Na fotografia acima, de 1890, um grupo de índios caçadores de cabeças (pelo menos é o que a Biblioteca do Congresso informa) do Alto Amazonas, foi registrado.


Nesta outra imagem acima, a praia do Botafogo e a entrada da baia de Guanabara, são observadas em uma foto tirada do alto do morro do Corcovado, ainda sem o Cristo Redentor, em 1909. 
Portanto, como sempre fazemos, deixamos aqui o link para que os interessados possam navegar e aproveitar mais esse recurso virtual:
http://www.loc.gov/







segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Editorial: Nota de Esclarecimento

Caro leitor, em todos os locais em que se estabelece um convívio social, são necessárias determinadas normas para que as pessoas possam emitir as suas opiniões, de forma respeitável. Como todos sabem este blog trata de temas relacionados à História. Como todos os ramos do conhecimento, esta disciplina têm a sua metodologia de trabalho e de pesquisa, seguidas nos centros de estudo e universidades de todo o mundo. 
Por outro lado, ninguém espera que todos concordem com o que está escrito, razão pela qual, o administrador do blog permite o envio de comentários e críticas. Contudo, tais comentários devem se ater ao tema em questão e com o devido respeito aos demais leitores, sem o uso de palavras ou termos impróprios ao respeito comum.
O administrador se reserva o direito de monitorar e, eventualmente, excluir os comentários que não atendam aos quesitos acima especificados. 
Tais normas estão sendo adotadas em respeito ao leitor e à liberdade de opinião, que deve ser exercida com responsabilidade e sobriedade, sobretudo nos tempos atuais, onde alguns desejam impor suas "verdades" aos outros. 
No mais, boa leitura e reflexão a todos...................

Anúncio Antigo 40: Leite Condensado Moça




Caros leitores, já pararam para pensar por que esse leite é chamado de condensado? Pois é, foi uma das maravilhas industriais da era contemporânea e usado em época de guerra para alimentar os soldados, como bem mostra o Anúncio Antigo de hoje, publicado em 1932, durante a guerra civil de São Paulo contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas (chamada também de Revolução Constitucionalista). O produto era consumido como bebida substitutiva do leite, sendo acrescentada água, daí o nome de leite condensado. Em épocas de escassez de leite, como nas guerras, poderia ser armazenado por bastante tempo e era fácil de ser transportado. 
As primeiras experiências com o leite condensado começaram em 1820 por Nicolas Appert. Em 1828, um inventor francês aplicou o método criado por Appert para o leite fresco retirado das vacas. No ano de 1853, a novidade chegou aos Estados Unidos através de Gail Borden, que acabou patenteando o produto três anos depois.
O sucesso do leite condensado começou com a Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865), como alimento dos soldados e depois vendido ao público comum. Contudo, o aperfeiçoamento ainda maior do produto foi feito na Europa, quando o suiço J. B. Meyenberg, aprimorou o processo de produção do leite condensado utilizando um sistema de esterilização em autoclave, um aparelho de desinfecção por meio de vapor a alta pressão e temperatura (120° C). A partir daí, o produto começou a ser comercializado em latas. No ano de 1884, Meyenberg viajou para os Estados Unidos promovendo a abertura de fábricas para a produção desse novo leite condensado, com ou sem açúcar e enlatado. 


Ainda na Europa, aproveitando esses aprimoramentos, Charles e George Page fundaram a Anglo Swiss Condensed Milk, na Suiça, no ano de 1866. O sucesso do produto foi rápido e o mesmo começou a ser exportado para vários lugares do mundo. Porém, a concorrência poderia vitimar as empresas que produziam esse novo tipo de leite e, como ocorria nas etapas mais avançadas da economia capitalista, a tendência à concentração do mercado nas mãos de grupos monopolistas tornou-se forte. Em função disso e após décadas competindo entre si nas vendas, a Anglo Swiss Condensed Milk fundiu-se com a empresa fundada pelo farmacêutico alemão Henry Nestlé (na foto acima, de 1876), que já era a fabricante de uma conhecida farinha nutritiva para a alimentação de bebês, à base de leite e cereais, a conhecida farinha láctea. Daí para a conquista do mundo foi apenas mais um passo.
Por intermédio da Anglo Swiss Condensed Milk Nestlé (depois, apenas Nestlé) o leite condensado chegou ao Brasil em 1890, importado diretamente da Suiça. Tratava-se de uma alternativa ao leite fresco, que enfrentava problemas de distribuição no mercado local. O produto era vendido em farmácias e drogarias, sendo que o primeiro estabelecimento a realizar a venda desse produto foi a Drogaria São Paulo, localizada na rua São Bento, no centro da capital paulista. 


O rótulo do produto era fácil de ser identificado em função da camponesa suíça que carrega um balde de leite, que no país de origem era "La Laitière" ou vendedora de leite. Como nos informa Marcelo Duarte em seu "O Livro das Invenções" (editora Companhia das Letras, 1997), quando a Nestlé começou a exportar o produto, procurava colocar um nome equivalente na língua de cada país. No Brasil, entretanto, adotou-se o nome em inglês, "Milkmaid", de difícil pronúncia pelos compradores daqui (imagem acima). Devido a essa dificuldade, o público consumidor referia-se ao produto como sendo "esse leite da moça". Quando a Nestlé abriu a sua primeira fábrica aqui no Brasil, em 1921, na cidade de Araras, interior do Estado de São Paulo, começando a fabricar aqui o leite condensado, optou-se por usar o nome criado espontaneamente pelo público: Leite Moça. 


A popularização definitiva do leite condensado ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), devido à escassez do açúcar refinado. Em função disso, o produto começou a ser utilizado para a confecção de doces e sobremesas. A partir da década de 1960, as embalagens do Leite Moça vinham com receitas de doces e bolos, tendo como ingrediente o produto, recurso publicitário que popularizou ainda mais a marca (na foto acima, um rótulo do Leite Moça com receita, da década de 1970). 


Um desses doces ficou muito conhecido: o brigadeiro. No final de 1945, após a queda de Getúlio Vargas e o processo de redemocratização do país, ocorreram eleições presidenciais e um dos candidatos era o brigadeiro Eduardo Gomes, que concorria pelo partido da União Democrática Nacional (UDN), de linha conservadora (no quadro acima, Eduardo Gomes com o uniforme de brigadeiro). Algumas mulheres que integravam o comitê de campanha deste candidato, começaram a produzir um doce de chocolate em pó, misturado ao leite condensado, para distribuir aos eleitores e arrecadar fundos para a campanha do brigadeiro. Eduardo Gomes foi derrotado por outro militar, o general Eurico Gaspar Dutra. Mas, o docinho ficou, até os dias atuais, com o nome de "brigadeiro".........
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 18.08.1932 e ainda pedia a doação de uma latinha de leite condensado para os soldados constitucionalistas que lutavam contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1934). 
Crédito das imagens: 
Foto de Henry Nestlé:
http://www.nestle.com/aboutus/history/company-founder-henri-nestle 
Foto da embalagem antiga do Leite Moça:
http://www.leitecondensado.com/?p=4 
Rótulo com receita da década de 1970:
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-698712818-antigo-rotulo-de-leite-moca-nestle-anos-70-_JM 
Quadro representando o brigadeiro Eduardo Gomes: 
http://www.11gaaae.eb.mil.br/index.php/resumo-historico.html




  

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Frida Kahlo no Instituto Tomie Ohtake






A obra da pintora mexicana Frida Kahlo (na imagem acima, um dos seus autorretratos expostos em São Paulo) é o próprio retrato de sua vida dolorosa e tumultuada. Esposa do renomado pintor Diego Rivera, seu trabalho permaneceu durante muito tempo em segundo plano e um pouco à sombra do marido, conhecido por levar aos seus murais modernistas a história do México, inclusive o período pré-colombiano, anterior à chegada dos espanhóis no início do século XVI. O engajamento político de Rivera com os ideais de transformação social, trazidos pela Revolução Mexicana de 1911 e após o seu ingresso no Partido Comunista do México, o tornaram uma figura muito conhecida na cultura de seu país. 



Por outro lado, ao contrário do que poderia ter ocorrido, o trabalho de Frida Kahlo guarda pouca ou nenhuma semelhança com a obra de seu esposo (na foto acima de 1937, Frida Kahlo com as vestimentas tradicionais mexicanas). Inicialmente influenciada pelo figurativismo moderno e depois pelo surrealismo, Kahlo imprimiu um estilo pessoal forte, como se desejasse expressar, por meio de sua pintura, todos os percalços pelos quais passou em sua vida pessoal, os seus problemas de saúde, as traições de Rivera e a própria realidade de sua época turbulenta, tanto em seu país como no mundo. A presente mostra no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, é uma excelente oportunidade para conhecer o trabalho dessa artista e o agitado período em que viveu. 
Nascida em 1907, no então povoado de Coyoacán, atualmente um bairro elegante da Cidade do México, Frida Kahlo viveu a sua infância no período inicial da Revolução Mexicana, que colocou abaixo a ditadura do general Porfírio Diaz em 1911. A extrema desigualdade social, sobretudo no meio rural, gerou dois grandes focos revolucionários no país. Ao norte, as forças lideradas por Pancho Villa e mais ao sul, os camponeses reunidos em torno de Emiliano Zapata. As demandas por uma redistribuição mais igualitária da terra acabaram impulsionando o movimento popular, em um processo que levaria vários anos. Com a Revolução Mexicana, uma onda nacionalista emergiu como reação à dependência externa verificada nos anos do chamado "Porfiriato" (1884 a 1911). Esse sentimento nacionalista afetou também a arte, sobretudo entre os artistas modernos, que buscavam uma estética independente dos padrões clássicos europeus, que até então predominavam. 
Frida Kahlo era a terceira filha de uma família de classe média. O seu pai, o fotógrafo Guilhermo Kahlo, tinha origem alemã e a sua mãe, Matilde Calderón era uma mestiça. Os infortúnios de Frida Kahlo com a sua saúde tiveram início aos seis anos, quando contraiu paralisia infantil (poliomielite), que prejudicou o desenvolvimento de uma de suas pernas. Em função disso, passou a ter problemas para andar e mancava, algo que para uma mulher na sua fase de adolescente representava um terrível tormento. Muito próxima ao pai, que a considerava uma jovem propensa ao gosto pela cultura e pela arte, Frida via de perto o drama de Guilhermo, que sofria ataques de epilepsia. Em relação à mãe, Frida mantinha uma relação um pouco mais distante, talvez em função de seu conservadorismo. Matilde era uma católica fervorosa, mas que não escondia estar insatisfeita com o casamento.



No ano de 1922, Frida Kahlo ingressou na Escola Nacional Preparatória, voltada para os futuros estudantes do curso de medicina. Dos 2.000 alunos da escola, apenas 35 eram mulheres. Foi nessa instituição que Frida conheceu aquele que seria o grande amor de sua vida, o pintor Diego Rivera, quando este trabalhava no mural intitulado "A criação". Na verdade, Frida o vira apenas de forma fortuita, admirando o trabalho do renomado artista (na foto acima, Frida nos tempos de estudante, em uma foto tirada por seu pai em 1926). 
No dia 17.09.1925, ao retornar da escola para a casa, o ônibus em que estava sofre um violento choque com um bonde, na capital mexicana. Um corrimão de metal penetrou no corpo de Frida, como se ela tivesse sido empalada e afetou seriamente a sua coluna, além de ter sofrido múltiplas fraturas nos ossos do pé, nas vértebras e na bacia. Suas chances de sobreviver eram pequenas, de acordo com os médicos. Contudo, contrariando a previsão, a jovem conseguiu uma recuperação. Durante o mês em que permaneceu no hospital, Frida Kahlo começou a pintar e a desenhar. Anteriormente, já havia tido algumas aulas de desenho no estúdio do publicitário Fernando Fernandez. Após conseguir se recuperar, Frida deixou o hospital, mas as sequelas do terrível acidente a acompanharam pelo resto de sua vida. 



Como resultado de sua intensa participação nas atividades culturais e na política, junto com os seus colegas estudantes, Frida ingressou no Partido Comunista do México em 1928. Foi nessa ocasião que ocorreu o seu reencontro com Diego Rivera e o relacionamento amoroso entre os dois teve início (na foto acima, Diego Rivera, o mais alto ao centro com camiseta e chapéu, tendo do lado direito Frida Kahlo, em uma manifestação no dia 1º de maio de 1929). 



Tratava-se de um casal absolutamente improvável. Ele vinte anos mais velho do que ela, com mais de 1,80 de altura e ela bem mais baixa, ele gordo e ela magra (na foto acima, o casal no ano de 1928). De qualquer forma, tinha início uma relação notável que marcou a vida dos dois e o casamento ocorreu no ano seguinte. Em 1930, Frida sofre o primeiro aborto, ainda como decorrência do acidente ocorrido cinco anos antes e que afetou o osso da pélvis, impossibilitando uma gestação normal. Nesse mesmo ano, o casal viaja para os Estados Unidos, onde Rivera recebeu várias encomendas para murais nas cidades de São Francisco, Detroit e Nova Iorque. Entre idas e vindas, o casal permaneceu quase quatro anos em território norte-americano, ocasião na qual Frida buscou tratamento médico e onde veio a sofrer um novo aborto. Nesse período, a relação da casal sofreu abalos, muito em função da infidelidade do marido, algo ainda visto como natural na tradicional sociedade mexicana, além do desejo de Frida de voltar à sua terra natal e à sua cultura. 



Mas, após o retorno definitivo ao México em 1934, Frida soube que Rivera (acima, retratado por Frida em 1937) estava tendo um envolvimento amoroso com a sua própria irmã, Cristina Kahlo. A descoberta foi um duro golpe para Frida, que a partir dessa época adotou uma postura extremamente independente do marido, tendo inclusive, vários casos amorosos, com homens e até mesmo com mulheres. Além desse enorme abalo emocional, Frida ainda fez várias intervenções cirúrgicas no pé direito, tendo inclusive, que amputar alguns dedos. 



Nesse momento, até como forma de conter suas decepções pessoais, Frida parece se dedicar mais à pintura. Os seus trabalhos são basicamente figurativos, onde se destacam os primeiros autorretratos, que se tornaram muito conhecidos, mas também outros retratos de amigos e do próprio casal (na foto acima, Frida diante de um autorretrato, presente na mostra de São Paulo, em 1933, na cidade de Nova Iorque). 



Os dramas pessoais de Frida também aparecem nesses trabalhos, como as várias interrupções de sua gravidez (como no quadro acima "Nascimento" de 1932). A obra de Frida Kahlo não pode ser vista sem observarmos a sua vida pessoal e o contexto histórico das décadas de 1930 e 1940, quando tivemos a institucionalização de alguns dos ideais revolucionários de 1910, sobretudo no governo de Lázaro Cárdenas (1934-1940). Nesse período foi efetivado um plano de reforma agrária, o crescimento industrial e a nacionalização do petróleo mexicano. 



Por sua vez, Frida Kahlo assimilou de forma ímpar a influência modernista e surrealista em seus trabalhos, a ponto de ser difícil encaixa-la dentro de uma corrente artística específica. Frida Kahlo pinta no estilo Frida Kahlo (na foto acima, Frida em uma exposição de Picasso, em Nova Iorque, no ano de 1946).



A década de 1940 parece ter sido a fase de pleno amadurecimento de sua arte, onde encontramos os seus trabalhos mais característicos e marcantes, muitos dos quais estão presentes na mostra do Instituto Tomie Ohtake em São Paulo, como o "Autorretrato com Macacos" de 1943 (imagem acima). 



No "Autorretrato com Trança" de 1941, também presente na exposição (imagem acima), feito após a reconciliação com Rivera, mostram os cabelos, que antes haviam sido cortados, novamente entrelaçados, simbolizando talvez uma retomada da vida ou mesmo um renascer ao lado do esposo.



A influência da arte contemporânea européia aparece nas obras de Frida Kahlo, desde o final da década de 1930, até porque nessa época viajou a Paris, onde expôs os seus trabalhos. Após a morte do pai, Guilhermo Kahlo e o divórcio com Diego Rivera em 1939, Frida instala-se definitivamente na casa paterna em Coyoacán, que ficou conhecida como "Casa Azul", atual Museu Frida Kahlo. Dessa época em que ocorreu a separação com Rivera é que foi tirada a foto colorida acima, feita pelo fotógrafo Nickolas Muray, que foi também seu namorado.
Em 1937, o governo do presidente Lazaro Cardenas recebe como exilado político o revolucionário russo Leon Trotsky, que havia sido expurgado do governo soviético por Josef Stalin. A casa paterna de Frida Kahlo é colocada à disposição do ex-líder soviético refugiado. Foi nesse momento, em que a relação com Rivera já se encontrava abalada, que Frida teria tido um envolvimento sentimental com o "velho" revolucionário Trotsky, assassinado três anos depois, em 1940. Contudo, Frida expressa em seus trabalhos a fixação na figura de Rivera e os dois resolvem se casar novamente, no mesmo momento em que viaja aos Estados Unidos, para novos cuidados médicos, em 1940.



A década de 1940 parece profícua para Frida Kahlo, apesar dos enormes problemas de saúde (na imagem acima, autorretrato de 1948). Além da sua atividade como artista plástica, até certo ponto sem grandes pretensões em relação a ter prestígio, ela começou a ministrar aulas de pintura na Escola de Arte "La Esmeralda". O seu estado de saúde a obrigou, posteriormente, a continuar com as aulas em sua residência, na "Casa Azul" em Coyoacán. 



Apesar de manter enorme respeito pelos trabalhos de Diego Rivera e de não se comparar ao marido, gradualmente a obra de Frida começou a ser reconhecida. Em 1946 teve um trabalho seu agraciado com o Prêmio Nacional de Pintura, outorgado pelo Ministério da Cultura do México. Nessa época, o seu trabalho ganha cores vivas e mostra um enorme amadurecimento (na imagem acima, "A noiva que se espanta de ver a vida" de 1943, outra obra presente na mostra). 
Ainda em 1946, vai a Nova Iorque para se submeter a uma cirurgia na coluna, afetada pelas sequelas do acidente de 1925.



Os problemas de saúde se agravam. Somente no ano de 1950, Frida Kahlo sofreu sete intervenções cirúrgicas em sua coluna vertebral e teve que permanecer nove meses no hospital. Além disso, ficou presa à cama tendo de utilizar espartilhos de gesso. Apesar disso, não deixou de trabalhar, pintar, desenhar e escrever um diário (foto acima). Impressionava a todos os amigos com o seu vigor e desejo de viver. No ano seguinte conseguiu sair da cama para andar em cadeira de rodas e suportar as dores com remédios fortes. Nessa fase, Rivera a retratou em um de seus murais, "O Pesadelo da Guerra e o Sonho da Paz".



Em 1953, sua amiga Lola Alvarez Bravo organiza a primeira mostra individual de Frida Kahlo no México. A artista comparece à exposição em uma cama. Pouco tempo antes da abertura da mostra, ela havia amputado a perna direita até a altura do joelho. Era evidente que restava pouco tempo para Frida e a exposição foi uma justa homenagem para ela, ainda em vida. Muitos de seus amigos e admiradores compareceram à inauguração da mostra (foto acima). Os seus trabalhos estavam começando a ficar conhecidos fora do México. Muitas personalidades importantes já haviam adquirido obras de Frida Kahlo, como Helena Rubinstein e o ator norte-americano Edward G. Robinson, também conhecido colecionador de obras de arte.



No ano de 1954, o estado de saúde de Frida Kahlo se agravou e em julho é atingida por uma infecção pulmonar. Militante do Partido Comunista, ela ainda participou de uma manifestação contra a intervenção dos Estados Unidos na Guatemala, mesmo contrariando as ordens médicas para não sair de casa (acima, uma de suas últimas fotos). 



Serenamente, no dia 13.07 daquele mesmo ano, Frida Kahlo morreu, em sua "Casa Azul" onde, quatro anos depois, foi aberto ao povo mexicano o Museu Frida Kahlo, de acordo com o desejo de Diego Rivera, que sobreviveu apenas três anos à morte de Frida (na foto acima, a máscara mortuária da artista). 
A obra de Frida Kahlo, aos poucos, foi obtendo reconhecimento, sobretudo a partir do final da década de 1980. Ao lado de seus contemporâneos, como os muralistas David Alfaro Siqueiros, José Clemente Orozco e o próprio Diego Rivera, Kahlo se coloca como um dos nomes mais importantes da arte moderna latino-americana. Mas, como a mostra no Instituto Tomie Ohtake revela, com uma enorme personalidade e qualidade plástica, mesmo diante das outras pintoras que lhe foram contemporâneas e que também completam a mostra que está sendo exibida em São Paulo, das quais destacamos Leonora Carrington, María Izquierdo e principalmente, Remedios Varo, com um trabalho consistente e profundamente marcado pelo surrealismo. 



Contudo, em todos os aspectos, tanto na técnica como na singularidade temática, a obra de Frida é superior a essas outras artistas. Seus trabalhos, mesmo os mais simples (pelo menos, aparentemente, como a natureza-morta que aparece acima, com o coco vertendo lágrimas) carregam marcas que apenas uma leitura mais atenta podem ser reveladas. Além disso, Kahlo soube como nenhuma outra agregar ao seu trabalho a luz, as cores e a estampa de sua terra natal. 



Por falar em estampa, outro traço notável da artista foram os seus vestidos, cujas réplicas são exibidas na mostra (imagem acima). Por meio delas, somos remetidos às cores, às tradições e à cultura do México.
A exposição, embora não prime pela quantidade de trabalhos da pintora mexicana, representa uma amostragem notável e de grande significado, sendo acompanhada por um bom documentário sobre sua vida exibido em uma sala separada. Apenas ressaltamos que, uma vez que a mostra têm Frida Kahlo como referência maior, o vídeo exibido poderia ficar restrito apenas a ela. O outro documentário sobre Remédios Varo, embora muito interessante, é longo e para ver os dois, o visitante terá que dispender quase três horas a mais. Isso, além do fato de ter que aguardar para encontrar um lugar na sala de exibição.
Mas a mostra de Frida Kahlo, além de ser inédita no Brasil, é mais do que recomendável e a quantidade de visitantes que está sendo esperada, confirmada no dia em que estivemos na exposição, apenas nos mostra que há uma grande demanda em conhecer a obra e a vida desta notável artista. Não deixe de ver..........
Para ver:
Frida Kahlo: conexões entre mulheres surrealistas no México.
De 27.09.2015 a 10.01.2016.
De terça a domingo, das 11 às 20 horas.
Instituto Tomie Ohtake.
Avenida Faria Lima 201. Entrada pela rua Coropés, bairro de Pinheiros, São Paulo (SP).
Recomendável o uso do metrô (desembarcar na Estação Faria Lima da linha amarela, a 800 metros do Instituto).
Crédito das Imagens:
Fotos de Frida Kahlo com vestimenta tradicional de 1937, ao lado de Rivera em 1º de maio de 1929, na exposição de Picasso em Nova Iorque, 1946 e máscara mortuária: Frida Kahlo: La pintora y el mito de Teresa del Conde. Instituto de Investigaciones Estéticas/Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. 
Fotos de Frida em 1926, em Nova Iorque no ano de 1933, do quadro o "Nascimento" de 1932, autorretrato com trança de 1941, foto colorida de 1939, autorretrato de 1948, diários, exposição individual de 1953 e presença de Frida na manifestação contra a intervenção dos E.U.A. na Guatemala em 1954: Frida Kahlo: Dolor y pasión. Taschen, Alemanha, 1992. 
Obra "A noiva que se espanta de ver a vida":
http://guia.folha.uol.com.br/exposicoes/2015/09/1685957-frida-kahlo-e-mais-15-mulheres-guiam-mostra-no-instituto-tomie-ohtake.shtml
Frida Kahlo com Diego Rivera em 1928: 
http://noticiadamanha.com.br/frida-kahlo-e-sua-casa-azul-ocupam-o-jardim-botanico-de-nova-york/
Demais fotos: acervo do autor