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sábado, 18 de dezembro de 2021

Mensagem de Boas Festas e Feliz 2022!!!!!

O blog História Mundi retorna, após dois anos, com a sua tradicional mensagem de Boas Festas e Feliz Ano Novo. Sem maiores delongas, vamos a mesma.

Houve uma época,

em que carros de Fórmula 1 eram fabricados na periferia da cidade de São Paulo (acima, sede da equipe Copersucar Fittipaldi, na antiga avenida Parelheiros, no bairro Cidade Dutra, zona sul de São Paulo, em foto de 1974);

em que neste prédio, na rua da Consolação no centro de São Paulo, funcionava uma emissora de televisão, cujo estúdio era dentro de um apartamento (acima, o edifício Liége, que já foi sede da TV Paulista Canal 5, hoje pertencente à Rede Globo); 

em que o ator que interpretava o Tarzan tinha que abraçar um leão de verdade (acima, o ex-jogador de rugbi e ator Mike Henry abraçando o animal nas filmagens de "Tarzan e o Grande Rio", realizadas no Brasil em 1964);

em que o cantor Elvis Presley aceitava, sem relutância, tomar vacina (acima, Elvis é vacinado contra a poliomielite, pouco antes de se apresentar no programa televisivo Ed Sullivan Show nos Estados Unidos, em 1956);

em que uma nave espacial de verdade foi exibida na Praça da Sé, no centro de São Paulo (acima, a capsula espacial da Gemini V sendo preparada para exposição na Sé, em 1966);

em que nestas casas de uma rua tranquila viviam famílias de trabalhadores (casas no bairro da Água Rasa na cidade de São Paulo, em processo de demolição para a construção de um condomínio);

em que ir ao Zoológico era o grande passeio das famílias aos domingos e feriados (na foto acima da direita para a esquerda, primo Osvaldo Castro, este que vos escreve, vovó Isabel, prima Rosana, a tia Rosa e as primas Dirce, Marcia ainda bebê e Regina, em visita ao Zoo de São Paulo, em 1967);

em que o imperador Constantino governava o Império Romano e ao adotar o cristianismo, no início do século IV da nossa era, fez com que as antigas festas pagãs fossem sendo assimiladas à nova religião, entre elas a do Sol Invictus, que deu origem ao Natal (acima, busto de Constantino na Galeria Uffizi em Florença, na Itália).

Por essas e por outras é que eu ainda continuo gostando da História. A todos os que seguem esta página um excelente 2022.

Crédito das imagens: 

Fotos do edifício Liége, das casas na Água Rasa, da família no zoológico e do busto de Constantino: acervo do autor.

Sede da Copersucar Fittipaldi: https://www.facebook.com/copersucarfittipaldif1

O ator Mike Henry com o leão: revista Cinelândia de 1964.

Elvis Presley tomando vacina: CNN

Gemini V na Praça da Sé: acervo do Estadão. 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Drops de Arte: Napoleão retratado por Meissonier



O imperador da França, Napoleão Bonaparte, retratado por Jean-Louis-Ernest Meissonier (1815-1891). O pintor e escultor francês ficou conhecido pelos seus trabalhos referentes às campanhas militares de Napoleão, embora nunca o tenha visto pessoalmente, uma vez que viveu bem depois da sua época. Um desses trabalhos, "Friedland, 1807", teria sido o modelo para o quadro "O Grito do Ipiranga" do brasileiro Pedro Américo, que hoje se encontra no Museu do Ipiranga em São Paulo. Os dois trabalhos apresentam enormes semelhanças. A obra reproduzida na imagem acima e intitulada "Napoleão em 1814" faz parte do acervo do Musée de l'Armée (Museu das Forças Armadas) em Paris...

Crédito da imagem: acervo História Mundi. 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Campanha "Vacina para todos"


Uma campanha sem paralelo e de enorme significação nestes tempos obscuros, sobretudo por envolver pessoas ligadas à cultura. Em meio à pandemia da covid-19, um grupo de artistas da cidade de Uberaba (MG) desenvolveu (e desenvolve) uma ação em prol da vacinação em massa da população. Desde março de 2021, todas os dias, uma obra de arte é publicada nas redes sociais com os dizeres "Vacina para todos" (como a que aparece na imagem acima). Trata-se de um exemplo notável de como a mobilização da coletividade por uma causa pode se multiplicar. No início foram dez artistas participantes e agora chega a quase uma centena, com notável alcance, sobretudo se pensarmos que Uberaba não é uma grande metrópole como Belo Horizonte ou São Paulo. A cidade, situada no Triângulo Mineiro, disputa com Uberlândia a primazia regional. 

É de conhecimento amplo as repercussões geradas pela pandemia nos mais variados seguimentos da sociedade, como também a falta de iniciativas consistentes por parte do poder público em socorrer os que, além da ameaça à própria vida, perderam as suas colocações no mercado de trabalho. Agora imaginem aqueles que já se encontravam em situação vulnerável mesmo antes da covid-19, os nossos artistas plásticos, músicos, poetas, escritores, atores e técnicos envolvidos na produção das artes de modo geral, sobretudo os que não tem acesso à cobertura midiática. Os cortes promovidos nas atividades artísticas já atingiam esse segmento, o qual, ao contrário do que divulgam os desavisados e pobres de espírito humanístico, tem uma importância crucial nas nossas vidas, para a formação de nossa juventude e como guia em prol de uma sociedade melhor. Com a pandemia, os teatros, as galerias de arte, os centros culturais, os cinemas, ficaram fechados por quase dois anos. A necessidade do isolamento impediu os contatos diretos, que foram substituídos por encontros virtuais, muitas vezes repetitivos e, por sua própria natureza, carentes de calor humano. 

Mas, como vivemos em sociedade, quer alguns poucos aceitem ou não, as situações extremas também despertam nos indivíduos as atitudes humanitárias. Por isso, muitos artistas encontraram na solidariedade o caminho para seguir em frente de forma criativa, aliás algo que é próprio daqueles que produzem arte. O atraso e as deficiências na vacinação por parte das autoridades foram tomados como ponto de partida. 



Assim teve início a campanha "Vacina para todos", onde a palavra "todos" foi colocada de forma enfática, pois sem a imunização de pelo menos 90% da população demoraremos mais para sair desse pesadelo chamado covid-19 (acima, trabalhos apresentados na campanha). 

Mas aí o aspecto contraditório. As vacinas foram descobertas e continuam sendo aperfeiçoadas, inclusive aqui no Brasil, sobretudo pelo Instituto Butantan em São Paulo. Ao contrário do que aconteceu em outros momentos da história, como na conhecida peste bubônica do século XIV, na gripe espanhola (que deveria se chamar gripe estadunidense) do início do século XX e com a Aids, existe o mais importante: a vacina. 

No entanto, ninguém imaginava outro inimigo, tão temido quanto a própria covid: o negacionismo. A descrença na ciência parece não ser própria destas bandas, está generalizada, inclusive nos países ditos desenvolvidos, como os Estados Unidos e entre os integrantes da União Europeia. No caso estadunidense, as autoridades chegaram ao cúmulo de pagar para que as pessoas se vacinassem. Na Áustria, a vacinação esbarra na descrença, os casos voltaram a crescer e surge a ameaça de novo lockdown

Afirmações completamente desprovidas de sentido são disseminadas em torno das vacinas, como a de alterarem o ciclo menstrual das mulheres ou de provocarem problemas cardíacos nos homens (acima, cartões confeccionados e distribuídos na campanha). Tudo isso sem o amparo dos estudos científicos ou mesmo na própria medicina. Além disso, a desconsideração de determinadas vacinas por razões políticas, embora na literatura científica tivessem a eficácia comprovada, em função do confronto global que vivenciamos no presente momento.


Felizmente, a iniciativa do "Vacina para todos" ganhou repercussão, como a matéria de página inteira no "Jornal de Uberaba" celebrando os cem dias da campanha e até como outdoor numa das principais ruas da cidade (imagens acima). Sem dúvida, ficará como registro histórico notável desta época e do que é capaz uma mobilização coletiva no sentido de transformar e mudar a realidade. 

Por todas essas razões vamos parabenizar a inciativa desses artistas e da arte educadora (e também artista plástica) Elisa Muniz Barretto de Carvalho, uma das responsáveis pela divulgação da campanha. Este que vos escreve sente enorme orgulho de poder contribuir com a mesma por meio do trabalho "Autorretrato na Pandemia". Que venham outras iniciativas como essa e que a união desenhada, literalmente, por esses artistas se expresse em novas manifestações culturais assim que voltarmos ao normal ou ao novo normal, e que este surja com muita arte...

Crédito das imagens:

Cedidos pela artista plástica e arte educadora Elisa Muniz Barretto de Carvalho.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Giorgio Morandi no CCBB




O artista que criou uma obra diferenciada em relação à época em que viveu e aparentemente sem maiores influências das correntes modernistas do início do século XX (na imagem acima, "Flor", óleo de 1950). Não exatamente assim, uma vez que as circunstâncias do período entreguerras (1919-1939) contribuíram para que o pintor Giorgio Morandi (1890-1964) desenvolvesse o seu trabalho através de uma trajetória singular. Entre essas circunstâncias está a própria ascensão do fascismo no início dos anos de 1920, regime ao qual o artista manifestou uma clara simpatia. Por outro lado, a arte é permeada pela sensibilidade humana e a mesma nos permite aceitar o fato de que seus trabalhos merecem plenamente a atenção do nosso olhar. 

A leveza e os espaços presentes em seus quadros remetem a uma contemplação e reflexão, onde as composições nos revelam uma plasticidade elaborada com delicadeza e apuro técnico. Morandi (na foto acima, à direita, ao lado de Lamberto Vitali em 1957) fez da natureza-morta o meio para expressar a sutileza das formas e dos volumes, embora também obtivesse esplendidos resultados nas paisagens. Em seus trabalhos transparece um vazio, mas um vazio que nos atrai, onde percebemos o volume das pinceladas, o apuro na escolha das cores e até mesmo no trabalho de arranjo das composições, pensadas e estudadas em suas minúcias. 

A vida privada do artista parecia combinar com as características de seu trabalho. Avesso às agitações, Morandi viveu um tanto quanto recluso em seu atelier, seja em Bolonha (imagem acima) ou nas férias de verão passadas na pequena Grizzana. Como já afirmamos, tal reclusão não significava que não estivesse atento ao que acontecia no meio artístico e nem mesmo ao momento político pelo qual a Itália atravessava. Como todo grande artista estudou e assimilou as influências de outros pintores, antigos e modernos, algo que pode ser percebido em seu trabalho disciplinado e metódico. Morandi foi também professor de desenho e gravura, transmitindo o seu saber, sendo celebrado como um dos grandes nomes da arte italiana do século XX, para muitos talvez o maior. Por tais razões é um artista que escapa ao enquadramento convencional das escolas e dos modismos. Mas, ao contrário do que faz boa parte da crítica especializada, principalmente na Itália, necessita ser analisado para além do simples aspecto formal de sua obra. A mostra que nos é apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), aqui em São Paulo (depois segue para o Rio de Janeiro), permite ao público conhecer esse pintor que de forma singular absorveu as transformações artísticas de seu tempo. 

A trajetória de Giorgio Morandi teve início no final da primeira década do século XX, quando o artista contava com 20 anos (acima, o atelier do artista em Bolonha com as peças utilizadas em suas naturezas-mortas). De uma família modesta com cinco filhos, Morandi teve que assumir uma espécie de liderança entre os irmãos (por ser o mais velho), após a morte do pai em 1907 (já havia perdido um irmão em 1903). Nesse ano esteve em Veneza, onde visitou a VIII Bienal de Arte e repetiu a visita na Bienal seguinte, onde tomou contato com as obras dos impressionistas, sobretudo Renoir. Nessa mesma época, em Roma, viu também de perto os quadros de Claude Monet e conheceu os trabalhos de Paul Cézanne por meio de reproduções em preto e branco. Também visitou Florença e observou a obra dos renascentistas, como Giotto, Masaccio e Piero della Francesca. Já em pleno diálogo com esses grandes nomes da arte, Morandi formou-se na Academia de Belas Artes de Bolonha em 1913. 

Ainda nesse ano, junto com a mãe e as três irmãs, visitou a pequena cidade de Grizzana, mais tarde um refúgio do artista (na foto acima, Grizzana em 1981). Morandi observou o que ocorria no meio artístico como o Cubismo, o Futurismo Italiano e o surgimento do Surrealismo. O artista assimilou o que mais lhe interessava em cada uma dessas correntes, porém sem denotar uma filiação a nenhuma delas. 

Morandi começou a explorar a técnica da gravura a partir de 1912, quando fez a sua primeira água-forte (gravura feita em chapa de metal mediante acréscimo de ácido nítrico, como a que aparece acima, feita em 1924), uma paisagem. Nesse período tomou contato com o Movimento Futurista (o modernismo italiano), ao conhecer Umberto Boccioni e Carlo Carrà, chegando a participar de uma mostra futurista em Bolonha, no ano de 1914, quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Morandi ocupava a função de professor de desenho na escola elementar quando foi convocado para a guerra, mas adoece gravemente e acaba dispensado. Por essa época, começou a pintar naturezas-mortas. 

Embora relutasse em seguir uma determinada corrente, Morandi parece ter se identificado inicialmente com a Escola Metafísica, cuja figura principal era o pintor Giorgio De Chirico, que ganhou prestígio na Itália entre os anos de 1917 a 1922 (na foto acima, a tela "Flores" de 1947). Nos postulados dessa corrente, o artista era uma espécie de ser privilegiado, o qual poderia, por meio da pintura, vislumbrar um mundo situado além das aparências físicas e distante das tradições artísticas vigentes. O artista seria uma espécie de descobridor daquilo que se encontrava oculto por detrás das aparências das imagens. Segundo muitos estudiosos, foi por meio dessa associação com a Escola Metafísica que a carreira de Morandi foi lançada. Em 1919 firmou um contrato de exclusividade com o marchand e crítico de arte Mario Broglio, que durou até 1924. Em 1922, ele expõe em Florença, junto com De Chirico, Carrà e Arturo Martini. Porém, nessa mesma década começa a se distanciar dos metafísicos, o que propiciará um novo rumo ao seu trabalho. 


O próprio ambiente cultural e político da Itália não se mostrava mais favorável às tendências artísticas e estéticas provenientes do exterior (acima, uma paisagem feita em aquarela no ano de 1957). A Escola Metafísica começava a sofrer duras críticas. Ainda em 1918, o conhecido crítico de arte, Roberto Longhi, referiu-se ao trabalho de De Chirico como um simples desdobramento do cubismo, caracterizando o mesmo como ilustração e não pintura. Os ataques às correntes do modernismo ganharam força nos anos seguintes e podem ter influenciado a atitude de Giorgio Morandi de se distanciar da Escola Metafísica. No final da década de 1920, Morandi aproximou-se do pintor e crítico de arte Ardengo Soffici, um ex-integrante do Movimento Futurista e agora adepto do fascismo. Na concepção dos ideólogos do novo regime era necessária a restauração da ordem após os anos tumultuados da Primeira Guerra, o que pressupunha a transposição para a arte dos valores rurais e provinciais da Itália, algo que significava um abandono da estética pensante da Escola Metafísica e das tendências estrangeiras, como o cubismo. Tratava-se da corrente conhecida pelo nome de strapaese, que propunha a restauração dos valores da Itália rural, camponesa, católica (sem ênfase na hierarquia clerical) e patriótica. O fascismo seria o fio condutor dessa restauração. 


É exatamente nesse contexto que o trabalho de Morandi ganhou os contornos que o tornaram conhecido (acima, natureza-morta de 1955). O artista buscou em Paul Cézanne o exemplo da afirmação de uma obra pictórica desenvolvida após anos de experimentação e viu no isolamento desse artista a condição propicia para efetuar esse encontro. Desapareceram as pinturas com manequins, tão características da Escola Metafísica, para dar lugar às naturezas-mortas com grandes espaços em seu entorno. 


As cores se tornam mais escuras, com o predomínio dos marrons, dos terras e dos cinzas tendo no branco a condição para um suave contraste, numa evidente associação à terra e ao campo (acima, natureza-morta de 1958). 

Muitos estudiosos, como a historiadora da arte Mariana Aguirre, apontam essa rusticidade no trabalho de Morandi como sendo a sua aproximação com os ideais da corrente strapaese. De acordo com esta autora, ressurgiu a influência de Piero della Francesca e dos artistas do Quattrocento (anos de 1400), com clara conotação conservadora e nacionalista. A Toscana (região central da Itália) é onde estariam as verdadeiras raízes da autenticidade e da alma italianas. Basta lembrar da cidade de Florença, centro do Renascimento. O artista agora está mais focado no tema das naturezas-mortas e em seu trabalho dentro do atelier. 

Na segunda metade da década de 1920 e início dos anos de 1930, Giorgio Morandi consolidou uma estética regionalista que o caracterizaria até o final de sua vida (acima, natureza-morta com as cores da bandeira italiana, de 1957). A crítica italiana começou a minimizar a etapa metafísica de Morandi, ressaltando o talento próprio do artista sem as influências estrangeiras e nórdicas. Para esses críticos o pintor estaria restaurando o lirismo natural, a toscanità ou a autêntica arte italiana, uma espécie de rinascita (renascer), termo que passou a ser utilizado pela elite cultural fascista. 


A partir do final da década de 1920, a obra de Morandi começa a receber um reconhecimento no ambiente artístico italiano. No ano de 1926 é convidado para participar da Prima Mostra del Novecento Italiano (acima, o óleo "Pátio da Via Fondazza" de 1956). Em 1928 participa da XVI Bienal de Veneza e no ano seguinte da Seconda Mostra del Novecento. Morandi foi responsável pela ilustração do livro do poeta italiano Vincenzo Cardarelli, intitulado Il sole a picco, com 22 desenhos. Segundo nos relata Sara Benaglia, artista e pesquisadora italiana, com a clara anuência do governo italiano por meio de Balbino Giuliano, Ministro da Educação, Giorgio Morandi foi convidado para ocupar a cátedra de gravura na Academia de Belas Artes de Bolonha em 1930. Embora a justificativa para o convite fosse o fato do artista ser uma figura de notório saber, apenas alguém que estivesse afinado com o nacionalismo de cunho fascista e seus postulados estéticos, poderia ter sido nomeado para este cargo. A revista L'Italiano, de grande prestígio cultural e político naquele momento, publicou um número totalmente dedicado a Morandi, contendo um texto crítico de Ardengo Soffici. Para a historiadora da arte Mariana Aguirre, apesar de suas naturezas mortas e paisagens parecerem exercícios formais, a obra de Morandi participava da formação de uma linguagem visual fascista voltada aos valores provinciais da Itália em contraponto ao cosmopolitismo modernista (Cubismo, Surrealismo, Escola Metafísica). 

Em 1934 Morandi participou da XIX Bienal de Veneza e foi apontado pelo crítico Roberto Longhi como sendo um dos maiores pintores vivos da Itália (na foto acima, objetos utilizados por Morandi em suas composições). No decorrer dessa década, a crítica especializada da Itália dedica-lhe vários artigos e monografias nas revistas especializadas. Já no período da Segunda Guerra continuou a participar de exposições, porém em 1943 chegou a ser detido por manter contatos com pessoas opositoras do fascismo, quando o mesmo já se encontrava em fase de desagregação. Apesar da derrocada do regime, o prestígio de Morandi como artista cresceu e a sua obra vista como original e diferenciada. 

Ao final da década de 1940, Giorgio Morandi começou a ter reconhecimento também no exterior. Em 1953 recebeu o Prêmio Internacional de Gravura na II Bienal de São Paulo. Dois anos depois participou da Documenta de Kassel na Alemanha. Em 1956 viajou pela primeira vez ao exterior, estando em duas oportunidades na Suíça, numa das quais para prestigiar uma mostra sua no Museu de Winterhur. Nesse mesmo ano aposentou-se das suas atividades docentes. 

Em 1957 vence o Grande Prêmio de Pintura na IV Bienal de São Paulo (acima, Morandi, de perfil à esquerda, recebe o prêmio na embaixada do Brasil em Roma). A partir do ano seguinte começou a passar longas temporadas em Grizzana em uma casa-estúdio construída pelo próprio artista. No início da década de 1960, duas grandes mostras são dedicadas ao pintor na Alemanha e na Suíça.

Em 1964 após alguns meses de enfermidade, Morandi falece em Bolonha aos 74 anos (acima, o artista em seu estúdio em Bolonha, no ano de 1958). 

Muito embora a mostra apresentada no CCBB não seja suficiente para caracterizar as etapas e o desenvolvimento da obra de Giorgio Morandi, serve como ponto de partida para que adentremos no universo plástico desse artista. As obras vieram diretamente do Museu Morandi em Bolonha na Itália. Na atual 34ª Bienal de São Paulo outros trabalhos do pintor podem também ser observados e complementam esta exposição. A cronologia de Giorgio Morandi apresentada na mostra desconhece o contexto político e social da Itália no período de vida do artista, descontextualizando muito a sua obra. Em que pesem tais observações, a obra de Giorgio Morandi merece atenção do nosso olhar pelo resultado obtido dentro de uma trajetória complexa, mas de trabalho intenso, numa temática tão cara às artes plásticas, como as naturezas-mortas e paisagens, mas que aos nossos olhos apresentam resultados tão singulares que a inserem na modernidade das artes plásticas do século XX. 

Para ver: 

Exposição "Ideias: o legado de Giorgio Morandi".

Onde: CCBB de São Paulo até o dia 22 de novembro de 2021. Rua Álvares Penteado, 112, Centro Histórico, São Paulo (SP). 

Depois: CCBB do Rio de Janeiro de 15 de dezembro de 2021 até 21 de fevereiro de 2022.

Entrada gratuita. 

Para a exposição no CCBB de São Paulo os ingressos precisam ser adquiridos antecipadamente e com horário marcado em função dos protocolos contra a covid-19.

Os mesmos podem ser adquiridos gratuitamente no seguinte endereço: 

https://www.eventim.com.br/artist/legado-morandi/exposicao-o-legado-de-morandi-2982800/

Crédito das imagens: acervo do autor (todas as fotos das obras de Morandi desta postagem estão na mostra do CCBB). 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

"Resiliência": Exposição Coletiva da APBA


O que é resiliência? Vamos consultar Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em seu famoso dicionário: 

"1. Fís. Propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica. 2. Fig. Resistência ao choque". 

(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1995, página 1493)

Nas últimas décadas o termo resiliência ou resiliente (quando aplicado ao indivíduo ou coletividade) têm sido utilizado para caracterizar a capacidade humana de retornar ao seu estado habitual após passar por uma crise ou situação adversa. Embora tenha sua origem na física, a palavra foi incorporada às ciências humanas de modo geral (sociologia, economia, psicologia, história) e no que diz respeito aos aspectos relativos ao meio ambiente. É exatamente neste sentido que a mostra coletiva promovida pela Associação Paulista de Belas Artes (APBA) foi batizada com esse nome. 

A arte, enquanto forma de expressão humana, foi um dos instrumentos que a humanidade recorreu para poder atravessar este período da pandemia e ganhar força para se reconstituir. No isolamento forçado, muitos se valeram da música, da poesia, da literatura e das belas artes a fim de resistir ao choque da paralização da vida social causado pela covid-19. Com o apoio imprescindível da ciência, por meio das vacinas, eis que agora começamos a nos refazer e a nos mostrarmos resilientes, como propõe a exposição.

No total, 30 artistas submeteram os seus trabalhos à apreciação e ao olhar do público (acima, a lista de participantes). A mostra encontra-se aberta à visitação no espaço cedido na forma de parceria pelo Tribunal de Justiça Militar (TJM) de São Paulo e pode ser visitada até o dia 7 de dezembro de 2021. Na mesma, foram contemplados trabalhos diversificados, de tendência contemporânea e clássica, ou mesmo artistas que transitam pelas mais variadas correntes. A APBA, por intermédio de seu presidente José Carlos Acerbi, procurou contemplar os gostos do público, que deve estar ansioso por ver exposições artísticas na forma presencial. 

Ah, este que vos escreve comparece com dois trabalhos: Autorretrato na Pandemia e um exemplar da série "Vênus" (imagens acima).

O blog História Mundi deixa aqui o convite para todos visitarem esta oportuna exposição. 

Para ver:

"Resiliência": Exposição Coletiva da APBA em parceria com o TJM-SP.

Local: Rua Dr. Vila Nova, 285. Bairro da Consolação. São Paulo (SP).

Horário comercial.  

De 27 de outubro até 7 de dezembro de 2021. 

Crédito das imagens:

Jonas_Arte


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Drops de Arte: Vincent Van Gogh


Autorretrato feito pelo artista holandês Vincent Van Gogh em 1887. No mesmo percebemos como o pintor já dominava o seu estilo após assimilar a influência dos impressionistas Seurat e Pissarro. Van Gogh usou com maestria a cor em seus trabalhos valendo-se de pinceladas fortes. Um prenúncio do movimento expressionista do início do século XX. O quadro acima encontra-se no fabuloso acervo do Museu D'Orsay em Paris...

Crédito da imagem: acervo do autor

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Drops de Arte: Camille Pissarro




O blog História Mundi apresenta a sua nova seção: Drops de Arte. Traduzindo para o português, algo como gotas de arte. Para iniciar trazemos o pintor impressionista Camille Pissarro (1830-1903) com uma pintura intitulada Paisagem de Varengeville, um local situado na Normandia, ao norte da França. Trata-se de um trabalho já pertencente ao impressionismo tardio, pois foi pintada em 1899. Contudo, a obra revela a maturidade do artista, com uma pincelada segura e despojada, perceptível ao olhar do espectador. Pissarro foi o mestre dos mestres e conselheiro de outros artistas como Van Gogh, Gauguin e Cézanne. A obra esteve exposta em 2019 na antiga residência da mãe de Napoleão Bonaparte (Maria Letícia Bonaparte), o Palazzo Bonaparte, hoje um museu situado no coração da cidade de Roma, na Piazza Venezia. O quadro pertence a um colecionador mexicano...
Crédito da imagem: acervo do autor

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Osvaldo Higa lança seu mais novo livro

 


Escritor, jornalista, historiador, militante do movimento estudantil e das boas causas sociais, Osvaldo Higa estará lançando amanhã (dia 9.09) o seu livro "Sujeito Oculto". Trata-se de um romance que trata das angústias e anseios do personagem Diógenes, um jornalista de sucesso que parte em busca do sentido da vida. 

O lançamento será virtual via Facebook. Este que vos escreve tem o imenso prazer de convidar a todos para o envento, que terá um bate papo com o autor e o editor. 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Covid-19 persiste


Está mais do que provado que as medidas de distanciamento social e lockdown ajudaram a diminuir os casos de covid-19 e as taxas elevadas de mortalidade, inclusive aqui no Brasil. A cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, é o melhor exemplo entre praticamente todas as cidades brasileiras. Contudo, ainda nos encontramos num patamar elevado em termos de casos e mortes. Seria este o momento oportuno para intensificar a vacinação, exatamente como está sendo feito nos Estados Unidos, onde as autoridades estão se dando ao luxo de dispensar o uso das máscaras, uma medida considerada ainda prematura pelos especialistas. Porém, aqui está ocorrendo o contrário. Em vários lugares a vacinação parou por falta de doses. No Instituto Butantan e na Fiocruz, que fabricam as vacinas, faltam os insumos para a produção das mesmas, que são provenientes da China. Veja bem caro leitor (a), isso ocorre exatamente no momento em que a vacinação atingiria o grosso da nossa população, abaixo dos 60 anos. Nossa autoridade maior, que comanda (ou deveria comandar) a república, deu declarações desastrosas em relação à República Popular da China, acusando-a indiretamente de ser a causadora da pandemia, sem qualquer prova ou evidência para sustentar tal posicionamento. Autoridades diplomáticas confirmam que o atraso no envio do insumo é uma resposta branda e diplomática a tais afirmações, para que as mesmas não passassem em branco e para manifestar o descontentamento das autoridades chinesas. Se não bastasse isso, o governo brasileiro, por intermédio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ainda fez pouco caso da vacina russa, que já está em sua quarta versão, a Sputnik Light, produzida especialmente para ser exportada aos países que registram índices elevados de mortes (além do Brasil, agora também a Índia) e a mais barata disponível no mercado. E com isso o Brasil segue se arrastando e torcendo muito, mas muito mesmo, para que não venha uma nova onda ou variante mais letal desse vírus. Portanto, nem pensar em descartar as máscaras e manter o distanciamento social da melhor forma possível...

Crédito da imagem: 

Jonas_Arte: https://www.facebook.com/jonasartesvisuais

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Autorretrato na Pandemia

 

Caro leitor (a) do blog História Mundi, este que vos escreve tem entre as suas atividades paralelas o desenho e a pintura. As mesmas foram sendo aprendidas a partir da formação iniciada no distante ano de 1975, com o reconhecido artista plástico e querido amigo Martins de Porangaba. Desde essa época procuro, sempre que possível, exercitar as minhas mãos, sobretudo no desenho, para não perder a essência e o alicerce das belas artes. Os percalços da vida nem sempre permitiram que eu desenvolvesse um trabalho continuo, mas sempre que posso frequento as sessões de modelo vivo, inicialmente no Museu Lasar Segall, na Pinacoteca do Estado e nos últimos anos na Associação Paulista de Belas Artes (APBA). Pouco antes da pandemia, tinha começado a participar também das sessões de desenho de figura humana no Centro Cultural São Paulo. Até consegui ganhar alguns prêmios em salões de arte participando de exposições coletivas e mesmo de uma mostra com desenhos de modelo vivo na Pinacoteca do Estado em 1990. 

Pois bem, há alguns meses o jornalista, radialista, escritor e crítico de arte Oscar D'Ambrosio tem proposto nas redes sociais uma série de temas relevantes, para que os artistas desenvolvam trabalhos associados a esses mesmos assuntos. Atendendo a solicitação do prestigioso jornalista e escritor, resolvi enviar-lhe um trabalho em torno da questão: "O Que Aprendemos com a Pandemia". Trata-se de um autorretrato que eu mesmo intitulei de "Autorretrato na Pandemia" e que aparece na imagem acima, na abertura desta postagem. Se não bastasse ter o meu trabalho publicado, Oscar D'Ambrosio escreveu um simpático texto sobre a obra, o qual reproduzo aqui:


"Autorretrato na Pandemia", desenho de José Jonas Almeida, nos faz lembrar da importância do desenho como forma de manifestação visual. Trata-se de uma espécie de impressão digital do artista pela qual ele apresenta e representa a sua concepção de mundo. Nesse aspecto, a imagem da esquerda traz todo um exercício com a linha, que funciona como um percurso da existência. A da direita já se vale da cor como elemento para multiplicar os recursos expressivos. Nos dois autorretratos, que se relacionam como uma só imagem, surge a potência do desenho como uma forma de expressar um sentimento de estar no mundo, com todas as suas possibilidades. José Jonas Almeida se apresenta com máscara, retratando um momento histórico que vem deixando e deixará marcas em todos das mais diversas maneiras, tanto no aspecto de saúde física, como, o que não pode ser negligenciado, no da saúde mental. 

                                                                                                             

Para os interessados em conhecer o projeto de Oscar D'Ambrosio e ver também os demais trabalhos apresentados por outros grandes artistas, deixo aqui o link de sua página: 

https://oscardambrosio.com.br/

domingo, 4 de abril de 2021

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Anúncio Antigo 78: Edith Piaf

 

A mais conhecida cantora da França, Édith Piaf (e não Piá, por favor) veio nos presentear com o seu talento aqui em São Paulo, como nos mostra o Anúncio Antigo acima do dia 5 de junho de 1957, publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Nascida em 1915 em uma família de artistas, a cantora teve uma vida conturbada e trágica. Abandonada pela mãe, acabou sendo criada pela avó paterna, que era proprietária de um bordel. Entre os 3 e os 7 anos foi acometida de uma cegueira temporária. Adolescente, ficou grávida e perdeu a filha com apenas 2 anos de idade, vitima de meningite. Para sobreviver passou a cantar nas ruas de Paris e acabou descoberta por um dono de cabaré, Louis Leplée, que viu na jovem um grande talento e uma bela voz. O seu nome artístico surgiu nessa época, ao ficar conhecida como "la Môme Piaf" ou "pequeno pardal". Édith Giovanna Gassion passou então a ser chamada de Édith Piaf. A fama definitiva veio após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) quando ela passou a excursionar pelo mundo. Em 1948 conheceu o grande amor de sua vida, o boxeador Marcel Cerdan, que era casado. Infelizmente, este veio a falecer em 1949, num acidente aéreo, exatamente quando viajava para Nova Iorque para se encontrar com Piaf. Dois anos depois, Piaf retomou as suas viagens, mas uma série de acidentes automobilísticos debilitaram a sua saúde e a colocaram sob a dependência da morfina. O seu prestígio e o talento vocal, no entanto, permaneceram inabalados. 

Em 1957 esteve no Brasil para algumas apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tornou-se amiga da cantora Marlene, uma das Rainhas do Rádio da época, a quem conheceu ao se apresentar no Hotel Copacabana Palace na antiga Capital Federal (na foto acima, Piaf e Marlene). Édith Piaf levou a brasileira para cantar na França em uma série de shows, inclusive no famoso Olympia de Paris. 

Em São Paulo, a convite do empresário e proprietário da TV Paulista (depois TV Globo), Victor Costa, Piaf apresentou-se no Teatro de Cultura Artística no centro da capital paulista, onde conheceu a também cantora e apresentadora Hebe Camargo (na foto acima, Piaf e Hebe no interior do Teatro de Cultura Artística em 1957). 

Várias canções ficaram conhecidas pela voz de Édith Piaf, as quais ao ter o título pronunciado remetem de forma imediata à famosa cantora, como "La vie en rose", "Hymne à l'amour" e "Non, je ne regrette rien" cuja tradução literal é "Eu não me arrependo".

Édith Piaf faleceu ainda jovem, em 11 de outubro de 1963, com apenas 47 anos, muito debilitada fisicamente pela dependência da morfina e também do álcool. Milhares de pessoas prestaram homenagem à artista em seu funeral na cidade de Paris, onde foi descoberta e onde também iniciou a sua carreira. A simples menção ao seu nome (de forma correta, é claro) é o mesmo que designar o seu país, tal a sua importância para a cultura francesa...

Crédito das imagens: 

Piaf e Marlene: Acervo do jornal O Globo

Piaf e Hebe Camargo: 

https://twitter.com/juliapitaluga/status/1300228198626660353

quarta-feira, 31 de março de 2021

Anúncio Antigo 77: o filme Aeroporto (1970)



A película que lançou a moda dos filmes de desastre ou cinema-catástrofe na década de 1970: Aeroporto (Airport, 1970). Um dos grandes sucessos cinematográficos daquele ano, como o Anúncio Antigo acima mostra, foi baseado no best-seller (livro de sucesso) de Arthur Hailey, teve a direção de George Seaton (1911-1979) e estrelada por Burt Lancaster, Jean Seberg, Dean Martin e Jacqueline Bisset, junto a um elenco formado por atores já experientes em Hollywood. A produção foi dos estúdios da Universal e do seu executivo Ross Hunter (1920-1996), responsável por clássicos do cinema como Tudo o Que o Céu Permite  (1955) e Imitação da Vida (1959). A excelente trilha sonora de autoria do compositor Alfred Newman, a abertura de rara beleza visual e os demais atributos técnicos, ajudaram o filme a ter uma excelente bilheteria, a melhor da Universal desde Spartacus (1960). 

O grande destaque ficou pela atuação da veterana Helen Hayes, que acabou por levar o Oscar de melhor atriz coadjuvante, interpretando uma idosa que insistia em viajar sem pagar a passagem (na foto acima, o elenco tendo ao fundo o diretor George Seaton e o produtor Ross Hunter que está de óculos). Aliás, a única estatueta recebida entre as 10 indicações dadas pela Academia de Cinema de Hollywood (inclusive de melhor filme). 

A trama gira em torno do administrador do aeroporto de Chicago (vivido por Burt Lancaster) e os problemas decorrentes de uma terrível tempestade de neve, que criava dificuldades às operações de partida e chegada dos voos, entre os quais um com destino a Roma, da empresa Trans Global Airlines ou TGA (nome fictício). 

Entre os passageiros, havia um que portava uma pasta contendo explosivos. A ideia do personagem (vivido pelo ator Van Heflin, em seu último trabalho no cinema, que aparece na imagem acima à direita, ao lado de Helen Hayes e Whit Bissell) era detonar o artefato dentro da aeronave, o que levaria à queda da mesma. Dessa forma, sua esposa (interpretada pela excelente atriz Maureen Stapleton) receberia o dinheiro do seguro, pois o casal vivia em sérias dificuldades financeiras. Como sempre acontece em filmes de desastre aéreo, coube ao piloto (vivido por Dean Martin) evitar uma tragédia maior, fazendo com que o passageiro com o explosivo se refugiasse no toalete. O artefato explodiu e deixou um rombo na fuselagem do avião. Mesmo assim, a aeronave conseguiu retornar ao aeroporto e o pouso ocorreu sem grandes dificuldades. O único problema era um Boeing 707 com o trem de pouso preso na neve, na pista principal do aeroporto, mas que acabou sendo removido graças à pericia de Joe Patroni (personagem vivido por George Kennedy), o mecânico-operador da TGA. Ah, este que vos escreve contou o final! Impossível assistir ao filme sem deduzir que o desfecho fosse esse, com a aeronave e os passageiros salvos (exceto o que detonou o explosivo). 

No mais, um festival de clichês que depois se repetiriam em vários outros filmes em que o assunto fosse acidente aéreo. Não poderia faltar o romance (extraconjugal) entre o piloto e a aeromoça (vividos por Dean Martin e Jacqueline Bisset, na imagem acima); a crise matrimonial do gerente do aeroporto; o passageiro chato que aparece para atrapalhar tudo e ainda a exaltação à tecnologia da moderna aviação comercial. A fabricante de aviões estadunidense Boeing, muito antes de viver a crise pela qual atravessa atualmente, foi privilegiada ao ter o seu nome associado ao filme, o qual aliás, rendeu mais três sequências: Aeroporto 1975, Aeroporto 1977 e Aeroporto 1979, o Concorde. Mas sem a menor dúvida, como ocorre na maioria das franquias cinematográficas, a primeira foi a de qualidade mais aceitável. George Kennedy foi o único ator a ter participado de todas as sequências, sempre com o personagem Joe Patroni e ligado à manutenção das aeronaves. 

Um dos temas da trilha sonora foi adaptado pelo músico Vincent Bell, o Airport Love Theme, cujo vinil vendeu mais de um milhão de cópias em 1971. O arranjo embalou o romance de muitos casais na época e também foi sucesso aqui no Brasil, mas não fez parte da trilha original (acima, capa do disco com a trilha do filme). 


Apesar da avalanche de indicações ao prêmio máximo do cinema, o filme não foi bem recebido pela crítica da época e com boas justificativas (acima, cartaz promocional do filme divulgado nos Estados Unidos). Não é uma história que prenda a atenção do espectador, pois fica diluída em pequenas tramas paralelas, casamentos mal resolvidos, o drama do personagem desempregado que ia explodir o avião, a passageira clandestina, a rotina de um aeroporto movimentado, enfim, nada no roteiro que pudesse ter algum destaque especial. Para os padrões de hoje, o filme é até difícil de assistir e com um desfecho pra lá de previsível.

Agora vamos para o detalhe curioso deste filme, principalmente para os brasileiros. Na trama em questão o avião não se acidentou, mas na vida real sim. O único Boeing 707 (acima, como aparece no filme) utilizado nas filmagens externas (pois a parte interna, onde estavam os passageiros, foi reconstituída em estúdio) caiu e não deixou nenhum sobrevivente entre os que estavam a bordo. E o acidente ocorreu aqui no Brasil, no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) que serve a maior cidade do país, São Paulo.  

O Boeing modelo 707-349C (acima, uma miniatura da aeronave), cujo primeiro voo havia sido realizado em 9 de junho de 1966, estava alugado da Flying Tiger Line em 1970, para a realização do filme Aeroporto. Nos anos seguintes o aparelho voou por outras companhias aéreas, entre as quais Aer Lingus, El Al e a British Caledonian

Posteriormente foi adquirido pela Transbrasil como cargueiro com o prefixo PT-TCS (acima, a aeronave já com o logo da companhia). A rota Manaus-São Paulo era muita utilizada para transporte aéreo de produtos fabricados na Zona Franca, em função da metrópole amazonense não ter acesso direto por estradas ao resto do país. 

No dia 21 de março de 1989, às 11 horas e 54 minutos da manhã, o voo 801 da Transbrasil com o Boeing 707 prefixo PT-TCS caiu ao realizar a aproximação para pouso no Aeroporto Internacional de Guarulhos. A aeronave se precipitou sobre uma área residencial, a apenas 2 quilômetros da pista. O fotógrafo da revista Veja, Klaus Werner, que por acaso se encontrava na região em um helicóptero, captou uma imagem dos destroços logo após o acidente e antes da explosão que destruiu toda a fuselagem (imagem acima). Nenhum dos 3 tripulantes sobreviveu (piloto, copiloto e engenheiro de voo). 


Em terra, foram 22 mortos e mais de 200 feridos, na grande maioria moradores da comunidade Zimbard, uma área urbanizada localizada no Jardim Scynthila no município de Guarulhos na Grande São Paulo (acima, o acidente num plano esquemático feito pelo jornal O Estado de S. Paulo). O Boeing 707-349C tinha 22 anos e 10 meses desde a fabricação, acumulando 61 mil horas de voo, incluídas aí as horas despendidas para a locação do filme Aeroporto em 1970. 


A aeronave fazia uma aproximação em alta velocidade, pois faltavam 6 minutos para o fechamento da pista, para que fosse feita a manutenção da mesma (na foto acima, a parte traseira do Boeing após o acidente). A fim de reduzir a velocidade, um dos tripulantes acionou o speed brake (freio) já com o trem de pouso ativado, o que não era recomendado no Boeing 707, pois comprometia a sustentação da aeronave. O avião desacelerou demais e sem a altitude necessária para alcançar a pista de pouso, caiu sobre a área residencial. Se o avião tivesse se mantido por mais 11 segundos teria alcançado o aeroporto. A carga transportada tinha o peso de aproximadamente 26 toneladas, constituída de aparelhos eletrônicos e brinquedos provenientes da Zona Franca de Manaus. Foi o primeiro acidente grave com uma aeronave de grande porte ocorrido no Aeroporto de Guarulhos desde a sua inauguração em 1985. 


As investigações feitas posteriormente confirmaram a falha humana, através de uma sucessão de ações que culminaram na redução brusca da velocidade do aparelho (acima, a capa do Estado de S. Paulo no dia seguinte ao acidente). O nível de ansiedade da tripulação em realizar o pouso no limite dos 6 minutos estipulados para o fechamento da pista, a inexperiência do piloto no comando daquele modelo de aeronave (era orientado pelo copiloto, que tinha essa experiência), a não observação rigorosa do check list (procedimentos) de pouso, a falta de coordenação nas ações da tripulação e o cansaço pelas horas a mais de trabalho contribuíram para a tragédia. Apesar de ser considerado um modelo antigo, o Boeing 707 estava com a manutenção totalmente em ordem e tinha sido inspecionado dois meses antes do acidente, sendo descartada uma pane mecânica. A analise da caixa preta (na verdade laranja, a fim de ser localizada com mais facilidade nos destroços) apontou para a sucessão de erros dos tripulantes. Contudo, o cansaço pelas horas a mais de trabalho da tripulação foi observado na sentença judicial que estipulou a indenização aos familiares. A mesma tripulação havia conduzido o avião para Manaus e estava trazendo o mesmo de volta para São Paulo, num verdadeiro bate e volta durante a madrugada anterior. Pelo que consta nas fontes consultadas, as vítimas em terra foram indenizadas sete meses depois da tragédia. 

Enfim, muitas vezes a realidade não segue a ficção como ficou demonstrado neste episódio. Todos os acidentes aéreos deixam lições para que se evitem novas tragédias e as mesmas são assimiladas, ao contrário do que ocorre com outros meios de transporte. O Anúncio Antigo mais acima, do filme Aeroporto, foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo do dia 16 de julho de 1970. 

Crédito das imagens:

Cenas do filme e do Boeing 707: 

http://moviefanguy.blogspot.com/2013/11/airport-1970-film-and-dvd-review.html

Poster original do filme: 

https://www.imdb.com/title/tt0065377/

Maquete do Boeing 707

http://www.modelcarsmag.com/forums/topic/158154-172-scale-trans-global-airlines-707/

Capa do disco em vinil com a trilha sonora do filme: acervo do autor.

Imagens do acidente e do Boeing 707 com o logo da Transbrasil:

https://acidentesdesastresaereos.blogspot.com/2018/07/transbrasil-801-o-fogo-que-veio-do-ceu.html

Esquema do acidente e capa do jornal: Acervo do Estadão.