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domingo, 23 de outubro de 2016

18ª Festa do Livro da USP




Aos leitores que tem acessado a postagem sobre a 17ª Festa do Livro, talvez imaginando que a mesma se realizasse este ano, fica agora este post atualizado sobre a já tradicional feirinha, tão aguardada pelos leitores apaixonados e que se dedicam às ciências humanas (e às outras ciências em geral também...). Portanto, agora nos referimos à 18ª Feira do Livro 2016!
Organizada anualmente pela EDUSP desde 1999, a Festa do Livro da USP é um evento já tradicional na Universidade de São Paulo que procura aproximar editoras e leitores, oferecendo livros a preços mais acessíveis ao público universitário. No início, quando foi organizada pelo professor Plínio Martins Filho, ex-diretor da EDUSP, o objetivo maior era trazer as editoras acadêmicas, sendo que apenas 31 instituições participavam. A Festa do Livro da USP teve como primeira casa o emblemático vão do prédio da História e Geografia, na FFLCH-USP (na foto acima). 
Mas o sucesso das primeiras edições foi tão grande que outras editoras resolveram participar também, como a Paz e Terra, Brasiliense, Record, Companhia das Letras, a falecida Cosacnaify, entre outras. A Festa cresceu e permaneceu na FFLCH-USP até 2010, ano de sua 12ª edição. Nessa época, o espaço original ficou muito pequeno e o evento foi transferido para a Poli-USP. A partir de 2015 ganhou um novo espaço, o mesmo em que teremos o evento deste ano, estando prevista a participação de aproximadamente 155 editoras. Ao que parece, o evento também ganhou um dia a mais! 
Os descontos giram em torno de 50% no preço de tabela dos exemplares. Em muitos casos um preço mais compensador do que adquirir os mesmos livros em sebos! Uma dica deste blogueiro que vos escreve é o de ir ao evento munido de todas as alternativas de pagamento ao seu dispor: cartões de débito; de crédito;  o velho e bom cheque, além é claro, de dinheiro vivo. Nem todos os expositores dispõem de máquinas para o uso do cartão. 
Para ver (e comprar...):
Este ano, a 18ª Festa do Livro acontecerá nos dias 22, 23, 24 e 25 de novembro de 2016, das 9 às 21 horas, no mesmo local da edição passada, na avenida Professor Mello Moraes, travessa C, entre a Raia Olímpica e Praça do Relógio Solar, na Cidade Universitária, São Paulo (SP). 
Crédito da imagem:
https://www.usp.br/festadolivro/?p=277#more-277

sábado, 8 de outubro de 2016

A Melhor Frase da História do Cinema (e algumas outras)





A melhor frase da história do cinema. Para este que vos escreve, é claro! Muito embora a mesma apareça em qualquer lista das frases mais famosas exibidas em filmes. Penso, sobretudo, na minha condição de historiador para escolhe-la, uma vez que diz respeito a determinados fatos e eventos que podem marcar a história, sobretudo aqueles cuja desmistificação é difícil e complicada, mesmo quando se tem fontes e recursos documentais para que isso seja feito. 
Bem, a frase em questão apareceu na sequência final do filme "O Homem que Matou o Facínora" (The Man Who Shot Liberty Valence. E.U.A., 1962. Na foto acima, o cartaz original do filme) do grande diretor americano (mas, de origem irlandesa) John Ford. Na trama em questão, de nada adiantou o senador Ransom Stoddard (no filme interpretado por James Stewart) tentar estabelecer a versão correta a respeito da morte do bandido e pistoleiro Liberty Valence (vivido pelo ator Lee Marvin). A versão que prevalecia colaborou para que o personagem Stoddard entrasse para a política e se lançasse ao Senado dos Estados Unidos em vários mandatos. 



Ao final da entrevista do senador (que conduz a narrativa do filme), o diretor do jornal Shimbone Star, vivido pelo ator Carleton Young (a esquerda, na imagem acima) em um gesto de enorme impacto simbólico, proferiu a frase que para mim, soou como uma sentença cruel para todos aqueles que tem a preocupação em investigar os fatos e acontecimentos históricos:

Aqui é o Oeste. Quando uma lenda se transforma em fato, imprima-se a lenda!

Em seguida, toda a papelada com a entrevista é simplesmente jogada fora e incinerada. Qual a "verdade" que o senador tentou esclarecer com relação à morte do temido pistoleiro do oeste americano e não conseguiu? Ora, não vou tirar o prazer do caro leitor, caso o mesmo queira verificar assistindo ao filme (disponível em DVD) que ainda conta com a atuação do astro dos filmes de western John Wayne. 
Mas a frase ressoa em nossos ouvidos. Para que buscar a verdade quando a sociedade, respaldada em uma tradição, já a têm? Aliás, o que é a verdade? Não será aquilo que as pessoas creem que seja? O que observamos nos livros de história e mesmo nas fontes documentais é a verdade ou uma versão aceita (ou que deseja ser aceita) da mesma?  Em termos históricos, existe verdade?
Enfim, para que não fiquemos apenas nessa frase, selecionei algumas outras, as quais também sempre aparecem nas listas das sentenças top da história do cinema. Vamos lá: 


Fredo, você é o meu irmão mais velho e eu o amo. Mas, jamais coloque-se novamente contra a família. Jamais!
(Al Pacino para John Gazale em O Poderoso Chefão, 1972)


Francamente, querida, eu quero que se dane!
(Clark Gable para Vivien Leigh em ...E o Vento Levou, 1939)


As pessoas vão pensar o que eu disser para elas pensarem.
(O magnata da imprensa vivido por Orson Welles em Cidadão Kane, 1941)


- Você é Norma Desmond. Você trabalhava em filmes mudos. Você era grande.
-Eu sou grande! Os filmes é que ficaram menores.
(William Holden e Glória Swanson em Crepúsculo dos Deuses, 1950)


Prove...
(Walter "Jack" Palance para Elisha Cook, Jr. em Os Brutos Também Amam, 1953)


Seus olhos estão cheios de ódio, 41. Isso é bom. O ódio mantém um homem vivo. 
(Jack Hawkins em Ben Hur, 1959)


Finalmente o fizemos! Seus maníacos! Vocês destruíram tudo! Malditos! Que vão todos para o inferno!
(Charlton Heston em O Planeta dos Macacos, 1968)


Ainda não construíram uma prisão capaz de me segurar. Eu vou sair desta cadeia nem que eu tenha que passar minha vida inteira aqui.
(Woody Allen em Um Assaltante Bem Trapalhão, 1969) 


Luca Brasi dorme com os peixes.
(Abe Vigoda em O Poderoso Chefão, 1972)

Crédito das imagens:
Cartaz original do filme "O Homem que matou o Facínora":
http://www.moviepostershop.com/the-man-who-shot-liberty-valance-movie-poster-1962/IB94970
Foto de Orson Welles no filme Cidadão Kane:
https://www.theguardian.com/film/2016/mar/28/scale-of-hearst-plot-to-discredit-orson-welles-and-citizen-kane-revealed
Demais imagens: fotogramas dos respectivos filmes. 





domingo, 2 de outubro de 2016

Stalin e a Formação da União Soviética parte 1



Difícil abordar uma figura tão controversa na história do século XX como Josef Stalin (no cartaz acima, referente ao I Plano Quinquenal lançado em 1928, a sua imagem aparece em primeiro plano). Admirado em um primeiro momento e depois relegado à lista dos piores ditadores da história. Por isso, resolvemos agregar à nossa postagem a fase de formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), como forma de fornecer ao leitor elementos informativos para que inicie, por sua conta, um aprofundamento em torno do tema.
Mas por que Stalin é controverso? Em muitos aspectos porque representou para a esquerda mundial, na opinião de muitos historiadores, aquilo que Hitler se tornou para a direita, o exemplo de líder que conduziu um regime totalitário e comunista (portanto, um totalitarismo de esquerda). Para outros, no qual este que vos escreve se inclui, a sua liderança necessita de uma avaliação mais objetiva e um pouco equidistante dos debates apaixonados que foram travados, inclusive dentro do próprio movimento comunista internacional, dividido entre estalinistas e trotskistas. Tal avaliação deve também ser amparada em fontes documentais, sobretudo a partir da abertura dos arquivos da antiga União Soviética, os quais podem permitir, com maior precisão, a analise de sua liderança à frente de uma das maiores potências econômicas e militares da história. 



Até a década de 1990, grande parte das biografias existentes repetem informações do tipo "assassinou milhões de pessoas". Tais afirmações refletem uma "preguiça intelectual", como no passado a adoração cega a esse personagem também significou uma postura estreita, como afirma a historiadora e sovietóloga Lilly Marcou. Para ela, embora seja quase impossível uma reabilitação de sua figura, a liderança de Stalin (na foto acima aos 23 anos em 1901, quando já era um rebelde revolucionário) precisa ser estudada tendo em vista outros parâmetros, até mesmo levando-se em consideração muitos aspectos de sua vida pessoal. Claro que alguns episódios, como o processo de coletivização da agricultura e os expurgos no Partido Comunista levados a termo no decorrer da década de 1930 (e com intervalos, depois) permitem qualificar Stalin como um ditador, que não tolerava sequer a simples possibilidade de vir a existir uma oposição à sua liderança. Não nos esqueçamos porém, que foi pela forma como conduziu a União Soviética na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o mundo pôde se livrar dos crimes e das mortes (neste caso, perfeitamente comprovadas) impostos por Adolf Hitler a judeus, eslavos, ciganos, ingleses, franceses, belgas, holandeses, norte-americanos e até brasileiros. A grande derrota do líder nazista ocorreu em território soviético, no gigantesco contra-ataque imposto pelo Exército Vermelho que avançou até encurralar Hitler em seu bunker (quartel-general) na cidade de Berlim. Também devemos considerar que foi sob a liderança de Stalin que a União Soviética se ergueu como potência econômica e militar em um período de apenas duas décadas, algo sem paralelo na história mundial. Foi o único país que pode impor um freio ao expansionismo norte-americano após 1945. 



Voltemos um pouco no tempo! Tudo começou em 1917, diante da ruína do Império Russo que, até então, era liderado por um czar (imperador) absolutista, o qual envolveu a Rússia em uma guerra que o país não estava em condições de suportar: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A Rússia entrou ao lado da Inglaterra e da França na chamada Tríplice Entente contra o Império Alemão e o Império Austro-Húngaro. Quase 15 milhões de soldados russos foram mobilizados para as frentes de combate! Isso afetou a atividade econômica, pois a maior parte desses combatentes eram camponeses (na foto acima, trabalhadores organizam uma feira a fim de vender botas e produtos usados, para sobreviver). Com o avanço da guerra, as mulheres e os jovens tiveram que arcar com o difícil trabalho no campo, sobretudo para as famílias que não dispunham de terras, sendo obrigadas a trabalhar para os grandes e médios proprietários (também chamados de kulaks). Em pouco tempo, a agricultura não atendia as necessidades de abastecer as cidades e estas, por sua vez, não conseguiam suprir o campo com manufaturas. 



A extrema desigualdade social reinante, sobretudo no campo, onde vivia a maior parte da população (aproximadamente 150 milhões de habitantes) daquele gigantesco império (23 milhões de quilômetros quadrados, quase três vezes o tamanho do Brasil) conduziu a uma grave crise econômica e social, que culminou com duas revoluções em um mesmo ano! Em fevereiro de 1917 a queda da monarquia absolutista e em outubro (na foto acima, trabalhadores de Petrogrado após a tomada de um carro blindado em 1917) a revolução que levou o Partido Bolchevique ao poder sob a liderança de Vladimir Ulianov (1870-1924), mais conhecido como Lênin. 



Qual a proposta do Partido Bolchevique e de seus líderes (na foto acima, tirada para compor uma ficha policial, Lênin como um jovem rebelde no início da década de 1890)? A construção de um Estado socialista inspirado nas ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, teóricos daquilo que ficou conhecido como socialismo científico ou comunismo, onde, por meio de um processo revolucionário, o poder passaria a ser exercido pela classe trabalhadora, sobretudo a operária, em um regime onde a propriedade privada daria lugar à propriedade coletiva dos meios de produção (fábricas, equipamentos, bancos, terras). Um novo modo de produção onde a economia não deveria mais ser regida pelo mercado, mas sim pelas necessidades sociais: o socialismo. Contudo, o Império Russo não era exatamente o local onde tal revolução do proletariado (trabalhadores) deveria ocorrer primeiro. A Rússia era um país atrasado em relação à Europa Ocidental. Por exemplo, a indústria tinha importância menor do que a agricultura e, como já destacamos, a maioria da população era rural (quase 80%). Além disso, o Império Russo era um território formado por várias nacionalidades: russos, bielorrussos, ucranianos, finlandeses, georgianos, poloneses, tchetchenos e mesmo muçulmanos. 



Até aquele momento, nenhum país no mundo havia tido a experiência de um governo socialista (a Comuna de Paris de 1871 durou apenas dois meses). Marx, Engels e o próprio Lênin não estabeleceram premissas teóricas claras de como deveria funcionar um regime socialista comandado pelos trabalhadores e gerido por um governo, o qual, em tese, deveria representá-los. Lênin (na foto acima, em 1897) defendeu a necessidade de um partido que organizasse os trabalhadores e que deveria impor uma verdadeira ditadura do proletariado. No caso em questão, Lênin identificava esse partido como sendo o Bolchevique. 



A tarefa que os bolcheviques tiveram pela frente, após alcançarem o poder, foi enorme. Construir a nova ordem social e, ao mesmo tempo, dar solução aos graves problemas deixados pelo antigo regime. Por falar em poder, quem constituía o novo governo estabelecido pelos bolcheviques a partir de outubro de 1917 (ou novembro, se levarmos em conta o calendário gregoriano ocidental, que não era ainda adotado na Russia)? O núcleo mais importante era o Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom), cujo presidente era Lênin (na foto acima, em 1921). 



Nos demais cargos tínhamos Leon Trotsky (na imagem acima, Trotsky em 1905, quando ainda se opunha aos bolcheviques e comandava o soviet de Petrogrado) como encarregado do Comissariado dos Negócios Exteriores, Josef Stalin no Comissariado das Nacionalidades, Anatoli Lunacharski do Comissariado da Instrução (Educação) e Artes, Ivan Teodorovich do Comissariado para a Alimentação e uma mulher, Alexandra Kollontai no Comissariado do Bem-Estar Social, entre outros. 



A base de apoio dos bolcheviques eram os sovietsconselhos locais de trabalhadores, soldados e camponeses (na foto acima, trabalhadores da fábrica de tratores Putilov, preparam-se para a eleição do soviet de Petrogrado, em 1920). 



Na foto acima, em 1919, durante as comemorações do segundo aniversário da Revolução de Outubro, Lênin aparece ao centro com a mão dentro do casaco e do seu lado direito está Trotsky, prestando continência ao desfile dos soldados. Anos depois, quando Stalin controlou o poder, a imagem de Trotsky nessa mesma foto, foi apagada. Bem, em relação aos rumos da revolução, Lênin enfatizava a necessidade da aliança com o campesinato para a construção do socialismo (o símbolo comunista da foice e do martelo simboliza isso). Daí a necessidade de distribuir terras aos mesmos. As grandes propriedades, as terras da Coroa, dos nobres, dos mosteiros e da Igreja Ortodoxa foram expropriadas. Contudo, na época de Stalin, a manutenção da propriedade privada, mesmo para os camponeses, veio a se revelar um problema. 
Em princípio, devemos lembrar que nem todos os partidos e grupos políticos que atuaram nos movimentos revolucionários de 1917 (fevereiro e outubro) tinham as mesmas ideias a respeito do futuro da Russia, mesmo aqueles situados à esquerda do espectro político. Além do Partido Bolchevique, tínhamos os socialistas revolucionários, os anarquistas e os mencheviques (uma dissidência do antigo Partido Operário Social Democrata da Rússia, do qual também se originaram os bolcheviques). No centro e na direita, ainda tínhamos o Partido Kadete (identificado com a burguesia capitalista) e os monarquistas (integrantes da antiga nobreza), que pretendiam o retorno do imperador. A previsão da reunião de uma Assembléia Constituinte em 1918 poderia conciliar todas essas correntes? Na opinião de Lênin, a constituinte não correspondia ao que se imaginava de um governo do proletariado apoiado nos soviets, mas sim a um tipo de governo burguês, que não seria mais adequado no contexto revolucionário. A Assembléia Constituinte foi dissolvida em 6 de janeiro de 1918, por determinação do governo bolchevique. Em função disso, muitos dos demais grupos e partidos representados na Assembléia passaram para o movimento contrarrevolucionário que pretendia retirar os bolcheviques do poder. 



O primeiro problema grave a ser resolvido era o da continuidade ou não da Rússia na Primeira Guerra. Para Lênin, manter o país na guerra significaria o fim do governo revolucionário. Era preciso um acordo em separado com o Império Alemão, o que foi feito em fevereiro de 1918, no Tratado de Brest-Litovski (na foto acima, Leon Trotsky nas negociações do tratado, em março de 1918). Os alemães desejavam obter vantagens para negociar e impuseram aos russos perdas territoriais, incluindo parte da atual Polônia, Finlândia e os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) que receberam autonomia, mas "sob a proteção alemã". O governo bolchevique resolveu ceder os anéis para manter os dedos! A retirada da Russia foi conveniente para os alemães, que puderam concentrar os seus esforços na frente ocidental da Primeira Guerra, contra a Inglaterra, a França e os Estados Unidos. Daí a suspeita (não comprovada) divulgada pelos antigos aliados da Russia, de que Lênin fosse um agente infiltrado pelo governo alemão. 



Entre os anos de 1918 e 1919 existia a perspectiva da insurgência revolucionária em outros países europeus. O próprio Lênin (na imagem acima, discursando em 1919) falava em transformar a grande guerra em uma guerra civil revolucionária. Tal perspectiva esteve próxima de ocorrer na Alemanha no final de 1918, com o movimento Espartaquista, que acabou sendo sufocado pelos militares alemães. Outros levantes comunistas eram esperados na Aústria e no território polonês, que até então pertencia ao Império Russo. O movimento socialista na Itália foi duramente reprimido pelo fascismo. A internacionalização da revolução não ocorreu.
Mas, a jovem república bolchevique apenas saiu de uma guerra para entrar em outra: a guerra civil. Opositores e remanescentes do antigo exército imperial iniciaram uma investida contra o novo governo, com enorme apoio da Inglaterra, da França, do Japão e dos Estados Unidos que desejavam inicialmente, restabelecer a monarquia e trazer a Rússia de volta à guerra. Além disso, como mostra o historiador S. V. Lipitsky, os aliados ocidentais tinham um outro plano: promover o desmembramento e a partilha do antigo Império Russo. A crença dos aliados ocidentais era de que o Estado bolchevique era instável e que poderia ser destruído através do estímulo à contrarrevolução. Tudo parecia indicar isso. 



O ex-primeiro-ministro do Governo Provisório, derrubado pelos bolcheviques na revolução de outubro de 1917, Alexander Kerenski, tentou sublevar os cossacos (tropa de elite do antigo czar) para marcharem sobre a capital Petrogrado (antiga São Petersburgo), que foi defendida pelo soviet local em novembro do mesmo ano (na imagem acima, marinheiros bolcheviques mobilizados para a defesa do governo revolucionário). Nessa ocasião, um marinheiro bolchevique chamado Pavel Dibenko infiltrou-se entre os cossacos a fim de promover um comício para convencer os mesmos a não atacarem a capital. Ao que parece, os seus objetivos foram alcançados. Kerenski fugiu em definitivo do país, exilando-se nos Estados Unidos. 
Em março de 1918, uma conferência dos aliados foi realizada em Londres para debater a "Questão Russa". Arthur Balfour, ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha alertou o governo norte-americano: "O único meio de impedir a ocupação da Rússia pelos alemães é a intervenção aliada". Contudo, existiam divergências dentro do governo britânico com relação à Rússia. O primeiro-ministro Lloyd George era a favor de um acordo com Lênin para manter a Russia na Primeira Guerra, em troca do restabelecimento de relações comerciais. Já Winston Churchill, ministro da Guerra, defendia uma intervenção maciça de tropas no território russo, não apenas para manter o país no conflito mundial, mas também para combater o que ele considerava uma ameaça futura para a Europa: o comunismo. De qualquer forma, ainda no mês de março de 1918 tropas ocidentais desembarcavam em território russo. Em abril, os japoneses (aliados dos ingleses e franceses na Primeira Guerra) se instalaram em Vladivostok, na Sibéria Oriental, junto com as tropas inglesas e norte-americanas. Uma divisão formada por oficiais e prisioneiros de guerra oriundos do Exército Austro-Húngaro, conhecida como Legião Tcheca disponibilizou 50 mil homens para participar da intervenção na Rússia, muitos dos quais eram ligados aos socialistas revolucionários, que combatiam o governo bolchevique. 



Generais e almirantes leais ao antigo imperador comandavam as forças intervencionistas, conhecidas como o Exército Branco (na foto acima, integrantes dos brancos, os quais podiam ser reconhecidos por portarem espadas). A invasão ocorria praticamente por todos os lados. Em função da ameaça à capital Petrogrado, mais próxima do mar Báltico, o governo bolchevique transferiu a sede do governo para Moscou, localizada no interior da Rússia. Em abril de 1918 aproximadamente três quartos do território do antigo Império Russo estavam em poder dos invasores, que contavam com aproximadamente 700 mil soldados! Leon Trotsky relatou a terrível situação: "Chegava-se a indagar se o país esgotado, arruinado, reduzido àquela situação desesperada, teria bastante vitalidade para sustentar o novo regime e salvar a sua independência. Faltavam víveres. O Exército não existia mais. Os serviços públicos a custo se reorganizavam. E por toda parte fermentavam conspirações." 



A jovem república soviética iniciou uma mobilização em massa para enfrentar os invasores. Na primavera de 1918, o governo bolchevique impôs o serviço militar obrigatório para agregar tropas ao combalido exército russo de apenas 300 mil homens (na foto acima, soldados alistados se preparam para ir às frentes de combate). Ex-oficiais do antigo exército do czar, que concordaram em colaborar com os bolcheviques, foram convidados para integrarem as novas tropas e treinar novos comandantes. 



Leon Trotsky (na imagem acima à esquerda, em 1917) foi incumbido de transformar essa tropa semi-guerrilheira em uma verdadeira força militar. Nascia o Exército Vermelho. Trotsky percorreu as frentes de combate em um trem blindado por dois anos e meio, a fim de verificar a situação e o moral das tropas. Esse trem era uma espécie de governo itinerante. No início ocorreram deserções e traições. Por isso, Trotsky levou consigo 50 integrantes do Partido Bolchevique de Moscou, que atuaram como vanguarda na organização das tropas. A ordem dada por Trotsky, segundo o seu próprio depoimento posterior em seu ensaio autobiográfico Minha Vida, escrito em 1929, era rigorosa. Traições, deserções e abandonos dos postos seriam tratados por meio de execuções sumárias, sem nenhuma tolerância! Como ele mesmo afirmou: "Não se pode organizar um Exército sem repressão. Não se podem conduzir à morte multidões de homens, se o comando não dispõe, no seu arsenal, da pena de morte."



Todo o sistema industrial e de transporte foi colocado à disposição das frentes de combate de acordo com um planejamento detalhado e centralizado. Para combater a fome (registrada na imagem acima), que atingia as cidades, o governo impôs que os camponeses entregassem ao Estado os excedentes de cereais, que antes eram destinados ao mercado. Lênin determinou que aqueles que se recusassem a obedecer deveriam ser presos. Era o chamado comunismo de guerra.  
No mar Negro, os mais importantes portos russos foram tomados em novembro de 1918. O ataque ao governo bolchevique, a partir dessa região, daria ao Exército Branco o controle dos grandes centros petrolíferos e carboníferos do país, além das minas de ferro e manganês. As áreas adjacentes ao mar Negro, o Cáucaso, a península da Crimeia e a Ucrânia, onde estavam os grandes celeiros, caíram em poder do Exército Branco. Um outro agravante, a Ucrânia contava com muitas forças contrárias aos bolcheviques que poderiam aderir aos invasores. O Exército Vermelho concentrou nessas áreas o ataque aos inimigos. 



Enquanto isso, setores oposicionistas colocavam-se abertamente contra a exclusividade do poder bolchevique. Em agosto de 1918, durante uma reunião com operários em uma fábrica, a socialista revolucionária Fanny (ou Dora) Kaplan (na foto acima, após a prisão) fez vários disparos contra Lênin. Duas balas o atingiram, uma das quais jamais foi removida. Presa imediatamente, Fanny alegava que há muito tempo planejara a morte do líder bolchevique. A jovem foi julgada e executada no dia 3 de setembro do mesmo ano com um tiro na cabeça. Um pouco antes, no mês de julho, o czar Nicolau II e todos os membros da família imperial foram fuzilados. Os bolcheviques alegaram ter descoberto um plano dos brancos para libertar o antigo imperador, que estava preso na região dos montes Urais, no interior da Russia. Para assegurar a ordem interna, o governo bolchevique criou a Comissão Extraordinária Pan-Russa de Combate à Contra-Revolução, mais conhecida como Tcheka (iniciais da abreviação em russo), embrião da futura KGB. A situação política se radicalizava cada vez mais!
Em novembro de 1918, a Primeira Guerra Mundial chegou ao fim. A derrota alemã permitiu ao governo bolchevique livrar-se das condições impostas pelo Tratado Brest-Litovski. Por outro lado, os aliados ocidentais ampliaram ainda mais a intervenção. A partir da Sibéria, o antigo almirante do czar Alexander Kolchak impôs uma ditadura sendo proclamado chefe supremo da Russia, recebendo doações dos aliados ocidentais, como por exemplo dos Estados Unidos, que enviaram fuzis, bombas, canhões e metralhadoras. 



A partir do sul, acompanhando o curso do rio Volga, o Exercito Vermelho iniciou um enorme contra-ataque ao almirante Kolchak, que não contava com o apoio dos camponeses dessa região (nas imagens acima, soldado vermelho assina compromisso de alistamento e cartaz representa soldado de cavalaria do Exercito Vermelho). Após sofrer várias derrotas, o exército de Kolchak, formado por soldados estrangeiros, começou a se dissolver e muitos integrantes de sua tropa desertaram no decorrer de 1919. Em fevereiro de 1920, Kolchak foi preso e fuzilado pelos vermelhos. 



Na primavera de 1919, o Exército Vermelho recuperou o controle do mar Negro e da península da Crimeia, que estava ocupada por tropas francesas e britânicas, ao derrotar o general branco Denikin (sucessor de Kolchak) que ameaçou Moscou com 150 mil soldados reunidos no Cáucaso, cadeia de montanhas situada entre o mar Negro e o mar Cáspio, que separa a Rússia da Geórgia (terra natal de Stalin). Uma ofensiva do Exército Vermelho deteve Denikin, que recuou para o Cáucaso e depois se retirou da Russia. Na região do mar Báltico, ao norte, o avanço do general Iudenich que ameaçou Petrogrado, também foi contido (no cartaz acima, os oficiais brancos Denikin, Kolchak e Iudenich são representados como cães raivosos conduzidos pelos Estados Unidos, França e Inglaterra). 



Em maio de 1920, a Polônia (recém criada após a Primeira Guerra), incitada pelos ingleses e franceses, iniciou um ataque contra a Russia, ocupando a Ucrânia e a sua principal cidade: Kiev. O ataque era também parte do projeto do marechal polonês Pilsudski de criar a "grande Polônia". Contudo, liberado das frentes orientais após a derrota do Exército Branco, o Exército Vermelho desferiu uma contra-ofensiva, que quase alcançou a capital da Polônia, Varsóvia (na foto acima, Trotsky na frente de combate contra os poloneses). Ainda havia, por parte do governo de Lênin, a expectativa de um levante dos trabalhadores poloneses em favor dos bolcheviques, o que acabou não ocorrendo. 



No final de 1920, o Exercito Vermelho pode liquidar as forças do general Wrangel (sucessor de Kolchak), ultimo comandante branco que ainda resistia no sul da Ucrânia. O avanço permitiu a tomada definitiva da península da Criméia, no mar Negro. Em novembro de 1920, o Exercito Vermelho organizado por Trotsky (na imagem acima, um cartaz de propaganda que mostra Trotsky como um São Jorge combatendo o dragão contrarrevolucionário), que agora contava com uma força de quase 1,5 milhão de soldados, considerava encerrada e vitoriosa a maior guerra civil do século XX. Um dos fatores que levaram à derrota dos brancos, apontada por muitos historiadores, era a expectativa da restauração do antigo regime, algo que a população não via com simpatia. 



E agora? O governo bolchevique necessitava organizar internamente o país que estava destruído e a economia paralisada. O comunismo de guerra estava exigindo sacrifícios enormes da população, que sofria com a fome e com as requisições no setor agrícola (na foto acima, mortos durante a guerra civil, possivelmente pela forme). Por sua vez, dissidências internas ameaçavam o governo bolchevique, como o levante dos marinheiros da frota do mar Báltico, na base naval de Kronstadt, em março de 1921, onde os mesmos se reuniam em um soviet local. Este contestava a autoridade suprema do Partido Bolchevique. Sem um acordo para pôr fim ao movimento, Leon Trotsky ordenou a tomada da fortaleza pelo Exército Vermelho. Os líderes do levante foram executados. 
Diante desse quadro, Lênin iniciou em março de 1921 um programa que visava a recuperação econômica do país e o fim do comunismo de guerra: a Nova Política Econômica ou NEP (sua sigla em russo). Os camponeses foram aliviados das pesadas contribuições e poderiam colocar o seu excedente agrícola no mercado, após debitados os impostos. Ainda tiveram a garantia da posse da terra pelo governo. Por outro lado, o comércio externo, o sistema financeiro, as grandes industrias e os recursos do subsolo continuavam em poder do Estado. Não há duvida que Lênin via a NEP como uma forma de transição para o socialismo e para o comunismo (a sociedade futura plenamente igualitária). 



O governo socialista teria que realizar tarefas que o capitalismo ainda não havia realizado, como a plena industrialização e a modernização do país. Lênin dava tanta importância a isso que chegou a afirmar que "o comunismo é o poder dos soviets mais a eletrificação" (no cartaz acima de 1920, de autoria de Viktor Deni, Lênin limpa "o lixo do mundo"). Em 1922, a NEP começou a apresentar resultados positivos na agricultura e na indústria. Segundo o historiador Jorge Saborido, o governo bolchevique estava consciente de que a industrialização era o principal objetivo econômico a ser alcançado, inclusive em função da segurança nacional, uma vez que um país com capacidade industrial estaria em melhores condições de resistir ao assédio dos inimigos. Por outro lado, para alcançar esse objetivo, o país teria que contar quase que exclusivamente com os seus próprios recursos. Aliás, em 30 de dezembro de 1922 foi formalizada a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), reunindo em uma mesma federação a Rússia, a Ucrânia, a Rússia Branca e a Transcaucásia. 



Contudo, quando a NEP começava a apresentar os seus primeiros resultados e o país saia da guerra civil, a saúde de Lênin começou a decair. Em 23 de abril de 1922, foi submetido a uma cirurgia para retirar uma das balas disparadas por Fanny Kaplan, no atentado já citado. Pouco depois, em 26 de maio um derrame cerebral o obrigou a deixar o governo para se recuperar (na foto acima, Lênin em seu descanso, setembro de 1922) . 


Depois de já ter retornado às suas atividades, sofreu um outro ataque em dezembro do mesmo ano. Em março de 1923, Lênin sofreu um terceiro derrame que paralisou o lado direito de seu corpo (imagem acima, Lênin convalescente em 1923, em uma foto divulgada somente após o fim da União Soviética). Apesar disso, tentou, até onde as suas forças permitiram, influir na situação política, inclusive em relação ao comando do Partido Bolchevique (agora chamado Partido Comunista). Mas, em 21 de janeiro de 1924, um quarto e fulminante derrame tirou a vida do líder da Revolução Soviética (em sua homenagem, a antiga capital Petrogrado passou a se chamar Leningrado). 



O velório de Lênin (na foto acima, o seu corpo sendo velado) em Moscou atraiu milhares de trabalhadores, simpatizantes da sua liderança e abriu a questão: quem o substituiria no comando do governo? Não apenas isso, mas na resposta a essa pergunta estava em jogo o próprio futuro da União Soviética. 



Sim, Trotsky era um nome forte nessa sucessão. Afinal, foi ele que organizou o Exercito Vermelho, o qual desempenhou um papel decisivo na guerra civil. Mas Josef Stalin (na imagem acima, durante o funeral de Lênin à direita) era um revolucionário com muitos serviços prestados à causa da revolução socialista e, importante, originário da classe trabalhadora e de uma região pobre: a Geórgia. Outro detalhe que em muitos livros não está bem descrito: era próximo de Lênin. 
Bem, deixemos essa discussão e os detalhes sobre a mesma para a segunda parte desta postagem.
Para saber mais: 
Poucas obras descrevem com objetividade a história da União Soviética. Por isso, destaco o trabalho do professor Jorge Saborido da Universidade de Buenos Aires, por abordar e discutir os vários pontos de vista a respeito do tema: Jorge Saborido. História de la Unión Soviética. Buenos Aires: editora Emecé, 2009.



Crédito das imagens:
Fotos de Lenin em 1890 e 1897: Lênin. Coleção Grandes Líderes. Círculo do Livro, 1990. 
Foto de Lenin em 1921: Lenin. El imperialismo, fase superior del capitalismo. Moscou. Editorial Progreso, 1981. 
Fotos de Trotsky em 1905 e das comemorações do 2º aniversário da Revolução de Outubro: Russia (dos czares aos soviets). Coleção Grandes Impérios e Civilizações. Volume  II. Edições del Prado, 1997. 
Fotogramas de soldados sendo alistados, da fome, Trotsky em 1917, mortos na guerra civil, de Lênin sendo velado e de Stalin no funeral de Lênin: DVD Revolução Russa. Grandes Dias do Século XX. Coleção História Viva. Editora Duetto. 
Foto de Stalin jovem: http://mashable.com/2016/03/16/young-stalin/#1ZPt0Yg_qkqM
Foto de Fanny (Dora) Kaplan: http://www.historyinanhour.com/2013/02/10/fanny-kaplan-lenin/
Foto de Lênin convalescente em 1923: http://valeriareis.blogspot.com.br/2010_04_18_archive.html
Fotos dos trabalhadores em eleição para o soviet de Petrogrado, Lenin em descanso no ano de 1922 e cartaz onde Lênin varre o "lixo do mundo": do livro "1917: o ano que abalou o mundo". Ivana Jinkings e Kim Doria (orgs.). São Paulo: Boitempo: Ed. SESC SP, 2017, pags. 46, 150 e 208, respectivamente. 
Todas as demais fotos foram extraídas da coleção História do Século 20. Abril Cultural 1968. Volumes 2, 3 e 4.