Da época de Jesus Cristo? Sem dúvida, o personagem nos remete a esse tempo. Porém, se levarmos em conta a trajetória do responsável por sua criação avançaremos a trama em quase dois mil anos! Ben-Hur não é uma figura real e muito menos bíblica, mas fruto do romance do mesmo nome escrito pelo advogado, estadista, diplomata e general do Exército norte-americano Lewis (ou simplesmente Lew) Wallace, publicado em 1880. Poucas pessoas prestam atenção aos créditos exibidos nas versões para o cinema (além de uma minissérie para a televisão) para perceber esse detalhe (como nas imagens acima, na abertura da versão de 1959). Na época em que foi lançado, o livro superou em vendas o então best-seller "A Cabana do Pai Tomás" de Harriet Beecher Stowe, inspirando ainda outras novelas, sendo levado aos palcos da Broadway em Nova Iorque e mais tarde ao cinema. Ben-Hur permaneceu como um grande exito do mercado editorial norte-americano até o lançamento de "E o Vento Levou" da escritora Margaret Mitchell em 1936, ganhando inclusive as bençãos do papa Leão XIII, sendo a primeira obra literária a receber tal louvor. A versão cinematográfica de 1959 celebrizou de vez a figura heroica de Ben-Hur, sobretudo em função do exito nas bilheterias e do grande número de premiações que recebeu, totalizando 11 Oscars (recorde que atualmente divide com "Titanic" de 1997 e "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei" de 2003) incluindo o de melhor filme. Mas, para entender a origem do judeu convertido ao cristianismo Judah Ben-Hur, temos de nos remeter ao seu criador, ou seja, ao próprio general Lew Wallace, muito lembrado por sua atuação na Guerra Civil dos Estados Unidos (1861-1865) e também como governador do estado do Novo México.
Lew Wallace (foto acima com aproximadamente vinte anos) nasceu em 1827 no estado americano de Indiana, sendo o segundo filho (de um total de quatro) do casal David e Esther Wallace. O pai de Lew graduou-se na conhecida Academia Militar de West Point e seguiu posteriormente a carreira política como governador daquele estado. Em 1834, com apenas sete anos, Lew Wallace perdeu a mãe vítima de tuberculose (já tinha perdido também um irmão que sofria de escarlatina). Dois anos mais tarde, o pai casou-se novamente e após ser eleito governador a família mudou-se para a capital do estado, Indianápolis. Aos seis anos, Wallace iniciou a sua educação formal e mostrou inclinação para o desenho, pintura e também para a leitura, mas era indisciplinado. Na verdade, o jovem não gostava de ficar preso em uma sala de aula e detestava matemática. Depois de passar por várias escolas, o pai exigiu que fosse ganhar o próprio sustento e aos dezesseis anos Lew Wallace conseguiu trabalho em um escritório, como copista de documentos. Posteriormente, começou a estudar Direito (na época o indivíduo estudava por conta própria até prestar um exame para obter a licença e advogar) quando em 1846 estourou a guerra entre Estados Unidos e México. Sim caro leitor, o conflito que resultou na perda de um terço do território mexicano. Vastas regiões que incluíam o que hoje é o Texas (causa maior da guerra), Novo México, Arizona, Utah, Colorado, Nevada, Califórnia passaram para o controle do governo norte-americano. Lew Wallace, que mais tarde tornou-se governador de um desses territórios, alistou-se no conflito em um corpo de voluntários e alcançou o posto de segundo-tenente.
Após essa guerra, Wallace retornou ao seu estado natal e conseguiu tornar-se advogado. Em 1852 casou-se com Susan Arnold Elston, filha de um rico comerciante. O casal teve apenas um filho, nascido no ano seguinte (na foto acima, Lew e seu filho Henry Lane Wallace em 1853). A família mudou-se para Crawfordsville no mesmo estado, cidade em que Lew Wallace viveu até o final de sua vida, inicialmente trabalhando como advogado e atuando também na política estadual, elegendo-se para o Senado (assembléia legislativa) de Indiana. Wallace foi um ardoroso defensor da União contra a ameaça de separação por parte dos estados do sul, apesar de não ser inicialmente favorável ao fim da escravidão. Em função disso, deixou o Partido Democrata e filiou-se ao Partido Republicano. O confronto entre ianques (nortistas) e confederados (sulistas) estourou logo após a eleição de Abraham Lincoln em 1861, que representava os interesses econômicos e empresariais do norte contra os grandes fazendeiros escravocratas do sul.
Com o início da Guerra Civil, Lew Wallace (na foto acima, na época da guerra) passou a se dedicar à carreira militar em tempo integral, auxiliando no recrutamento de voluntários. Como recompensa por sua ajuda recebeu o comando do 11º Regimento de Infantaria Voluntária do Estado de Indiana, que se reuniu ao Exército da União em abril de 1861, obtendo de imediato a patente de coronel. Nos primeiros meses do conflito o novo oficial foi bem sucedido nas operações militares, sendo promovido a general de brigada no mesmo ano. Em fevereiro de 1862, Wallace atuou com iniciativa e ousadia na tomada do Forte Donelson, o que lhe valeu outra promoção para general de divisão, com apenas 34 anos de idade.
Contudo, um episódio controverso envolveu Lew Wallace com um dos grandes comandantes do Exército da União e futuro presidente dos Estados Unidos, o general Ulysses Grant (na foto acima, o oficial em 1864) na Batalha de Shiloh, no Estado do Tennessee. O general Grant ordenou a Wallace que avançasse rapidamente com os seus homens para atacar os confederados pelo lado esquerdo. Contudo, Wallace chegou muito tarde ao campo de batalha, o que foi atribuído a uma má interpretação das ordens dadas por Grant, questão que durante muitos anos permaneceu em aberto.
O fato concreto é que o seu atraso comprometeu o desempenho do exército ianque causando um grande número de baixas (quase 24 mil entre mortos e feridos), apesar da vitória ter sido alcançada (na imagem acima, pintura reconstitui a Batalha de Shiloh). O governo do presidente Lincoln foi pressionado a dar uma explicação sobre o episódio e Ulysses Grant, tendo questionada a sua atuação no comando (chegou a ser acusado de estar embriagado durante os combates) transferiu a responsabilidade para o general Wallace. Em função disso, Lew Wallace foi afastado do teatro de operações militares por quase dois anos. Somente em março de 1864, o presidente Abraham Lincoln atribuiu a ele um comando na cidade de Baltimore (Estado de Maryland) e a partir dessa posição, Wallace retardou um avanço confederado que colocava em risco o controle da capital (Washington) pelo Exército da União, reabilitando-se como general. Mas o caso Shiloh permaneceu como uma ferida no seu currículo militar. No transcorrer do tempo Wallace minimizou as controvérsias por meio da revelação de testemunhos e cartas escritas antes da batalha, uma vez que as ordens originais se perderam. Os debates chegaram até a imprensa e acabaram levando o General Grant a se retratar em 1885, vinte e três anos depois! Muitos creem que tal episódio influenciou na criação do personagem Judah Ben-Hur, uma vez que no livro o mesmo também lutou para ter a sua honra restaurada. Após o encerramento da Guerra Civil que acabou levando a vitória da União, o general Lew Wallace continuou prestando serviços ao Exército nos territórios do sul.
Em 15 de abril de 1865 o presidente Abraham Lincoln foi assassinado pelo sulista John Wilkes Booth, insatisfeito com a derrota dos confederados na guerra. Wallace foi chamado para fazer parte da Comissão Militar que investigou o crime (na foto acima a comissão, com Lew Wallace sendo o segundo da direita para a esquerda e sentado).
Durante os interrogatórios Wallace pode exercitar os seus dotes artísticos, desenhando o rosto de vários acusados (acima o Dr. Samuel Mudd e George Atzerodt no traço de Lew Wallace). Tais desenhos serviram de esboço para um quadro pintado mais tarde. Ainda em 1865, o general Wallace deixou o Exército Norte-Americano para auxiliar o líder mexicano Benito Juarez que lutava para derrubar o governo do imperador Maximiliano, imposto pelos franceses. Segundo algumas fontes, Wallace foi intermediário no fornecimento de armas aos mexicanos e ainda lucrou com isso.
De volta aos Estados Unidos, o agora ex-general dedicou-se à política, principalmente na campanha para a eleição do presidente Rutherford Hayes em 1876. Em retribuição ao seu apoio, Wallace foi nomeado governador do território do Novo México, onde serviu de 1878 a 1881, encontrando a região numa condição típica dos filmes do velho oeste: sem lei e sem ordem! Os índios apaches estavam tendo as suas terras conquistadas, resistindo ao avanço dos grandes fazendeiros e criadores de gado (na foto acima, Lew Wallace como governador).
Além disso, no Condado de Lincoln ocorria uma guerra que envolvia aliados de duas facções rivais de fazendeiros, comerciantes e até banqueiros (na foto acima, vaqueiros e rancheiros do Condado de Lincoln). Para tentar pôr fim ao conflito, o governador Wallace estabeleceu mandados de prisão para vários envolvidos em atentados e assassinatos. Um deles era um jovem chamado William H. Bonney, mais conhecido como Billy the Kid, com o qual o governador se encontrou pessoalmente. Wallace desejava que Kid fosse testemunha no caso do assassinato de um advogado. Billy the Kid concordou, desde que recebesse uma proteção contra os seus inimigos e o perdão pelos seus delitos, inclusive os anteriores aos conflitos no Condado de Lincoln. O jovem se entregou e cumpriu a sua palavra, mas não recebeu o perdão. Ao perceber que a promessa não seria cumprida, Billy the Kid fugiu da prisão.
O governador estabeleceu uma recompensa de 500 dólares por sua captura (na imagem acima, o anúncio original). Em 1881, Billy the Kid (com apenas 21 anos) foi morto pelo delegado Pat Garret, em condições que não foram bem esclarecidas. Antes de morrer, Kid trocou cartas com o governador Wallace e cobrou o cumprimento do acordo. A alegação mais comum é de que a justiça não concordou em atribuir o perdão a Billy the Kid. Ao que parece, o governador Lew Wallace também não se empenhou em honrar o que havia prometido. A polêmica em torno do caso perdura até hoje. Em 2010, o governo do Novo México negou a Kid um pedido póstumo de perdão.
Lew Wallace aproveitou a sua estada à frente do governo territorial para concluir os escritos de sua obra mais conhecida: "Ben-Hur" (na imagem acima, os originais).
No Palácio dos Governadores de Santa Fé (foto acima) o livro foi concluído e lançado ainda quando o autor ocupava o posto de governador, em 1880. No ano seguinte, Wallace foi designado como diplomata junto ao Império Turco Otomano em Constantinopla (hoje Istambul). Lá estabeleceu uma grande amizade com o sultão Abdul Hamid II, além de viajar até a Terra Santa (Jerusalém) e a Síria (territórios que faziam parte do Império Turco). Wallace declarou mais tarde que o fato de ter estado no Oriente Médio em nada acrescentaria ao que já tinha escrito em "Ben-Hur", embora a viagem o tenha ajudado a preparar um novo trabalho: "O Príncipe da Índia ou Porque Constantinopla Caiu".
De volta aos Estados Unidos em 1885, Lew Wallace teve uma surpresa ao descobrir que as vendas de "Ben-Hur" estavam indo muito bem, a ponto de torna-lo um homem rico! Em 1886 ele recebeu US$ 11.000 pelos direitos da obra (equivalente a US$ 290.000 em valores de 2015) e teve a sua reputação como escritor consolidada. No final do ano de 1899, a editora Harper & Brothers estimou em 400 mil a quantidade de exemplares que já haviam sido vendidos. O livro (na imagem acima, a capa da primeira edição) estava sendo traduzido para vários idiomas e naquele mesmo ano era adaptado para o teatro.
Com o dinheiro arrecadado pelas vendas de "Ben-Hur", Lew Wallace pode ampliar a sua casa em Crawfordsville no estado de Indiana, construindo um estúdio anexo, tendo o projeto sido feito por ele mesmo (na foto acima, Wallace em seu estúdio). Em 1898 adquiriu uma fazenda nos arredores e em 1902 comprou um automóvel, o segundo a circular na cidade. Atualmente a casa é um museu e está aberta à visitação. Ao todo, Wallace publicou dez livros (entre romances, biografias e peças para teatro) e escreveu uma autobiografia, completada depois de sua morte pela esposa Susan. Lew Wallace faleceu em sua casa em 15 de fevereiro de 1905, vítima de câncer no aparelho digestivo.
Segundo o próprio Wallace, o ponto de partida para "Ben-Hur" surgiu de uma conversa que ele manteve com o coronel Robert Ingersoll (também veterano da Guerra Civil e que aparece na foto acima) durante uma viagem de trem em 1876. Ingersoll era um conhecido político e conferencista que defendia o agnosticismo, visão segundo a qual a razão humana é incapaz de justificar a existência ou não de Deus. No encontro, Ingersoll criticou o conteúdo da Bíblia por considera-lo inverossímil e sugeriu a Lew Wallace que escrevesse um livro para discutir a questão. Este não professava nenhuma religião (embora tivesse uma formação cristã), mas resolveu pesquisar por conta própria o assunto. Wallace pensou em um livro sobre Jesus Cristo para provar que ele "jamais teria vivido sobre a Terra". Porém, na medida em que aprofundava o seu estudo, o escritor passou a vê-lo como um personagem histórico, sentindo-se atraído por sua figura, a ponto de afirmar: "abri totalmente o meu coração a ele". O livro acabou se transformando em um romance histórico que se passava nos tempos de Cristo. A inspiração veio também das obras de outros autores conhecidos por Wallace, entre eles Sir Walter Scott (autor de "Ivanhoé") e Alexandre Dumas (autor de "O Conde de Monte Cristo").
"Ben-Hur" se passa nos territórios da Palestina e da Síria durante a ocupação romana no início do século I (na imagem acima, cabeça do imperador Tibério). Os primeiros capítulos descrevem os magos guiados por uma estrela através do deserto até a pequena Belém, a fim de acompanharem o nascimento de Jesus. Alguns anos depois em Jerusalém, dois adolescentes que foram amigos de infância se reencontram, o personagem principal Judah Ben-Hur, judeu de origem aristocrática e o romano Messala, também de origem nobre.
Ben-Hur sobreviverá por três anos nas galés, até salvar o cônsul Quintus Arrius em uma batalha naval, a qual teve um resultado positivo para os romanos (na ilustração acima, soldados romanos lançam uma ponte de abordagem sobre um barco inimigo). Em retribuição, Arrius adotou-o como filho e herdeiro de sua fortuna. Na condição de cidadão romano, Ben-Hur retornou à sua terra de origem, em busca de notícias de seus familiares e alimentando a vingança contra Messala.
Para isso, aprendeu a arte miliar dos romanos durante os cinco anos em que viveu na Itália, além de familiarizar-se com as lutas e disputas no circo. Com a ajuda do sheik Ilderim, um criador e treinador de animais para competição, Ben-Hur enfrentará Messala em uma corrida de quadrigas (veículos puxados por quatro cavalos, como na imagem acima, de um mosaico romano localizado na Espanha).
O palco será o hipódromo de Antioquia, a mais importante cidade romana no Oriente Médio (mostrada acima em um mapa do século IV copiado na Idade Média), designada no livro como a "Rainha do Oriente" (atualmente, Antioquia pertence à Turquia). Lá Ben-Hur reencontra Simonides, um fiel amigo de seu pai e conhece Balthasar (um dos magos), que lhe falará a respeito da chegada de Jesus.
A corrida de carros acontece e Messala é derrotado, sofrendo um grave acidente e ficando impossibilitado de voltar a andar. Contudo, o romano sobrevive (na imagem acima, uma reconstituição do hipódromo de Antioquia, tendo ao centro a "espinha" que divide as pistas).
Messala perdeu a sua fortuna nas apostas e se viu arruinado (no alto relevo acima, corredores contornam a "espinha" no centro de um hipódromo). Por sua vez, Ben-Hur consegue localizar sua mãe e sua irmã. Ambas são protagonistas dos milagres de Jesus Cristo e curadas da lepra. Ao final, o nobre judeu torna-se um cristão convertido, que passou a divulgar a palavra de Jesus. Ora, até aqui nada de muito diferente do que vimos nas versões para o cinema da obra de Lew Wallace.
Judah Ben-Hur ambicionava algo mais do que a vingança contra Messala. O personagem pretendia um levante militar contra Roma e tentou arregimentar soldados da região da Galileia, onde viveu Jesus, para uma possível "revolução" (palavra utilizada no livro). O autor faz referência ao partido dos zelotes, os quais estimulavam a rebelião contra os romanos e que aguardavam o Messias (enviado de Deus) libertador. Ben-Hur via inicialmente o novo "Rei dos Judeus" dentro da tradição guerreira de David e Salomão, embora não fosse um zelote.
Como se sabe, não era essa a proposta de Jesus, pois a emancipação deveria ocorrer no plano espiritual (na imagem acima, detalhe do rosto do Cristo em uma pintura de Hieronymus Bosch). Ben-Hur percebeu tal ideia ao ouvir com atenção o que lhe dizia Balthasar, o qual criticou "a condição decaída dos homens" e a "perda de conhecimento de Deus". Para reverter isso só haveria um caminho, que o próprio Deus providenciasse a vinda de um Salvador. A Redenção da humanidade não ocorreria por meio da derrubada de líderes ou de poderes, mas pela "Salvação das Almas"! Lew Wallace utiliza o personagem Balthasar como forma de expor os princípios daquilo que acreditava ser o cristianismo. Em uma passagem do romance, o mesmo disse a Ben-Hur: "Você está indo ao encontro de um rei de homens; e eu de um Salvador de Almas". A necessidade de um Salvador era maior do que a necessidade de um rei. Não é por outra razão que muitos consideraram a obra de Lew Wallace como uma síntese das Sagradas Escrituras e um livro propício à divulgação do ideal cristão.
O personagem Ben-Hur também tem os seus sentimentos divididos entre duas mulheres, a sensual Iras (filha de Balthasar) e uma jovem adolescente (de apenas 15 anos) chamada Esther, de temperamento puro e apegada ao pai Simonides.
À medida que reflete a respeito do significado da mensagem de Jesus, Ben-Hur também será despertado para as reais intenções de Iras, até descobrir que a mesma associara-se a Messala (nas imagens acima, mosaico proveniente de Antioquia tendo no detalhe o hipódromo e à esquerda a Fonte de Dafnes, local onde Ben-Hur encontrava-se com Iras). Iras chegou a atrair o judeu para uma armadilha que poderia ter sido fatal, caso Ben-Hur não tivesse aprendido a lutar como um romano. A rivalidade entre Ben-Hur e Messala é o fio condutor da história tendo o nascimento do cristianismo como pano de fundo. O sentimento de vingança é o pretexto que o autor utiliza para divulgar a doutrina cristã, apresentada como oposta a esse desejo e o verdadeiro caminho a ser seguido. Alguns chegaram a perceber na obra um conteúdo antissemita (aversão aos judeus), uma vez que o personagem Ben-Hur que era judeu se converte à nova religião. Uma recomendação aos imigrantes israelitas que chegavam aos Estados Unidos no final do século XIX, de que esta poderia ser uma boa alternativa? Uma questão ainda controversa.
De modo geral, a ambientação que Lew Wallace fez do Império Romano no início do século I pode ser considerada bem satisfatória, sobretudo se levarmos em consideração as possibilidades para a pesquisa apresentadas na época em que a obra foi escrita (entre 1876 e 1880). Muito provavelmente recorreu a autores da própria Antiguidade (Tácito, Suetônio e Flavio Josefo entre outros), bem como a estudos a respeito da natureza e da geografia do Oriente Médio. E claro, tendo os quatro Evangelhos como referência fundamental (Mateus, Marcos, Lucas e João) sobretudo ao descrever os passos de Jesus Cristo.
A descrição das corridas de quadrigas está de acordo com o que se conhece sobre as mesmas (na imagem acima, placa de terracota do século I mostra o corredor contornando uma "espinha", tendo à frente um cavaleiro que dita o ritmo da corrida).
Como já assinalamos, aspectos da própria trajetória de Lew Wallace podem ser observados, como a sua luta pessoal contra a calúnia e a difamação advindas do episódio da Batalha de Shiloh (na ilustração acima, Lew Wallace aparece na capa de uma revista em 1886). Por sua vez, ao apresentar alguns dos personagens do livro, Wallace parece ter como referência figuras que conheceu no oeste norte-americano. Por exemplo, o sheik Ilderim descrito como proprietário de verdadeiros rebanhos (de camelos, cavalos e outros animais) nos lembra os "barões do gado" do Novo México, entre eles John Chisum (também envolvido no conflito do Condado de Lincoln).
Alguns dos personagens bíblicos incluídos na obra de Lew Wallace, além de Jesus Cristo foram José; Maria; o rei Herodes, o Grande; Pôncio Pilatos e um dos magos, Balthasar. No Evangelho de Mateus os magos não são descritos como reis e nem tem os seus nomes mencionados, algo que foi estabelecido na tradição cristã dos séculos seguintes. "Mago" pode perfeitamente ter o significado de sábio ou mestre, bem diferente de ser um rei! Portanto, Balthasar teve a sua vida romantizada no livro e ainda com a inclusão de uma filha, Iras.
A obra "Ben-Hur: Uma história dos tempos de Cristo" foi adaptada para o teatro e teve a sua estréia na Broadway em Nova Iorque, no dia 29 de novembro de 1899, sendo encenada 194 vezes em sua primeira temporada (na imagem acima, o cartaz da peça).
A sequência da batalha naval foi reproduzida no palco, como também a corrida de quadrigas encenada com oito cavalos que corriam sobre esteiras, tendo um cenário panorâmico rodando ao fundo (como mostra a ilustração acima). Numa das apresentações, uma falha nas esteiras acabou levando à vitória da quadriga de Messala. O espetáculo continuou como se Ben-Hur fosse o vencedor! Um dos cavalos utilizados na peça chamava-se Monk e era de propriedade do próprio Lew Wallace. Posteriormente, mais quadrigas foram sendo acrescentadas ao espetáculo.
A peça durava três horas e vinte e nove minutos, mas lotou o teatro em todas as apresentações e foi encenada durante vinte anos não consecutivos, pois excursionou por outros centros, como Boston, Filadélfia, Baltimore e Chicago (na foto acima, da esquerda para a direita o ator William Hart como Messala e William Farnum como Ben-Hur).
Mais de vinte milhões de espectadores viram a encenação até o ano de 1920, quando o espetáculo foi encerrado (na foto acima, a reprodução no palco dos remadores dentro de uma galé). A peça atraiu integrantes de várias igrejas, principalmente do ramo protestante e muitos pastores organizaram excursões para assistir as apresentações ao lado dos fiéis.
Claro, as versões cinematográficas tornaram a história ainda mais famosa. A primeira data de 1907 (durava apenas 15 minutos) e gerou atritos com os herdeiros do escritor em relação a direitos autorais. Em 1925 a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) produziu uma versão em grande escala e que ajudou a propagar a fama do estúdio como um dos maiores de Hollywood ainda nos tempos do cinema mudo.
Sem dúvida, a versão de 1959 do mesmo estúdio é a mais conhecida (na foto acima, da esquerda para a direita, Stephen Boyd como Messala e Charlton Heston como Ben-Hur). O seu roteiro embutiu uma relação homoafetiva entre os personagens Ben-Hur e Messala, algo que só foi revelado anos depois pelo escritor Gore Vidal (um dos roteiristas, mas que não recebeu os créditos). Em 2010 tivemos uma minissérie para a televisão e em 2016 uma versão nova para o cinema (com o brasileiro Rodrigo Santoro vivendo Jesus). Em 2003 foi produzido um desenho animado, com Charlton Heston fazendo a voz de Ben-Hur (personagem que interpretou em 1959 e pelo qual ganhou um Oscar de melhor ator).
Um livro concebido a partir de uma discussão que colocava em xeque a veracidade do conteúdo das Sagradas Escrituras. Uma história passada nos tempos de Cristo que surgiu no velho oeste americano, cujo autor conheceu de perto ladrões, bandidos e foras da lei. Lew Wallace pareceu crer na transformação pela via espiritual e na doutrina cristã, embora tenha participado de guerras e batalhas sangrentas como comandante militar, da mesma forma que o seu personagem Messala. Eis os caminhos tortuosos para se chegar a um livro que ajudou a divulgar os valores cristãos na América e no mundo...
Para ler:
O romance "Ben-Hur" não é uma leitura que possa ser considerada leve para os padrões atuais, além de ser longa, com mais de quinhentas páginas. Por isso, a quantidade enorme de edições resumidas (uma delas escrita por Carlos Heitor Cony). Contudo, a leitura pode agradar os interessados em conhecer as origens do cristianismo e a sua doutrina, sobretudo católicos e protestantes. Em 2016, com o lançamento da nova versão para o cinema, surgiu uma edição integral da obra por intermédio da Editora Jangada (foto acima, a capa). O texto é acompanhado de notas de rodapé, que esclarecem o leitor não familiarizado com a Antiguidade Clássica sobre palavras, nomes e aspectos da história das religiões.
Letreiros da abertura da versão de 1959, desenho da encenação da corrida de quadrigas na Broadway, do manuscrito do livro de Wallace e dos atores Stephen Boyd e Charlton Heston: fotogramas da caixa DVD Ben-Hur (edição de colecionador) da Warner Brothers de 2005 (Extras).
Lew Wallace jovem:
http://wallacestudy.blogspot.com.br/2011/04/ben-hur-1925-most-expensive-silent-film.html
Foto de Lew Wallace com seu filho em 1853:
https://civilwartalk.com/threads/generals-at-a-younger-age.98075/page-15
Foto de Lew Wallace na época da Guerra Civil, da pintura representando a Batalha de Shiloh e de Ulysses Grant: Wikipédia.
Desenhos de Lew Wallace:
http://www.slate.com/articles/podcasts/working/2018/02/josh_block_talks_about_fighting_for_lgbtq_civil_rights.html
Foto do Palácio dos Governadores de Santa Fé:
https://www.nps.gov/nr/travel/el_camino_real_de_tierra_adentro/palace_of_the_governors.html
Foto de Lew Wallace em seu estúdio em 1905:
https://boothiebarn.com/2017/02/16/grave-thursday-general-lew-wallace/
Lew Wallace na comissão militar que julgou os assassinos de Lincoln:
https://boothiebarn.com/2014/07/04/general-lew-wallace-study-museum/
Foto de Lew Wallace como governador, dos rancheiros do Condado de Lincoln e anúncio pela recompensa de Billy the Kid:
http://lincolncountyhistoricalsociety.vpweb.com/photos
Imagem de Antioquia no mapa Peutinger: Wikipedia.
Cabeça do imperador Tibério: Roma Imperial en el Museo Nacional de Belas Artes de Buenos Aires (catálogo), página 38.
Foto da capa da primeira edição de Ben-Hur e de Robert Ingersoll: Wikipedia.
Ilustração de batalha naval: Roma Imperial. Biblioteca de História Universal Life. José Olympio Editora, 1969, página 41.
Detalhe do rosto de Jesus no quadro "Cristo Carregando a Cruz" de Bosch: Coleção Gênios da Pintura. Volume Góticos e Renascentistas II. Abril Cultural (sem data).
Foto de quadriga em mosaico na Espanha, de mosaico de Antioquia e de alto-relevo com cena de corrida: Roma: legado de um império (volume II). Grandes Impérios e Civilizações. Edições Del Prado, páginas 124, 156 e 187.
Terracota do século I com cena de corrida: Chronicle of the Roman Emperors. Thames and Hudson Ltd., 1995, página 39.
Maquete do Segundo Templo de Jerusalém: Tesouros da Terra Santa( do rei David ao cristianismo), página 66.
Reconstituição do antigo circo de Antioquia:
http://www.circusmaximus.us/antioch.html
Lew Wallace capa de revista em 1886:
http://www.slate.com/articles/life/history/2013/03/a_billy_the_kid_letter_a_james_a_garfield_note_a_winslow_homer_sketch_and.html
Cartaz da peça Ben-Hur: Wikipédia.
Foto da cena dos remadores na peça da Broadway: site Ebay.
Foto do ator William Hart como Messala e William Farnum como Ben-Hur na peça:
https://scvhistory.com/scvhistory/lw2620b.htm
Excelente matéria. Conta a história do autor e de sua obra ao mesmo tempo.
ResponderExcluirAdorrei este filme, orbrigada por compartilhar a resenha. Pessoalmente fiquei surpresa pelo trabalho de Morgan Freeman. Sempre achei o seu trabalho excepcional, sempre demonstrou por que é considerado um grande ator, também desfrutei do seu talento no filme de ação Apenas o Começo fez uma grande química com todo o elenco, vai além dos seus limites e se entrego ao personagem. Se alguém ainda não viu, eu recomendo amplamente, vocês vão gostar com certeza.
ResponderExcluirAmei este filme com Charlton Heston,e na nova versão de 2016,pois ensina o perdão!!!muito importante para os dias atuais.E gostei muito tambem do filme O conde de monte Cristo,são dois filmes bem produzido com historias de grande fé!!!Gratidão aos autores e diretores!Gratidão!!!
ResponderExcluirFilme ótimo, recomendo a quem o ver, que abra seus corações e mentes, para a mensagem que é de perseverança, amor e fé contra principalmente o sistema, não só o político-militar de Roma da época mais também conflitos históricosociais-familiares !
ResponderExcluirMuito bom mesmo.
Muito obrigado pelos comentários. Um grande abraço.
ExcluirMuito boa essa matéria, agradeço pelo os esclarecimentos dados, ricos em detalhes sobre o autor e sua obra.
ResponderExcluirMuito obrigado pela leitura e comentário...
ExcluirParabéns. Ótima biografia do autor e resenha da obra.
ResponderExcluirMatéria maravilhosa, adorei
ResponderExcluirParabéns pela matéria! Muito rica em detalhes e esclarecedora, tanto da vida do autor quanto da obra em si!
ResponderExcluirMuito esclarecedor o texto, ótima leitura. Após rever o filme tive curiosidade nós detalhes da história por traz da 'história'.
ResponderExcluirUm blog que se preze!
ResponderExcluirMuito obrigado pelo comentário Gracyane. Abçs.
ExcluirAmei o filme nunca tinha assistido a primeira versão com quatro horas de duração. Na nova versão Morgan frigman como sempre excelente ficou na minha memória um sonho de liberdade
ResponderExcluirMuito bom esse comentário e já assistí esse filme várias vezes e acho que ainda vou assistir mais vezes, parabéns.
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