Em sua edição de final de ano (28.12.2011) a Revista Veja publicou uma matéria sobre os 50 grandes nomes de nossa história e o legado deixado por eles, imaginando a opinião dos mesmos sobre os vários problemas que o país enfrenta hoje. Fazer uma seleção como essa é uma tarefa complicada. Um determinado personagem pode ser lembrado em uma época e esquecido em outra em função de questões políticas e ideológicas. Que o diga Tiradentes, desconhecido no período imperial do século XIX e alçado à condição de "herói nacional" com a proclamação da República em 1889. A monarquia brasileira não transformaria em herói alguém com viés republicano. Aliás, Tiradentes não foi "convocado" para a seleção da revista Veja.
Seriam muitas as escolhas feitas na matéria que poderíamos comentar, mas gostaria de me ater a duas: Getúlio Vargas e Carlos Lacerda. A propósito do primeiro, lembro-me na minha infância quando foi publicada uma coleção intitulada "Grandes Personagens da História do Brasil" (1969) pela mesma editora Abril, que hoje publica a Veja. Todos aqueles que se interessavam por História na época devem ter revirado essa coleção. Cada fascículo referia-se a uma personalidade como José Bonifácio, D. Pedro I, padre Anchieta, Pedro Alvares Cabral e outros, alcançando até a fase republicana. Contudo, sempre me perguntei o motivo da ausência de Getúlio Vargas. O interessante era que o seu padrinho político, o caudilho gaucho Borges de Medeiros, que nunca alçou a presidência da República, foi tema de um fascículo inteiro.
Nesta escolha proposta pelos articulistas da Veja, Getúlio (na foto acima ao lado de seu segurança em 1950) não está ausente, mas colocado em um plano de pouco destaque diante de outros dois ex-presidentes: Prudente de Morais e Campos Salles. Estes últimos mereceram fotos de página inteira. Um historiador preocupado com os rumos do país no período republicano não pode ignorar a importância de Getúlio Vargas, até pelo seu tempo de permanência no poder: 18 anos (com os seus dois mandatos, de 1930 a 1945 e 1951 a 1954). Por outro lado, o impulso ao processo de industrialização, a criação de empresas estatais que hoje ocupam um papel de destaque no cenário econômico do Brasil e do mundo, como a Petrobrás e a Cia. Vale do Rio Doce (já privatizada), a controversa estrutura de organização dos sindicatos e as leis trabalhistas em vigor surgiram durante o seu período de governo. Sem querer fazer um juízo de valor a respeito de suas qualidades e defeitos (que também foram muitos), é inegavel a importância de sua figura.
Com relação ao ex-deputado federal Carlos Lacerda (na foto acima visitando a Disneylandia em 1967) podemos apontar várias contradições na matéria da Veja. O texto sobre o personagem é assinado pelo eminente cientista político Bolivar Lamounier (que também assina o "verbete" sobre Getúlio) e ressalta a atuação de Lacerda como um combativo líder de oposição e que por isso deu vigor à democracia. Bem, combativo ele sempre foi. Nas palavras do próprio Lamounier, Lacerda criticou "em termos francamente golpistas" a eleição de Getúlio em 1950, foi o pivô do suicídio do mesmo em 1954, tentou impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek em 1955, colaborou para a renúncia de Jânio Quadros em 1961 e apoiou o golpe militar em 1964, que depôs o presidente legal João Goulart. Agora, é estranho um indivíduo contribuir para a democracia tramando golpes. Basta lembrar o que veio depois de 1964.
Ainda a respeito de Getúlio Vargas, gostaria de deixar uma citação do próprio Bolivar Lamounier em uma outra obra de sua autoria:
"Dele (Getúlio Vargas) se pode dizer, sem exagero, que foi o brasileiro que mais decisivamente moldou a vida de seu país no século XX. Deputado estadual, deputado federal, ministro, governador do Rio Grande do Sul, presidente revolucionário, ditador, presidente pelo voto popular - Getúlio foi a ponte entre o Brasil antigo e o Brasil de hoje. Sua passagem pela política brasileira fez a diferença entre o Brasil arcaico, rural, de economia puramente reflexa, e o Brasil moderno, que tem seus problemas mas tem também o potencial de tornar-se uma nação progressista e civilizada."
(Lamounier, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. São Paulo: Círculo do Livro S.A., 1988, pag. 7)
Para saber mais:
Fausto, Boris. Getúlio Vargas. Coleção Perfis Brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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