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sexta-feira, 24 de julho de 2015

Roteiro de Viagem: Cidades Históricas de Minas Gerais




Caro leitor, ouvimos falar que o Brasil não está em condições de receber os turistas provenientes do exterior, os quais, além dos aspectos relativos à natureza, desejam conhecer um pouco mais a respeito da história do país visitado. Somos comparados, por exemplo, com o México que, além das belezas naturais, oferece também o legado material das antigas culturas pré-colombianas (asteca e maia). Trata-se de uma observação muito relativa. O caso do México (e também do Peru com relação aos incas) é específico em função da presença das duas culturas citadas em seu território. Se não tivemos por aqui nenhuma civilização tão antiga e exuberante, por outro lado, temos um patrimônio da era colonial comparável ao de qualquer outro país latino-americano, mesmo com as particularidades da colonização espanhola já descritas por grandes historiadores, como Sérgio Buarque de Holanda. A prova disso são as cidades de Belém, São Luís, Recife (e claro, Olinda), Salvador, Rio de Janeiro e aquelas representativas do chamado ciclo do ouro, localizadas no Estado de Minas Gerais. Dentre estas últimas, destacamos Ouro Preto, Mariana (foto acima), São João Del Rei, Tiradentes, Sabará e Diamantina. 



Uma outra comparação possível é com a América do Norte (Canadá e Estados Unidos), praticamente carente de um grande patrimônio artístico e arquitetônico referente à sua fase colonial. Basta lembrarmos do Barroco brasileiro e de seus artistas, como o Aleijadinho (acima, cópia de uma pintura do século XIX, presumivelmente retratando o Aleijadinho) e o mestre Ataíde, algo que não observamos na colonização anglo-saxônica, em função desta ter tido como matriz cultural o protestantismo. Este último, pelo fato de sua doutrina reprovar a adoração de imagens e relíquias, não produziu uma arte e uma arquitetura tão exuberante. Atenção, aqui não cabe nenhum tipo de crítica a esta ou aquela corrente religiosa. Trata-se de uma simples constatação. Neste aspecto referente ao passado artístico da fase colonial, podemos nos considerar em grande vantagem em relação aos nossos irmãos americanos do norte. 
Por outro lado, há um detalhe que pode ser um obstáculo (não intransponível) para quem deseja conhecer um pouco mais essas realizações de nossa história: as distâncias que separam esses antigos núcleos coloniais. Afinal, o Brasil tem dimensões quase continentais. Contudo, em muitos casos, tal obstáculo poderia ser amenizado por algumas soluções simples e baratas, como por exemplo, uma sinalização decente nas rodovias. No caso específico do roteiro que estamos propondo, as cidades históricas de Minas Gerais, não produz nenhum resultado positivo, nem para o país e nem para os moradores locais que vivem do turismo, ignorar a existência de São Paulo. Os caminhos das rodovias que percorrem essas cidades trazem a sinalização apenas em direção a Belo Horizonte, mas não para o maior centro de negócios da América do Sul. É um absurdo! Da mesma forma, indicar a direção e a distância correta das cidades ao invés das placas inúteis da tal Estrada Real, que mais confunde do que explica e que, além de tudo, é uma mera abstração histórica. Um turista proveniente do exterior teria enormes dificuldades para chegar ao seu destino de carro. Isso é um trabalho que deveria ficar a cargo, principalmente, das prefeituras e dos governos estaduais. Não se pode alegar que não há verba, pois é algo simples, de baixo custo e que proporciona retorno no fluxo de turistas.
Pois bem, feitas essas ressalvas, vamos a um roteiro simples e básico! O mesmo requer o uso do automóvel para facilitar o deslocamento de uma cidade para outra, e só! Reduzindo o número de cidades visitadas é possível fazer sem carro. 
O caminho pode começar a partir de qualquer grande centro, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Neste caso em particular (ou seja, daquele que vos escreve), partimos de São Paulo, através da rodovia Fernão Dias (cujo nome lembra o de um bandeirante do século XVII e solenemente ignorado nas sinalizações dos ramais rodoviários) até a entrada para Lavras, sul do Estado de Minas Gerais, aproximadamente 300 quilômetros saindo de São Paulo em direção a Belo Horizonte. O acesso para Lavras (à direita da Fernão Dias) é o caminho ideal para percorrermos as cidades históricas da época do ouro, uma vez que entramos na BR 265, que alcança São João Del Rei e a pequena cidade de Tiradentes. Estabeleça nesta última a sua primeira base, inclusive em termos de hospedagem, pois existem pousadas e hotéis para todos os bolsos. 



Não é por outra razão que Tiradentes (foto acima), antiga Vila de São José do Rio das Mortes, têm esse nome. Trata-se da terra natal do nosso mais importante personagem dos tempos coloniais, o alferes (cargo equivalente ao de tenente) Joaquim José da Silva Xavier, um dos inconfidentes que aspiraram a separação entre Brasil e Portugal no final do século XVIII. Na verdade, Tiradentes nasceu na fazenda Pombal (situada atualmente no município vizinho de Ritápolis), mas passou a sua juventude na cidade que leva o seu nome.


Pequena, porém muito agradável, Tiradentes inspira os passeios a pé, a começar pela Igreja de Santo Antônio, na parte alta da cidade (imagem acima), que começou a ser erguida a partir de 1710. É uma visita obrigatória. 



Os altares foram revestidos com mais de meia tonelada de ouro, o que torna a igreja a segunda ou terceira do Brasil (há controvérsias) em termos de quantidade do valioso metal nas decorações (na foto acima, o altar-mor da igreja). Para uma comparação aproximada, essa soma era equivalente a praticamente metade do total de ouro que o Brasil enviava anualmente para Portugal em meados do século XVIII. 
Este templo reúne as características mais elementares das demais igrejas barrocas da região. O destaque cabe ao altar principal, ricamente ornamentado, obra do entalhador português João Ferreira Sampaio. As belas pinturas presentes no teto, de autoria de Manoel Vitor e o magnífico órgão trazido de Portugal são outros destaques. O assoalho da igreja é um grande cemitério, pois as famílias mais importantes enterravam os seus membros dentro do templo, sendo que cada sepultura está numerada. A de número 49, por exemplo, pertence a uma prima de Tiradentes. Quanto maior a proximidade com o altar-mor, maior o prestígio social do indivíduo. Os mais pobres eram enterrados em um outro cemitério, do lado de fora. O frontispício da Igreja de Santo Antônio foi desenhado pelo mestre Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como o Aleijadinho, em 1810, quase no final de sua vida.


Ainda em Tiradentes é possível visitar a antiga residência do padre Carlos Correia de Toledo (foto acima), um dos envolvidos na Inconfidência Mineira de 1789. A mais opulenta residência da cidade hoje é um museu com valiosas obras de arte e com exposições temporárias. 



Destaque para as pinturas no forro das salas e com poltronas especialmente instaladas para que o visitante possa olhar para o teto e apreciar o conjunto decorativo.



Sugerimos uma permanência de dois dias em Tiradentes para essas visitas. Para aqueles que estão ligados no turismo ecológico e interessados em conhecer a natureza, Tiradentes ainda reserva trilhas e passeios a cavalo. Por exemplo, a visita ao topo da serra de São José, no alto de seu exuberante paredão (foto acima). A trilha, de sete quilômetros, requer um certo preparo e é recomendada para aqueles que estejam minimamente acostumados a uma boa caminhada. O grau de dificuldade para a mesma é considerado médio, sendo necessário o acompanhamento de um guia.



A partir de Tiradentes, é possível visitar São João Del Rei (na foto acima, parte do seu centro histórico), pois as duas cidades são muito próximas. Esse passeio pode ser feito, de quarta a domingo, em uma antiga "Maria Fumaça".


Em São João Del Rei, tire um dia para conhecer o centro histórico e a igreja de São Francisco de Assis (foto acima), com os seus altares preparados para serem banhados a ouro. Contudo, na segunda metade do século XVIII, o precioso metal começou a diminuir pelo esgotamento das minas e lavras. Por isso, muitos altares não foram contemplados com o banhamento. 



Por outro lado, isso não tira a beleza das obras (como vemos na foto acima). O projeto arquitetônico é do Aleijadinho. Esta é uma das poucas igrejas da região onde é permitido tirar fotos em seu interior. 



Em São João Del Rei, além das igrejas e das casas típicas dos séculos XVIII e XIX, é possível observar o solar da família Neves, onde morou o ex-presidente Tancredo Neves (na foto acima).
Após a visita a São João, é hora de tomar o caminho para Ouro Preto, pela rodovia que leva a Belo Horizonte. Cuidado com as sinalizações, são confusas! No caminho, a estrada atravessa várias cidades, entre elas Lago Dourado, a terra do rocambole. Não deixe de experimentar!



Em Ouro Preto, a Vila Rica dos tempos de Tiradentes, prepare-se para pelo menos dois dias inteiros de visita à antiga capital do Estado de Minas Gerais. Trata-se da nossa "Atenas", um verdadeiro museu a céu aberto e, por isso, vá preparado para andar, com um bom tênis para suportar o calçamento de pedra da cidade (para os homens evitar os sapatos sociais e para as mulheres, nem pensar em salto alto).
Tome como referência no centro a praça Tiradentes (foto acima), local onde ficou exibida a cabeça do mártir da Inconfidência Mineira em 1792, até que o tempo a consumisse, de acordo com a sentença. 


Interessante começar pelo Museu da Inconfidência (foto acima), que não pode deixar de ser visitado. Esse museu está instalado no antigo edifício do Tribunal, que também serviu de cadeia nos séculos XVIII e XIX. Foi projetado e construído pelo governador português Luis da Cunha Meneses, a partir de 1784, com a utilização de presos e escravos para ser erguido. A edificação destoa do estilo barroco e já revelava uma influência arquitetônica do neoclassicismo vindo da Europa e que predominou no século seguinte no Brasil. 



Nesse museu é possível encontrar peças do antigo mobiliário das residências mais opulentas, exemplares da fabulosa coleção de arte sacra com destaque para vários trabalhos do Aleijadinho e do pintor Manuel da Costa Ataíde (como o quadro acima, São Simão Stock com Nossa Senhora do Carmo). Além disso, peças e documentos referentes ao episódio da Inconfidência Mineira, como por exemplo, um relógio usado por Tiradentes e duas traves da forca utilizadas em sua execução, podem ser vistas. 



Um panteão com os restos mortais dos inconfidentes (na fotografia acima), muitos dos quais foram repatriados mais de um século depois, inclusive o de Tomás Antônio Gonzaga e de sua amada Maria Doroteia Joaquina de Seixas, a "Marília de Dirceu" dos seus poemas. Não é permitido tirar fotos nesse museu. Portanto, se o visitante quiser lembranças terá que recorrer à lojinha dentro da instituição.
Outro museu que não deve deixar de ser visto é o da Escola de Minas, também na praça Tiradentes. Trata-se de uma instituição federal que preserva um valioso acervo de minerais da região e do mundo. Além disso, fósseis que contam a origem de nosso planeta e a sua evolução geológica apresentados de forma clara e didática. Nesse museu também não são permitidas fotos, mas dê uma passada na lojinha, que possui itens como livros e lembranças, a preços bem mais acessíveis do que nos demais museus da região.


Ah, claro, as igrejas. A igreja de São Francisco é uma das mais importantes e que concentra um bom número de obras do mestre Aleijadinho. A própria igreja é um projeto do artista e no seu interior, uma boa mostra do Barroco e do Rococó dos séculos XVIII e XIX. O teto da nave foi obra do pintor Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), talvez o nome mais importante do Barroco brasileiro na pintura. Aliás, essa pintura ainda está por merecer uma atenção maior por parte dos historiadores da arte. Nas visitas é possível vislumbrar inúmeras obras desses pintores. 



A igreja Nossa Senhora do Pilar começou a ser construída em 1736 pelo arquiteto português Francisco Antonio Pombal (tio do Aleijadinho), sendo conhecida pela enorme quantidade de ouro utilizada na confecção de seus altares. Necessário lembar que as famílias mais importantes da cidade mandavam erguer altares na parte lateral do interior do templo, algo que conferia prestígio e refletia a riqueza das mesmas, inclusive na quantidade de ouro que era oferecida na confecção.


Outra visita que não deve deixar de ser feita é a Casa dos Contos (na foto acima). Antiga residência de um dos homens mais ricos de Minas Gerais no final do século XVIII, João Rodrigues de Macedo. 



Em função de suas dívidas com a Fazenda Real, a casa foi confiscada e depois transformada em local para arrecadação do quinto, imposto de 20% do ouro que cabia à Coroa Portuguesa (na foto acima, barras de ouro "quintadas", já com o desconto do tributo). Atualmente, pertence ao Ministério da Fazenda, que mantém um Centro de Estudos do Ouro, com um arquivo e documentos referentes aos séculos XVIII e XIX. O local serviu também de prisão para alguns dos inconfidentes em 1789, inclusive Claudio Manoel da Costa, que foi encontrado morto em sua cela.


As casas de alguns dos inconfidentes podem ser vistas em Ouro Preto, inclusive a de Tomás Antônio Gonzaga, aberta à visitação (na foto acima, a sala superior do solar do poeta Gonzaga, local de encontro dos inconfidentes) e a de Claudio Manoel da Costa. A casa onde viveu Tiradentes, na conhecida rua São José (próxima à Casa dos Contos) foi demolida, como previa a sentença, que declarou o alferes Joaquim José da Silva Xavier infame perante a Coroa Portuguesa.


A partir de Ouro Preto, reserve um dia para conhecer Mariana (imagem acima), a pouco mais de 15 quilômetros da antiga Vila Rica. A cidade, que já foi chamada de Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, foi o berço de toda a organização administrativa e institucional da região do ouro em Minas Gerais. Primeiro núcleo a ser elevado à categoria de cidade e que recebeu o primeiro bispado da capitania das Minas Gerais em 1745.
A igreja da Sé ou Matriz de Nossa Senhora da Conceição merece uma visita, com destaque para o fabuloso órgão do século XVIII, trazido da Europa. Uma única instrumentista permanece na cidade para manter o instrumento em funcionamento e realizar apresentações duas vezes por semana (quem tiver interesse, consultar os dias e horários). Em seguida, uma visita obrigatória ao Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, com uma das melhores coleções do gênero no Brasil, incluindo trabalhos de Aleijadinho. A praça do Pelourinho onde está a Câmara Municipal, uma das edificações mais importantes do século XVIII e as igrejas de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Carmo também devem ser vistas (na foto mais ao alto, que abre esta postagem). Aproveite bem Mariana, cidade absolutamente hospitaleira e simpática.



No retorno para São Paulo sugerimos a visita a Congonhas do Campo para conhecer o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Em torno dessa igreja encontram-se os famosos profetas de Aleijadinho (na foto acima, o profeta Jeremias), esculpidos em pedra-sabão entre os anos de 1800 e 1805. 


Os profetas estão inseridos na fase de amadurecimento de Aleijadinho, onde o artista adquiriu sua plena expressão estética para se tornar o nome mais importante do Barroco no Brasil (acima, o profeta Isaías). 


Diante da igreja estão as seis capelas onde encontramos outra preciosidade do fabuloso artista: as passagens da Via Crucis de Jesus Cristo (acima, detalhe do Caminho para o Calvário). As esculturas foram executadas entre os anos de 1796 e 1799. 


Um inconveniente, os portões das capelas estão fechados e as obras precisam ser vistas do lado de fora. Mesmo assim, é possível admirar as esculturas, sobretudo na passagem referente à Santa Ceia (na foto acima) e a Crucificação. Para esta última etapa do roteiro sugerimos um dia inteiro. Em seguida, cumprido o que foi sugerido, voltar para casa.
Resumindo o nosso roteiro:

primeiro dia: Tiradentes.

segundo dia: Tiradentes com a sugestão de um passeio ecológico (trilha, andar a cavalo ou um passeio de bicicleta);
terceiro dia: visita a São João Del Rei e ida para Ouro Preto.
quarto dia: Ouro Preto e o seu centro histórico (sugestão: visita à Casa dos Contos);
quinto dia: museus de Ouro Preto (sugestão: Museu da Inconfidência e Museu da Escola de Minas, ambos na praça Tiradentes);
sexto dia: visita de um dia inteiro em Mariana.
sétimo dia: visita a Congonhas do Campo e retorno.
custo aproximado: R$ 1.800,00 para duas pessoas ou um casal.

O roteiro acima é apenas uma sugestão básica. Por exemplo, é possível sair de Tiradentes, visitar São João Del Rei e voltar no mesmo dia. Vá preparado para deixar o automóvel encostado enquanto estiver dentro das cidades. Um problema grave nesses centros históricos é o excesso de veículos, sobretudo em Ouro Preto, o que prejudica demais a circulação dos turistas. Futuramente, algo terá que ser feito para limitar ou mesmo proibir em alguns locais a passagem de automóveis.
Regra geral: na dúvida, pergunte. O povo mineiro é muito atencioso e hospitaleiro!
No mais, aproveite bem e boa viagem.......

Informações úteis (inclusive para obtenção de mapas turísticos):
Em Ouro Preto, Secretaria de Cultura e Turismo: Rua Claudio Manoel, 61, centro (exatamente no solar onde morou o poeta Tomás Antonio Gonzaga). 
Em Mariana: Centro de Atenção ao Turismo: telefones (31) 3558-2314/3558-1062
Em Tiradentes as próprias pousadas dispõem de mapas com as principais atrações da cidade. 
Crédito das Imagens:
Pintura representando Aleijadinho: Ouro Preto: Museus. Ouro Preto Editora, 2014, pag. 52.
Altar-mor da igreja de Santo Antonio em Tiradentes. Cartão postal. 
Panteão dos Inconfidentes e pintura de Manuel da Costa Ataíde: Museu da Inconfidência, MinC/IPHAN/Museu da Inconfidência, 1995, pags. 103 e 117. 
Demais fotos: acervo do autor. 


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