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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Imagens Históricas 30: Apresentação do Copersucar Fittipaldi em 1974



Um carro de Fórmula 1 feito no Brasil e uma equipe de competição genuinamente brasileira! Trata-se do Copersucar Fittipaldi, cuja apresentação aparece na Imagem Histórica de hoje. A cerimônia, ocorrida no Salão Negro do Congresso Nacional em Brasília no dia 16 de outubro de 1974, contou com a presença do Presidente da República, Ernesto Geisel, que aparece em primeiro plano, tendo do seu lado direito Wilson Fittipaldi Junior e no esquerdo Emerson Fittipaldi, além de vários "papagaios de pirata" (parlamentares). Naquele ano de 1974, o Brasil já tinha um campeão da Fórmula 1, o próprio Emerson Fittipaldi, com dois títulos mundiais e um vice-campeonato! Nada mal para um país subdesenvolvido e fora do eixo do hemisfério norte, o qual concentrava a esmagadora maioria dos campeões da categoria máxima do automobilismo. Sim, vale lembrar que a Argentina teve cinco títulos mundiais com um único piloto: Juan Manuel Fangio. Aliás, um recorde de títulos que perdurou até as grandes conquistas do alemão Michael Schumacher, décadas depois. 



Contudo, os irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi Jr. (também conhecido como Tigrão ou simplesmente Wilsinho), vieram com uma outra ousadia, a de criar e colocar nas pistas um carro de Fórmula 1 projetado e construído aqui (na foto acima, Wilson Fittipaldi com o Copersucar FD01). 


Claro que com muitos componentes vindos de fora, a começar pelo famoso motor Ford Cosworth, o grande propulsor da categoria naquela época, mas também com vários fornecedores nacionais e a oficina instalada aqui (em um galpão na Estrada de Parelheiros, quase periferia de São Paulo, foto acima). A preparação durou todo o ano de 1974 e para isso, Wilson Fittipaldi Jr. deixou de participar da temporada daquele ano do Campeonato Mundial de Pilotos. O projeto do bólido foi assinado pelo engenheiro Ricardo Divila, que já tinha experiência na construção de protótipos de competição e possuía um desenho inovador. O motor e o câmbio ficavam completamente cobertos e os escapamentos eram laterais (no decorrer da temporada de 1975, o carro sofreu alterações). 


O patrocínio integral veio da Copersucar (Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), que acabou dando nome ao time e que identificava o mesmo junto ao grande público, mesmo após o fim do patrocínio em 1979 (na imagem acima, o logo da equipe). Fundada em 1959, a Copersucar vivia um momento de expansão no segmento agroindustrial, tendo incorporado no ano de 1973 a Companhia União dos Refinadores (fabricante do Açúcar União e do Café Caboclo) e em 1976 adquiriu a Hills Bros. Coffe Inc., tradicional empresa norte-americana do segmento de café torrado. A aquisição abriu um mercado maior para o café e o para o açúcar brasileiros dentro dos Estados Unidos.


A primeira corrida do modelo FD01 foi no Grande Prêmio da Argentina e não pareceu muito promissora (na foto acima, Wilson Fittipaldi Jr. pilota o Copersucar nos treinos para esse GP). Durante a prova, o carro teve uma quebra na suspensão traseira e bateu forte. O bólido pegou fogo e deixou o irmão Emerson, que estava na prova brigando pela vitória, muito preocupado, até que o mesmo percebeu que Wilsinho já estava fora do cockpit (habitáculo do piloto) e aparentemente bem. Aliás, Emerson, piloto da equipe McLaren, venceu a corrida. Na prova seguinte diante do público brasileiro em Interlagos, o carro foi bem melhor e conseguiu terminar numa honrosa 13ª posição. Naquela época, largar numa corrida de Fórmula 1 já era um desafio, uma vez que existiam muitos pilotos (e equipes) inscritos, que sequer obtinham o tempo necessário para poder alinhar (o grid de largada era formado por até 26 carros). 


A temporada de 1975 foi um aprendizado para o time e o melhor resultado foi um 10º lugar obtido na última corrida da temporada, nos Estados Unidos. Algo absolutamente normal para uma equipe estreante. Em 1976 a escuderia Copersucar sofreu uma reviravolta! Wilson Fittipaldi tornou-se manager (chefe de equipe) e o piloto titular passou a ser o irmão Emerson, que deixou a McLaren (que logo naquela temporada foi campeã com o substituto de Emerson, o britânico James Hunt) e a chance de conseguir mais títulos na categoria. Vieram os primeiros pontos no campeonato (de Pilotos e de Construtores), nos GPs. dos Estados Unidos, de Mônaco e da Inglaterra. Contudo, esses resultados não foram suficientes para agradar a torcida, acostumada a ver Emerson ganhando corridas. Além disso, o carro era ridicularizado na mídia, inclusive nos programas humorísticos da própria emissora responsável pela transmissão das corridas (a Rede Globo). 


A temporada de 1977 foi de mais pontos conquistados, inclusive um ótimo 4º lugar em Interlagos (tendo largado em 16º) com o modelo FD04 (foto acima) e, de quebra, vendo o segundo piloto da equipe, o estreante Ingo Hoffman, chegar na 7ª posição. 



Em 1978, o melhor ano da Copersucar-Fittipaldi, com um belo 2º lugar no Grande Prêmio do Brasil, o qual teve sabor de vitória, o primeiro GP disputado no autódromo de Jacarepaguá no Rio de Janeiro (na foto acima, o F5A, o melhor Copersucar). A escuderia parecia encontrar o caminho das pedras e evoluiu! Mas, a temporada de 1979 foi ruim (com um carro que já nasceu mal projetado, o F6) e significou o encerramento da parceria com a Copersucar. A equipe permaneceu até 1982, apenas com a designação de Equipe Fittipaldi. 


No que diz respeito ao momento que o país vivia, tínhamos o presidente (e general) Ernesto Geisel, que então estava a frente da Ditadura Civil e Militar que dirigia o Brasil, no ano de 1974, época da apresentação do carro (acima, outra foto do evento, com Wilson Fittipaldi dentro do Copersucar). Claro, a novidade do Fórmula 1 brasileiro era interessante para a imagem do "País Que Vai Pra Frente", como dizia a propaganda oficial e para a vertente nacionalista do regime. Mas, naquele momento, o governo já começava a apresentar sinais de desgaste em função do fim do chamado Milagre Econômico, da crise internacional do petróleo e do aumento da inflação. 



O presidente Geisel (foto acima) acenava com a possibilidade de uma abertura política, mas que seria "lenta e gradual". E foi mesmo, pois eleições diretas para presidente ocorreram apenas em 1989! Por outro lado, muitos daqueles que enfrentaram a ditadura na luta armada ou mesmo por meios pacíficos foram eliminados (na verdade, torturados, mortos ou exilados). A oposição consentida agrupou-se no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), único partido contrário ao regime que era tolerado. O outro era a Arena (Aliança Renovadora Nacional), que foi o partido do governo. No mesmo ano de 1974, em novembro, praticamente um mês após a foto com a apresentação do Copersucar, tivemos eleições legislativas (para o Senado e Câmara dos Deputados). E a luz amarela acendeu para o governo ditatorial! A oposição ganhou nos estados economicamente mais importantes, elegeu vários senadores, deputados federais e projetou novas lideranças oposicionistas, como Orestes Quércia, Itamar Franco (que bem depois, tornou-se presidente), Saturnino Braga, Franco Montoro e Ulysses Guimarães, entre outros. Mesmo no empresariado as críticas ao governo começaram a ganhar força, sobretudo em função do crescimento da intervenção estatal na economia. A aliança dos militares com esse segmento da sociedade começou a definhar. Por exemplo, a Copersucar ganhou papel de destaque no Programa do Pró-Álcool (utilização do álcool como combustível para os automóveis) e a Petrobrás na prospecção do petróleo em águas profundas, a fim de aumentar a produção interna da valiosa matéria-prima. 
Nesse sentido, a associação dos irmãos Fittipaldi com a Copersucar foi bem recebida e se tornaria de grande vantagem em termos de propaganda se, pelo menos, as vitórias viessem, o que não ocorreu. Mas isso não significa fracasso! Vamos a alguns dados. Em duas temporadas (1978 e 1980) a Copersucar-Fittipaldi ficou em 7º lugar no Campeonato de Construtores superando equipes como Ferrari, Mclaren, Alfa Romeo e Renault. No total dos campeonatos que a equipe disputou, entre 1975 e 1982, foram 44 pontos conquistados com três posições que valeram pódio, isso numa época em que a pontuação só era obtida acima do 6º lugar. 



A equipe revelou um futuro campeão do mundo, o finlandês Keke Rosberg (pai do Nico), que correu no time em 1980 e 1981, além de profissionais como Jo Ramirez, que mais tarde, trabalhou com Ayrton Senna na Mclaren (na foto acima, de 1976, Wilson, Emerson e Jo Ramirez), Harvey Postlethwaith (que se tornou desenhista dos carros da Ferrari) e Adrian Newey (atual projetista da Red Bull). Necessário lembrar que a Copersucar não tinha à sua disposição o mesmo motor Cosworth e os mesmos pneus dos times de primeira linha (na maior parte das temporadas, da marca Goodyear). 



A equipe dos irmãos Fittipaldi se manteve até 1982. Nessa última temporada, os patrocínios eram realizados por corrida e incluíram marcas que hoje não imaginaríamos ver num carro de Formula 1, como o Óleo Maria (aquele do jingle "sai da lata e vem pra mesa") e o Sal Cisne! A equipe Fittipaldi sentiu o início da chamada década perdida da nossa economia: os anos de 1980. O dinheiro dos patrocinadores escasseou. Emerson Fittipaldi já havia deixado de participar das provas de Fórmula 1 e gerenciava a equipe junto com o irmão Wilson (na foto acima, de 2013, com o autor). Apesar de mostrarmos na Imagem Histórica de hoje o lançamento do carro junto às autoridades governamentais, não se pode dizer que os irmãos Fittipaldi tenham recebido apoio direto do governo ditatorial. Aliás, em muitos momentos tal apoio, na verdade, faltou. Nesse aspecto, talvez a Embraer fosse a estatal mais envolvida no projeto, uma vez que a aerodinâmica dos carros foi desenvolvida em suas instalações, como também no CTA (Centro de Tecnologia da Aeronáutica) em São José dos Campos (SP). Nada de apoio do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal ou Petrobrás (exceto em algumas provas na fase final da equipe). 



Na verdade, esperava-se um resultado mais imediato, com vitórias e possivelmente um título mundial (na foto acima, Chico Serra pilotando o ultimo carro da equipe, o F9, em 1982). Equipe de Fórmula 1 exige uma longa maturação e altos investimentos, mesmo naquela época (hoje, mais ainda). Nos últimos tempos, contudo, a história tem sido mais justa com a Copersucar-Fittipaldi, que merece um lugar honroso na história do nosso automobilismo. Não ganhou corridas ou títulos, mas esteve muito longe de ser considerada uma experiência fracassada e poderia ter sido o começo de uma alavancagem tecnológica a partir dos fornecedores nacionais. Dezenas de outras escuderias de Fórmula 1 (chamadas de equipes de garagem) dariam tudo para terem tido uma trajetória igual à da equipe Fittipaldi!
Ah, esta postagem termina com um autógrafo especial a este que vos escreve...



Crédito das imagens:
Foto principal do lançamento do carro da equipe Copersucar e o mesmo no treino para o GP da Argentina de 1975:
http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,fotos-historicas-copersucar-fittipaldi,12108,0.htm
Foto alternativa do lançamento do Copersucar em 1974:
http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/a-copersucar-fittipaldi-10853049
Foto de Wilson Fittipaldi Jr. com o carro: Revista Veja, edição de 26 de dezembro de 1979, p. 33.
Foto do galpão sede da equipe Copersucar: Pinterest. 
Foto de Ernesto Geisel: Revista Veja, edição de 14 de março de 1979, p. 50.
Fotos
Fotos do Copersucar FD01 restaurado, do FD04, do autor com Wilson Fittipaldi e do autógrafo: acervo do autor.
Foto do Copersucar F5A; de Emerson e Wilson com Jo Ramirez e do ultimo caro da equipe Fittipaldi: O Brasil na Formula 1: os títulos e as vitórias que transformaram o Brasil no país do automobilismo de Alexandre Armando Vasconcellos. Editora Alaúde, 2013, pags. 178, 169 e 184 respectivamente. 
Foto do logo da equipe Copersucar-Fittipaldi: Capa do livro Copersucar Fittipaldi: A história completa do Fórmula-1 brasileiro de Ricardo Sterchele. Frôntis Editorial, 2005. 

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