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domingo, 2 de fevereiro de 2020

Como era e como está: avenida São Luís (centro de São Paulo)



Uma avenida que já foi símbolo de elegância, requinte e que tinha aspecto de cidade européia, como Paris ou Viena. Estamos nos referindo à avenida São Luís no centro histórico (ou velho, como alguns preferem) da capital paulista. Este que vos escreve, embora não tenha vivido na época em que a foto acima foi tirada, possivelmente no ano de 1939 (quando teve início a Segunda Guerra Mundial), têm boas lembranças desse logradouro, pois me impressionava o fato de abrigar os escritórios das grandes companhias aéreas, entre elas a KLM, Lufthansa e Air France. Alguns consulados também se localizavam nas redondezas, como o da África do Sul, na praça da República, onde estive em 1974 para solicitar um material audiovisual, a fim de apresentar como trabalho de escola, o qual aliás, modéstia à parte, ficou excelente. De certa forma, essa tendência voltada para o exterior e o turismo ainda se mantém, pois a avenida São Luís abriga atualmente muitas agências de viagens e casas de câmbio. Porém, antes de mostrar essa vocação, a avenida São Luís teve outra história, vinculada à elite (sobretudo cafeicultores) da província e depois estado de São Paulo. Quando outras áreas da cidade começaram a desbancar o centro no que se refere à presença das classes de maior poder aquisitivo, veio o declínio que perdura até hoje. 
A avenida São Luís está situada no bairro da Consolação, distrito da Sé e subdistrito da República. Trata-se de uma avenida curta e de mão única, que têm apenas um quarteirão, começando na Avenida Ipiranga, quando esta atravessa lateralmente a praça da República e o antigo Colégio Caetano de Campos, uma escola pública que já foi referência na cidade de São Paulo (hoje, o prédio abriga a Secretária de Educação do Estado). A avenida termina na rua da Consolação, na altura da praça Dom José Gaspar onde se encontra a Biblioteca Mário de Andrade, outra edificação importante da cidade. Na avenida São Luís encontramos também o edifício Itália (o segundo mais alto de São Paulo com 46 andares e 165 metros de altura) e a Galeria Metrópole, onde existiu uma famosa sala de cinema do mesmo nome. Esse centro comercial pode ser considerado um precursor dos shoppings centers, que se espalharam pela cidade, contribuindo também para o declínio da área central e do comércio de rua



No mapa mais antigo da cidade de São Paulo, confeccionado em 1810 (portanto, antes da independência do Brasil), o logradouro já aparece, porém sem denominação, embora pouco depois fosse mencionado como o Beco Comprido. O mesmo poderia ser um caminho ou mesmo uma trilha. Na imagem mais acima, entre as letras C e G temos esse caminho, que termina na rua da Consolação, cujo nome aparece à direita. Não sabemos quem foi o responsável pela abertura ou desbravamento dessa via, mas conhecemos quem a batizou, o Coronel Luís Antônio de Sousa Queiroz, que se tornou o Brigadeiro Luís Antônio (nome de outra avenida importante da cidade), militar luso-brasileiro e um dos homens mais ricos de São Paulo no início do século XIX (acima, na legenda do mapa de 1810, o seu nome aparece exatamente na letra C, mostrando ser ele o proprietário do quarteirão esquerdo da futura rua São Luís). Este integrante da aristocracia paulista fez fortuna como tropeiro (condutor e vendedor de cavalos e mulas) e negociante. Com a renda obtida a partir dessas atividades, adquiriu terras na então área periférica da cidade de São Paulo, entre as quais a chácara apontada no mapa anterior, no bairro da Consolação, entre a rua 7 de Abril e a praça da República (antes chamada de largo dos Curros). O Brigadeiro Luís Antônio casou-se com Genebra de Barros Leite, de uma tradicional família paulista, cujos laços reuniam os ramos Pais de Barros e Jorge Velho, dos antigos bandeirantes. Segundo a pesquisadora Paula da Cruz Landim y Goya, a sede da chácara do brigadeiro estava localizada exatamente onde hoje é a Biblioteca Municipal Mário de Andrade e muitas das árvores existentes na praça Dom José Gaspar (atrás da biblioteca) remontam ao tempo do brigadeiro, que as teria mandado plantar. 



Após a morte do Brigadeiro Luís Antônio, a propriedade passou para o seu filho Francisco Antônio de Sousa Queiroz, que depois tornou-se o Senador Queiroz (e que também recebeu do imperador D. Pedro II o título de barão). No mapa acima de 1874, na parte inferior, está apontado o local da sede da chácara do Senador Queiroz, exatamente na confluência da São Luís com a rua da Consolação (o terreno da chácara era o quarteirão inteiro). A rua São Luís ainda era designada como Beco Comprido. Pelo que se sabe, o logradouro recebeu o nome de São Luís por iniciativa do Senador Queiroz, por ter sido o santo devoto de seu pai, o falecido Brigadeiro Luís Antônio. Coube também ao Senador Queiroz arborizar a rua com duas fileiras de jacarandás-mimosos, os quais, um dia, teriam feito sombra para o imperador D. Pedro II. O senador casou-se com Antonia Eufrosina de Campos Vergueiro, filha do também senador Nicolau de Campos Vergueiro (que foi regente do Império, depois nome de um logradouro conhecido e de estação de metrô) e de sua esposa, Maria Angélica de Vasconcellos, que era prima de Genebra de Barros Leite, mãe do Senador Queiroz. Muito confuso? Basta lembrar que nesse tempo, as famílias da elite paulista promoviam enlaces entre seus integrantes a fim de ampliar a influência política e econômica. 




Com o fim do Império e a morte do Senador Queiroz em 1891 a família foi deixando a atividade política para a geração nova de republicanos. Com isso, a chácara do Senador Queiroz, que passou a ser chamada de "Chácara Velha", foi sendo dividida e loteada, inicialmente entre os próprios familiares (nas imagens acima, a planta com a divisão dos terrenos entre os familiares e o local da Chácara Velha, em foto sem data). Portanto, a rua São Luís passou a abrigar todo o clã Souza Queiroz. 




Um dos filhos do Senador Queiroz, Luís Antonio de Souza Queiroz manteve um palacete, situado na esquina da rua São Luís com a rua Epitácio Pessoa, hoje avenida Ipiranga (nas fotos, de cima para baixo, a esquina da São Luís com a Ipiranga em 1939 e o palacete de Luís Antonio de Souza Queiroz). Do lado direito da primeira foto, atrás do guarda, onde vemos dois pinheiros e uma palmeira é o local onde hoje se encontra o edifício Itália. 



A partir do início do século XX, a rua São Luís foi perdendo a característica de ser um logradouro pertencente a uma só família. Em 1909, a Cúria Metropolitana (Igreja Católica) adquiriu um terreno naquela via, onde era a Chácara Velha, que se tornou sede da arquidiocese da cidade de São Paulo (exatamente onde hoje é a praça Dom José Gaspar). No ano de 1923, o Circolo Italiano adquiriu outro terreno, onde estava o palacete de Antônio de Souza Queiroz (cuja reconstituição vemos acima) e como já dissemos, local onde hoje se encontra o edifício Itália. A rua São Luís começou a abrigar mansões e palacetes de características bem ecléticas (diversificadas), que tornaram a mesma uma das vias mais charmosas da cidade, exatamente como aparece na foto que abre esta postagem. 
A rua São Luís transformou-se em avenida em 1944, sendo alargada pelo prefeito Prestes Maia, como parte do seu Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo. Como nos informa mais uma vez Paula da Cruz Landim y Goya, alguns palacetes perderam os seus jardins e outros foram demolidos para o alargamento da avenida. Na década de 1950, o setor de serviços começou a ocupar o local, dividindo o uso da avenida com as moradias e simultaneamente, teve início a verticalização. 


Em pouco mais de 10 anos, a paisagem da avenida sofreu alterações significativas dentro de um processo semelhante ao ocorrido depois na avenida Paulista. Os casarões deram lugar aos prédios (na foto acima, de 1955, a verticalização já praticamente consolidada). O primeiro foi o São Luís, inaugurado em 1945. Vários desses edifícios eram constituídos por apartamentos de luxo, dos primeiros a serem erguidos na capital paulista, quebrando a resistência da antiga elite com relação a esse modelo de moradia. 


O edifício Itália (foto acima e à direita do mesmo a avenida São Luís), um arranha-céu, é o grande símbolo desse período, sendo inaugurado em 1965. Dessa fase em diante, a avenida São Luís conheceu a sua mais recente vocação que recebeu, inicialmente, os escritórios de companhias aéreas, agências de viagens e casas de câmbio. 


A avenida São Luís (acima, em foto de 2013) constitui um exemplo das mutações pelas quais passou a capital paulista nos últimos duzentos anos, notadamente no seu centro histórico, caracterizado pela diversidade de usos e de atividades, desde habitações rurais (chácaras), depois residenciais e mais recentemente, escritórios e setor de serviços. A cidade de São Paulo se desfaz do seu passado num "piscar de olhos", infelizmente sem muitas vezes respeitar a sua história, situação que continua diante da acelerada especulação imobiliária e do jogo permissivo do livre mercado...
Crédito das imagens:
Foto da rua São Luís em 1939 com os seus casarões e palacetes: São Paulo de Antigamente
https://www.facebook.com/groups/168719980662932/
Mapa de 1810:
http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1810.htm
Mapa de 1874 e do palacete de Luís Antônio de Sousa Queiroz: São Paulo: três cidades em um século de Benedito Lima de Toledo. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1981, páginas 160 e 127 respectivamente.
Foto da esquina da avenida Ipiranga com a rua São Luís em 1939: Memória da Cidade de São Paulo: Depoimentos de Moradores e Visitantes/1553-1958 de Ernani da Silva Bruno. Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria Municipal de Cultura, 1981, página 193.
Planta dos lotes da família Sousa Queiroz e foto da Chácara Velha: História da Família Souza Queiroz. Instituto D. Ana Rosa, sem data, página 5 e 4 respectivamente.
Desenho do palacete de Antônio de Sousa Queiroz: Mutação da paisagem urbana. Um caso significativo na cidade de São Paulo: a Avenida São Luiz de Paula da Cruz Landim y Goya. Revista Paisagem e Ambiente, 1989, página 46.
Foto da avenida São Luís em 1955: Instituto Moreira Salles. 
Foto do edifício Itália:
https://vejasp.abril.com.br/cidades/edifício-italia-50-anos/
Foto da avenida São Luís em 2013:
https://www.flickr.com/photos/brunograziano/44502409302/

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