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segunda-feira, 6 de julho de 2020

Imagens Históricas 47: Marta Rocha



Uma Miss Universo sem título. Aproveito o passamento da eterna Miss Brasil, a baiana Marta Rocha (1936-2020) para lembrar alguns aspectos interessantes que envolveram esta personagem e o concurso do qual participou em 1954 (na foto acima, Marta Rocha em Long Beach, Califórnia), mesmo que hoje em dia referir-se aos concursos de misses (que voltaram à moda) possa soar como um resquício machista. As mulheres negras passavam longe desse concurso, que privilegiava a beleza das mulheres brancas e nórdicas. Na década de 1950, era algo amplamente aceito e muito divulgado pela mídia, sobretudo nas revistas de grande circulação e também o sonho de muitas adolescentes. 


Até a ida de uma brasileira para o concurso maior de Miss Universo recebia grande atenção. Ao ser eleita Miss Brasil (foto acima), Marta Rocha enfrentou uma cansativa viagem de avião para a cidade de Long Beach, na Califórnia, onde ocorreu o concurso de Miss Universo. A viagem durou três dias. Isso mesmo, três dias, mesmo sendo de avião. Muitas paradas no meio do caminho, num verdadeiro "pinga-pinga" como se costumava dizer. Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Nicarágua e San Salvador. Nesta ultima parada duas outras misses pegaram "carona" (a representante local e a Miss Costa Rica) e ainda o "lobisomem" dos filmes de Hollywood, o ator Lon Chaney Jr, que participava de uma locação naquele país. Aliás, Marta e Lon Chaney conversaram alegremente durante o voo. 


Ao chegar em Long Beach, as candidatas eram aguardadas para uma maratona de compromissos, muitos dos quais ao ar livre, como a apresentação para a imprensa sob um calor de 40 graus. Inevitável que algumas participantes se sentissem mal, como foi o caso da Miss Nova Zelândia (imagem acima). Segundo nos relata João Martins, enviado especial da revista O Cruzeiro (e também autor das fotos desta postagem), nessa mesma apresentação, Marta Rocha retirou-se discretamente após uma indisposição. No desfile na orla de Long Beach, no dia seguinte, que durou quase três horas, muitas misses sofreram pequenas queimaduras frente a um sol abrasador. Outro compromisso das candidatas foi o encontro com os astros da Universal Studios, patrocinadora do evento. As três primeiras colocadas teriam como prêmio um contrato em Hollywood. 
O ambiente da Guerra Fria influenciou o concurso. Por suspeita de vinculação com um jornal comunista (para o qual havia feito um desenho), a Miss Grécia Rika Dialina teve dificuldades para obter um visto de entrada nos Estados Unidos e chegou a ter uma substituta, que depois teve de ser retirada. Na ultima hora, Rika acabou aparecendo. Aliás, o simples fato da Miss Hong Kong ter ficado em terceiro lugar levou a especulações a respeito dessa escolha, como sendo um recado político para a República Popular da China (de regime comunista). 


Um detalhe curioso foi o fato da escolha da Miss Estados Unidos ter ocorrido apenas dois dias antes do concurso Miss Universo (na foto acima, Miriam Stevenson ainda como Miss Carolina do Sul). 


E exatamente foi a Miss Estados Unidos que acabou arrebatando o 1º lugar no Miss Universo (foto acima, Stevenson coroada), mesmo tendo Marta Rocha como favorita. Para comprovar isso, o já citado jornalista João Martins enviou fotos dos jornais locais com as prévias que indicavam a brasileira como vencedora. Mas o que ocorreu? Aí ficam as hipóteses que o próprio João Martins levantou. De que o concurso perdia prestígio junto ao público estadunidense e que a eleição de uma candidata local serviria para reverter isso ou ainda que os interesses do estúdio cinematográfico patrocinador teriam tido influência. Até mesmo a simples tese de que a beleza feminina é algo relativo foi aventada. O que é belo para alguns pode não ser para outros. Mas, sem a menor dúvida, a história das duas polegadas a mais nos quadris foi o aspecto mais comentado ao longo das décadas seguintes. A mesma virou até marchinha carnavalesca na voz da própria Marta Rocha:

Por duas polegadas a mais,
Passaram a baiana pra trás.
Por duas polegadas,
E logo nos quadris.
Tem dó, tem dó, seu juiz.
(Pedro Caetano e Alcir são os autores) 



A história teria sido levantada por João Martins da revista "O Cruzeiro" entre as várias hipóteses para explicar a derrota diante da estadunidense Miriam Stevenson (que aparece na primeira foto acima, já com a coroa de Miss Universo e na foto de baixo, a vice, Marta Rocha).  


Devemos lembrar que Marta Rocha (na foto acima, com a vencedora Miriam Stevenson à esquerda) nunca perdeu o seu prestígio, mesmo não vencendo o concurso. Aliás, ela nunca alimentou a história das duas polegadas a mais, a qual muitos acreditam ser uma lenda. A sua postura elegante diante do fato de não ter vencido pode ter ajudado em muito na manutenção de seu prestígio pessoal. Em nenhum momento perdeu a simpatia ou se fez de injustiçada. Convite para Hollywood? Simplesmente não aceitou por não ser o seu objetivo. Tal acontecimento veio a se tornar um estranho caso de segundo lugar lembrado entre os brasileiros como se fosse primeiro. O mais interessante é que duas outras brasileiras chegaram ao título máximo da beleza feminina na década de 1960: Ieda Maria Vargas e Martha Vasconcelos. As mesmas foram pouco lembradas nas décadas seguintes. Com Marta Rocha ocorreu o contrário. Uma exceção num país onde se diz que o segundo lugar não vale nada ou equivale apenas a ser o primeiro entre os perdedores...
Crédito das imagens:
Marta Rocha de maiô em Long Beach, Miriam Stevenson como Miss Carolina do Sul, foto colorida de Marta Rocha como Miss Brasil, a miss desmaiada: revista O Cruzeiro de 7 de agosto de 1954, páginas 14, 39, 11
Fotos de rosto de Miriam Stevenson e Marta Rocha: revista O Cruzeiro de 28 de agosto de 1954, página 102.
Foto de Miriam Stevenson coroada Miss Universo e ao lado de Marta Rocha: revista O Cruzeiro, de 14 de agosto de 1954, páginas 18 e 12. 

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