Isso mesmo o que você, caro leitor (a), observou no título desta postagem, longo mas necessário. Inicialmente pretendíamos escrever um simples relato da exibição da nave espacial Gemini V, em sua passagem por terras brasileiras (acima, a cápsula sendo preparada para ser exposta em uma tenda, em plena Praça da Sé, no centro da capital paulista). No entanto, descobrimos que a exibição da mesma era parte de um evento maior intitulado "Trabalhismo nos Estados Unidos". A estranha combinação temática deve ser atribuída aos organizadores da exposição, a qual, além do Brasil percorreu a Argentina e o México, no início de 1966. Até onde se sabe é a primeira e única vez que uma nave espacial autêntica foi exibida por estas bandas. Embora referindo-se a assuntos tão díspares, a exposição cumpria uma dupla função, a de divulgar como a maior potência capitalista do mundo tratava a sensível relação envolvendo patrões e empregados, como também mostrar a sua maior realização naquele momento, as missões ao espaço. Vale lembrar que o título "Trabalhismo" não tinha nenhuma relação com o legado das leis de proteção ao trabalhador brasileiro, concebidas durante o governo Getúlio Vargas em seu primeiro mandato (1930-1945), até porque a exposição remetia ao movimento sindical nos Estados Unidos. Aliás, o trabalhismo daqui (e o Partido Trabalhista Brasileiro) estava proscrito desde o golpe militar de 1964, sendo até estranho que a exposição carregasse essa denominação.
O blog História Mundi já teve a oportunidade de publicar algumas postagens sobre a corrida espacial nos tempos da Guerra Fria, período que marcou a rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética (acima, a Gemini V em foto de 2018). Os soviéticos acumulavam, até meados da década de 1960, uma série de feitos como o lançamento do primeiro satélite artificial (o Sputnik), do primeiro ser vivo a ir ao espaço (a cadela Laika), do primeiro homem numa viagem espacial (Iuri Gagarin) e ainda o de terem colocado a primeira mulher em órbita (Valentina Tereshkova), isso sem falar no primeiro cosmonauta (como os soviéticos chamavam os seus astronautas) a fazer um passeio fora da nave (Aléxei Leonov). Diante desse quadro, o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy (1917-1963), lançou ainda em 1961, um desafio: colocar o primeiro homem na Lua até o final daquela década. Para isso, além dos gigantescos recursos financeiros e tecnológicos que foram mobilizados, a propaganda foi fundamental para mostrar a capacidade da economia de mercado diante dos prodígios até então apresentados pelo regime comunista. Foi nesse momento que o Brasil entrou como escala para os astronautas (vejam por exemplo, a nossa postagem "Imagens Históricas 42: o astronauta Neil Armstrong no Brasil") e até para as naves espaciais. Verdade seja dita que o soviético Iuri Gagarin (1934-1968) já havia estado aqui em 1961, tendo na ocasião afirmado o seu orgulho em ser proveniente da classe operária, quando da visita ao Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. Mas isso foi antes do já citado golpe de 1964 e do posicionamento anticomunista da ditadura militar. As relações entre o Brasil e os Estados Unidos, que já eram próximas desde o final da Segunda Guerra Mundial, se aprofundaram ainda mais após o golpe.
Os vôos espaciais da série Gemini foram preparatórios para o projeto Apollo, que deveria levar astronautas à Lua (acima, o lançamento da Gemini V no foguete Titan II, em agosto de 1965). A Gemini V foi o 11º voo espacial estadunidense tripulado, o 19º voo espacial humano de todos os tempos (incluindo aqui oito voos espaciais soviéticos) e a terceira missão do projeto Gemini. A nave ficou no espaço entre os dias 23 e 29 de agosto de 1965, quebrando o recorde de permanência em órbita da Terra, mesmo tendo antecipada a sua volta devido a um furacão. De qualquer forma, ficou demonstrada a resistência dos astronautas para uma viagem de ida e volta à Lua. A missão ainda bateu o recorde de voltas em torno da Terra, num total de 120 (o recorde anterior era dos soviéticos com 81).
A Gemini V teve como tripulantes os astronautas Charles Conrad (1930-1999) e Gordon Cooper (1927-2004), sendo este último o comandante. Cooper participou dos três programas espaciais que culminaram com a chegada do homem à Lua: o projeto Mercury, o programa Gemini e o projeto Apollo (na foto acima, Conrad e Gordon antes do lançamento da Gemini V).
Gordon se tornou o primeiro estadunidense a passar um dia inteiro no espaço, o primeiro a dormir no espaço (acima, Cooper após o retôrno na última viagem do projeto Mercury em 1963) e depois o terceiro humano a andar na Lua (como participante da missão Apollo 12).
A cápsula era o único artefato da missão a retornar à Terra (era o habitáculo dos astronautas) e não podia mais ser reutilizada. A nave chegou ao Rio de Janeiro na noite do dia 6 de janeiro de 1966, para ser apresentada ao público carioca junto com a exposição "Trabalhismo nos Estados Unidos", na sede do Automóvel Clube do Brasil (na foto acima, sem data, o edifício do ACB). Depois do Brasil, a exposição seguiria para a Argentina e para o México. Por isso, esta primeira apresentação ao público era um teste importante para os organizadores.
Para receber a Gemini V foi montada uma tenda com faixas verticais em amarelo e azul, semelhante a um pequeno circo e posicionada bem em frente ao prédio do Automóvel Clube, no Passeio Público, centro do Rio de Janeiro (na foto acima, a chegada da Gemini ao local e ao fundo a entrada da exposição). A espaçonave nem havia completado um semestre de sua viagem e nunca havia sido mostrada ao público, nem mesmo nos Estados Unidos. Por sua vez, a exposição "Trabalhismo nos Estados Unidos" foi organizada pelo Serviço de Divulgação e Relações Culturais dos Estados Unidos (USIS) em colaboração com a Federação Americana dos Trabalhadores - Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO) e da Secretaria de Turismo da Guanabara (antigo Estado da Guanabara, que compreendia a cidade do Rio de Janeiro).
No mesmo dia da chegada da Gemini, os organizadores concederam uma entrevista coletiva na Embaixada dos Estados Unidos (ainda instalada no Rio de Janeiro, apesar de Brasília) para que detalhes da exposição fossem divulgados à imprensa.
Noyes Thompson Powers (1929-2007), assessor direto do Secretário do Trabalho dos Estados Unidos era, muito provavelmente, a maior autoridade daquele país presente (na imagem acima, a Miss Trabalhismo Susan Strickland e Thompson Powers, o segundo da direita para a esquerda). Powers havia sido organizador da campanha de John F. Kennedy à presidência e trabalhou depois nas campanhas primárias de seu irmão Robert Kennedy (até o seu assassinato em 1968). Em 1965, Thompson Powers havia estado no Brasil para liderar um projeto internacional de gestão na área trabalhista, tendo portanto uma familiaridade com o país e era considerado um grande apreciador da nossa cultura. Na entrevista também estiveram presentes os representantes sindicais da AFL-CIO, Ferdinand Sylvia e Gualberto Silva, sendo ambos de origem portuguesa e que por isso, falavam a nossa língua. Além deles, destaque para Susan Strickland, eleita Miss Trabalhismo especialmente para o evento e que era estudante da tradicional Escola Americana do Rio de Janeiro, uma instituição privada voltada para receber filhos de cidadãos estadunidenses (e de outras partes do mundo também) residentes na cidade. Para a exposição em São Paulo foi apresentada outra Miss Trabalhismo, a senhorita Pris (Priscila) Goslin.
Durante a coletiva, os organizadores responderam muitas perguntas, sobretudo a respeito das questões trabalhistas, sendo uma delas sobre o desemprego nos Estados Unidos, que na época girava em torno de 4,4% da população trabalhadora (algo em torno de 3 milhões e 300 mil trabalhadores). Para os sindicalistas, o problema do desemprego seria superado quando fosse aprovada no Congresso uma lei enviada pelo presidente Lyndon Johnson (1908-1973), a qual permitia a redução da jornada de trabalho e aposentar os trabalhadores mais cedo (exatamente o contrário do que se pensa hoje), a fim de ampliar as vagas no mercado de trabalho. Os entrevistados destacaram que o país dispunha de seguro social, um auxílio que durava 36 semanas, tempo considerado suficiente para que o trabalhador conseguisse outro emprego. A automação (conjunto de tecnologias que permitem a operação automática da produção, sem a intervenção direta de operadores humanos) era vista como o fator que mais contribuia para a redução dos empregos. A previsão era de que, com o tempo, ocorreria o desaparecimento dos trabalhadores não especializados e rurais. De acordo com os representantes sindicais, o governo estadunidense incentivava as empresas a ampliarem as suas atividades em outras áreas, para empregar os operários que estavam sendo substituídos pela automação e capacitando trabalhadores para outros segmentos. A ideia era de que, enquanto estivessem em fase de treinamento, receberiam uma bonificação para a compra de cigarros, jornais, ingressos para teatros e para poderem participar de associações recreativas.
Os sindicatos não necessitavam de consentimento governamental para se formar e nem sofriam interferências por parte das autoridades estadunidenses (na imagem acima, a Miss Trabalhismo, Susan Strickland, ao lado dos sindicalistas). Como afirmou Thompson Powers, o papel do governo em relação ao movimento sindical é semelhante ao desempenhado com outros grupos da iniciativa privada e que as leis existiam apenas para "manter certos níveis de atuação e regular as relações entre empregadores e empregados". Powers afirmou ainda que o intercâmbio com as entidades sindicais brasileiras visava estreitar as relações entre os trabalhadores dos dois países.
Um assunto, ao que parece um tanto quanto delicado, foi lembrado na coletiva: a greve no transporte público na cidade de Nova Iorque. Os representantes sindicais estadunidenses não deram maiores informações sobre esse movimento, alegando que estavam em viagem para o Brasil quando o mesmo teve início. Contudo, ressaltaram que uma lei estadual proibia greves e paralizações no funcionalismo público daquela cidade e que a Corte de Justiça teria de considerar o movimento ilegal, determinando a prisão de seus líderes (algo que, de fato, ocorreu).
No dia 7 de janeiro de 1966, um sábado, a exposição foi inaugurada com a presença de aproximadamente 400 convidados (na foto acima, visitantes observam a Gemini V). Pelos relatos dos jornais da época, nenhuma autoridade de peso compareceu à cerimônia, nem o prefeito do Rio de Janeiro e nem o governador do antigo Estado da Guanabara. A recepção foi oferecida por Philip Raine, encarregado de Negócios da representação dos Estados Unidos, o qual ressaltou que o sucesso na melhoria das condições de vida da população estadunidense era decorrência do fato dos trabalhadores serem livres e também disso decorreu a formação dos sindicatos, possibilitando aos empregados negociarem em "igualdade de condições" com os empregadores. Uma mensagem do presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson (1908-1973), foi lida na ocasião e na mesma foi destacado o desejo compartilhado pelas organizações sindicais democráticas daquele país, de que os povos possam viver unidos em paz, com liberdade e progresso.
Também estiveram presentes na inauguração o adido de imprensa da embaixada Jack Wyant, o adido científico Andre Simonpieri (1911-1986) e o encarregado da divulgação do programa espacial, Edward Hickey, que também era locutor da rádio "Voz da América", emissora estatal e internacional de notíciais dos Estados Unidos (na foto acima, Hickey em 1962), os quais deram informações sobre as viagens espaciais. Hickey rebateu a ideia de que estivesse ocorrendo uma corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética.
O que havia era a determinação em realizar a conquista do espaço para fins pacíficos, embora sempre fosse destacado que, naquele momento, levar o homem à Lua era o objetivo maior (na imagem acima, Hickey, segundo da esquerda para a direita e Simonpietri, primeiro à direita, presentes na abertura da exposição). Simonpietri previa que isso deveria ocorrer em 1970 ou, talvez, em 1969 (como, de fato, ocorreu), embora não soubesse afirmar se antes ou depois dos soviéticos, pois pouco se sabia a respeito do real estágio dos mesmos. Os Estados Unidos reconheciam que os rivais dominavam conhecimentos técnicos e científicos consideráveis, mas que a NASA (Agência Nacional de Aeronaútica e Espaço) estava "trabalhando direitinho", com vistas a colocar a bandeira dos Estados Unidos na Lua antes da União Soviética. Apesar da negativa dos entrevistados, era evidente que atingir essa meta seria um grande trunfo diante dos soviéticos.
A exposição deveria ficar aberta ao público entre os dias 8 e 23 de janeiro de 1966, seguindo depois para São Paulo. A distribuição da mostra (feita em pelo menos 4 salas), começava logo na entrada com as fotos do presidente Lyndon Johnson e de George Meany (1894-1980), presidente da AFL-CIO, a maior central sindical dos Estados Unidos até os dias de hoje (na foto acima, Meany e Johnson em 1968), com 13 milhões de afiliados naquela época. Vários gráficos e estatísticas foram apresentados, como por exemplo, a evolução do salário médio do trabalhador, desde o início do século XX; de que um em cada três trabalhadores estadunidenses eram do sexo feminino ou de que 13 milhões de indivíduos recebiam cheques mensais de instituições previdenciárias, por aposentadoria ou invalidez (permanente ou temporária). De um total de 75 milhões de trabalhadores, algo em torno de 25% eram sindicalizados e o setor que mais agregava trabalhadores filiados era, na época, o da indústria automobilística.
Os visitantes também poderiam ver 25 slides (imagens e fotos projetadas em uma tela de 1,50 por 1,80 metros) mostrando a história do movimento sindical nos Estados Unidos, a partir da década de 1930. Pela descrição feita no jornal "Tribuna da Imprensa" foram também exibidos filmes, reproduzindo como era um sindicato "típico" dos Estados Unidos, tendo como exemplo o dos trabalhadores do setor de energia elétrica. A imagem cinematográfica foi o recurso mais utilizado na exposição. Esse segmento teve uma frequência maior de empresários, executivos e dirigentes sindicais, como era de se esperar.
Para os mais jovens e aficcionados pelas viagens espaciais, foi mostrado o documentário "Passeio no Espaço" (acima, um trecho desse filme), com as imagens tomadas durante o voo da Gemini IV, que marcou a primeira caminhada de um astronauta estadunidense fora da cápsula, protagonizada por Edward White (1930-1967). As maquetes das espaçonaves atraíram a atenção das crianças presentes ao evento.
Mas, sem dúvida, a "vedete" (expressão muito comum na época, referência às atrizes do teatro de revista) da exposição era a cápsula espacial, com filas de mais de meia hora para ver e tocar a mesma (acima, painel de controle de uma nave modelo Gemini, como visto pelos astronautas).
Para o público feminino, a atração foi o desfile de moda, com modelos desenhados pelos integrantes do Sindicato da Indústria de Confecções de Roupas Femininas.
Vieram dos Estados Unidos aproximadamente 60 modelos incluindo trajes de banho (como os apresentados na imagem acima, ao lado da Gemini V), que foram vestidos por nove alunas da Escola Americana do Rio de Janeiro. Os desfiles estavam previstos para durar 15 minutos e seriam exibidos a cada meia hora. Finalmente, em um quiosque, foi feita a distribuição de material impresso, contendo informações sobre o movimento sindical nos Estados Unidos, tais como guias referentes às negociações trabalhistas, livros tratando dos contratos coletivos de trabalho, entre outros. Várias entidades sindicais brasileiras tiveram encontros agendados com os representantes estadunidenses, às quais foi apresentado o "sindicalismo democrático", como era conhecido o modelo praticado pela AFC-CIO.
De acordo com uma matéria do jornal Correio da Manhã, publicada no dia 9 de janeiro de 1966, o recinto da exposição recebeu um fundo musical com canções dos trabalhadores americanos, as quais por se referirem às greves, campanhas salariais, dificuldades sociais e choques entre patrões e empregados, não foram traduzidas para o português, a fim de não criar problemas com a ditadura militar que governava o país. As recepcionistas (também recrutadas entre as alunas da Escola Americana) fizeram apenas comentários gerais, sem entrar em maiores detalhes.
Talvez essa exposição não seja tão lembrada pelos cariocas, em função de uma das maiores (senão, talvez, a maior) tragédia natural que a cidade do Rio de Janeiro sofreu: as chuvas que tiveram início na madrugada do dia 10 de janeiro de 1966 e que perduraram por cinco dias. Um rastro de destruição foi verificado em praticamente toda a área urbana, com deslizamentos nos morros, milhares de desabrigados e um saldo de mais de 250 mortes.
A exposição não escapou aos efeitos do temporal. A cápsula ficou ilhada em meio a enchente na rua do Passeio Público e serviu até de abrigo para as pessoas (como mostram as duas fotos acima), correndo sério risco de sofrer danos em função da elevação do nível das águas, que alcançou 60 centímetros debaixo do toldo que a protegia. Os organizadores desmentiram a informação de que populares tivessem trepado na espaçonave para escapar da enchente. Em função desse imprevisto, a exposição ficou fechada por um dia.
Não sabemos se foi algo programado com antecedência ou não, mas a Gemini V seguiu depois para a cidade serrana de Petrópolis (RJ), onde foi exibida por apenas dois dias no "Salão da Ciência", no conhecido Hotel Quitandinha (conforme vemos no anúncio acima). Já a exposição "Trabalhismo nos Estados Unidos" veio direto para São Paulo. Na capital paulista foi cumprido o mesmo ritual, com entrevistas à imprensa para apresentação e com roteiro de visita idêntico ao que foi visto no Rio de Janeiro. O mesmo Edward Hickey, da rádio "Voz da América", respondeu a várias perguntas, uma das quais sobre os requisitos para um indivíduo ser escolhido astronauta: ser nascido nos Estados Unidos; ter mais de duas mil horas de vôo em jatos; ser engenheiro aeronaútico e ter saúde perfeita. E acrescentou que em função dessas exigências, nenhuma mulher havia sido escolhida até aquele momento. Provavelmente, Hickey foi questionado sobre isso por algum jornalista, uma vez que a União Soviética já havia enviado uma mulher ao espaço. No dia 30 de janeiro, a Gemini V estava exposta na Praça da Sé, em frente à catedral, e lá permaneceu até o dia 6 de fevereiro. Já a exposição "Trabalhismo nos Estados Unidos" foi instalada na Galeria Prestes Maia (uma passagem ampla, debaixo do Viaduto do Chá) em pleno centro de São Paulo.
A exposição foi inaugurada no dia 11 de fevereiro e contou com a presença do prefeito Faria Lima (na foto acima, da esquerda para a direita, Faria Lima; a Miss Trabalhismo, Pris Goslin e o consul dos Estados Unidos, Niles W. Bond, no corte da faixa inaugural). Além da mensagem do presidente Johnson, na mostra em São Paulo foi mencionada uma carta enviada por George Meany da central sindical AFL-CIO aos trabalhadores brasileiros.
A etapa seguinte da exposição, após passar pela capital paulista, era a cidade de Buenos Aires. Infelizmente não conseguimos rastrear os detalhes da mesma na capital argentina, a não ser um envelope postal comemorativo sobre a Gemini V (imagem acima). A cápsula espacial foi exibida no Aeroparque George Newberry (o aeroporto situado dentro de Buenos Aires).
Como já mencionamos anteriormente, a greve nos transportes públicos de Nova Iorque era um assunto delicado para os integrantes do AFL-CIO, que como vimos, pregava um modelo de sindicalismo mais comportado e não afeito ao estilo luta de classes, o que na visão deles, era identificado com o comunismo. Portanto, a AFL-CIO não teve participação nessa paralização.
A greve foi organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte da América (TWU sigla em inglês) entre os dias 1 e 13 de janeiro de 1966, sendo a primeira a obter a adesão simultânea dos serviços de ônibus e metrô daquela cidade (na foto acima, trabalhadores na paralização). O inconveniente para os sindicalistas que estavam aqui no Brasil era que a greve questionou a ideia de existir plena liberdade para as organizações sindicais estadunidenses, pois o líder da TWU, Mike Quill (1905-1966) foi detido e morreu em decorrência de um ataque cardíaco, sofrido quando era levado à prisão, por suposto desacato a uma autoridade judicial. A paralização resultou em um aumento salarial consideravel aos trabalhadores e foi tida pelas lideranças sindicais como vitoriosa.
De acordo com a historiadora Larissa Rosa Correa, em sua tese de doutorado "Disseram que voltei americanizado: Relações Sindicais Brasil-Estados Unidos na Ditadura Civil-Militar (1964-1978)" defendida na Unicamp em 2013, no início da década de 1960 existia a preocupação dos Estados Unidos com a infiltração comunista na América Latina, muito em função do êxito da Revolução Cubana (1959), que poderia se tornar um "mal exemplo" aos países da região. O alerta foi reiterado ao presidente brasileiro João Goulart, num encontro com John F. Kennedy em abril de 1962, na cidade de Washington. Em função disso, era desejo do governo Kennedy (e depois de seu assassinato, de Lyndon Johnson, seu vice e sucessor) de estreitar os laços da AFL-CIO com os sindicalistas brasileiros e que estes assimilassem a linha de atuação da mesma. O presidente Goulart não demonstrou o interesse esperado pelos Estados Unidos nessa questão.
A Federação Americana dos Trabalhadores (AFL) surgiu em 1886, a partir da união das seis grandes organizações sindicais estadunidenses, estando focada essencialmente nas reinvindicações salariais e melhorias nas condições de trabalho. A central sindical agrupava trabalhadores com maior qualificação e foi acusada de discriminar negros e imigrantes. O Congresso das Organizações Industriais (CIO) surgiu em 1935, inicialmente como dissidência da AFL, procurando organizar os trabalhadores não especializados na luta por benefícios e leis sociais. O CIO foi resultado das políticas do New Deal para combater os efeitos da crise de 1929 sobre a classe trabalhadora, sobretudo o desemprego, buscando romper o individualismo e a postura apartidária predominante no movimento sindical. Mas, ao longo das décadas seguintes prevaleceu a linha adotada pela AFL, com o afastamento dos elementos mais radicais e dos comunistas, sobretudo na fase da Guerra Fria. Sob tais condições, as duas organizações acabaram se unindo em 1955, formando a AFL-CIO, a qual se tornou a maior confederação sindical dos Estados Unidos.
Ainda de acordo com a historiadora Larissa Rosa Corrêa, a concepção da AFL-CIO era por uma pratica sindical focada na melhoria das condições de trabalho e reajustes salariais, o chamado sindicalismo "puro e simples" ou ainda "sindicalismo democrático", sem a interferência do Estado, de partidos políticos e pregando as negociações coletivas e diretas com os empregadores (acima, o logo da AFL-CIO e a sua sede em Washington). Era esse modelo, também chamado de contratualista, que a instituição pretendia exportar para o Brasil e para o mundo. Para isso, a AFL-CIO criou em 1961 o Instituto Americano para o Sindicalismo Livre (IADESIL), que veio depois a promover palestras, cursos, visitas e intercâmbio entre sindicalistas, inclusive do Brasil. Embora pregassem a independência do movimento sindical em relação ao Estado, o IADESIL acabou por se tornar um braço dos interesses do governo estadunidense, havendo inclusive suspeitas de colaboração de seus integrantes com a Agência Central de Inteligência (CIA). Uma anedota circulava entre vários sindicalistas brasileiros de que, na verdade, a AFL-CIO era a "AFL-CIA".
Por outro lado, as praticas do movimento sindical no Brasil eram reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) implantada no período ditatorial de Getúlio Vargas, o Estado Novo (1937-1945), inspirado no modelo fascista italiano. Por exemplo, a mesma proibia o funcionamento de centrais sindicais que agregassem trabalhadores de diferentes setores da economia, sendo que a estrutura sindical era organizada a partir de sindicatos únicos e divididos por ramos de produção e regiões, com federações e confederações, as quais eram fiscalizadas e controladas pelo Ministério do Trabalho. O modelo brasileiro era classificado como corporativista, onde o Estado regulava as relações trabalhistas, intermediava e julgava os conflitos no setor (individuais e coletivos) por meio da Justiça do Trabalho.
Tornou-se evidente que existia uma grave contradição por parte da AFL-CIO em pregar o "sindicalismo democrático" num país que era governado por uma ditadura militar, que entre outras coisas, perseguia lideranças sindicais, mesmo as que não eram comunistas (nacionalistas, por exemplo). Embora também pregasse a liberdade dos trabalhadores, episódios como a greve nos transportes de Nova Iorque em 1966, deixam dúvidas sobre os limites dessa liberdade. Nenhuma referência foi feita pelos representantes da AFL-CIO presentes no Brasil a respeito da luta dos negros estadunidenses pelos direitos civis e igualdade, que tornou o pastor Martin Luther King conhecido em todo o mundo. Enfim, por trás da vinda da nave espacial, do filme sobre o passeio no espaço, do desfile de moda e da exposição sobre o trabalhismo democrático estadunidense, havia toda uma mensagem ideológica a ser transmitida. Afinal de contas, as guerras são travadas também no campo das ideias...
Crédito das imagens:
Fotos da Gemini V em 2028, do lançamento da nave, dos astronautas, do logo da AFL-CIO e da sede da mesma em Washington: Wikipédia.
Cenas do documentário "Passeio no Espaço": Youtube
Foto de George Meany da AFL-CIO com presidente Johnson: https://www.holdenluntz.com/artists/stan-stearns/president-johnson-with-afl-cio-founder-george-meany/
Foto da sede do Automóvel Clube: https://twitter.com/ORioAntigo/status/1280948548591370241
Foto da inauguração da exposição em São Paulo: The Foreign Service Journal, volume 43, nº 6, junho de 1966, página 35.
Postal da exibição da Gemini V em Buenos Aires: https://www.ebay.co.uk/itm/283641786069
Fotos da Gemini V na Praça da Sé e no Passeio Público: Acervo Estadão.
Foto da entrevista coletiva no dia da chegada da Gemini V ao Rio: O Jornal. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1966, página 10 (1º Caderno).
Foto de Susan Strickland com sindicalistas: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1966, página 2, 1º Caderno.
Público vendo a Gemini V no Rio: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1966, página 16 (1º Caderno).
Entrevista no dia da inauguração da Exposição no Rio: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1966, página 53.
Foto de Edward Hickey: Voice of America: 75 years of After-Hours Wisdom. Washington D.C., pag. 67.
Foto dos populares abrigados debaixo do toldo da Gemini V: Revista Manchete. Bloch Editores, edição 0718, pag. 7.
Foto colorida do toldo da capsula Gemini V em meio à enchente: Revista Manchete. Bloch Editores, edição 0719, pag. 42.
Anúncio da exibição da Gemini V em Petrópolis: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1966, página 10.
Modelos posando ao lado da Gemini V: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1966, página 10, 1º caderno.
Foto dos grevistas do transporte público em Nova Iorque: https://www.twu.org/remebering-the-bravery-of-mike-quill-and-twu-local-100/
Fotos do retorno do astronauta Gordon Cooper e do painel da Gemini: O Homem e o Espaço. Biblioteca Científica Life. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1968, páginas 91 e 188 respectivamente.
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