No último dia 5 de abril, este que vos escreve teve o privilégio de apresentar o professor Benjamin Ortiz Espejel da Universidade Iberoamericana de Puebla (México) e docente visitante da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que esteve no Museu do Horto Florestal (SP), a fim de proferir uma palestra sobre patrimônio ambiental. O encontro foi proporcionado pela equipe do museu capitaneada por Natália Almeida e ainda contou com a presença do professor Janes Jorge, especialista em história ambiental e docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da professora Aline Vieira de Carvalho, pesquisadora e docente do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp (NEPAM). Entre o público ouvinte muitos estudantes e interessados no tema.
A palestra proporcionou um rico debate entre o professor Ortiz e a platéia a respeito de questões associadas à temática ambiental (na foto acima, o público presente durante a apresentação do professor Ortiz). Os termos sustentabilidade e desenvolvimento sustentável ganharam evidência no mundo após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro há exatos 27 anos. Seu uso tornou-se indiscriminado e passou a ser uma espécie de "selo de qualidade" para qualquer tipo de empreendimento econômico, inclusive aqueles vistos como prejudiciais à natureza e ao meio ambiente, como estradas, projetos imobiliários, hidrelétricas, construção de rodovias e exploração mineral, entre outros. O conceito também foi apropriado por partidos políticos das mais variadas vertentes. Uma das questões propostas por Benjamin Ortiz é o de buscar uma nova definição ou ressignificação do que vem a ser sustentabilidade, cujo sentido têm sido banalizado nas últimas décadas. Contudo, na opinião de Ortiz, para que isso ocorra, existe a necessidade de observarmos outras experiências de manejo produtivo da natureza, muitas delas realizadas pelas populações tradicionais.
O mundo vive uma crise de civilização com a adoção crescente de um modo de vida pautado no consumismo descartável, na destruição dos recursos naturais não renováveis e numa crescente desigualdade social, caracterizada por acentuada concentração de renda. Trata-se de uma modernidade materialista e mercantilista, que se faz acompanhar pela deterioração do meio ambiente. Para poder estabelecer um padrão de vida saudável para si mesma e para as futuras gerações, a sociedade moderna deverá pautar as suas necessidades de acordo com a capacidade da natureza em satisfazer as mesmas, sobretudo diante do atual quadro de mudanças climáticas (aquecimento global). Para o professor Benjamin Ortiz as organizações sociais não podem ser analisadas separadas da natureza, uma vez que é desta que as mesmas retiram a sua sobrevivência. É perceptível, por exemplo, que as variações climáticas bruscas (as quais são responsáveis por tempestades, furacões e chuvas torrenciais), os grandes desastres e crimes ambientais atingem as populações mais vulneráveis ou menos assistidas. A destruição ambiental produz a pobreza de milhões de pessoas e essa mesma pobreza é um fator prejudicial à preservação do meio ambiente, uma vez que exerce pressão sobre o mesmo.
Nesse sentido, Benjamin Ortiz (na foto acima, da esquerda para a direita, os professores Janes Jorge, Benjamin Ortiz, este que vos escreve e Aline Carvalho) nos propõe uma visita aos projetos alternativos resultantes de uma longa luta de resistência social por parte das populações indígenas, dos camponeses e de setores marginalizados, sobretudo diante do avanço das políticas neoliberais que privilegiam o mercado, a partir do final da década de 1980. O foco de seus estudos é o México, onde se originou uma das mais vigorosas civilizações, a Mesoamerica (astecas, maias, tlaxtaltecas, zapotecas, entre outras). Tais sociedades se desenvolveram a partir da domesticação do milho e de outras 100 espécies de plantas, num processo que durou pelo menos 7 mil anos. Trata-se da presença de uma biocultura, conceito novo no qual se combinam o legado cultural de determinadas populações e como estas fizeram (e, em muitos casos, fazem) uso dos recursos naturais. No México, a população indígena atual atinge algo em torno de 15 milhões de indivíduos (segundo dados de 2010), ocupando os territórios bioculturais onde se constituíram espaços para a construção de formas alternativas de produção.
Para que o leitor (a) tenha ideia dessa diversidade biocultural presente nos 25 estados que compõem a federação mexicana, os levantamentos apontam a existência de 365 variedades linguísticas ou como afirmou o professor Ortiz (nas fotos acima, a platéia atenta), "uma para cada dia do ano"! Desde pelo menos 9 mil anos atrás, essas populações já domesticavam o milho e esse processo resultou em torno de 60 variedades dessa espécie vegetal. Estudos recentes demonstram a enorme possibilidade desse manejo e domesticação do milho ter alcançado o atual território do Brasil, bem antes da chegada dos portugueses. Essas culturas foram responsáveis pela preservação da biodiversidade, sendo que o campesinato que fala línguas indígenas detém o controle de uma superfície de 28 milhões de hectares, onde estão as áreas biologicamente mais ricas do país, com as maiores porções de selva, reservas de água e os sistemas de agricultura tradicional. O controle desse território pelas comunidades camponesas e indígenas foi fruto do processo de reforma agrária, gerado pela Revolução Mexicana do início do século XX. Nessas comunidades é que iremos encontrar exemplos de práticas econômicas sustentáveis no manejo das florestas, bosques, campos e recursos hídricos (água) de forma não predatória, que servem primeiramente ao sustento dessas populações e mantendo uma relação complementar com o mercado, mas não subalterna a este.
Um exemplo citado pelo professor Benjamin Ortiz (na foto acima, o debate logo em seguida à palestra) diz respeito a Oaxaca, considerado como o estado mexicano mais rico em biodiversidade e também em termos de populações tradicionais. Em função disso, é o que apresenta a maior quantidade de experiências de manejo sustentável da natureza, com uma notável integração entre riqueza biológica e riqueza cultural. Em torno de 77% dessa unidade federativa é formada por propriedade social (terras camponesas e comunidades indígenas) e onde são faladas mais de 250 línguas. Além disso, esse estado contém o maior número de espécies de animais e plantas do país.
Para que o leitor (a) tenha ideia dessa diversidade biocultural presente nos 25 estados que compõem a federação mexicana, os levantamentos apontam a existência de 365 variedades linguísticas ou como afirmou o professor Ortiz (nas fotos acima, a platéia atenta), "uma para cada dia do ano"! Desde pelo menos 9 mil anos atrás, essas populações já domesticavam o milho e esse processo resultou em torno de 60 variedades dessa espécie vegetal. Estudos recentes demonstram a enorme possibilidade desse manejo e domesticação do milho ter alcançado o atual território do Brasil, bem antes da chegada dos portugueses. Essas culturas foram responsáveis pela preservação da biodiversidade, sendo que o campesinato que fala línguas indígenas detém o controle de uma superfície de 28 milhões de hectares, onde estão as áreas biologicamente mais ricas do país, com as maiores porções de selva, reservas de água e os sistemas de agricultura tradicional. O controle desse território pelas comunidades camponesas e indígenas foi fruto do processo de reforma agrária, gerado pela Revolução Mexicana do início do século XX. Nessas comunidades é que iremos encontrar exemplos de práticas econômicas sustentáveis no manejo das florestas, bosques, campos e recursos hídricos (água) de forma não predatória, que servem primeiramente ao sustento dessas populações e mantendo uma relação complementar com o mercado, mas não subalterna a este.
Um exemplo citado pelo professor Benjamin Ortiz (na foto acima, o debate logo em seguida à palestra) diz respeito a Oaxaca, considerado como o estado mexicano mais rico em biodiversidade e também em termos de populações tradicionais. Em função disso, é o que apresenta a maior quantidade de experiências de manejo sustentável da natureza, com uma notável integração entre riqueza biológica e riqueza cultural. Em torno de 77% dessa unidade federativa é formada por propriedade social (terras camponesas e comunidades indígenas) e onde são faladas mais de 250 línguas. Além disso, esse estado contém o maior número de espécies de animais e plantas do país.
A Serra Norte de Oaxaca abriga dezenas de comunidades indígenas cuja origem remonta à época anterior à chegada dos colonizadores espanhóis. Por meio de um árduo processo de emancipação social levado a termo nas últimas quatro décadas, tais comunidades recuperaram o controle sobre os recursos florestais antes explorados por empresas privadas e estatais, passando a organizar projetos baseados na tradição cultural, na forma de governo comunal (cujos postos são ocupados por indivíduos eleitos pela comunidade) e sem a interferência de partidos políticos. Os eleitos não recebem remuneração, uma vez que o cargo constitui obrigação e não privilégio. Um dos destaques de Oaxaca é a produção de café orgânico, o que contribuiu para que o México se tornasse o primeiro produtor mundial desse tipo de café. Contudo, a economia não se pauta por um único produto e sim por um sistema agroflorestal que respeita a biodiversidade natural daquela região.
Em outra unidade da federação, Quintana Roo (onde está localizada a Riviera Maia e o balneário de Cancún) existem vários exemplos de cooperativas e associações que se dedicam ao manejo florestal de madeiras, à pesca (lagosta, moluscos e peixes) e ao ecoturismo (na foto acima, o professor Ortiz e os participantes do encontro). Também no sul do México temos a região de Chiapas, a maior produtora de café orgânico do país e sob controle das populações locais, por meio de uma gestão associativista. Já a região Mixteca, formada pelos estados de Puebla, Oaxaca e Guerrero é uma das regiões mais pobres do México, com elevados índices de marginalização social e migração. Um dos mais graves problemas dessa região é a água e a pouca disponibilidade de fontes naturais (aquíferos) para obtenção da mesma. Em 1988 surgiu uma organização civil que deu origem a um projeto conhecido como "Água para sempre", através do qual foram realizadas obras hidráulicas; sistemas de captação de água das chuvas; o reflorestamento através do qual se permite abastecer com água os mananciais subterrâneos e prevenir a erosão do solo; represas através das quais a água é canalizada para os campos agrícolas e a recuperação da terra para o cultivo de vários produtos, entre eles o amaranto, também chamado de "feijão dos Andes", muito conhecido pelas antigas populações da Mesoamérica. Trata-se de um cereal de alto valor nutritivo e rico em potássio, zinco e vitaminas do complexo B. O amaranto é considerado benéfico para o coração, o rim, o intestino e para a pressão arterial. O seu cultivo, desaparecido por muito tempo, foi recuperado pelas comunidades da Mixteca.
Em praticamente todas essas iniciativas a gestão comunitária e associativista se faz presente. Tudo é decidido por meio de assembleias locais, de onde são eleitos os dirigentes e conselheiros de boa parte das entidades. A igualdade de gêneros (entre homens e mulheres) é colocada sempre como algo a ser praticado e algumas associações dispõem de um sistema próprio de crédito, permitindo uma maior autonomia financeira aos seus integrantes, sem a dependência do Estado e dos grandes bancos.
Tais exemplos nos revelam como a ideia de sustentabilidade pode ganhar outra dimensão, mais abrangente e que, ao mesmo tempo, respeite as características locais das populações e suas tradições (nas fotos acima, da esquerda para a direita, este que vos escreve e o professor Benjamin Ortiz). Imediatamente somos levados a confrontar essas experiências com o caso do Brasil e de sua imensa biodiversidade, sobretudo quando pensamos na Mata Atlântica e na Amazônia. Cada caso é um caso em matéria de economia sustentável, mas os exemplos proporcionados pelo professor Benjamin Ortiz podem nos ajudar a encontrar caminhos para a construção de modelos de sustentabilidade, que atendam as necessidades das populações e os princípios de proteção à natureza. Os economistas, em geral, confrontam tais modelos com o agronegócio, o qual possui capacidade de gerar maior renda para o país através das exportações. Contudo, ele não têm se mostrado adequado à proteção ambiental, gera desmatamento em grande escala e, em muitos lugares, não proporciona renda às populações locais, uma vez que a agricultura mecanizada não cria muitos empregos diretos. Além disso, o agronegócio faz uso de agrotóxicos e se baseia no cultivo de produtos geneticamente modificados, prejudiciais à saúde humana. Nesse sentido, a adoção de uma economia verdadeiramente sustentável passa pela revisão de práticas e de conceitos, como assinalado no início desta postagem, a respeito de que tipo de sociedade desejamos para nós e para os que virão mais tarde...
Crédito das imagens: autor e Natália Almeida do Museu do Horto.
Em outra unidade da federação, Quintana Roo (onde está localizada a Riviera Maia e o balneário de Cancún) existem vários exemplos de cooperativas e associações que se dedicam ao manejo florestal de madeiras, à pesca (lagosta, moluscos e peixes) e ao ecoturismo (na foto acima, o professor Ortiz e os participantes do encontro). Também no sul do México temos a região de Chiapas, a maior produtora de café orgânico do país e sob controle das populações locais, por meio de uma gestão associativista. Já a região Mixteca, formada pelos estados de Puebla, Oaxaca e Guerrero é uma das regiões mais pobres do México, com elevados índices de marginalização social e migração. Um dos mais graves problemas dessa região é a água e a pouca disponibilidade de fontes naturais (aquíferos) para obtenção da mesma. Em 1988 surgiu uma organização civil que deu origem a um projeto conhecido como "Água para sempre", através do qual foram realizadas obras hidráulicas; sistemas de captação de água das chuvas; o reflorestamento através do qual se permite abastecer com água os mananciais subterrâneos e prevenir a erosão do solo; represas através das quais a água é canalizada para os campos agrícolas e a recuperação da terra para o cultivo de vários produtos, entre eles o amaranto, também chamado de "feijão dos Andes", muito conhecido pelas antigas populações da Mesoamérica. Trata-se de um cereal de alto valor nutritivo e rico em potássio, zinco e vitaminas do complexo B. O amaranto é considerado benéfico para o coração, o rim, o intestino e para a pressão arterial. O seu cultivo, desaparecido por muito tempo, foi recuperado pelas comunidades da Mixteca.
Em praticamente todas essas iniciativas a gestão comunitária e associativista se faz presente. Tudo é decidido por meio de assembleias locais, de onde são eleitos os dirigentes e conselheiros de boa parte das entidades. A igualdade de gêneros (entre homens e mulheres) é colocada sempre como algo a ser praticado e algumas associações dispõem de um sistema próprio de crédito, permitindo uma maior autonomia financeira aos seus integrantes, sem a dependência do Estado e dos grandes bancos.
Tais exemplos nos revelam como a ideia de sustentabilidade pode ganhar outra dimensão, mais abrangente e que, ao mesmo tempo, respeite as características locais das populações e suas tradições (nas fotos acima, da esquerda para a direita, este que vos escreve e o professor Benjamin Ortiz). Imediatamente somos levados a confrontar essas experiências com o caso do Brasil e de sua imensa biodiversidade, sobretudo quando pensamos na Mata Atlântica e na Amazônia. Cada caso é um caso em matéria de economia sustentável, mas os exemplos proporcionados pelo professor Benjamin Ortiz podem nos ajudar a encontrar caminhos para a construção de modelos de sustentabilidade, que atendam as necessidades das populações e os princípios de proteção à natureza. Os economistas, em geral, confrontam tais modelos com o agronegócio, o qual possui capacidade de gerar maior renda para o país através das exportações. Contudo, ele não têm se mostrado adequado à proteção ambiental, gera desmatamento em grande escala e, em muitos lugares, não proporciona renda às populações locais, uma vez que a agricultura mecanizada não cria muitos empregos diretos. Além disso, o agronegócio faz uso de agrotóxicos e se baseia no cultivo de produtos geneticamente modificados, prejudiciais à saúde humana. Nesse sentido, a adoção de uma economia verdadeiramente sustentável passa pela revisão de práticas e de conceitos, como assinalado no início desta postagem, a respeito de que tipo de sociedade desejamos para nós e para os que virão mais tarde...
Crédito das imagens: autor e Natália Almeida do Museu do Horto.
Boa noite. Aqui deixo o link de parte de um dos vídeos feitos da palestra no Museu Florestal.
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=OVzbs09ywpU
Uma bela palestra,assisti apenas esse trecho disponível no Youtube, está perfeito e atual bem dentro da nossa realidade.Parabéns
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